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A eficácia do direito à saúde como condição para uma existência digna.

Limites e possibilidades à luz do sentimento constitucional fraterno

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SUMÁRIO: Resumo. Introdução. 1. O direito à saúde na ordem constitucional brasileira: uma perspectiva social para defesa e promoção da vida. 2. A crise assistencial decorrente do sub-financiamento do SUS. 3. As políticas públicas sob a égide do sentimento constitucional. 4. Relembrando o valor da fraternidade – uma "nova/velha" análise dos limites e das possibilidades de eficácia do direito à saúde. Conclusão. Referências bibliográficas. Outros documentos. Referência Legislativa.


RESUMO

Atualmente, é comum a discussão acerca do papel do Estado na eficácia do direito fundamental social à saúde, seja pelas críticas ao Sistema Único de Saúde (SUS), seja pelo debate em torno das ações judiciais pleiteando a prestação de serviços nessa área. Com efeito, o atendimento das necessidades humanas básicas – dentre elas a saúde – e com isso a garantia de uma vida com dignidade, constituem pressupostos inarredáveis ao exercício de todo direito fundamental. A liberdade e a autonomia individuais dependem da concretização de condições mínimas de existência digna, não de mera sobrevivência. O Estado não é uma realidade em si justificada, mas uma construção voltada à integral satisfação dos direitos fundamentais, especialmente dos direitos fundamentais demandantes de uma atuação positiva. Antes de qualquer justificativa acerca da "impossibilidade" de implementação de políticas públicas eficientes na área da saúde, mister que os agentes do Estado tenham consciência do seu compromisso constitucional. Cumpre que haja uma responsabilidade em torno da proteção e promoção da vida humana, como forma de justificar a razão de existir do próprio Estado. Nesse contexto, a fraternidade deve ser relembrada não apenas como enunciado, mas como princípio ativo, motor do comportamento, da ação dos agentes públicos. Está-se a defender a existência de um sentimento constitucional fraterno, como instrumento de afeição pela justiça social e pela eqüidade. Qualquer planejamento administrativo deve ser orientado por este autêntico modo-de-ser, uma postura fenomenológica de sentir e agir constitucional.

INTRODUÇÃO

Vive-se hoje, observa LUIZ PRIETO SANCHES, uma nova idade de ouro dos princípios.1 Quiçá esse novo tempo na geração dos estudos jurídicos possa conduzir a uma nova concepção de legalidade, a ser moldada à luz do universo maior da Constituição e em prol do direito justo e humanitário. É nessa perspectiva que deve ser compreendido, aplicado e valorizado o princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto princípio dos princípios constitucionais.2

Considerando que toda Constituição há de ser compreendida como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana (artigo 1º, inciso III) como essencial, que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana, por estar pautado no direito à vida, informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular.

Com efeito, o direito à vida está previsto em vários pontos históricos do ordenamento jurídico brasileiro, desde seus primórdios. A diferença que a Constituição Federal de 1988 trouxe em relação aos seus antepassados legislativos, e bem por isso deve ser considerada um divisor de águas na ordem jurídica nacional, foi a amplitude dada à garantia desse direito, seja pelo seu desdobramento em outros princípios e direitos, seja pela divisão de responsabilidades entre todos os entes da federação, a fim de efetivar a atuação protetiva e garantidora do Estado.

Além do direito à vida, pode-se mencionar o conceito de bem-estar social e individual, trazido à Constituição de 1988, em seu Preâmbulo, que está intimamente ligado ao princípio da dignidade humana, não somente à manutenção da vida, mas também à qualidade de vida e de saúde.

