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Os dispositivos inconstitucionais da Lei nº 12.462 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.655

16/03/2012 às 11:02
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Abordam-se os principais aspectos da Lei nº 12.462 contrários ao ordenamento jurídico pátrio, reveladores de um potencial dano aos aspectos sociais e da soberania nacional.

Resumo: Delinearemos acerca do procedimento de contratação pública previsto na Lei 12.462 para obras e serviços pertinentes à Copa das Federações/Copa do Mundo no Brasil de 2014 e Paraolimpíadas/Olimpíadas no Rio de Janeiro de 2016. Apontaremos ainda irregularidades quanto a processo legislativo que lhe deu origem, bem como dos dispositivos que se apresentam dissonantes ao ordenamento jurídico pátrio, objeto de discussão da ADI nº 4.655.

Palavras-Chave: MP 527/11. RDC. Processo Legiferante. Lei de Licitações. ADIn 4.655.


A Medida Provisória nº 527/11, de 18 de março de 2011, alterou a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e trazia ainda matéria referente à criação da Secretaria de Aviação Civil, alteração da legislação da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Portuária – INFRAERO, bem como autorizava a criação de cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão e de controladores de tráfego aéreo.

Submetida a Medida Provisória à Câmara dos Deputados, o deputado federal José Guimarães, que era o relator, apresentou em plenário projeto que, além de sugerir a conversão da MP, ainda lhe acrescentou dispositivos referentes ao Regime de Contratação Diferenciada.

Depois de votado na Câmara dos Deputados (CF, Art. 62, §8º)[1], o projeto de lei foi apreciado e aprovado no Senado, seguidamente encaminhado para a sanção presidencial (CF, Art. 66)[2], que ocorreu em 05 de agosto de 2011.

A Procuradoria Geral da República, por meio de seu Procurador Geral, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, analisando a Lei que institui o Regime Diferenciado de Contratações e o trâmite legiferante que lhe originou, verificou existência de afronta ao Processo Legislativo (CF, Art. 62)[3], existência de incompatibilidade de dispositivos da referida norma em relação aos princípios regentes da administração pública (CF, Art. 37, caput)[4], e também violação ao que dispõe a Constituição em relação às licitações (Art. 37, XXI).

Por isso, através da ADIn 4.655, a PGR pleiteia a suspensão da eficácia da Lei nº 12.462, em virtude da inconstitucionalidade de dispositivos, os quais passaremos a analisar na sequência.

Primeiramente, há de se apontar a irregularidade denominada como “vício formal” pela Procuradoria Geral da República na ação direta de inconstitucionalidade, no que diz respeito ao processo legislativo que converteu a Medida Provisória nº 527/11 na Lei 12.462.

Ocorre que, no projeto de lei de conversão da medida provisória, que tem por autor o deputado federal José Guimarães, houve inclusão de matéria estranha àquela que originariamente tratava a medida provisória, qual seja o Regime Diferenciado de Contratações para os eventos da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, e Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro.

Quanto a esse ponto, é dado aos parlamentares a possibilidade de procederem a emendas no texto da medida provisória, sem, no entanto, incluírem redação que adentre em mérito escuso àquele a que deu tratamento o texto inicial.

Nesse sentido, o Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, no corpo da ADIn 4.655, diz que:

“No entanto, a exemplo do que ocorre com os projetos de iniciativa exclusiva de outros Poderes e do Ministério Público, é preciso que guardem afinidade lógica (relação de pertinência) com a proposição original (...) Não é por outra razão que a Resolução n° 1, de 1989-CN, que ‘dispõe sobre a apreciação, pelo Congresso Nacional, das Medidas Provisórias a que se refere o art. 62 da Constituição Federal’ estabelece expressamente em seu art. 4°, §1°, ser ‘vedada a apresentação de emendas que versem matéria estranha àquela tratada na Medida Provisória”.

Nota-se a total dissonância de assuntos constantes do texto original da Medida Provisória (Organização da Presidência e Ministérios; Criação de Secretaria; Alteração de legislação da ANAC e INFRAERO; Criação de cargos de ministro, comissionados e controladores de tráfego aéreo) e os incluídos pelo projeto de lei do deputado José Guimarães (Regime Diferenciado de Contratação).

Alexandre de Morais, em sua obra “Direito Constitucional”, acerca do assunto, leciona que:

“proibida, terminantemente, a apresentação de emendas que versarem sobre matéria estranha à deliberada pelo texto da medida provisória, visando, pois, impedir o alargamento da utilização deste processo legislativo especial e excepcional...”. [5]

Revela-se, ainda, inconstitucional a alteração procedida pelo projeto de lei, por violar o Processo Legislativo (Art. 62), bem como o Princípio da Separação dos Poderes (Art. 2º), ambos estampados na Constituição da República.

