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O princípio constitucional da proporcionalidade como sustentáculo da prisão provisória

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13/10/2011 às 16:44
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3. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NAS PRISÕES PROVISÓRIAS

3.1. O direito processual penal de emergência e o uso indiscriminado das prisões provisórias

Infelizmente, no Brasil, as prisões provisórias estão excessivamente banalizadas, por inseridas na cultura de emergência, que proporciona apenas um efeito sedante da opinião pública pela ilusória sensação de eficácia do sistema penal.

No entanto, para se compreender a situação emergencial em que o processo penal está inserido, há de se ter consciência da crise social que a originou. A realidade da sociedade brasileira, e de tantas outras da América Latina, mostra a ineficácia da Constituição Federal democrática, tendo em vista que o sistema econômico da globalização reduz, cada vez mais, a possibilidade de efetivação dos direitos e garantias fundamentais da classe excluída.

Esse não-Estado de Direito, e o próprio sentimento de injustiça que o permeia, faz surgir um crescente índice de criminalidade na população carente, como resposta à exclusão social. Assim, por decorrência lógica, a crise social acaba gerando a crise do sistema penal. O Estado passa a utilizar indiscriminadamente da medida cautelar de prisão como forma de repressão à criminalidade, ao invés de implementar políticas públicas capazes de minimizar a exclusão dessa parcela da sociedade.

Sem dúvida, a prisão provisória revela-se o meio mais drástico escolhido pelo legislador para resguardar os fins do processo, a "mais violenta medida processual penal que pode ser imposta contra uma pessoa sujeita a persecutio criminis" [36]. E essa utilização indiscriminada e desproporcional da medida, acaba por confirmar "a incoerência com a proclamada presunção de inocência mascarada pelo patético sofisma do caráter não penal do instituto." [37]

O processo penal de emergência rompe as formalidades processuais e desconsidera os princípios e direitos constitucionais, objetivando alcançar a ordem social através da punição antecipada, a todo custo, do acusado ou investigado. Utiliza-se da prisão provisória como um paliativo, que como tal, apenas soluciona aparentemente os conflitos sociais.

Como bem salienta Maria Kato [38], indubitavelmente, o processo penal de emergência almeja "assegurar, dentro do contexto do caos e da desordem, o controle do réu, por um instrumento técnico significativo, que é a prisão provisória". A sociedade não é capaz de tolerar, o que é compreensível, a condenação e a execução da pena do acusado, após um julgamento transitado em julgado. Por, na grande maioria, não saber diferenciar o instituto da prisão cautelar e o da prisão pena, a sociedade acredita que a prisão cautelar é um instrumento de punição utilizado pelo Estado. Assim, o Estado, buscando atender o clamor social, aplica a medida cautelar de prisão, como um analgésico, mostrando uma aparente retribuição célere ao mal causado pelo "indivíduo culpado". Contudo, quando cessa a custódia cautelar, decai uma profunda decepção, acreditando a sociedade que o Estado deixou de punir o culpado, quando, em verdade, a sanção sequer fora aplicada.

Por isso, o Estado passa a utilizar a prisão provisória de maneira desmedida e indevida, aniquilando a presunção de inocência e o devido processo legal, bem como, transmudando a razão de ser desse instituto, que nasceu para proporcionar o provimento final da jurisdição, não para servir de pena antecipada ou recurso atenuatório da crise social.

Com isso surge um grande desafio: alcançar o equilíbrio entre as medidas cautelares utilizadas pelo Estado, para alcançar o provimento final do processo, e os direitos e garantias individuais assegurados na Constituição, ainda que "a cultura subjacente na sociedade os veja em determinados momentos como mecanismos de proteção dos criminosos" [39]. O Estado Democrático de Direito tem o dever de manter a segurança da sociedade e, ao mesmo tempo, garantir a proteção dos direitos fundamentais de todos os indivíduos que a integra. Então, até que ponto pode o Estado restringir os direitos individuais para manter a ordem e proporcionar a segurança coletiva?

