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As decisões judiciais sobre a atenção de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar do SUS

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11/01/2012 às 13:24
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3 Unidades De Tratamento Intensivo (UTI)

As Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) também se inserem na assistência de média e alta complexidade do SUS.

As UTIs são avaliadas e credenciadas por características tecnológicas, de engenharia, pela conformação de sua equipe assistencial, pelo número de leitos, pela disponibilização de equipamentos, entre outros pontos.

Há diversas normas que regulam o credenciamento e o funcionamento das UTI’s. De modo geral, pode-se resumir que, dentre vários outros aspectos, delega-se ao gestor estadual e/ou municipal a definição e o cadastramento dessas unidades, mediante aprovação na Comissão Intergestores Bipartite.

Por conseguinte, o gestor local realiza uma vistoria, para avaliar se uma determinada unidade de tratamento cumpre todos os requisitos que previstos na legislação que regulamenta a UTI. Após, caso conclua afirmativamente, enviará a avaliação à CIB, para discutir sobre a necessidade do credenciamento, diante dos dados epidemiológicos e orçamentários. Posteriormente, levará ao Ministério da Saúde, para habilitação e publicação no Diário Oficial da União. Depois disso, o gestor local poderá cadastrá-la.

Acrescente-se ainda as informações constantes no Parecer Técnico 241/2010 da Secretaria de Atenção à Saúde – Departamento de Atenção Especializada, Coordenação Geral de Atenção Hospitalar:

A distribuição, a fiscalização, a regulação e o fornecimento dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva – UTI credenciados ao SUS são de competência do Gestor Estadual e/ou Municipal, consoante o Princípio de Descentralização. Ao Ministério da Saúde caberá o credenciamento de leitos de UTI, cujos processos serão formalizados pelos gestores estaduais, que detêm as informações pertinentes ao serviço de saúde local. Para tanto, é necessária a manifestação do gestor local e que sejam identificados os municípios ou regiões onde há déficit de leitos de UTI, encaminhando ao Ministério da Saúde a solicitação para o credenciamentos dos respectivos leitos, atendendo aos critérios da Portaria GM 3432/98, de 12/08/98, e ao fluxo estabelecido pela PT/GM/MS 598, de 23/03/2006. Diante dos fatos, a Coordenação Geral de Atenção Hospitalar entende coerente com o Pacto pela Saúde 2006, no qual o gestor local é responsável pela execução do atendimento, pela verificação da disponibilidade dos leitos e real ocupação dos mesmos, considerando que a organização da rede é de responsabilidade dos gestores (Estadual e Municipal).

Por conseguinte, de acordo com o mencionado parecer técnico, percebe-se que a atribuição da União é de credenciar os leitos de UTI necessários para se atender à população de uma localidade. No entanto, para isso, a União precisa ser solicitada pelos gestores locais. Para credenciar leitos de UTI, torna-se imperioso que os gestores locais, por conhecerem a realidade, os dados e as deficiências dos municípios e regiões em que atuam, forneçam essas informações imprescindíveis ao planejamento e atuação do Ministério da Saúde.

Caso a União não seja instada a agir pelos gestores locais, considera que a situação naquela localidade encontra-se regular, com as Unidades de Tratamento Intensivo operando normalmente. Não seria razoável obrigar esse ente federado a agir por iniciativa própria, em todo o país, quando os gestores locais são omissos em apontar suas necessidades. A União não possui aparato para uma operação como essa, que seria extremamente dispendiosa. Por isso mesmo, o Sistema é descentralizado.


4 Decisões judiciais que obrigam a União a realizar procedimentos de Média e Alta Complexidade

Sobre a desorganização do Sistema, proveniente de decisões judiciais, torna-se adequado citar o posicionamento de Luís Roberto Barroso ao comentar decisões que determinam a entrega de medicamentos:

Mais recentemente, vem se tornando recorrente a objeção de que as decisões judiciais em matéria de medicamentos provocam a desorganização da Administração Pública. São comuns, por exemplo, programas de atendimentos integral, no âmbito dos quais, além de medicamentos, os pacientes recebem atendimento médico, social e psicológico. Quando há alguma decisão judicial determinando a entrega imediata de medicamentos, freqüentemente o Governo retira o fármaco do programa, desatendendo a um paciente que o recebia regularmente, para entregá-lo ao litigante individual que obteve a decisão favorável. Tais decisões privariam a Administração da capacidade de se planejar, comprometendo a eficiência administrativa no atendimento ao cidadão. Cada uma das decisões pode atender às necessidades imediatas do jurisdicionado, mas, globalmente, impediria a otimização das possibilidades estatais no que toca à promoção da saúde pública. 

Esse posicionamento diz respeito às decisões que determinam o fornecimento de medicamentos, porém se aplica, mutatis mutandis, às decisões sobre procedimentos referentes ao bloco AMACAH.

Desorganizam o modo como é estruturado o SUS as decisões judiciais que impõem à União a realização direta de procedimentos de média e alta complexidade, como uma cirurgia, um exame ou uma internação, bem como a obrigação de aumentar a quantidade de leitos disponíveis em UTI em uma localidade.

A seguir, transcrevemos alguns dispositivos de decisões que exemplificam o que aqui tratamos:

"Diante do exposto, concedo a tutela antecipada para que a União e o Distrito Federal propiciem ao autor a internação imediata em UTI neonatal. (...) Fixo multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em caso de descumprimento da presente decisão" (Ação ordinária nº 9237-29.2010.4.01.3400).