O atendimento das necessidades humanas básicas – isto é, alimento, saúde, moradia, educação, trabalho – e, com isso, a garantia efetiva de uma vida com dignidade constituem pressupostos inarredáveis ao exercício de todo direito fundamental. A liberdade e a autonomia individuais dependem, portanto, e pelo menos, da concretização de condições mínimas de existência e, frisa-se, de existência digna, não de mera sobrevivência.3

Nas palavras de CLÉMERSON MERLIN CLÈVE, está-se a referir, portanto, a uma dogmática constitucional emancipatória e principiológica, que toma o Estado não como realidade em si justificada, mas, antes, como construção voltada à integral satisfação dos direitos fundamentais, especialmente dos direitos fundamentais demandantes de uma atuação positiva.4

Porém, não se pode olvidar da tensão e contradição existentes face à modernidade tardia em terrae brasilis, onde as promessas da modernidade ainda não se realizaram, embora o ordenamento constitucional aponte para um Estado forte, intervencionista e regulador, na esteira daquilo que, contemporaneamente, entende-se como Estado Democrático de Direito.5

E isso se torna evidente, por exemplo, quando o assunto for a (in)efetividade do direito fundamental social à saúde, na atual conjuntura brasileira. Como os demais direitos a prestações, o direito à saúde também coloca problemas particulares para sua efetivação. Não obstante, algumas dimensões da eficácia e da aplicabilidade deste direito comportam poucas polêmicas.6

Sem pretensão, nestas poucas linhas, de negar totalmente eventual correção aos argumentos que visam impor limites à eficácia plena e imediata do direito à saúde – tais como a "reserva do possível" e a suposta "escassez de recursos" -, far-se-á uma reflexão do tema à luz do "sentimento constitucional"7 em consonância com um princípio que parece andar esquecido: a fraternidade8.

Vale lembrar que um dos grandes objetivos do Estado Democrático de Direito está em dotar a Constituição da necessária efetividade material. Isso implica uma visão dinâmica acerca da normatividade constitucional, cuja principal característica identifica-se com os pontos de contato entre a norma constitucional positivada e as políticas públicas voltadas a sua realização.

Notadamente, a efetividade dos direitos sociais (a exemplo da saúde) e o amadurecimento da consciência democrática em nosso país ainda depende de uma evolução. Apesar de a democracia formal haver se consolidado, o mesmo não ocorreu com a democracia material, única compatível com o verdadeiro Estado Democrático de Direito. Falta-nos, portanto, sentimento constitucional.

Nesse contexto, em que se fala de consciência democrática, mister se fazer alusão à fraternidade como categoria de pensamento capaz de conjugar a unidade e a distinção a que anseia a humanidade contemporânea. É necessário relembrar a fraternidade, adequando-a para a disposição e experimentação dos agentes públicos, a fim de se sentir e tornar reais as promessas constitucionais de defesa e promoção da vida humana.

Longe de pretender delinear alguma solução definitiva e apriorística para a questão desenvolvida, intentar-se-á destacar o papel da praxis constitucional responsável, como instrumento de eficácia do direito fundamental social à saúde. Ademais, não se pode quedar inerte em tempos de óbitos em filas de hospitais, por falta do devido atendimento médico; em que há doentes sem acesso ao adequado tratamento; em fim, de crise no sistema de saúde, que abarrota os fóruns e tribunais de demandas cujo objeto corresponde à busca incessante (e legítima) pelo direito de viver, de manter-se vivo, de existir com dignidade.


1. O DIREITO À SAÚDE NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UMA PERSPECTIVA SOCIAL PARA DEFESA E PROMOÇÃO DA VIDA

No âmbito de um Estado Democrático e Social de Direito – e o consagrado pela nossa evolução constitucional não foge à regra – os direitos fundamentais sociais9 constituem exigência inarredável do exercício efetivo das liberdades e garantia da igualdade de chances (oportunidades), inerentes à noção de uma democracia e um Estado de Direito de conteúdo não meramente formal, mas, sim, guiado pelo valor da justiça material.10 Cumpre frisar, ainda, que a idéia do reconhecimento de determinadas posições jurídicas sociais decorre da concepção de que homogeneidade social e uma certa medida de segurança social não servem apenas ao indivíduo isolado, mas também à capacidade funcional da democracia considerada na sua integralidade.11

Além da íntima vinculação entre as noções de Estado de Direito, Constituição e direitos fundamentais, esses últimos, sob o aspecto de concretizações do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como dos valores da igualdade, liberdade e justiça, constituem condição de existência e medida da legitimidade de um autêntico Estado Democrático (transformador) de Direito, tal qual como consagrado também em nosso direito constitucional.12 Nas palavras de INGO WOLFGANG SARLET, expoente da magistratura gaúcha e autoridade no trato da matéria,

