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Um caso em que cabe recurso

Agenda 18/02/2021 às 14:10

A Justiça rejeitou a denúncia apresentada contra Sara Giromini, acusada de proferir injúrias e ameaças contra o Ministro Alexandre de Moraes, do STF. Ela é investigada no inquérito das fake news.

Noticiou a imprensa que a Justiça Federal rejeitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra a extremista Sara Giromini, acusada de proferir injúrias e ameaças contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Sara é investigada no "inquérito das fake news" e, após ser alvo de buscas no ano passado, gravou um vídeo chamando o ministro Moraes para "trocar socos". 

"Se eu pudesse, eu já estava na porta da casa dele convidando ele para trocar soco comigo. Juro por Deus, essa é minha vontade, eu queria trocar soco com esse f... da p.., com esse arrombado. Infelizmente eu não posso, ele mora lá em São Paulo, né? Pois você me aguarde, Alexandre de Moraes, o senhor nunca mais vai ter paz", ameaçou a extremista. 

Em decisão publicada nesta segunda, 8, o juiz federal Francisco Codevila alega que apesar da honra ser um direito fundamental, não é um "bem essencial à vida digna do indivíduo" e que, uma vez ofendida, poderia ser recomposta com ações como o direito de resposta ou indenização civil, ao invés de uma ação penal.  

"É razoável retirar a liberdade de um indivíduo quando este, por sua conduta, atinge a honra de alguém? É evidente que não", afirmou Codevila. "Tendo em conta as restrições financeiras do Estado e a carência de recursos humanos, as atividades de investigação, acusação e julgamento devem centrar-se nas condutas efetivamente impactantes para a sociedade, descartando-se os conflitos interpessoais passíveis devem ser resolvidos por vias menos onerosas".  

O magistrado então sugere que, em relação à acusação de ameaça, o Ministério Público apresente uma proposta de transação penal. A medida serve como um acordo com o denunciado, que se compromete a cumprir determinações fixadas pela Promotoria e, em troca, tem o processo arquivado.  

Houve crimes de desacato e injúria.  

Determina o artigo 147 do Código Penal: 

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: 

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. 

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação. 

Trata-se de crime comum, formal, de forma livre, comisso e excepcionalmente comissivo por omissão. 

Ameaça significa procurar intimidar alguém, anunciando-lhe um mal futuro, ainda que próximo. Por si só, o verbo fornece clara noção do que seja o crime: ameaçar. 

O objeto jurídico do crime é a liberdade individual, a paz de espírito, a segurança da ordem jurídica. 

Trata-se de crime subsidiário, pois a ameaça é absorvida quando for elemento ou meio de outro delito. 

Trata-se de delito formal e instantâneo. Como tal cabe falar em ameaça feita por comunicação telefônica. Pode ainda ser feita por desenhos, mensagens em e-mails, aplicativos Telegram etc. 

Como observou Agnes Cretella (A ameaça, RT 470/301), a ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura o crime do artigo 147 do Código Penal, ainda que o agente não tenha a intenção de praticar o mal prometido. A ameaça deve provir de ânimo calmo e refletido (RTJ 54/604). Não constitui a proferida em estado de embriaguez. Não configura o crime a ameaça condicional ou retributiva. Porém, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo (RT 723/593), entendeu que a ameaça condicional não exclui o crime. 

É dispensável que a ameaça chegue a conhecimento da vítima (RT 752/605). 

O tipo subjetivo é o dolo na forma específica, na vontade livre e consciente de intimidar, finalidade esta que os autores veem como elemento subjetivo do tipo. 

Somente se pune a ameaça quando praticada dolosamente. Não existe a forma culposa e não se exige qualquer elemento subjetivo específico, embora seja necessário que o sujeito, ao proferir a ameaça, esteja consciente do que está fazendo. Em uma discussão, quando os ânimos estão alterados, é possível que as pessoas troquem ameaças sem qualquer concretude, isto é, sã palavras lançadas a esmo, como forma de desabafo ou bravata que não correspondem à vontade de preencher o tipo penal. 

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É crime de ação penal pública condicionada que exige a representação do indivíduo. É indispensável a representação ainda que tal conduta seja conexa a delito de ação penal pública incondicionada. Se a ameaça for a um casal, a representação de um não exclui a do outro (RT 538/368). 

Para o delito cabe: 

  1. Conciliação (artigo 72 a 74 da Lei 9.099/95); 
  2. Transação (artigo 76 da Lei 9.099/95); 
  3. Suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95). 

