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Por que cativar os precedentes?

Debate sobre o subsistema processual dos precedentes

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Agenda 05/09/2015 às 11:11

O entrave ao desenvolvimento econômico e social provocado por um Judiciário que gera jurisprudências desconexas será minimizado, em virtude dos precedentes e dos sistemas de uniformização de jurisprudência que foram implementados no Código de Processo Civil de 2015.

1.      A Teoria dos precedentes não acaba com o problema do interprete

Caracterizar o Direito como uma ciência e deste modo exigir que sejam produzidos métodos de operacionalidade que sejam dotados de racionalidade e objetividade é um sonho para aqueles que idealizam o Direito não como um “fenômeno social”[1], mas antes enquanto um sistema de regras lógicas. Isto porque não é o conhecimento científico racional senão “a construção de um conjunto de normas lógicas para se produzir novos conhecimentos”[2]. Esta compreensão do direito perdurou por longínquo tempo e ensimesmou o jurista. As possíveis interseccionalidades entre o direito e os outros ramos do conhecimento foram cerceadas do amplo debate. Os caminhos escolhidos pelos pensadores e operadores do direito para que fosse construída a ciência jurídica delinearam-se pelos vértices da construção positivista.

Influenciados pelas ideias de Augusto Comte, de Austin e de outros sociólogos e juristas, os operadores do Direito perpassaram a experiência do Positivismo Social, do Positivismo Jurídico (legalismo, normativismo) delinearam-se e cederam os seus entendimentos à necessidade de uma ciência social positiva dotada de métodos e normas. O Direito, diante disto, enquanto “ciência” metajurídica, instaurou um novo modo procedimental quanto à produção da linguagem, quanto ao entendimento normativo textual, quanto aos questionamentos de validade interpretativa (a questão do hermeneuta) e em fim acabou por implodir suas próprias pretensões.

No contexto contemporâneo aparenta ser obviedade contumaz que as Teorias que muito se apegam ao formalismo, a linguagem rebuscada e a conceitos inoperantes servem, por conseguinte, aos interesses de grupos sociais dominantes, aos interesses dos “fatores reais de poder”[3] (Os fatores reais do poder que regulam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas da sociedade em apreço, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são[4]). O Direito é o meio instituído socialmente por milênios como instrumento de controle social, enquanto centro normatizador das condutas sociais e como forma de reduzir as expectativas para os complexos comportamentos sociais. O Direito é composto de linguagem e alerta o ilustre Alfonso López:

“(...) Que meios um tirano tem à sua disposição para submeter o povo enquanto o convence de que é mais livre do que nunca?

Esse meio é a linguagem. A linguagem é o maior dom que o homem possui, mas também, o mais arriscado. É ambivalente: a linguagem pode ser terna ou cruel, amável ou displicente, difusora da verdade ou propagadora da mentira. A linguagem oferece possibilidades para, em comum, descobrir a verdade, e proporciona recursos para tergiversar as coisas e semear a confusão”[5].

A reflexão trazida à baila por Alfonso consubstancia o entendimento de Heiddeger, “na história as palavras são freqüentemente mais poderosas que as coisas e os fatos”[6]. A inocência dos primeiros juristas não mais é admissível quando nos permitimos compreender que as leis latus senso são as normas fundantes e intransponíveis de um ordenamento completo e congruente. Renegar ao processo de produção de ato jurídico decisório, majoritariamente composto por sentenças, uma carga axiológica cognitiva em que as palavras valem mais do que os atos, contraria o entendimento que em poucas linhas fomos capazes de formular, assim como vai ao encontro da manutenção de um status quo que negligencia, marginaliza, grande parte da população por meio do uso de conceitos abstratos, abertos, descompromissados com a possibilidade de trazer luz sobre os reais argumentos que formularam a decisão jurídica.

É possível afirmar que o processo de interseccionalidade multidisciplinar essencial para as ciências humanas e, em especial para o Direito, ocorre em similitude ao que é desenvolvida com as enzimas no Corpo Humano. Processo que Emil Fischer, em 1894, chamou de a hipótese da chave-fechadura[7]. Para que esta assertiva torne-se clara podemos trazer a tona o que afirma o insigne Marcelo Neves:

“o direito constitui, em outras palavras, um sistema normativamente fechado, mas cognitivamente aberto. A qualidade normativa serve à autopoiese, a cognitiva serve à concordância desse processo entre o ambiente e o sistema”[8].