(...) há como sustentar que, na base dos quatro direitos sociais expressamente consagrados pelo nosso Constituinte, se encontra a necessidade de preservar a própria vida humana, não apenas na condição de mera sobrevivência física do indivíduo (aspecto que assume especial relevância no caso do direito à saúde), mas também de uma sobrevivência que atenda aos mais elementares padrões de dignidade.13

Com efeito, a Constituição Cidadã consagrou a Saúde como política social (artigo 6º), direito de todos e dever do Estado (artigo 196). Trata-se de política de relevância pública (artigo 197), parte integrante da Seguridade Social (artigo 194), devendo ser financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 195, e, §§ 1º e 2º, I, II e III do artigo 198), além de contribuições sociais (I, II e III, do artigo 195) e outras fontes (§ 1º, artigo 198). Jamais pode ser reservada apenas e na quantidade que alguém possa individualmente financiar, mas, na medida da necessidade dos indivíduos e das coletividades (II do artigo 198). É direito universal, ou seja, de todos os brasileiros e estrangeiros que vivem no Brasil. E ainda, como direito fundamental, tem aplicação imediata (§ 1º do artigo 5º).

Como se depreende do Texto Constitucional, a saúde, além de direito, constitui um dever do Estado que, juntamente com o direito à vida, integra a própria noção de dignidade humana. Esse dever prestacional pressupõe a realização de uma atividade pela qual se viabilize a fruição do aludido direito. Em sentido amplo, abrange a consecução de medidas para salvaguarda da saúde, bem como a organização de ações que viabilizem o seu gozo. Em sentido estrito, traduz-se pelo fornecimento direto de serviços e bens materiais aos titulares do direito fundamental.14

JOSÉ LUIZ BOLZAN DE MORAIS pondera que, atualmente, o núcleo central do conceito de saúde está na idéia de qualidade de vida, para ver a saúde como um dos elementos da cidadania, como um direito à promoção da vida das pessoas. Seria então um direito de cidadania, que projeta a pretensão difusa e legítima de não apenas curar e evitar a doença, mas de ter uma vida saudável, expressando uma aspiração de toda a sociedade como direito a um conjunto de benefícios que fazem parte da via urbana, isto é, a vida na polis, na urbe.15

Ainda na lição do professor BOLZAN, deve-se, genericamente, considerar também a saúde como um direito social próprio ao Estado de Bem-Estar Social, além de propô-la como inserida no novo âmbito dos direitos humanos de terceira geração, ou seja, como vinculada ao caráter de fraternidade que os identifica.16 Nesse sentido, arremata com razão o graduado autor:

Podemos ir além e perceber a saúde acompanhando o desenvolvimento dos demais temas vinculados aos direitos fundamentais. Em assim sendo, seria possível percebê-la como aproximada do conteúdo dos novos direitos de solidariedade. Pensá-la como um interesse que incorpora um conjunto não identificável de titulares, tais quais os interesses difusos. Assim, a veríamos como promoção da saúde. Nesta perspectiva, teríamos como núcleo central a própria saúde, e não a doença, bem como a idéia de qualidade de vida, já referida anteriormente, que se expande, apropriando-se dos conteúdos próprios à teoria política e jurídica contemporâneas. Talvez possamos vê-la como um dos elementos da cidadania, como um direito à promoção da vida das pessoas, um direito de cidadania que projeta a pretensão difusa e legítima a não apenas curar/evitar a doença, mas a ter uma vida saudável.17

Na mesma direção, INGO WOLFGANG SARLET equipara vida saudável à vida digna, aproximando os conceitos de qualidade de vida e dignidade da pessoa humana, já que é no direito à saúde, que se manifesta de forma mais contundente a vinculação do seu objeto (prestações materiais na esfera da assistência médica, hospitalar, etc.), com o direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Para além do direito à vida, o direito à saúde encontra-se umbilicalmente atrelado à proteção da integridade física (corporal e psicológica) do ser humano, exigindo-se igualmente posições jurídicas de fundamentalidade indiscutível.18

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Dos fins do Estado brasileiro, pode-se dizer que a proteção à saúde – como condição de uma existência digna da pessoa humana – torna-se um dos mais relevantes pelo que merece especial dedicação. E a Constituição Federal de 1988 não só estabeleceu isso claramente, como descreveu o modo pelo qual o Estado deve assegurar a sua garantia.