A solução para essa embate é a adoção racional dos subprincípios da proporcionalidade caso a caso, pois se é certo que devem ser assegurados os direitos fundamentais do suposto infrator, certo também é o direito à segurança, bem como os direitos individuais da vítima, que, a depender do caso, necessitam da prisão cautelar para serem preservados.

Marcellus Polastri Lima [40], parafraseando Aury Lopes Júnior, esclarece:

O dilema liberdade ou prisão deve ser resolvido de forma eclética. Deve se adotar um sistema intermediário, nem a prisão nem a liberdade em todos os casos. Pensamos que, mesmo em caso de prisão, como se trata de um conflito entre direitos igualmente fundamentais, existem limites legais que deverão estar presididos pelos princípios da legalidade, excepcionalidade e proporcionalidade.

Nesse sentido, tem que se ter em mente que a extrema medida cautelar de prisão não pode ser abolida, pois a liberdade em todos os casos seria um desequilíbrio, necessitando, todavia, que a necessidade de utilizá-la seja ponderada frente ao princípio da proporcionalidade.

3.2. A prisão provisória proporcional

No primeiro capítulo deste trabalho foi demonstrado que o princípio da proporcionalidade desempenha a função primordial de estabelecer critérios para as limitações à liberdade individual, sendo por essa razão considerado o princípio que restringe a limitação dos direitos e garantias fundamentais. Abordou-se, ademais, a importância da aplicação racional dos seus subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, nos moldes da jurisprudência germânica, bem como que tais subprincípios possuem uma ordem pré-definida e se relacionam de forma subsidiária entre si, razão pela qual nem sempre será necessária a aplicação dos três subprincípios para concluir ou não se o ato será abusivo.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a medida cautelar de prisão, objeto de estudo, apenas estará perfeitamente justificada se fundamentada e utilizada com respeito ao princípio da proporcionalidade, do contrário, esta medida se afigurará desproporcional e, por conseguinte, inconstitucional.

3.2.1. O subprincípio da adequação

A análise da adequação precede a dos demais subprincípios, por força da ordem pré-estabelecida que eles possuem. Dessa forma, quando o juiz for decidir sobre a manutenção ou imposição de uma prisão provisória deverá observar se este é um meio apto para alcançar ou, ao menos fomentar, o resultado pretendido, do contrário, violado está o subprincípio em comento, e esse ato abusivo não pode ser tolerado.

Para fins didáticos, passar-se-á a analisar os subprincípios da proporcionalidade incidindo em um caso prático. Assim, considere-se o exemplo de uma pessoa acusada de cometer o crime de estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal brasileiro, com pena de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, com o seguinte caso hipotético: João falsifica cupons que dão direito à troca por mercadorias no hipermercado, porém, no momento em que tenta induzir a funcionária a erro, esta percebe a fraude nos documentos e chama os seguranças do estabelecimento, que o prendem em flagrante delito.

O juiz, ao receber o flagrante, nos termos do art. 310 do CPP (alterado pela Lei nº 12.403/2011), converte a prisão em flagrante em preventiva, sob o fundamento de que esta se faz necessária para assegurar a da aplicação da lei penal (art. 312 do CPP), tendo em vista as informações de que o acusado está planejando viajar sem informar ao juízo o seu destino, fato este temerário ao provimento jurisdicional.

Ressalta-se, ademais, que o acusado é primário e possuidor de bons antecedentes, vale dizer, não responde a nenhum outro inquérito policial ou processo criminal, bem como não há contra ele sentença condenatória transitada em julgado, pela prática de crime anterior.

Diante de tais circunstâncias, caberia ao juiz, antes decretar a prisão preventiva, analisar a ocorrência das formalidades do ato e a presença dos requisitos autorizadores para a decretação da preventiva, juntamente com a verificação da proporcionalidade da medida no caso concreto, aplicando, para tanto, os subprincípios da proporcionalidade.

