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Comentários sobre a decisão que julgou a chapa Dilma-Temer e o desrespeito à autoridade do Supremo Tribunal Federal

Agenda 14/06/2017 às 11:10

Por que razão o TSE, por ocasião da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e nas Ações de Investigação Judicial Eleitoral e Representação, ajuizadas em face da chapa Dilma/Temer, debateu questão já apreciada pelo STF, na ADI nº 1082, de eficácia vinculante e efeito erga omnes?

A princípio, observo que a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade tem efeito e eficácia especiais, a saber:

a) efeito contra todos;

b) eficácia vinculante.

Esses atributos emanam diretamente da Constituição Federal:

"Art. 102. (...)

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal."

Mas esses atributos não são assegurados apenas pela Constituição Federal.

A Lei nº 9868, de 10 de novembro de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, não dá ensejo a dúvidas quando, peremptoriamente, declara que:

"Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal."

Feitas essas breves ponderações iniciais, relembro que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar, em 22 de maio de 2014, a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 1082, foi enfático e, mais que isso, manifestamente didático, ao declarar a constitucionalidade do art 7º, parágrafo único, e do art. 23, ambos da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, também conhecida como Lei das Inelegibilidades.

Atendendo à exigência contida no caput do art. 28 supratranscrito, o Supremo Tribunal Federal fez publicar a parte dispositiva do Acórdão resultante daquele julgamento no Diário Oficial da União (DOU 11/11/2014).

Assim, não se discutem a incidências do efeito contra todos e da eficácia vinculante daquela brilhante decisão.

Naquele julgamento, relembro que o Ministro Gilmar Ferreira Mendes se deu por impedido, pois atuou na defesa da Lei impugnada na ADIn, pois, na ocasião, era o Advogado-Geral da União, ou seja, DEFENDEU a constitucionalidade dos dispositivos impugnados, isto é, defendeu a validade do parágrafo único do art. 7º e do art. 23 da LC nº 64/90.

Mas o que estabelecem tais dispositivos legai? Vejamos:

"Art. 7° Encerrado o prazo para alegações, os autos serão conclusos ao Juiz, ou ao Relator, no dia imediato, para sentença ou julgamento pelo Tribunal.

Parágrafo único. O Juiz, ou Tribunal, formará sua convicção pela livre apreciação da prova, atendendo aos fatos e às circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, mencionando, na decisão, os que motivaram seu convencimento."

"Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral."

Dada clareza solar da redação, seria desnecessária qualquer consideração acerca desses dispositivos, mas uma breve síntese se afigura pertinente.

O Juiz, ou o Tribunal, deve formar sua convicção pela "livre apreciação da prova", atendendo aos fatos e às circunstâncias, "ainda que não alegados pelas partes".

Ademais, os fatos públicos e notórios também devem ser livremente apreciados. Entretanto, ainda que não houvesse fatos públicos e notórios, tampouco prova, a lei declarada constitucional pelo STF - com efeito contra todos e eficácia vinculante -, contenta-se com INDÍCIOS e PRESUNÇÕES, ainda que NÃO indicados ou alegados pelas partes!

Data maxima venia, mais claro que isso só se desenharmos.

Voltemos à ADIn nº 1082.

A unânime decisão do STF é suficientemente clara, tal quais os dispositivos impugnados.

Vejamos sua ementa:

"PROCESSO – ELEITORAL – ARTIGO 23 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90 – JUIZ – ATUAÇÃO. Surgem constitucionais as previsões, contidas nos artigos 7º, parágrafo único, e 23 da Lei Complementar nº 64/90, sobre a atuação do juiz no que é autorizado a formar convicção atendendo a fatos e circunstâncias constantes do processo, ainda que não arguidos pelas partes, e a considerar fatos públicos e notórios, indícios e presunções, mesmo que não indicados ou alegados pelos envolvidos no conflito de interesses." (grifamos)

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                  O seguinte excerto do voto do Relator da ADIn, seguido por todos os demais Ministros, crema e enterra qualquer entendimento divergente:

"A par desse aspecto, não se espera mais do magistrado uma atitude passiva, inerte, porquanto imparcialidade não se confunde com indiferença. Abriu-se caminho para que possa suprir a deficiência da instrução. Da constatação da natureza pública da relação jurídico-processual e da busca da verdade real decorre a exigência de prática de atos voltados a viabilizar a formação da certeza jurídica e da tranquilidade necessárias ao julgamento do mérito.

(...)

Nesta ação direta, está envolvido processo eleitoral, a direcionar a direitos e interesses indisponíveis, de ordem pública. Por mais que se tenha buscado assentar a completa separação entre o direito de ação e o material pleiteado em juízo, revela-se inegável a influência exercida pelo objeto da causa no próprio transcorrer do processo. Em direitos de ordem pública, quando a possibilidade de transação, disponibilidade e decretação da revelia é eliminada ou reduzida, apenas para exemplificar, mostra-se evidente o maior interesse do Estado na reconstituição dos fatos.

Em síntese, o dever-poder conferido ao magistrado para apreciar os fatos públicos e notórios, os indícios e presunções por ocasião do julgamento da causa não contraria as demais disposições constitucionais apontadas como violadas.