É por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), constitucional e legalmente disciplinado, que o administrador público deve atender à saúde da população. Ou seja, atendendo aos comandos constitucionais de descentralização, com direção única em cada esfera de governo (artigo 198, I, da Constituição Federal), e de prestar, com a cooperação técnica e financeira do Estado e da União, serviços de atendimento à saúde da população (artigo 30, VII), é que o administrador local (Município) deverá organizar os serviços nesta área, integrando-se à rede regionalizada e hierarquizada em que se constitui o SUS (artigo 198, caput, da Constituição Federal).

O Brasil, ao formular o seu Sistema Único de Saúde, inovou no ordenamento constitucional sem se preocupar em copiar modelos estrangeiros. O SUS é um sistema jurídico criativo posto a serviço do objetivo material de superar-se o cenário de carência de ações de saúde no país, compatibilizando o aparente antagonismo entre unidade e descentralização. Por outro lado, é a concretização da democracia participativa, assegurando-se à comunidade o papel de deliberar sobre os rumos da política de saúde através dos Conselhos e das Conferências de Saúde.

Conforme comenta MARIA HERMÍNIA TAVARES DE ALMEIDA, o SUS constitui, seguramente, a mais audaciosa reforma da área social empreendida sob o novo regime democrático,19 embora, como acentua EUGÊNIO VILAÇA MENDES, não tenha se tratado de um projeto mágico típico das elites brasileiras, já que o SUS segue a melhor tradição de reformas democráticas, negociadas na sociedade. É, a um tempo, um processo legal e legítimo e, também, um processo em marcha, portanto inacabado.

Evidentemente que a formulação constitucional do SUS não resolveu, por si só, a dramática situação da população brasileira no acesso às prestações de saúde. No entanto, fornece o arcabouço jurídico necessário ao trabalho de implementação de melhores condições de vida à população nesse particular. Agora, cabe aos administradores cumprirem e implementarem os seus princípios, regras e diretrizes. Da mesma forma, cabe aos órgãos de controle e à própria sociedade cobrar a sua implementação. O SUS não é um milagre social pronto e acabado, fornecido por supostos experts, e sim um processo democrático a ser permanentemente construído e implementado.


2. A CRISE ASSISTENCIAL DECORRENTE DO SUB-FINANCIAMENTO DO SUS

Ao mesmo tempo em que se reconhece a importância do SUS – que segue num processo constante de aperfeiçoamento – não se pode negar a existência de uma crise assistencial concomitante nos serviços de saúde no nosso país, que acaba por ferir de morte o princípio da dignidade da pessoa humana, principal vetor da Constituição Federal de 1988. Não é demais repisar que sem o acesso aos bens de saúde, torna-se inimaginável a garantia da própria vida, quanto mais de uma existência digna.

Essa deflagrada crise é decorrente de uma série de fatores, sendo o sub-financiamento do Sistema Único de Saúde o principal fato desencadeador da precariedade de acesso e até da exclusão de milhões de brasileiros das ações e serviços de saúde. Superar este obstáculo irá demandar um grande esforço de articulação política e institucional, com a finalidade de exigir dos governos o cumprimento das suas obrigações constitucionais.21

Em pesquisa promovida pela Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), concluiu-se que o financiamento na área da saúde estagnou entre US$ 120 e 150 públicos per capita, o que representa um gasto de, na melhor das hipóteses, menos que R$1,00 por dia por habitante. Isto significa menos do que o gasto público em países vizinhos como Argentina, Panamá, Costa Rica, dentre outros, e menos que 10% em relação ao Canadá e aos países europeus. Enquanto nos países desenvolvidos, de todos os gastos com saúde, no mínimo 70% são de orçamentos públicos, no Brasil, 20 anos após a criação do SUS, permanece-se com apenas 48% dos orçamentos públicos nos gastos totais com saúde.22