De modo que não se tome o Direito como algo inútil, isto é, que serve apenas a si mesmo, assim como também o é um momento de felicidade. O Direito deve ser útil. O Direito deve está aberto às nuances sociais para que num ato contínuo de transformação seja um repositório das conquistas sociais. Que o Direito reflita os fatores reais de poder, mas que reflita a transformações contínuas destes fatores. Findar uma ordem social normativa não deve ser a teleologia de qualquer movimento social. A manutenção das Instituições, a possibilidade de que às expectativas de comportamento, de futuro, de entendimento de negociação entre as partes esteja ampla e irrestritamente protegida pela segurança, garante que as novas demandas, tão mais céleres e volumosas quanto são as atividades de interação com o mundo cosmopolita, sejam mais satisfatoriamente resolvidas. É por esta vertente argumentativa, que demonstra ser a mais sensata, que enveredam os sociólogos pós-modernos, entre eles cabe nos citar o entendimento de Habermas:

“A imposição duradoura de uma norma depende também da possibilidade de mobilizar, num dado contexto da tradição, razões que sejam suficientes pelo menos para fazer parecer legítima a pretensão de validez no círculo das pessoas a que se endereça. Aplicado às sociedades modernas, isso significa: sem legitimidade, não há lealdade das massas”[9].

Os termos utilizados por Habermas não poderiam ser mais cirúrgicos: “sem legitimidade, não há lealdade das massas”[10]. Superado o entendimento do debate sociológico cabe compreender o porquê dos postulados até este momento demonstrados serem dotados da característica fundamental a uma preliminar: sem eles a complexidade material do estudo dos precedentes torna-se irrelevante. Compreender a razão histórica do surgimento e aplicação da Teoria dos Precedentes. Compreender que o Juiz também pratica um ato político durante a “subsunção” do fato a norma. Compreender que a dificuldade do hermeneuta enquanto postulado fundamental para que a segurança jurídica seja perfeita é inafastável. Enfim, compreender os argumentos até agora apresentados é um ato de desvencilhar a visão do senso comum para a abordagem cientifico-jurídica que se pretenda exequível.

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De outro modo, a formação do microssistema de precedentes é uma tentativa que de tudo se tem provado viável, exequível. Este microssistema tem sido alvo de manifesta e insistente produção de pareceres de Juristas que acreditam ser esta teoria a solução das demandas incontáveis que assolam um Judiciário cada vez mais burocrático, mais exigido democraticamente, mais importante na conformação dos direitos sociais. Judiciário que tem sido demandado para solucionar questões que nunca antes na história haviam sido Judicializadas. Uma análise do contexto político contemporâneo que salta aos olhos dos mais incautos é a possibilidade de que o Poder Judiciário pela primeira vez na história brasileira defina se um Presidente da República segue ou não em seu mandato, caso da Presidenta Dilma Roussef e das ações que contra a candidatura e o mandato da mesma estão sendo promovidas face ao Supremo Tribunal Federal[11].

É, pois, neste contexto que surge a necessidade de que compreendamos que por mais perfeita que seja a conformação dos microssistemas gerados no ventre de um processo legislativo é a sua aplicabilidade, a possibilidade de que pragmaticamente as pessoas possam usufruir de um sistema mais completo e coerente que traz legitimidade ao sistema. Os precedentes continuarão a gerar discórdias sociais, aliás elas já existem e em quantidade arrazoada. Mas também, os precedentes gerarão maior segurança jurídica, expectativas mais confiáveis de qual é o comportamento esperado socialmente e mediante isto o estímulo ao desenvolvimento de negócios jurídicos que poderão ser balizados por decisões confiáveis e que se submeterão a análise de um corpo de juristas conhecidos e a argumentos vinculantes. “Habermas fala sobre a correção do enunciado ser resultado de um procedimento comunicativo capaz de lhe conferir aceitabilidade racional”[12]. “A argumentação racional de uma decisão busca alcançar o consenso, assim entendido como a legitimação social da decisão”[13].

Ainda que neste processo hermenêutico o significado não brote da coisa, mas também não o seja a construção de uma consciência racional. Afirmar-se-ia que o processo de tomada de decisão humana é complexo por natureza foi delineado pelo entendimento de Nietzsche de que “definível é apenas aquilo que não tem história”[14]. “O significado é encontrado porque o ser humano é um ser-no-mundo”[15]. Não há uma ponte entre os distintos polos que surgem das diversas interpretações possíveis, das diversas experiências que o Ser humano submete-se e, por conseguinte, ao seu modo de ver o mundo, “como diz o Michell Inwood: o que precisa ficar estabelecido é que o ser humano se apresenta no centro do mundo, reunindo os fios deste. Esse ser humano traz consigo o mundo inteiro”[16].