Nesse sentido, ao juiz competiria primeiramente examinar a adequação da medida, vale dizer, verificar a aptidão da medida para alcançar ou ao menos fomentar o objetivo visado.

No caso em comento, a prisão preventiva de João foi decretada objetivando assegurar a aplicação da lei penal, diante das circunstâncias que demonstram que ele está pretendendo fugir. Dessa forma, apesar de ser questionável se a imposição da prisão é a medida mais adequada para alcançar esse fim, é inegável que, devido ao seu caráter repressivo, a medida irá evitar, ou ao menos contribuir, para que o acusado não saia do distrito de culpa.

Pode-se dizer, então, que a prisão preventiva nesse caso específico é adequada, nos termos exigidos pelo princípio da proporcionalidade.

3.2.2. O subprincípio da necessidade

Já foi dito que um ato estatal que restrinja direitos fundamentais somente é necessário quando o objetivo pretendido não possa ser alcançado, com igual eficiência, por meio de um outro ato menos gravoso.

Pois bem. Considerando o caso hipotético de João, que teve sua prisão preventiva decretada para assegurar a aplicação da lei penal, caberia ao juiz, nesse segundo momento, realizar uma análise comparativa, ou seja, verificar se existe outra medida, menos gravosa, mas que seja capaz de alcançar o objetivo pretendido com igual eficiência.

Sabe-se que, no caso à baila, o objetivo é evitar a fuga do acusado, ou melhor, que ele vá para local incerto. Então, eis que surgem as seguintes indagações: Existe outro meio menos gravoso para alcançar esse fim? Esse meio menos gravoso é tão eficiente quanto a medida cautelar de prisão? Se a resposta for positiva para as duas perguntas, e só nesse caso, poder-se-á dizer que a prisão preventiva não é necessária. Ou seja, ainda que se encontrem medidas que restrinjam menos o direito à liberdade do indivíduo, faz-se necessário ainda analisar se tais possuem igual eficiência para alcançar o objetivo determinado.

No caso de João, outra medida menos gravosa para evitar ou contribuir para que ele não se mude ou viaje para local desconhecido seria, por exemplo, a proibição de ausentar-se da comarca, ou mesmo, o monitoramento eletrônico, que representaria a liberdade vigiada, medidas cautelares previstas no art. 319, incisos IV e IX, do Código de Processo Penal, alterado pela Lei nº 12.403/2011. Contudo, é forçoso dizer que esses meios não possuem a mesma eficácia em comparação à prisão preventiva, tendo em vista que, com a imposição da prisão em estabelecimento estatal, João terá sua liberdade ainda mais restringida, tornando mais difícil a sua possível fuga, ou seja, contribuindo mais eficazmente para alcançar o fim almejado.

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Dessa forma, verifica-se que a prisão preventiva de João também é necessária. Resta saber se esta medida é proporcional em sentido estrito.

3.2.3. O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito

Em razão da subsidiariedade que permeia esses três subprincípios, não é necessário que o juiz analise todos para concluir que um ato é abusivo ou não, em alguns casos, a aplicação do princípio da proporcionalidade pode esgotar-se com o simples exame da adequação da medida no caso concreto, noutros, com o exame da necessidade, contudo, em casos mais complexos, e apenas nestes, será preciso partir para a análise da proporcionalidade em sentido estrito.

A proporcionalidade em sentido estrito da prisão provisória consiste, em verdade, no sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito à liberdade do indiciado ou acusado e a importância da realização dos meios necessários para garantir o Jus Puniendi, que busca a justa tutela dos direitos fundamentais da vítima e da sociedade como um todo. Devendo, por fim, ficar demonstrado que o benefício proporcionado com a imposição da medida é superior ao ônus gerado.