Em termos de custeio, verifica-se cada vez menor a participação do Governo Federal, que ao longo dos anos vem transferindo, gradativamente, mais responsabilidades aos Estados e Municípios. Segundo estudo do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), do Ministério da Saúde, em 1980, a União contribuía com cerca de 75% dos investimentos nesta área, enquanto a participação dos Estados era de 17,8% e dos Municípios de 7,2%. A mudança foi paulatina, sendo que no ano 2006 a União já arcava com apenas 46,7% dessa receita, sobrando aos Estados a responsabilidade de cobrir 26,12% e aos Municípios o equivalente a 27,18% de todos os gastos com a saúde pública.23

O que se denota nesse quadro de sub-financiamento, portanto, é que a saúde, na maioria das vezes, não tem se mostrado uma política prioritária de governo (aqui analisada nos três níveis da federação), com a garantia de recursos razoáveis, em paradoxo a quase todos os discursos políticos. Isso se extrai, com clareza, do estudo do Professor GILSON CARVALHO, especialista no assunto (saúde pública), quem concluiu que, no ano de 2007, do total do gasto público em saúde (R$ 94,41 bilhões), a União aplicou R$ 44,3 bilhões (47%), os Estados R$ 24,33 bilhões (26%) e os Municípios R$ 25,75 bilhões (27%).24 Segundo o professor paulista, para atender 40 milhões de brasileiros, o gasto privado no ano de 2007 foi na ordem de R$ 98,38 bilhões, superior, portanto, aos R$ 94,41 bilhões do gasto público para 140 milhões de brasileiros.25

Esta realidade, agravada nos últimos anos, levou o segmento complementar conveniado contratado e/ou credenciado do SUS a um regime falimentar, com dívidas acumuladas, precarização das relações de trabalho, busca de sobrevivência em outras atividades, fechamentos de instituições hospitalares, descredenciamentos de médicos, desemprego, restrições de oferta assistencial, perda da qualidade assistencial, cuja conseqüência está diretamente relacionada com a falta de acesso e a qualidade do atendimento.

Com isso, a população vem sofrendo restrições graduais de acesso aos serviços de saúde. Segundo informações do Ministério da Saúde e das Entidades representativas dos usuários, os números apontam para desassistência de cerca de 10 milhões de hipertensos; 4,5 milhões de diabéticos; 90 mil portadores de câncer sem quimioterapia e/ou radioterapia; 3,7 milhões de obesos mórbidos; 33 mil novos casos de AIDS/ano; 4 milhões de infectados pelo vírus da Hepatite C; 50% das gestantes sem pré-natal completo; 70% das mulheres sem acesso a mamografia; 3.500 mortes de pacientes renais por inexistência de hemodiálise, só em 2007; Superlotações nas emergências; Caos no atendimento psiquiátrico; Falta de medicamentos de uso contínuo vitais na maioria absoluta dos Estados.26

O principal problema que se observa na descentralização dos serviços de saúde é a falta de cumprimento das disposições constitucionais que a prevêem, havendo falta de efetividade da Constituição e do federalismo cooperativo nela previsto, sendo baixo o nível de coordenação e cooperação entre os níveis subnacionais e a União. Isso, porque certamente ainda falte aos nossos administradores o que PABLO LUCAS VERDÚ chama de sentimento constitucional,27 ou seja, que se faça presente na consciência dos principais responsáveis pela implementação material da nossa Lei Maior, não só a vontade de poder, mas a compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado do arbítrio, que é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos e que não é eficaz sem o concurso da vontade humana.28

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Sobre o autor
Felipe Boeira da Ressurreição

bacharel em Direito pela UNISINOS - RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESSURREIÇÃO, Felipe Boeira. A eficácia do direito à saúde como condição para uma existência digna.: Limites e possibilidades à luz do sentimento constitucional fraterno. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2174, 14 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12985. Acesso em: 17 nov. 2024.

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