É corolário lógico da afirmação Habermasiana que um sistema jurídico que pretenda ser lógico, mas também claro e, portanto, dotado da legitimidade popular, precisa ter preocupações com a garantia da racionalidade. Exatamente neste momento que a Teoria dos Precedentes e a Legitimidade Habermasiana coincidem. Conforme restará demonstrado a Teoria dos Precedentes tem em sua base ideológico-formativa a Teoria do stare decisis. O princípio basilar é a racionalidade e, por conseguinte, é cabível a visão de que o Juiz guiado por esta Teoria deve fundamentar em sua decisão a ratio decidendi, isto é, os motivos que o guiaram a decidir por tal solução a lide, é, por logo, a racionalidade endoprocessual um requisito indispensável a construção deste arquétipo. “Assim, o consenso em torno da decisão apresenta-se como objetivo da atividade judicial, defendendo-se a ideia de que é ele alcançado através da participação democrática dos sujeitos no processo”[17].


2.      Conceitos fundamentais da Teoria dos Precedentes

Conforme o entendimento firmado no tópico em que tratamos sobre o fato de que a Teoria dos Precedentes não é capaz de superar a questão do hermeneuta, a dinâmica da linguagem, além das premissas que guiaram até que pudéssemos afirmar de modo veemente que a criação de inúmeros conceitos linguísticos e neste aspecto a doutrina processualística destaca-se pela produção incansável de conceitos que nem sempre são operacionais, mostra-se de importância ímpar que enveredemos ao menos pelo caminho de tentar admoestar aos que operacionalizam o sistema jurídico o que compreendemos pelos conceitos fundamentais da Teoria dos Precedentes Judiciais.

A primeira conceituação decisória a este respeito é sobre o que se compreende por sistema jurídico do Common Law. A expressão Common Law, recentemente, tem sido usada para reunir os sistemas jurídicos de certos países, como a Inglaterra, em uma “família ou tradição jurídica” e distingui-la da “família ou tradição jurídica” do Civil Law. Alguns pensadores do Direito, contudo, trataram de tentar delinear de forma mais precisa o que se pode compreender por Common Law. Segundo Rheinstein, common law é o “sistema de conceitos jurídicos anglo-americanos e a técnica tradicional que forma a base do Direitos dos estados que o adotaram”[18]. Cástan, em outros termos, assim definiu o common law; “o Direito da Inglaterra e de todos aqueles sistemas que tomaram como modelo o Direito Inglês e se formaram inspirados nele, cuja estrutura jurídica é fundamentalmente jurisprudencial”[19]. Ainda neste sentido, cabe compreender o conceito de Common Law apresentado por Sesma: “por common law, pode entender-se o elemento casuístico do Direito anglo-americano (case law) constituído pelos precedentes judiciais, ou seja, a jurisprudência dos tribunais anglo-americanos”[20]

A maior característica que delinea o sistema do common law é a Teoria dos Precedentes. De modo que, a priori caberá definir o que seja precedentes, jurisprudência e súmulas; para, a posteriori, definir as diversas categorizações nas quais são passíveis de enquadrar o conceito de precedentes, quais sejam os precedentes declarativos ou criativos; e, os persuasivos ou obrigatórios.

Conforme o entendimento de Fredie Didier, precedente, em sentido lato, “é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”[21]. De acordo com Cruz e Tucci, “todo precedente é composto de duas partes distintas: a) as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; e, b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório”[22].

Na verdade, em sentido estrito, o precedente pode ser definido como sendo a própria ratio decidendi[23]. Conceituar súmula e jurisprudência é uma tarefa inglória. Esta tarefa demonstra-se por vezes como desnecessária, entretanto, como signos linguísticos constantes do Código de Processo Civil de 2015, é fundamental que para a compreensão adequada do que seja a ideia que almeja ser suscitada quando a estes signos nos referimos, sejam referenciados conceitos maleáveis, sucintos e abertos.

Assim, súmula seria “o enunciado normativo (texto) da ratio decidendi (norma geral) de uma jurisprudência dominante, que é a reiteração de um precedente”[24]. Válido salientar, que no entendimento do CPC/15, as súmulas não são enunciados prescritivos de normas gerais e abstratas completamente dissociadas do contexto fático que lhes deram origem. Em conformidade com a regra constante no artigo 926, §2º, CPC: “Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação”.

