1. Introdução
Apesar de o Código de Trânsito Brasileiro ter passado por recente e significativa modificação pela Lei 14.071/2020, acaba de sofrer mais uma alteração legislativa pela Lei 14.229/20211.
Publicada no Diário Oficial da União de 22 de outubro de 2021, a Lei nº. 14.229/21 é a 41ª Lei de alteração do Código de Trânsito Brasileiro, proveniente da Medida Provisória n. 1.050/21.
A MP nº 1.050/21 apesar de inicialmente prever apenas alterações no artigo 271 do CTB (remoção do veículo), na sua tramitação no Congresso Nacional, foram apresentadas 52 emendas com os mais diversos assuntos, a maioria fora dos objetivos iniciais e sem atendimento aos requisitos de relevância e urgência.
Ao todo, foram alterados, além do Anexo I (dos conceitos e definições), 9 artigos do CTB, a saber: artigos 20, 99, 101, 131, 257, 271, 282, 285 e 289. Também foram incluídos 3 novos artigos: 289-A, 290-A e 338-A.
No que diz respeito ao Código de Trânsito Brasileiro, a Lei 14.229/2021 trouxe alterações em diversas áreas, como a inclusão do inciso XIII no art. 20 que lhe atribuiu a Polícia Rodoviária Federal para realizar perícia administrativa no local do acidente de trânsito, como alteração na fiscalização das infrações por excesso de peso em veículos, alteração nas regras para recolhimento do veículo por fiscalização de trânsito e atendimento ao recall, alteração no critério para calculo do valor da multa imposta à pessoa jurídica por não identificação do condutor infrator (multas NIC) e atualização das definições constantes em seu anexo único.
Cada um desses pontos que foram alterados pela nova Lei seriam suficientes para um estudo e um texto a parte. Embora possam parecer poucas, tais alterações têm significativa relevância no dia a dia do trânsito, na fiscalização pelos órgãos de trânsito e sua relação com os proprietários e condutores de veículos.
No entanto, neste trabalho, nos dedicaremos a analisar as alterações promovidas no Capítulo XVIII, que trata do processo administrativo de trânsito.
2. Das alterações promovidas no processo administrativo de trânsito.
Neste particular, o primeiro artigo que sofreu alteração com a nova lei foi o art. 282 do CTB que trata da notificação de penalidade. A alteração promovida neste artigo foi mais para correção, adequação, vez que a redação anterior era um pouco confusa e atécnica. Explico:
O caput do art. 282, com redação dada pela Lei 14.071/2020, assim estava redigido:
Art. 282. Caso a defesa prévia seja indeferida ou não seja apresentada no prazo estabelecido, será aplicada a penalidade e expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data do cometimento da infração, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade.
§ 6º. Em caso de apresentação da defesa prévia em tempo hábil, o prazo previsto no caput deste artigo será de 360 (trezentos e sessenta) dias.
Da leitura desses dois dispositivos supratranscritos, observo a contradição entre eles, uma vez que o caput prevê que, caso a defesa prévia seja indeferida ou não seja apresentada, o prazo é de 180 dias para expedição da notificação de penalidade (NP). No entanto, o caput conflita com o parágrafo 6º que diz que, em caso de apresentação de defesa prévia em tempo hábil, o prazo é de 360 dias.
Para que a defesa prévia seja indeferida e incida o prazo de 180 dias para expedição da NP previsto no caput, é preciso que ela seja apresentada, o que atrai a incidência do § 6º, que estende o prazo para 360 dias. Essa redação deixava os integrantes do órgão de trânsito confusos quanto ao prazo correto para expedição da notificação de penalidade, se de 180 ou se de 360 dias, dada a contradição entre os dispositivos.
Pela nova redação da Lei 14.229/2021, o caput do art. 282 passa a ser redigido da seguinte forma:
Art. 282. Caso a defesa prévia seja indeferida ou não seja apresentada no prazo estabelecido, será aplicada a penalidade e expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade.
Verifico da leitura comparativa entre os dois dispositivos, que saiu da redação do caput o prazo para expedição da notificação de penalidade, que foi remetido para o § 6º que diz, in verbis:
§ 6º O prazo para expedição das notificações das penalidades previstas no art. 256 deste Código é de 180 (cento e oitenta) dias ou, se houver interposição de defesa prévia, de 360 (trezentos e sessenta) dias, contado:
I no caso das penalidades previstas nos incisos I e II do caput do art. 256 deste Código, da data do cometimento da infração;
II no caso das demais penalidades previstas no art. 256 deste Código, da conclusão do processo administrativo da penalidade que lhe der causa.