"(...) defiro o pedido de tutela antecipada, para determinar à União Federal que adote todas as medidas necessárias no sentido de proceder à cirurgia requerida, com a mais absoluta urgência, sob pena de cominação de multa diária, caso o único obstáculo seja o fato da requerente residir no Estado do Maranhão." (Ação ordinária nº 2010.40.00.002012-5)

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Ocorre a desorganização do Sistema, uma vez que a União não possui meios próprios para realizar diretamente os tratamentos comumente impostos pelas determinações judiciais, porquanto não administra hospitais próprios capacitados a realizar esse tipo de operação. Ou seja, esse ente federativo não é aparelhado para cumprir esse tipo de decisão judicial. Os nosocômios que devem oferecer esses tratamentos são os habilitados e administrados pelos gestores locais.

Há poucos hospitais federais. Os únicos existentes são os universitários e alguns localizados em apenas dois estados brasileiros, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. No Rio de Janeiro existem os seguintes hospitais ligados ao Ministério da Saúde: Instituto de Cardiologia de Laranjeiras, Instituto Nacional do Câncer, Instituto Nacional de Traumoto Ortopedia, Hospital Geral dos Servidores, Hospital Geral de Bonsucesso, Hospital Geral de Jacarepaguá, Hospital Geral de Ipanema, Hospital Geral de Andaraí e Hospital Geral da Lagoa. Já na cidade de Porto Alegre, a União possui majoritariamente as ações do Hospital Nossa Senhora da Conceição.

Esses hospitais localizados no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro tiveram sua origem no extinto INAMPS. Já os universitários se relacionam com o SUS por meio de convênio.

Contudo, é importante frisar que mesmo os hospitais federais se encontram sob gestão local, sendo certo que cabe à União, também quanto a eles, apenas o repasse dos recursos federais. O gerenciamento e administração permanecem sendo descentralizados, como demonstram os instrumentos jurídicos que regem cada um desses nosocômios.

Uma vez transferidos os recursos pela União, esta se desonera da sua obrigação. Conseqüentemente, qualquer falha quanto ao gerenciamento da rede de atenção deve ser imputada ao Estado ou ao Município faltante.


Conclusão

Ao explicar a sistemática de funcionamento do Bloco da Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar, demonstrou-se que a descentralização e hierarquização do SUS determinam que a realização das ações de saúde referentes a esse bloco deve ser implementada por seus gestores locais.

O desenvolvimento da regionalização e hierarquização das ações de saúde de média e alta complexidade é crucial para se alcançar a integralidade da assistência, em atendimento ao comando constitucional.

Os procedimentos de média e alta complexidade não são e não podem ser realizados pelo Ministério da Saúde/União, mas sim por meio dos gestores locais. Isso porque, neste bloco de financiamento, a União assume o papel de definir as políticas públicas e repassar regularmente os valores necessários aos Estados e Municípios.

Após repassar os recursos aos outros entes, a União se desembaraça da sua obrigação. Portanto, os erros relativos ao gerenciamento da rede de atenção devem ser imputados ao Estado ou ao Município faltante, já que o numerário foi transferido e cabia a esses entes gerenciá-lo. Ressalta-se que esse dever foi assumido espontaneamente pelo gestor local, no Pacto pela Saúde.

Andaria bem o Judiciário se impusesse a obrigação de realizar esses tipos de tratamentos médicos aos entes que realmente possuem capacidade de concretizá-los. A capacidade desses entes existe devido ao fato de possuírem a atribuição de gerenciar os hospitais locais, de acordo com as normas do SUS e em observância ao princípio da regionalização.

Quando o Poder Judiciário impõe a obrigação à União de proceder à internação de uma determinada pessoa em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), à realização de exames e/ou de cirurgias, bem como ao aumento da quantidade de leitos disponíveis em UTI em uma localidade, desorganiza o modo como é estruturado o Sistema Único de Saúde, causando prejuízos a toda população.

Por outro lado, quando os magistrados proferem decisões que respeitam a estrutura do Sistema, torna-se um aliado na organização do SUS, auxiliando, inclusive, no controle e no planejamento dos gastos públicos.


Referências bibliográficas.

COLEÇÃO CONASS PROGESTORES – PARA ENTENDER A GESTÃO DO SUS Assistência de Média e Alta Complexidade no SUS. 1 ed. Brasília, v. 09, 2007.

BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Interesse Público, Belo Horizonte: Fórum, ano 9, n. 46, Nov/dez. 2007.

Parecer Técnico 241/2010 - Secretaria de Atenção à Saúde – Departamento de Atenção Especializada, Coordenação Geral de Atenção Hospitalar.

Parecer Técnico 443/2010 - Secretaria de Atenção à Saúde – Departamento de Atenção Especializada, Coordenação Geral de Atenção Hospitalar.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 204 de 29 de janeiro de 2007. Brasília: Ministério da Saúde, 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 399 de 22 de fevereiro de 2006. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

SITES PESQUISADOS:

Http://portal.saude.gov.br/portal/sas/mac/default.cfm. Acesso em 31/03/2011.

Http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/ Acesso em 31/03/2011.

Extraído do site HTTP:portal.saude.gov.br/arquivos/pdf/SUS_3edicao_completo.pdf. Acesso em 25 de maio de 2010.

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Sobre a autora
Gabriela Moreira Feijó

Advogada da União, com lotação atual na Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde. Pós-graduada em Direito Processual – Grandes Transformações, ministrada pela Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – LFG, em parceria com a Universidade do Amazonas- UNAMA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEIJÓ, Gabriela Moreira. As decisões judiciais sobre a atenção de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar do SUS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3115, 11 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20833. Acesso em: 25 abr. 2024.

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