Por outro lado, ainda em relação aos Precedentes, é fundamental que compreendamos as dicotomias que classificam estes em declarativos ou criativos e a que o faz em persuasivos ou obrigatórios. Precedentes, pela Teoria Declarativa, são frutos do processo de trazer à luz o Direito que preexiste a decisão judicial. Blackstone a este respeito afirma que “os juízes são os depositários das leis; os oráculos vivos que devem decidir em todos os casos de dúvida e que se encontram obrigados, por um juramento, a decidir em conformidade com o Direito do país”[25]. A posição dicotômica a esta, isto é, a de que os precedentes são constitutivos do direito, predomina nos Estados Unidos da América e entende que “o Direito é criado pelas decisões judiciais – judge make law”[26]. Neste sentido assinala Sesma:

“autores como Gray, Holmes, Cardozo, Pound e Salmond assinalam que é uma ficção pueril conceber o Direito como existente independetemente e antes das decisões judicias; ao contrário, defendem que o common law não está constituído por costumes imemoriais, mas, sim, pelas normas criadas pelos juízes ao decidirem os concretos submetidos a sua consideração”

Sobre a segunda dicotomia a ser tratada sobre os precedentes, isto é, quando estes são de caráter meramente persuasivos e quando o são de caráter obrigatório são válidas as análises mais profícuas. Isto porque o ordenamento jurídico brasileiro apresenta um entendimento único sobre o microssistema de precedentes. No processo de aprovação do Código de Processo Civil de 2015 foi suscitado o argumento de que a criação de um sistema de precedentes seria inconstitucional por via de norma infraconstitucional. Os defensores desta tese afirmavam que assim como ocorreu quando da instauração do instrumento que possibilitou ao Supremo Tribunal Federal emitir Súmulas Vinculantes, assim também deveria ocorrer no processo que instituía no Brasil o microssistema de precedentes.

Tal entendimento, contudo não deve prevalecer. As súmulas vinculantes são obrigatórias não apenas para os Tribunais e todo o Poder Judiciário, mas as Súmulas Vinculantes também deve ser seguidas de modo vinculado pelos órgãos da administração pública de modo que poderia por ventura ser compreensível que por meio infraconstitucional não pudesse ser aberta uma exceção ao princípio da separação de poderes. Este, entretanto, não é o caso do sistema de precedentes.

O sistema de precedente é, em verdade, um corolário lógico do sistema de hierarquia do Poder Judiciário. É por esta razão que é tão fundamental que compreendamos que os Precedentes podem ter duas possibilidades argumentativas. Os precedentes persuasivos não são obrigatórios aos juízes e o grau de persuasividade depende de diversos fatores, tais como: a posição do Tribunal que proferiu a decisão na hierarquia do Poder Judiciário, o prestígio do Juiz condutor da decisão, a data da decisão, se foi unânime ou não, a boa fundamentação, a existência de vários fundamentos etc[27]. O precedente é obrigatório, vinculante, bilding precedente, ou dotado de binding authority (autoridade vinculante), “quando tiver eficácia vinculativa em relação aos casos em que, em situações análogas, lhe forem supervenientes”[28]. “No Brasil, há precedente com força vinculante – é dizer, em que a ratio decidendi contida na fundamentação de um julgado tem força vinculante”[29]. Este precedente vinculantes estão elencados no artigo 927, CPC.

Em virtude de todos os argumentos apresentados torna-se notório que o quantum argumentativo a ser distinguido como fundamentação dos precedentes, entendendo estes como bipartidos [fatos somados ao direito], é a ratio decidendi, isto é, “em qualquer decisão judicial aquilo que cria o precedente e é ocupa espaço de relevo no processo decisório são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi”[30]. “A ratio decidendi (...) constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law)”[31].

Em contrapartida, nas decisões judiciais encontramos coadunando com a ratio decidendi, o obter dictum. O obter dictum, ou simplesmente dictum, “é o argumento jurídico, consideração, comentário exposto apenas de passagem na motivação da decisão, que se convida em juízo normativo acessório, provisório, secundário, impressão ou qualquer outro elemento jurídico-hermenêutico que não tenha influência relevante e substancial para a decisão”[32] (“prescindível para o deslinde da controvérsia”[33]). É válido considerar que, embora não seja o cerne do precedente, em verdade, não seja nem mesmo considerável para o precedente, o obter dictum pode sinalizar uma futura orientação do tribunal.

