3. CONCLUSÃO
O presente estudo partiu da necessidade de melhor compreensão da realidade da saúde pública brasileira hodiernamente, ante o problema paradoxal entre a omissão do Estado, vezes por escassez de recursos, e a limitação imposta à atuação do Poder Judiciário nestes casos, em homenagem à tripartição dos poderes.
Como bem estudado, a saúde – e consequentemente o direito à vida – é o bem objeto de maior proteção constitucional, bem como por todo o sistema normativo vigente. Está assegurado na Constituição Federal o direito do cidadão à prevenção e proteção de sua saúde, e também o dever do Estado de prestar tal assistência. Nesse sentido, a Carta Magna não outorgou ao Estado o dever de apenas promover a saúde, tendo-lhe incumbido ainda a obrigação de proporcionar aos cidadãos outros direitos sociais.
Contudo, apesar de toda a garantia declarada, basta prestar atenção aos noticiários, e não muito longe, a seu cotidiano próprio para realizar que em um país onde faltam tantos direitos garantidos, como educação, moradia, saúde e emprego, é por demais pueril almejar uma eficácia plena da Lei Maior, inserindo-se a nação em uma incessante busca de aproximar o real do ideal.
A escassez dos recursos públicos é nítida e, segundo demonstrado, ao contrário das necessidades da população, os recursos são finitos. Diante dessa miserabilidade de orçamento, o Estado efetua escolhas, estabelecendo critérios e prioridades, e definindo políticas públicas a serem implementadas.
Entretanto, ao realizar suas escolhas, o Estado, por vezes, não considera a prioridade e sobre valência que revestem tais direitos, deixando muitas ações relativas à saúde à mercê da iniciativa privada, olvidando-se da existência de hipossuficientes, incapazes de prover-lhes a devida assistência. A vinculação do orçamento público aos objetivos constitucionais deveria ser estritamente observada.
Almejando preencher as lacunas deixadas pelo Poder Público, é que o Poder Judiciário intervém nessas relações, a fim de garantir ao cidadão, parte menos favorecida na relação, que o Estado cumpra com seu dever que lhe fora imposto constitucionalmente.
Nessa esteira, entretanto, o magistrado encontra óbices a sua intervenção com as alegações da discricionariedade da administração pública, a separação dos poderes e ainda o princípio da reserva do possível, utilizando o Poder Público estes argumentos como esteio para escusar-se de sua obrigação legal, que tem sido ainda confirmada via judicial.
Foi nesse momento que vieram à baila a teoria da reserva do possível, o princípio da proporcionalidade e ainda a reserva de consistência, apresentados como meio contundente a caminhar rumo a solução desse impasse sem ferir os ideais constitucionais.
As teorias e princípio aludidas, segundo estudado ao longo do trabalho, impõem limites razoáveis à decisão judicial, expandindo-se também às decisões administrativas, como maneira de buscar a proteção dos dois lados. Com isso, é forçada uma análise minuciosa da situação com o primordial fim de resguardar o direito à saúde sem abusos, por qualquer das partes, evitando que a decisão seja gravosa ao bem comum, em respeito ao individual.
Corroboram ainda a extrema importância de análise dessas teorias o fato de que a judicialização da saúde, por vezes, beneficia os mais abastados e esclarecidos, uma vez que muitos, mesmo que por falta de informação, não dispõem do fácil acesso à Justiça. É importante lembrar também que a falta de cuidado ao decidir pelo direito à saúde de quem está demandando individualmente, pode acarretar prejuízos à coletividade que igualmente dependem do sistema (SUS).
Desta maneira, depreende-se que, sendo o direito à saúde garantido constitucionalmente e imputado o dever de provê-lo ao Estado, este deve melhor ponderar os interesses em questão, promovendo a distribuição dos recursos de forma a atender satisfatoriamente essa garantia constitucional, elaborando políticas públicas eficientes que visem tanto a prevenção, quanto o tratamento.
Todavia, como é conhecido de todos, mesmo que hajam mudanças no sistema de saúde pública, os casos de omissão continuarão a existir, devendo o Poder Judiciário, analisando metodicamente a situação, ponderar entre a real necessidade, a disponibilidade de recursos públicos, aplicando-se ainda à análise a reserva do possível e proporcionalidade para, ao final, conceder uma tutela devidamente fundamentada, que não ocasione prejuízos futuros.
Ressalta-se ainda que as decisões que julgarem as demandas relacionadas aos direitos sociais, como no caso o direito à saúde, devem se pautar na reserva de consistência, demonstrando a motivação para tal decisão, com todos seus fundamentos jurídicos e fáticos.
Assim, ante o explanado no trabalho, percebe-se que, mesmo com as objeções à intervenção do Poder Judiciário na garantia da saúde pública, não deve ele afastar-se desse controle quando da omissão estatal, priorizando sempre, e em confronto com qualquer outra disposição constitucional, um dos direitos sociais mais importantes, senão o mais, qual seja o direito à saúde e à vida, como forma de fortalecimento da democracia, e não de afronta à separação dos poderes, como querem fazer ser.
Neste sentido tem sido o caminho percorrido pela jurisprudência dos tribunais superiores, que tende a buscar equilíbrio entre as partes envolvidas, preferindo o direito à saúde, sem, contudo, absolutizar toda e qualquer ação a ele relativa.
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Notas
- LIMA, Flávia Danielle Santiago. Em busca da efetividade dos direitos sociais prestacionais. Considerações acerca do conceito de reserva do possível e do mínimo necessário. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/2177>. Acesso em: 15 out. 2010.
- Supremo Tribunal Federal, IF 139-1/SP; Órgão Pleno, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 19 de março de 2003.
- "Os direitos de segunda dimensão são os direitos econômicos, sociais e culturais, bem como os direitos coletivos ou de coletividades. Foram consagrados a partir da influência da doutrina socialista e da teoria social da Igreja, como conseqüência da grave crise social advinda do período de industrialização, no século XIX. Partem das noções de igualdade e liberdade formais, trazidas pela primeira dimensão de direitos fundamentais, e traduzem primordialmente os direitos que, para serem concretizados, impõem ao Estado o dever de atuar positivamente, de modo a intervir na ordem econômica e social. Por isso são também denominados de direitos prestacionais, os quais são classificados pela doutrina em (i) direitos à proteção, (ii) direitos à organização e procedimento e (iii) direitos prestacionais em sentido estrito ou, simplesmente, direitos fundamentais sociais. (MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n.18, p.169-186, jul./set.2007).