No campo das prisões provisórias, todavia, esse subprincípio ganha uma amplitude maior. Equivale ao que alguns doutrinadores denominam de "dever de homogeneidade", entre a medida cautelar e a possível pena a ser aplicada. Para tanto, a doutrina de Paulo Rangel é esclarecedora:

A medida cautelar a ser adotada deve ser proporcional a eventual resultado favorável ao pedido do autor, não sendo admissível que a restrição à liberdade, durante o curso do processo, seja mais severa que a sanção que será aplicada caso o pedido seja julgado procedente. A homogeneidade da medida é exatamente a proporcionalidade que deve existir entre o que está sendo dado e o que será concedido. [41] (grifo nosso)

Ou seja, se a medida de prisão mostrar-se mais gravosa do que a sanção que poderá ser imposta ao acusado em caso de condenação, deve ser considerada abusiva de plano, por absoluta desproporcionalidade entre o meio (prisão provisória) e o fim que se pretende acautelar (provimento jurisdicional).

Nesse sentido, a aplicação do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, especificamente na medida cautelar de prisão, deve se dar, antes de qualquer coisa, através da ponderação entre a gravidade da medida e da possível sanção que poderá ser imposta ao réu.

Todavia, para descobrir essa "pena provável" diante do caso concreto, o que é plenamente factível ao juiz, dever-se-á analisar a pena em abstrato do crime somando-se às condições pessoais do acusado (primariedade e bons antecedentes) para saber se este fará jus aos institutos legais da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95), da transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do CP), da suspensão condicional da pena (art. 77 do CP) e, por fim, ao regime aberto ou semiaberto (art. 33 do CP).

Nesse sentido, a título exemplificativo, seria desproporcional decretar a prisão preventiva nos crimes: cometidos sem violência ou grave ameaça, cuja perspectiva eventual de pena seja inferior a quatro anos, pois caberá a substituição da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 44 do Código Penal; que permitam a suspensão condicional do processo ou a transação penal, institutos regulados pela Lei nº 9.099/95; que a pena projetada não seja superior a 2 anos, por ser possível a concessão da suspensão condicional da pena prevista no art. 77 do Código Penal; por fim, quando o regime de cumprimento de eventual pena a ser aplicada seja o aberto ou o semiaberto, regulados no art. 33 do Código Penal.

Em síntese, a prisão provisória "jamais poderia ser decretada quando a infração não admitisse pena privativa de liberdade em regime fechado" [42]. Como permitir a prisão preventiva em crimes de receptação, estelionato, apropriação indébita, furto, e outros, em que o réu, se condenado, não será submetido a pena privativa de liberdade em regime inicial fechado?

Admitindo-se a prisão cautelar nesses casos o contrassenso estaria formado: "o mal causado durante o curso do processo é bem maior do que aquele que, possivelmente, poderia ser infligido ao acusado quando de seu término." [43]

Para tanto, como dito, resta ao juiz fazer uma análise caso a caso da pena provável, partindo de prognose pelo resultado mais grave, antes de impor a medida cautelar de prisão e, quando esta se revelar mais grave do que aquela, a prisão provisória não deverá ser aplicada, por absurdamente desproporcional. Contudo, como bem aduz Antônio Scarance Fernandes [44], infelizmente, "tem-se relutado muito no Brasil em trabalhar com a pena provável como parâmetro para a atuação de alguns institutos processuais", ao contrário da maioria dos países.

De fato, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito das prisões provisórias está longe de ser observado na prática brasileira. Fernando Vernice dos Anjos [45] apresenta dados, estimados em poucos anos atrás, da cidade de São Paulo, demonstrando que "o tempo médio de permanência de uma pessoa presa processualmente por furto e condenada à pena restritiva de direitos no final do processo é de 71,59 dias."

Essa realidade é inadmissível. Como leciona Eugênio Pacelli de Oliveira [46], se a imposição de uma medida cautelar de prisão "pudesse trazer conseqüências mais graves que o provimento final buscado na ação penal, ela perderia a sua justificação, passando a desempenhar função exclusivamente punitiva". Em verdade, com a inobservância da proporcionalidade entre meio e fim, a prisão cautelar transmuda-se em pena antecipada, e o que é pior, em pena mais gravosa do que poderia ser aplicada.