“O voto vencido em um julgamento colegiado tem a sua relevância para que se aplique a técnica de julgamento da apelação, do agravo de instrumento contra a decisão de mérito e da ação rescisória, cuja ação rescisória não seja unânime, na forma do art. 942 do CPC, bem como tem eficácia persuasiva para uma tentativa futura de superação do precedente”.

Depois de compreendermos o que é um precedente, de que forma ele é utilizado, o que o forma e outras características elementares, urge adentrarmos pelas veredas das técnicas de aplicação dos precedentes. De acordo com Edward Farnsworth,

“o uso do precedente é mais uma técnica do que uma ciência. É tão difícil aprendê-lo por meio da leitura de uma discussão da doutrina quanto o é aprender a andar de bicicleta através do estudo de um livro sobre mecânica, acrescendo que o assunto é muito mais controverso. É possível porém estabelecer vocabulário, fazer algumas generalizações mais óbvias e examinar alguns problemas mais interessantes”.

A técnica mais utilizada para não aplicação dos precedentes é o distinguishing. Esta técnica consiste em linhas gerais em analisar os fatos fundamentais (material facts), em um apropriado nível de generalidade e estes ao não conferirem com os fatos fundamentais do caso posterior em julgamento, os casos devem ser considerados, pelo tribunal ou juiz do caso julgador, como distintos. Consequentemente, o precedente não será seguido[34]. A este poder de distinguir, entretanto, alerta Marcelo Alves, “o poder de distinguir é importante – não se nega – como meio de dar flexibilidade ao sistema e de fazer justiça no caso concreto. Entretanto, não pode ser levado ao extremo, sobretudo por assim ferir, com uma injustiça gritante, o princípio da isonomia”[35].

Reconhecendo as dificuldades operacionais de possuir conhecimento irrestrito sobre os precedentes gerados pelas mais diversas Cortes de Justiça terminou por restar consagrado uma categoria de decisão denominada de “Decisão per incuriam”. Esta categoria refere-se a qualquer decisão que dada na ignorância de um precedente obrigatório ou de uma lei relativa ao caso é certamente dada de um modo diverso do que seria caso a Corte tivesse ciência do precedente ou da lei. Edward desenvolveu raciocínio adequado, quando do pronunciamento de que a formação de uma tradição judicial embasada em precedentes é complexa. Por ser mais uma técnica do que uma ciência é que os contornos as possíveis erros são mais intensamente averiguados e em casos como o da Decisão per incuriam não formam precedentes.

Como o objetivo central da Teoria dos precedentes é gerar segurança jurídica e uniformidade nas decisões é possível que as Cortes, em uma tentativa de garantir que seus precedentes seriam por todos conhecidos, por logo evitando gerar “Decisão per incuriam”, as Cortes podem adotar um sistema baseado na premissa de que o precedente não pode, em hipótese alguma, deixar de ser aplicado. “Até o ano de 1966, a House of Lords, formalmente renunciando ao poder de superar suas decisões anteriores, seguia estritamente essa visão da doutrina do binding precedente”[36]. A doutrina do stare decisis não exige uma obediência cega às decisões dos casos anteriores. “Os juízes devem sim conhecer e analisar a sapiência do passado, mas permite, em muitos casos, que se afastem do que considerarem incorreto”[37]. A técnica mais utilizada para modificar (revogar) os precedentes é o overruling. A este respeito afirma Sotelo: “o overruling equivale a uma declaração pública, ‘coram Populi’, de que todos os casos precedentemente decididos sobre a base daquele precedente errôneo tinham sido na realidade decididos em contrário ao que na verdade se toma como verdadeiro Direito”[38].

Para além de tudo até agora demonstrado ainda é válido conceituar o que seja Reversal. Este instrumento jurídico é a reforma de uma decisão de uma corte a quo, feita por uma corte ad quem, através de um recurso, dentro de um mesmo processo.

Sobre o autor
Markson Valdo Monte Rocha

Mestrando em Jurisdição e Processos Constitucionais pela UFPE Pós-graduando em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - Curso Fórum. Graduado na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Centro de Ciências Jurídicas - CCJ. Faculdade de Direito do Recife - FDR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Markson Valdo Monte. Por que cativar os precedentes?: Debate sobre o subsistema processual dos precedentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4448, 5 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42045. Acesso em: 22 nov. 2024.

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