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Fornecimento de medicamentos: um conflito de competência no Poder Judiciário

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4 CONCLUSÕES

A saúde é um direito fundamental de grande importância para os indivíduos. Está inserido no ordenamento jurídico brasileiro, pois é fruto da evolução dos direitos humanos fundamentais. Nesse contexto, a saúde deve ser garantida a toda população, cabendo ao Estado, ao Município e a União promover políticas públicas para tornar a saúde acessível a todos. Assim, a saúde, um direito universal, deve ser prestada de forma rápida e continua e o seu acesso não deve ser dificultado, nem deve ser passível de exclusão social, pois a dignidade da pessoa humana e a integridade da pessoa física são princípios fundamentais presentes na Lei Magna.

Contudo, num país como o Brasil, em que o Poder Executivo descumpre rotineiramente seus deveres, buscam-se, no Poder Judiciário, soluções que não são encontradas nos demais Poderes, ou seja, a saúde, por se tratar de um direito subjetivo do indivíduo, e, com a deficiência no fornecimento de medicamentos, impõe uma atitude ao Poder Judiciário com o propósito de garantir a eficácia dos direitos fundamentais.

Por esse motivo, entende-se que a Justiça Brasileira possui o poder de optar pelo consentimento da tutela pleiteada, pois conforme regulamentado na Lei Ordinária nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado promover condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Assim, o fornecimento a medicamentos, corresponde a um dos elementos para a completude do direito a saúde, e como tal, deve ser respeitado e colocado a disposição da sociedade, pois pelo atual ordenamento jurídico brasileiro, a saúde é um direito ao acesso a cura e a prevenção.

Com a possibilidade de se pleitear em juízo um direito resguardado constitucionalmente, surgem problemas quanto à competência de determinado juízo para a apreciação da tutela pleiteada. O Poder Judiciário, através de seus magistrados, tem se manifestado de várias formas, dentre elas, declinando a competência para outra jurisdição.

O conflito de competência nas ações de medicamentos tem natureza declaratória negativa. Conforme conceituado no Código de Processo Civil, o conflito negativo de competência ocorre quando dois ou mais juízes se declaram incompetentes para conhecer a causa suscitada, declinando assim, a competência para outra jurisdição.

Os conflitos de competência suscitados pelo Poder Judiciário têm inviabilizado o acesso à efetiva tutela jurisdicional. Os magistrados se prendem a meras questões processuais, deixando de lado o mérito propriamente dito. O Poder Judiciário, no momento de suscitar o conflito, analisa apenas questões de interesse processual, questões de direito interno, em contrapartida, esquecem que o direito a saúde é um direito fundamental do ser humano que está devidamente regulamentado na Constituição Federal de 1988 e deve ser prestado de forma imediata.

Diante disso, observa-se que o conflito de competência suscitado pelo Poder Judiciário deve ser adotado com cautela. Caso contrário violará princípios constitucionais básicos e impedirá a efetivação da justiça social.


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Notas

  1. No atual cenário dos direitos humanos fundamentais, é importante lembrar que não só existem os direitos de primeira, de segunda e de terceira dimensão, mais sim, direitos fundamentais de quarta e quinta dimensão. Sarlet (2001, p.55) apresenta a posição do notável Prof. Paulo Bonavides que destaca também os direitos humanos fundamentais de quarta e quinta dimensão. Os direitos de quarta dimensão representam o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional que corresponde à derradeira fase de institucionalização do Estado Social. Para o ilustre constitucionalista, esta quarta dimensão é composta pelos direitos à democracia (no caso democracia direta) e à informação, assim como pelo direito ao pluralismo. Já a quinta dimensão dos direitos fundamentais está relacionada com a paz no âmbito na normatividade jurídica, ou seja, a dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal. Para o ilustríssimo Prof. Paulo Bonavides o direito à paz é um direito impetrado na qualidade de direito universal do ser humano, em uma dimensão perpétua, em sua feição agregativa de solidariedade, em seu plano harmonizador de todas etnias, de todas as culturas, de todos os sistemas, de todas as crenças que a fé e a dignidade do homem propugnam, reivindicam, concretizam e legitimam.
  2. De acordo com a concepção clássica do ilustre publicista pátrio José Afonso da Silva (1998, p. 55-6) "é pertinente a distinção entre os conceitos de efetividade, eficácia e aplicabilidade da norma regulamentadora. Explicita que é nítida a conexão entre ambos os conceitos, porém deve-se distinguir entre a eficácia social da norma e a eficácia jurídica. A eficácia social da norma condiz com sua real obediência e aplicação no plano dos fatos, já a eficácia jurídica designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nela indicados; nesse sentido a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. Possibilidade e não efetividade, pois a distinção pode se fazer pelo fato de que uma norma pode perfeitamente possuir eficácia jurídica (como por exemplo, o de revogar normas anteriores), mas não alcançar a efetividade, isto é, não ser socialmente eficaz, caso não for cumprida no plano social."
  3. Súmula nº 150 do STJ: "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas".
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Sobre as autoras
Jerusa Rode da Silva

Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Estácio de Santa Catarina

Natália Gaspar Machado

Professora Universitária, Advogada, Especialista em Direito Material e Processual Civil pelo ESMESC/CESUSC, Mestre em Direito pela UNIVALI

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Jerusa Rode ; MACHADO, Natália Gaspar. Fornecimento de medicamentos: um conflito de competência no Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2477, 13 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14678. Acesso em: 19 abr. 2024.

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