Vê-se que houve uma preocupação do legislador de aprimorar a redação e talvez com isso evitar a confusão com a contradição apontada. Agora, pela nova redação, a interpretação é indene de dúvida. Se não houver defesa da autuação (chamado de defesa prévia2) a notificação da penalidade (NP) deverá ser expedida no prazo de 180 dias. Se houver defesa prévia, a notificação da penalidade (NP) deverá ser expedia no prazo de 360 dias, contados da data do cometimento da infração, relativas a penalidade de multa e advertência (art. 256, I e II do CTB) e contados da conclusão do processo administrativo da penalidade que lhe der causa para as demais penalidades dos incisos do art. 256 do CTB, quais sejam: a) suspensão do direito de dirigir; b) cassação da Carteira Nacional de Habilitação; c) cassação da Permissão para Dirigir e d) frequência obrigatória em curso de reciclagem.
Só abrindo parênteses: a penalidade de frequência obrigatória em curso de reciclagem, por ser uma penalidade, por questão de boa técnica redacional e legislativa, deveria estar prevista no preceito secundário do tipo infracional, a exemplo do que ocorre com os tipos penais. No entanto, o legislador entendeu por descrever sua hipótese de aplicação em dispositivo diverso de onde previsto a conduta infracional.
A frequência obrigatória em curso de reciclagem tem as situações previstas nos incisos do art. 268 do CTB. São elas:
Art. 268. O infrator será submetido a curso de reciclagem, na forma estabelecida pelo CONTRAN:
I (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020)
II quando suspenso do direito de dirigir;
III quando se envolver em acidente grave para o qual haja contribuído, independentemente de processo judicial;
IV quando condenado judicialmente por delito de trânsito;
V a qualquer tempo, se for constatado que o condutor está colocando em risco a segurança do trânsito;
VI (revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020)
Embora não previsto expressamente, para aplicação da penalidade de frequência obrigatória em curso de reciclagem, como penalidade que é, faz-se necessário a instauração de um processo administrativo onde assegurado a ampla defesa e contraditório. Daí porque o cumprimento dessa penalidade tem sido exigida somente conjugada à penalidade de suspensão (inciso II) e quando condenado judicialmente por delito de trânsito (inciso IV), pois são essas as situações previstas em que há garantido a ampla defesa e contraditório com processo prévio, no primeiro através do processo administrativo de suspensão e no segundo através do processo judicial.
Para os casos de quando se envolver em acidente grave para o qual haja contribuído, independentemente de processo judicial (inciso III) e a qualquer tempo, se for constatado que o condutor está colocando em risco a segurança do trânsito (inciso V) a penalidade de frequência obrigatória em curso de reciclagem não está sendo aplicada por ausência de regulamentação específica com a revogação da Resolução CONTRAN nº 58/98, tornando letra morta os incisos mencionados.
Fechando o parêntese e voltando ao tema desse trabalho, importante observar que agora há previsão de decadência para os casos em que a expedição da notificação da penalidade não cumprir os prazos previstos. Se não vejamos a redação do § 7, do art. 282 introduzido pela Lei 14.229/2021, abaixo transcrito:
Art. 282...
§ 7º O descumprimento dos prazos previstos no § 6º deste artigo implicará a decadência do direito de aplicar a respectiva penalidade." (NR)
Em termos simples, a decadência é a extinção de um direito por não ter sido exercido no prazo legal, ou seja, quando o sujeito não respeita o prazo fixado por lei para o exercício de seu direito, acaba por perdê-lo. Desta forma, nada mais é que a perda do próprio direito pela inércia de seu titular. No caso, o direito de aplicar a respectiva penalidade.
Essa possibilidade de decadência do direito de aplicar a respectiva penalidade não existia para os casos de expedição da NP, antes da Lei 14.071/2020, vez que na redação original do CTB não havia prazo para sua expedição. Havia inclusive entendimento de que a NP poderia ser expedida no prazo quinquenal de prescrição em face da fazenda pública3, entendimento esse aplicado por alguns órgãos de trânsito que levava algum tempo (por vezes anos) para expedição da notificação de penalidade, o que causava transtorno nos licenciamentos e nas transferências de titularidade do registro, eis que as multas não poderiam ser exigidas por falta das duas notificações previstas, conforme entendimento sumular (Súmula 127 e 312 do STJ).