Logo, aplicar o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito consiste em examinar a proporcionalidade entre a imposição da prisão provisória com a possível pena a ser aplicada, e, para que isso ocorra, como dito, "a violência exercida como medida de coerção nunca pode ser maior de que a violência que, eventualmente, se poderá exercer mediante a aplicação da pena, no caso de provar-se o delito em questão" [47].

Assim, submetendo o caso hipotético, trazido para melhor elucidar o presente estudo, ao exame da proporcionalidade em sentido estrito, deve ser questionado se o objetivo de evitar uma possível fuga do acusado João (assegurar a aplicação da lei penal) e, em última análise, o direito de punir do Estado, com a decretação da prisão preventiva, justificaria a limitação à sua liberdade ambulatorial.

Ponderando a medida cautelar de prisão, de um lado da balança estará o direito de punir e do outro o direito à liberdade de locomoção. Se a prisão se mostrar mais gravosa do que a eventual sanção que o réu poderá obter em caso de condenação, não há como se atribuir maior peso ao direito de punir do Estado. ***

Nesse sentido, deverá o juiz fazer uma prévia análise da pena que poderá ser imposta ao réu. No caso de João, lembrando que ele é primário e possuidor de bons antecedentes, fica fácil ao juiz concluir que não será imposta a ele a pena máxima de 5 (cinco) anos prevista para o crime de estelionato. Assim, poderá obter a suspensão condicional do processo, por ser a pena mínima cominada ao crime igual a 1 (um) ano; a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tendo em vista que a pena provável não será superior a 4 (quatro) anos; ou, na pior das hipóteses, iniciará o cumprimento da pena em regime inicial aberto.

Sobre o instituto da suspensão condicional do processo, criado pela Lei nº. 9.099/95, com previsão em seu art. 89, André Luiz Nicolitt [48] comenta:

Sob a ótica processual, a lei criou uma hipótese legal de suspensão condicional do processo exigindo para tanto a presença dos seguintes requisitos, não olvidando a admissibilidade da denúncia: a) crime com pena mínima cominada igual ou inferior a 1 (um) ano; b) o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime; c) os demais requisitos do art. 77 do CP; e d) a vontade do acusado. No que se refere ao aspecto material, a lei criou uma forma de extinção da punibilidade cujo requisito é a expiração do período de prova sem a revogação, ex vi § 5º do art. 89: expirado o prazo sem revogação, o juiz declara extinta a punibilidade. (grifo do autor)

Doutra banda, segundo o artigo 44 do Código Penal, que preceitua "os requisitos necessários e indispensáveis para que o juiz possa levar a efeito a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos" [49], se não fosse concedida ao João a suspensão condicional do processo, ainda poderia obter esse benefício, pois o crime de estelionato é cometido sem violência ou grave ameaça, a pena provável imposta não será maior do que 4 (quatro) anos e trata-se de réu primário e possuidor de bons antecedentes.

Por fim, caso João não preenchesse os requisitos necessários para concessão da suspensão condicional do processo ou da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito, teria direito de iniciar o eventual cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto, consoante a regra do art. 33, § 2º, alínea "c", do Código Penal. In verbis:

Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

§ 2º. As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Conclui-se então que, embora a decretação da prisão preventiva de João tenha sido considerada adequada e necessária, não se pode dizer que esta medida seja proporcional em sentido estrito, tendo em vista que o mal causado com a imposição da medida (privação de liberdade) é bem maior do que aquele que poderá ser imposto em caso de condenação (pena restritiva de direitos).

Dessa forma, a decretação da prisão preventiva, nesse caso hipotético, que representa os inúmeros da vida real, deverá ser considerada desproporcional e, portanto, inconstitucional, por infringir umas das facetas do princípio constitucional da proporcionalidade.