Na lição de Nelson Hungria (Comentários ao código penal, 1958, volume Vi, pág. 92 e seguintes), “para aferir do cunho injurioso de uma palavra, tem-se, às vezes, de abstrair o seu sentido léxico, para toma-lo na acepção postiça que assume na gíria. Assim, os vocábulos “cornudo”, “veado”, “trouxa”, “banana”, “almofadinha’, “galego”, etc. mesmo a alusão a um defeito físico (ainda que visível), se feita com ânimo de vexar ou deprimir, constitui injúria (ofensa ao decoro), devendo ser lembrada a lição de Carrara”. Não é de confundir-se a injúria com a incivilidade ou a expressão grosseira, que apenas revela falta de educação. Além disso, cumpre acentuar que, ao incriminar a injúria, o que a lei protege são os justos melindres de brio, da dignidade ou do decoro pessoal, e não as exageradas ou fictícias suscetibilidades dos “alfenis”, das mimosas pudicas”, dos presunçosos, dos cabotinos”. 

A injúria imputa não fatos, mas defeitos morais que dizem respeito à dignidade da pessoa humana, seja por gestos, palavras, atitudes, etc. 

Atinge-se, nesse crime, a honra subjetiva.  

A honra subjetiva é o julgamento que o indivíduo faz de si mesmo. E ainda há o fator consumativo, no qual este crime se difere dos demais crimes contra honra. 

A definição do crime (injuriar alguém ofendendo-lhe a dignidade e o decoro) refere-se à dignidade e ao decoro, que os autores interpretam no sentido da honra subjetiva. Dignidade seria o sentimento da própria honorabilidade ou valor social: decoro seria o sentimento, a consciência da própria respeitabilidade pessoal, como ensinou Nelson Hungria (obra citada, pág. 87). Para Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, 7ª edição, artigos 121 a 212), o crime não depende da ofensa a quaisquer desses sentimentos. As expressões empregadas pela lei referem-se à honra, no sentido geral da dignidade e decoro.  

As injúrias podem ser praticadas pelas mais variadas formas, por gestos, palavras, símbolos, atitudes, figuras etc.  

O crime se consuma desde que a injúria chegue ao conhecimento do ofendido ou de qualquer outra pessoa.  

Para o caso, houve culpabilidade que se resume ao fato da posição do agente frente ao bem jurídico afetado.  

Ora, a transação sugerida é um poder-dever do Parquet. Não cabe ao juízo sugerir ao Parquet que o faça.  

Ademais, pelas palavras desferidas pela acusada contra a vítima, houve crime de ação penal pública que deve ser objeto de instrução e julgamento pela Justiça Federal. 

Ademais, a agressão à honra de um magistrado do Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua função, atinge o estado brasileiro.

A democracia é meio de convivência, despertar do diálogo, sensatez. 

É  um atentado à democracia, ao estado de direito, ao exercício das instituições, inclusive do poder judiciário do Supremo Tribunal Federal. 

Sem o Poder Judiciário forte, o Poder Judiciário livre e o Poder Judiciário imparcial no sentido de não ter partes, não adotar atitudes parciais, não teremos uma democracia, que é o que o Brasil tem na Constituição e espera de uma forma muito especial dos juízes brasileiros para a garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos.

Observo o recurso a ser ajuizado.  

No processo penal, há o recurso em sentido estrito.  

Será o caso do artigo 581, I, do Código de Processo Penal, que envolve a decisão que não receber a denúncia ou a queixa. Rejeitada a denúncia ou a queixa, o provimento do recurso implicará o recebimento da inicial, salvo quando se tratar de nulidade ou de ato de rejeição. A decisão que rejeita a peça acusatória é decisão interlocutória mista, levando em conta que a rejeição liminar da denúncia diz respeito a decisões de índole processual, como as de condições de ação ou de falta de pressupostos processuais, mas pode ser caso de rejeição liminar se inexiste, de pronto, qualquer crime. Não recebida a denúncia e ajuizado recurso em sentido estrito, cabe a intimação do acusado para apresentar contrarrazões (Súmula 707 do STF). Se há recebimento da denúncia, a hipótese é de habeas corpus. Registro que das decisões que não recebam a denúncia, nos Juizados Especiais, cabe apelação, artigo 82 da Lei 9.099/95.   

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um caso em que cabe recurso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6441, 18 fev. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88521. Acesso em: 21 nov. 2024.

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