É preciso destacar que os prazos previstos são para expedição das notificações e não para seu recebimento. Expedição é diferente de recebimento, segundo definição que pode ser buscada em qualquer dicionário. Neste sentido é a lição de Arnaldo Rizzardo4:
[...] impõe a lei a remessa no mencionado prazo, e não a efetivação do ato de notificação. Incumbe à autoridade o cumprimento de sua obrigação. Se não se conseguir notificar o infrator, não se imputará a falta à autoridade.
Esse prazo para expedição da notificação de penalidade, sob pena de decadência, impõe, de forma indireta, à autoridade de trânsito prazo para julgamento da defesa prévia, pois terá que analisá-la a tempo de expedir a notificação de penalidade no prazo previsto, considerando que ela só pode ser expedida após a análise da defesa prévia.
Outro ponto importante que precisamos esclarecer, visto que observamos equívocos comum de interpretação da expressão por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade que consta no caput do art. 282 do CTB.
Destacamos que, quando a lei utiliza a expressão por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade, está subentendido que se trata, por óbvio, por qualquer outro meio tecnológico hábil previamente regulamentado pelo CONTRAN e não por qualquer outro meio tecnológico existente, como por exemplo, e-mail, whatsapp, telegram, sms, ligação, etc.
Esclarecendo esse aspecto foi editada a Resolução CONTRAN nº 622/2016 que no artigo 2º deixa claro que o único meio tecnológico hábil a que se refere o art. 282 do CTB é o sistema SNE, se não vejamos:
Resolução CONTRAN nº 622/2016.
Art. 2º O Sistema de Notificação Eletrônica é o único meio tecnológico hábil, de que trata o caput do art. 282, do Código de Trânsito Brasileiro CTB, admitido para assegurar a ciência das notificações de infrações de trânsito e será certificado digitalmente, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP-Brasil.
Outra alteração interessante é a que consta da redação do paragrafo 1º do art. 282 onde foi incluída que a notificação de penalidade devolvida por recursa do proprietário em recebê-la, será considerada valida para todos os efeitos, senão vejamos:
Art. 282...
§ 1º A notificação devolvida por desatualização do endereço do proprietário do veículo ou por recusa em recebê-la será considerada válida para todos os efeitos.
Tal possibilidade de considerar valida a notificação de penalidade devolvida por recursa do destinatário em recebê-la não estava prevista na redação original.
A inclusão é válida, todavia acredito que tal previsão chegou tarde, pois a maioria dos órgãos de trânsito não se utilizam mais do expediente de enviar a notificação de penalidade via aviso de recebimento. Atualmente se valem da carta simples, já reconhecida como válida pela decisão do STJ no Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei - PUIL nº 372-SP, assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. AUTO DE INFRAÇÃO. NOTIFICAÇÃO. REMESSA POSTAL. AVISO DE RECEBIMENTO. PREVISÃO LEGAL. AUSÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA E OFENSA AO CONTRADITÓRIO. DESCARACTERIZAÇÃO. SÚMULA 312 DO STJ. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA.
[...]
3. A legislação especial é imperativa quanto à necessidade de garantir a ciência do infrator ou responsável pelo veículo da aplicação da penalidade, seja por remessa postal (telegrama,sedex, cartas simples ou registrada)ou "qualquer outro meio tecnológico hábil" que assegure o seu conhecimento, mas não obriga ao órgão de trânsito à expedição da notificação mediante Aviso de Recebimento(AR).
4. Se o CTB reputa válidas as notificações por remessa postal, sem explicitara forma de sua realização, tampouco o CONTRAN o fez, não há como atribuir à administração pública uma obrigação não prevista em lei ou, sequer, em ato normativo, sob pena de ofensa aos princípios da legalidade, da separação dos poderes e da proporcionalidade, considerando o alto custo da carta com AR e, por conseguinte, a oneração dos cofres públicos.
5. O envio da notificação, por carta simples ou registrada, satisfaz a formalidade legal e, cumprindo a administração pública o comando previsto na norma especial, utilizando-se, para tanto, da Empresa de Correios e Telégrafos - ECT (empresa pública), cujos serviços gozam de legitimidade e credibilidade, não há se falar em ofensa ao contraditório e à ampla defesa no âmbito do processo administrativo, até porque, se houver falha nas notificações, o art. 28 da Resolução n. 619/16 do Contran prevê que "a autoridade de trânsito poderá refazer o ato, observados os prazos prescricionais". (grifo nosso)
(STJ PUIL: 372 SP 2017/0173205-8, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de julgamento: 11/03/2020, S1-PRIMEIRA SEÇÃO, Data da Publicação: Dje 27/03/2020)
Outra alteração digna de nota é a nova redação atribuída ao art. 285 do CTB, a qual reproduziremos abaixo para seguir-se aos comentários:
"Art. 285. O recurso contra a penalidade imposta nos termos do art. 282 deste Código será interposto perante a autoridade que imputou a penalidade e terá efeito suspensivo.