Restaria ao juiz impor, se necessário, outra medida cautelar, que, para esse caso de João, que busca evitar possível fuga, como visto, poderia ser a imposição da medida cautelar de proibição de ausentar-se da comarca, ou mesmo, o monitoramento eletrônico, previstas no art. 319, incisos IV e IX, respectivamente, alterado pela Lei nº 12.403/2011.

Portanto, para que a prisão provisória seja considerada proporcional deve ser ao mesmo tempo, apta para alcançar ou fomentar o objetivo pretendido, a medida que menos restrinja o direito à liberdade, mas que alcança o objetivo pretendido com igual eficiência, e menos gravosa do que a pena provável que poderá ser imposta ao réu. Basta a ausência de uma dessas características para a mesma ser considerada desproporcional.

A proporcionalidade da prisão cautelar, sob o crivo dos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, é, assim, a medida de sua legitimação, a sua ratio essendi.

3.3. As reformas legislativas e a adoção de um modelo polimorfo no sistema cautelar brasileiro

A aplicação dos subprincípios da proporcionalidade e, por exemplo, não decretar a prisão provisória quando a infração não admitir pena privativa de liberdade em regime fechado, parece lógica, porém, por não haver restrição na legislação infraconstitucional, muitos juízes determinam essa medida extremosa, convictos de que estão agindo da melhor forma. Esquecem-se, dessa forma, que o princípio constitucional da proporcionalidade, bem como os outros princípios específicos das prisões provisórias, como o da excepcionalidade, provisoriedade e provisionalidade, devem nortear todo ato estatal.

No entanto, para diminuir ou até mesmo aniquilar essa utilização indiscriminada das prisões provisórias com a aplicação racional dos subprincípios da proporcionalidade, primeiramente, faz-se necessário que a legislação traga outras medidas cautelares diversas da prisão, pois, como bem acentua José Carlos Mascari Bonila [50]:

A escala de graduação, que se estabelece pela existência de, por exemplo, fiança; liberdade vinculada; arresto; hipoteca legal, seqüestro, apreensão e prisões, indica a possibilidade de ser evitado o encarceramento no curso do processo, deixando a privação de liberdade para a hipótese mais extremada.

O ordenamento jurídico brasileiro estava aquém dos demais por não trazer em seu bojo medidas cautelares pessoais entre a liberdade e a prisão, dificultando a aplicação do princípio da proporcionalidade, que tem como uma de suas finalidades, buscar uma outra medida menos gravosa do que a prisão.

Contudo, a recente edição da Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, trouxe um grande avanço para a matéria das medidas cautelares no sistema pátrio.

Mudanças precisavam acontecer, tendo em vista que para exigir a aplicação racional dos subprincípios da proporcionalidade quando da análise da manutenção ou decretação de uma prisão provisória, como diz Antônio Scarance Fernandes [51], "devem ser dadas ao juiz alternativas de cautelaridade diversas da prisão". E complementa o aludido autor:

Deve-se caminhar no sentido do estabelecimento de várias medidas cautelares entre a liberdade e a prisão, escalonando-as com base em critérios relacionados com o crime e com o agente. Isso porque, às vezes, o juiz não precisa prender, mas também não deve manter inteiramente livre o acusado, faltando-lhe, no sistema brasileiro, uma medida que fosse ajustada ao caso. (grifei)

A problemática encontrava-se numa dimensão tão gritante que, como conseqüência, foi apresentado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.208/01, atualmente transformado na mencionada Lei nº 12.403/2011, que altera os dispositivos do Código de Processo Penal de 1941, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências.

