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Um absurdo

Agenda 20/03/2016 às 17:03

A escuta registrada e apurada não envolveu conversa particular (assuntos familiares, negócios privados etc), mas algo de interesse de toda a população. Ademais, mesmo que seja considerada ilegítima, poderá ser ratificada pelo juízo competente.

A Advocacia-Geral da União (AGU) reforçou o discurso de que o juiz Sérgio Moro, que conduz os processos da Lava Jato, cometeu um crime ao tornar público o teor da conversa telefônica entre a presidente Dilma e o ex-presidente Lula, colocando inclusive em risco a segurança nacional.

A ligação telefônica em foco que foi interceptada tinha por alvo o ex-presidente Lula, que estava sendo investigado.

É bom avisar ao chefe da Advocacia da União que, apesar disso, ninguém está a salvo de investigação, nos termos da lei, nem o Presidente da República, dentro de um Estado Democrático de Direito.

A visão dada pelo Ministro chefe da Advocacia da União, mas lembra os tempos da ditadura militar em que a segurança nacional era salvaguarda do regime e do sistema. Em nome dela se deu o segredo, o silêncio.

Arbitrariedades foram cometidas e nada podia ser comentado, pois os donos do poder estavam a salvo de investigação.

Era a doutrina da segurança nacional.

Inserida na lógica da guerra fria, significava que qualquer divergência faria o jogo dos que queriam destruir o corpo social, sua ação deveria ser atribuída a uma inserção de vírus de fora para dentro do organismo social, deverá ser combatida com toda a força e ser extirpada.

Era a lógica de uma proposta autoritária.

Não se pode aceitar: coagir, ameaçar de ações criminais, em nome de uma segurança nacional que na verdade é a segurança dos agentes do poder.

As declarações de fontes do governo foram feitas a proposta de diálogo que foi gravado e divulgado.
O diálogo foi gravado no dia 16 de março, às 13h32min, e eles discutiam o termo de posse de Lula com o novo chefe da Casa Civil.

Houve intepretação de que o diálogo levava a obstrução das investigações.

A gravação foi tornada pública pelo juiz federal Sergio Moro.

O alvo da gravação foi o ex-presidente Lula, que estava sendo investigado pelo juízo da Vara Federal do Paraná. Num encontro fortuito de provas aparece a voz da atual presidente na conversação onde se tratava sobre o seu termo de posse como Ministro. 

Há prova ilegal e prova ilícita. Pietro Nuvolone (Le prove vietate nei processo penal nei paesi di diritto latino) aduzia que a prova será ilegal sempre que houver violação do ordenamento como um todo, quer sejam de natureza material ou meramente processual. Ao contrário, será ilícita a prova quando sua proibição for de natureza material, quando for obtida ilicitamente. A ilicitude material ocorre quando a prova deriva de um ato contrário ao direito e pelo qual se consegue um dado probatório. Por sua vez, há ilicitude formal quando a prova decorre de forma ilegítima pela qual se produz muito embora seja lícita  a sua origem. A ilicitude material diz respeito ao momento formativo da prova. A ilicitude formal ao momento introdutório da mesma.

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Prova ilegítima é aquela que viola regra de direito processual no momento de sua obtenção em juízo (ou seja: no momento em que é produzida no processo).

Dir-se-á, outrossim, que há uma dicotomia entre a prova ilegal e a prova ilegítima. A última pode ser objeto de ratificação pelo juízo competente.

Vedam-se provas obtidas por meios ilícitos(principio da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos), algo inerente ao Estado Democrático de Direito que não admite a condenação obtida pelo Estado a qualquer preço.

É mister registrar que no momento em que as gravações foram divulgadas, o Juízo da Vara Federal do Paraná dispunha de competência para investigar o ex-presidente da república, pois a posse (momento do inicio da prerrogativa de foro) somente se deu no dia seguinte.

A escuta registrada e apurada não envolveu conversa particular (assuntos familiares, negócios privados etc), mas algo de interesse de toda a população. Ademais, mesmo que seja considerada ilegítima, poderá ser ratificada pelo juízo competente.

Disse bem o Ministro Celso de Mello:

— A República, além de não admitir privilégios, repudia a outorga de favores especiais e rejeita a concessão de tratamentos diferenciados aos detentores do poder ou a quem quer que seja. Por isso, cumpre não desconhecer que o dogma da isonomia a todos iguala, governantes e governados, sem qualquer distinção, indicando que absolutamente ninguém está acima da autoridade das leis e da Constituição de nosso país. Condutas criminosas perpetradas à sombra do poder jamais serão toleradas, e os agentes que as houverem praticado, posicionados, ou não, nas culminâncias da hierarquia governamental, serão punidos na exata medida e na justa extensão de sua responsabilidade criminal — avisou o ministro.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um absurdo . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4645, 20 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47468. Acesso em: 22 dez. 2024.

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