Vê-se que a nova redação, em relação a concessão de efeito suspensivo ao recurso, inverteu a ordem anterior, onde havia previsão expressa de que o recurso não gozava de efeito suspensivo, salvo na hipótese da JARI extrapolar o prazo de 30 dias para seu julgamento. Vejamos como era a redação anterior:
Art. 285. O recurso previsto no art. 283 será interposto perante a autoridade que impôs a penalidade, a qual remetê-lo-á à JARI, que deverá julgá-lo em até trinta dias.
§ 1º O recurso não terá efeito suspensivo.
§ 3º Se, por motivo de força maior, o recurso não for julgado dentro do prazo previsto neste artigo, a autoridade que impôs a penalidade, de ofício, ou por solicitação do recorrente, poderá conceder-lhe efeito suspensivo.
O que se nota agora pela nova redação do caput do art. 285 do CTB é que a regra é a concessão de efeito suspensivo. A exceção fica reservada às hipóteses de recurso intempestivo e proposto por parte ilegítima, como se vê da redação do § 1º, abaixo reproduzido:
§ 1º O recurso intempestivo ou interposto por parte ilegítima não terá efeito suspensivo.
Outra mudança da redação atual em relação a redação anterior é no caso do recurso intempestivo. Pela redação anterior do § 2º do art. 285, a autoridade de trânsito quando recebia um recurso à JARI e o considerasse intempestivo, mesmo assim deveria recebê-lo e encaminhá-lo, assinalando esse fato (da intempestividade) no despacho de encaminhamento. Cabia à JARI decidir se o recurso era intempestivo ou não e caso fosse intempestivo não conhecê-lo, nos termos do art. 4º, inciso I da Resolução CONTRAN nº 299/2008.
Pela redação atual do § 2º do art. 285, a autoridade de trânsito só deverá encaminhar à JARI o recurso tempestivo. O recurso intempestivo deverá ser arquivado pela própria autoridade sem remessa, nos termos do § 5º acrescido pela Lei 14.229/2021 ao art. 285 do CTB.
Interessante também é o acréscimo do § 6º no art. 285 destinado à JARI e a previsão no art. 289 destinado ao CETRAN de que o julgamento dos recursos deve se dar no prazo de 24 meses, sob pena de prescrição da pretensão punitiva.
Art. 285...
§ 6º O recurso de que trata o caput deste artigo deverá ser julgado no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contado do recebimento do recurso pelo órgão julgador." (NR)
"Art. 289. O recurso de que trata o art. 288 deste Código deverá ser julgado no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contado do recebimento do recurso pelo órgão julgador:
"Art. 289-A. O não julgamento dos recursos nos prazos previstos no § 6º do art. 285 e no caput do art. 289 deste Código ensejará a prescrição da pretensão punitiva."
Diferente da decadência que extingue o próprio direito por inação do agente, na prescrição da pretensão punitiva o direito não se extingue, mas o Estado, que não exerceu o poder-dever de punir no prazo previsto em lei, perde a legitimidade para exercê-lo.
Desse modo, o que observo é que esses dispositivos trouxeram prazo de 2 anos, contados do recebimento do recurso, para que a JARI e o CETRAN julguem os recursos que lhe são apresentados, sob pena de prescrição da pretensão punitiva acarretando a extinção da punibilidade do agente.
Observo, então, que a lei diz que se não houver o julgamento do recurso pela JARI ou pelo CETRAN em 24 meses contados do seu recebimento, incidirá a prescrição da pretensão punitiva. Tratando-se de uma prescrição no curso do processo, já que se dá entre o recebimento do recurso e seu julgamento, nada mais é do que uma prescrição intercorrente.
Em termos simples, por prescrição intercorrente entende-se o desaparecimento da pretensão punitiva decorrente da inércia continuada e ininterrupta, no curso do processo, pelo titular da pretensão. O estado perde o direito de punir por deixar o processo punitivo parado por prazo superior ao previsto em lei, aguardando despacho ou decisão.
É imposta a prescrição intercorrente nos processos administrativos como efetivação dos princípios constitucionais da eficiência5, segurança jurídica e duração razoável do processo6.