Nesse sentido, relembra Aury Lopes Jr. [52]:

Infelizmente, desde um ponto de vista morfológico, nosso sistema é bastante limitado. Entre outros exemplos, citamos o sistema cautelar italiano, que é polimorfo, pois permite um leque de formas de restrição da liberdade, contrastando com o modelo brasileiro, que se restringe ao binário prisão-liberdade. É a falta de opções o maior problema do sistema cautelar brasileiro, pois, no curso do processo, ou o sujeito está preso preventivamente ou está em liberdade. Não existem opções intermediárias eficazes. (grifo nosso)

Ainda que de maneira tímida, a nova lei conseguiu implantar um modelo polimorfo (pluralismo cautelar) no Brasil, a exemplo de outros países como Portugal e Itália, vez que prevê variadas medidas cautelares diferentes da prisão. Trazendo, ademais, referências expressas à necessidade da adoção de critérios de proporcionalidade na fixação da prisão provisória.

A lei inicia bem, alterando o título IX do Código de Processo Penal, incluindo a expressão "medidas cautelares", que antes apenas falava da prisão e da liberdade provisória. Tratou nos primeiros artigos das regras gerais aplicáveis às medidas cautelares, mencionando no art. 282, os subprincípios da proporcionalidade da "adequação" e da "necessidade". Veja-se:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (grifo nosso)

As medidas cautelares passaram a ser regidas expressamente pelos princípios da necessidade e da adequação. Teria andado melhor se sinalizasse toda a base epistemológica do sistema cautelar brasileiro, enfatizando a excepcionalidade, provisoriedade, provisionalidade e proporcionalidade.

Mas, sem dúvida alguma, a maior evolução vem no art. 319 e seguintes, que consagram as outras medidas cautelares pessoais diversas da prisão, possibilitando, finalmente, a concretização dos princípios da proporcionalidade e da excepcionalidade, que norteiam a prisão provisória. Apresenta um rol com duas classes de medidas cautelares pessoais: as coercitivas (comparecimento periódico em juízo, proibição de frequentar determinados lugares, proibição de manter contato com pessoa determinada, proibição de ausentar-se da comarca, recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, internação provisória, monitoração eletrônica, proibição de ausentar-se do País, fiança) e as interditórias (suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira), que vem a somar com as já existentes medidas cautelares reais (sequestro, arresto, bloqueio de contas bancárias).

Cumpre destacar o teor do art. 321, que manda, estando ausentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, ao juiz conceder a liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319. A novidade está nesta parte final do dispositivo, que permite com que a concessão da liberdade provisória seja cumulada com a imposição de outras medidas cautelares.

É importante compreender que as medidas alternativas à prisão provisória apenas podem ser decretadas quando presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, requisitos autorizadores da prisão provisória, que, por sua vez, não deve ser decretada por existir outra medida menos gravosa e capaz de obter, de igual forma, os objetivos visados.

***Cumpre sublinhar ainda a nova redação do art. 313, que impõe outros requisitos necessários para a decretação da prisão preventiva, consagrando o princípio da proporcionalidade ao restringir a imposição da medida apenas para os crimes dolosos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos. Ou seja, exclui-se a possibilidade de prisão preventiva nos crimes como o de furto, receptação, apropriação indébita, com a ressalva de que o imputado não pode ser reincidente.

Em suma, enorme foi a contribuição da adoção de um modelo polimorfo, que finalmente criou condições de eficácia para o estudado princípio constitucional da proporcionalidade. Contudo, além da reforma legal é preciso que haja uma reforma cultural, para que a prisão provisória seja efetivamente a ultima ratio do sistema, respaldada na aplicação racional dos subprincípios da proporcionalidade.

Indubitavelmente, a Lei nº 12.403/2011 constitui um grande avanço na conformação do Código de Processo Penal à Constituição da República, representando um decisivo passo para a efetivação do sistema unitário, pelo qual todas as leis de um ordenamento jurídico devem convergir com os princípios constitucionais.

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Sobre a autora
Nayara Viana Rabelo

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RABELO, Nayara Viana. O princípio constitucional da proporcionalidade como sustentáculo da prisão provisória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3025, 13 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20216. Acesso em: 22 dez. 2024.

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