A possibilidade de o juiz formular presunções mediante raciocínios indutivos feitos a partir da prova indiciária, de fatos publicamente conhecidos ou das regras da experiência não afronta o devido processo legal, porquanto as premissas da decisão devem vir estampadas no pronunciamento, o qual está sujeito aos recursos inerentes à legislação processual."

Enfim, tanto os dispositivos impugnados, quanto o Acórdão do STF, não dão margem a dúvidas. A ninguém é dado o direito de descumpri-los sob a alegação de não os ter compreendido.

A Constituição Federal e a Lei nº 9868/99 também são muito claras quando atribuem à decisão em sede de ADIn efeito contra todos e eficácia vinculante, inclusive em relação ao Poder Judiciário.

Assim, a primeira questão que suscitamos é: por que medonha razão esse tema foi discutido no TSE, por ocasião da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e nas Ações de Investigação Judicial Eleitoral e Representação reunidas, todas envolvendo a chapa vencedora nas últimas eleições para Presidente e Vice-Presidente da República, se, por força da lei, aquele Acórdão do STF tem efeito contra todos e eficácia vinculante, inclusive, reitero, em relação ao Poder Judiciário (no que se insere o TSE)?

Por óbvio, essa indagação é pura retórica.

Mas uma questão não permite indagações: o TSE parece ter violado a Constituição Federal e a Lei nº 9868/99 e, no mesmo golpe mortal, parece ter desprezado o Acórdão vinculante do Supremo Tribunal Federal.

A respectiva preliminar sequer poderia ter sido conhecida, que dirá julgada, ainda que para confirmar o entendimento do STF.

Ora, se não poderia ser conhecida nem mesmo para confirmar a deliberação vinculante, tampouco julgada, que dirá para DESCUMPRIR o Acórdão do STF!!!

Com essa análise, não estou a dizer que não havia prova suficiente antes da chamada "Fase Odebrecht". Havia sim, e mais que suficiente.

Contudo, por força do Acórdão, cujo efeito atinge a todos e tem eficácia vinculante, inclusive alcançado o TSE, toda a prova produzida não apenas poderia, mas deveria ter sido considerada.

Em outras palavras: o TSE tinha a obrigação legal de apreciar todas as provas produzidas, e sequer poderia ter conhecido da preliminar sobre esse tema, isto é, só por ter conhecido da preliminar, o TSE feriu de morte a autoridade da decisão do STF.

Por fim, registro que, até o presente momento, estou estupefacto com o voto segundo o qual, se envolver o Presidente da República, a Ação de IMPUGNAÇÃO de mandato eletivo (AIME) não pode ser usada para CASSAR mandato eletivo, assim como a ação de INVESTIGAÇÃO judicial eleitoral (AIJE) não pode ser usada para investigar!

É dizer:

- é possível a instauração da Ação de IMPUGNAÇÃO de mandato sim, mas não para impugnar (cassar)!

- é possível a instauração da Ação de INVESTIGAÇÃO judicial, mas não para investigar!

Como assim, se o único objetivo de uma ação de IMPUGNAÇÃO de mandato é CASSAR o mandato impugnado?

Quanto a isso, não tenho nada mais a dizer! E precisa?

O art. 14, § 10, da Constituição Federal também é peremptório:

"Art. 14. (...)

§ 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude."

A toda evidência, o art. 14, § 10, da Constituição Federal da República, obviamente não exige prova previamente constituída, ou que a petição inicial seja, desde sua protocolização, instruída com provas, sob pena de torná-la uma ação natimorta.

Exige-se apenas que a ação seja instruída com provas, e qualquer ser dotado do mínimo de capacidade de compreender o mundo em que vive, sendo desnecessários conhecimentos jurídicos, sabe que a instrução, também denominada como "instrução probatória", é fase autônoma da marcha processual, e ocorre após a propositura de qualquer ação judicial, e sequer é a fase imediatamente seguinte à propositura, porquanto é precedida pela fase do "saneamento do processo" (arts. 357 e 358 do CPC).

Por fim, relembro que, contra essa decisão do TSE, além do Recurso Extraordinário que certamente será manejado, é cabível também uma RECLAMAÇÃO ao STF, para que seja assegurada a autoridade de sua decisão, consoante o que prevê o art. 102, inciso I, alínea "l", abaixo transcritos:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

Ressalto, entretanto, que essa não deverá ser a via escolhida pelo Ministério Público, pois a Reclamação, que evidentemente seria julgada procedente, teria apenas o efeito de demonstrar o equívoco do TSE, de modo a anular seu julgado e determinar novo julgamento, dessa feita observando-se todas as provas produzidas, medida que, entretanto, daria mais tempo a quem se elegeu violando a lisura do processo eleitoral, que é justamente a ratio essendi da norma constitucional.

O mais recomendável, então, é o Recurso Extraordinário, cuja decisão reformará e substituirá a decisão recorrida, restabelecendo o Estado Democrático de Direito.

Sobre o autor
David Magalhães de Azevedo

Bacharel em Direito e Especialista em Direito Eleitoral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AZEVEDO, David Magalhães. Comentários sobre a decisão que julgou a chapa Dilma-Temer e o desrespeito à autoridade do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5096, 14 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58455. Acesso em: 25 dez. 2024.

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