Neste ponto (prescrição da pretensão punitiva intercorrente), acredito que as Resoluções CONTRAN nº 619/2016, que regulamenta o processo de aplicação da penalidade de multa e advertência, deverá passar por alterações, vez que remente, em matéria de prescrição, para aplicação da Lei 9.873/1999, como vemos de seu art. 33 que diz:
Art. 33. Aplicam-se a esta Resolução os prazos prescricionais previstos na Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva.
No entanto, a Lei 9.873/1999 prevê para o caso de prescrição da pretensão punitiva intercorrente o prazo de 3 anos, senão vejamos:
Art. 1º...
§ 1º. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
O mesmo deverá ocorrer com a Resolução CONTRAN nº 723/2018 que trata do processo para aplicação da penalidade de suspensão, cassação da CNH que diz expressamente no art. 24, inciso III, que a prescrição intercorrente é de 3 anos, como podemos notar in verbis:
Art. 24. Aplicam-se a esta Resolução, os seguintes prazos prescricionais previstos na Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999:
I - Prescrição da Ação Punitiva: 5 anos;
II Prescrição da Ação Executória: 5 anos;
III Prescrição Intercorrente: 3 anos.
No processo de aplicação da penalidade de multa e advertência regulamentado pela Resolução CONTRAN nº 619/2016, incide a prescrição intercorrente no processo paralisado por mais de 3 anos aguardando despacho ou decisão, como por exemplo a decisão da JARI sobre o recurso.
No processo de suspensão ou cassação regulamentado pela Resolução CONTRAN nº 723/218, incide a prescrição intercorrente entre a data da notificação de instauração (art. 10, § 2º c/c art. 24, § 3º, inciso I) e a aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir ou de cassação do documento de habilitação (art. 12 c/c art. 24, § 3º, inciso II) e entre o recebimento do recurso desta penalidade aplicada até a decisão da JARI (art. 24, § 3º, inciso III) e entra essa decisão da JARI até o início do cumprimento da penalidade na forma do arts. 15 e 16. Já que esses atos interrompem a prescrição (art. 24, § 3º), cada um deles representa o início de nova contagem de prazo para caracterização da prescrição intercorrente.
Veja, se a Lei nº 14.1229/2021 promoveu alteração no CTB para prever que o recurso endereçado à JARI deve ser julgado em 24 meses (art. 285, § 6º) e o recurso endereçado ao CETRAN deve ser julgado em 24 meses (art. 289), em ambos os casos sob pena de prescrição da pretensão punitiva (art. 289-A), verifico que há conflito aparente com a Lei nº 9.873/1999 e previsão da Resolução CONTRAN nº 723/2018. Neste caso de conflito aparente de normas, a Lei 14.229/2021 deve prevalecer, pois se trata de lei nova (lex posterior derogat legi priori) e lei especial (lex specialis derogat legi generali), nos termos do art. 2º, § 1º da LINDB.
Esses prazos previstos nas Resoluções como sendo de 3 anos para caracterização da prescrição intercorrente terão que ser adequados à inovação trazida pela Lei 14.229/2021 ora comentada.
Inclusive sendo a prescrição instituto jurídico de direito material e considerando que o prazo de 24 meses para julgamento pela JARI ou CETRAN, sob pena de caracterizar a prescrição, é um prazo mais benéfico do que o previsto na Lei 9.873/1999 e na Resolução CONTRAN nº 723/2018 entendo que tal prazo de 24 meses deve incidir, tão logo entre em vigor as alterações7, a todos os processos de aplicação da penalidade de multa, regidos pela Resolução CONTRAN nº 619/20016 e a todos os processos de suspensão e cassação da CNH regidos pela Resolução CONTRAN nº 723/2018. Ultrapassado esse prazo para análise do recurso por parte da JARI ou do CETRAN deverá ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva intercorrente.
Por fim, o art. 290-A dispõe que os prazos processuais de que trata este código não se suspendem, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado, nos termos de regulamento do Contran. É lógico que essa previsão legal se refere à suspensão dos prazos por ato da Administração e não afasta as determinações de suspensão de prazos ou até mesmo do processo por ordem judicial.
Tal dispositivo foi inserido para dar legalidade às Resoluções do CONTRAN que suspenderam prazos processuais, a exemplo do que ocorreu com edição de resoluções e deliberações neste período de pandemia, as quais foram editadas suspendendo prazos sem autorização legal. Inclusive suspendendo prazos fatais e perempetórios previstos expressamente em lei, como o prazo para expedição da notificação de autuação, previsto em 30 dias no art. 281, parágrafo único, inciso II do CTB. O que a meu ver foi um erro jurídico porque não se pode suspender, por instrumento normativo infralegal, prazo previsto em lei expressamente.