O artigo 62 delega competência exclusiva à presidência para elaborar medidas provisórias, de modo que qualquer alteração procedida em sua tramitação no Congresso Nacional que consista em inclusão de matéria anteriormente não prevista no texto legal de criação da presidência, importará em usurpação de poderes, violando a separação de Poderes, instituído pelo artigo 2º da Constituição Federal [6].

Os vícios de legalidade, e até constitucionalidade da Lei nº 12.462, no entanto, não se esgotam no processo legislativo de sua criação, podendo também ser encontrados em seus dispositivos reguladores do chamado Regime Diferenciado de Contratação, que agora passaremos à análise.

Extrai-se do artigo 1° da referida lei:

Art. 1º É instituído o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), aplicável exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização:

I - dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO); e

II - da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação - Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo - Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 - CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios...”.

Aqui, a inconstitucionalidade reside no fato de não se especificar quais obras e serviços pautar-se-ão pelo regime diferenciado de contratação, além de delegar essa competência a autoridades integrantes do Poder Executivo, o que contraria sobremaneira o enunciado do artigo 37 da Constituição Federal, que exige para a administração pública, a observância, entre outros, do princípio da legalidade.

Lembra, ainda, a Procuradoria Geral da República, que os dispositivos mencionados vão de contra ao teor do inciso XXI, artigo 37 [7], quando diz:

“A ofensa ao artigo 37, XXI, da CR, parece bastante evidente, pois o regime de licitação pública não está definido em lei, e sim por ato do Executivo. Não há, reitere-se, qualquer parâmetro legal sobre o que seja uma licitação ou contratação necessária aos eventos previstos na lei, outorgando-se desproporcional poder de decisão ao Poder Executivo”.

A esse respeito, leciona José dos Santos Carvalho Filho:

“O princípio da legalidade é talvez o princípio basilar de toda a atividade administrativa. Significa que o administrador não pode fazer prevalecer sua vontade pessoal; sua atuação tem que se cingir ao que a lei impõe. Essa limitação do administrador é que, em última instância, garante os indivíduos contra abusos de conduta e desvios de objetivos.

No campo das licitações, o princípio da legalidade impõe, principalmente, que o administrador observe as regras que a lei traçou para o procedimento...”.[8]

Outro ponto negativo da Lei 12.462 é a “adoção preferencial do regime de ‘contratação integrada’ e ‘empreitada integral’ (Art. 2°, I e Art. 8°, §1°) [9] de obras e serviços de engenharia, o que implica uma única licitação para projeto básico, projeto executivo e execução de obras e serviços. Nessa modalidade de contratação, não é preciso definir previamente o objeto das obras e serviços”.[10]

Na ótica constitucional, ao se preferir o regime de contratação integrada, que prescinde da prévia definição do objeto das obras e serviços, seria o mesmo que olvidar-se do princípio da isonomia, que, no campo das contratações pelo poder público, tem por escopo garantir a igualdade de condições a todos os concorrentes.

Nesse sentido, a Procuradoria Geral da República na ADIn 4.655:

“A definição prévia do objeto é um imperativo decorrente do princípio da isonomia dos concorrentes, pois é a partir dele que as diversas propostas podem ser objetivamente comparadas(...)

Reforce-se que a definição das características e do valor das obras contratadas sob tal regime somente serão aferíveis após assinado o contrato e realizado o projeto básico pela pessoa contratada.

É por essa razão que, mesmo admitindo a execução de obras e serviços em regime de empreitada integral, a Lei n° 8.666 a define nos seguintes termos: ‘quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias (...)’. Ou seja, ao contrário da Lei 12.462, a Lei 8.666 não admite que a empreitada integral englobe o projeto básico”.

Outro instituto incluído no Regime Diferenciado de Contratações que vai contra a igualdade que se deve conferir aos participantes do certame licitatório diz respeito à pré-qualificação prevista no inciso I do artigo 29 da lei em comento, que, conforme a redação do artigo 30, consiste em procedimento anterior ao da licitação.

Isso porque não se deve deixar de oportunizar a concorrência de interessados no certame, em momento anterior à própria licitação, que possui instrumentos eficazes para bem selecionar a melhor proposta.

Ainda acerca do princípio da isonomia, aqui voltada para os comentários acerca da pré-qualificação, transcrevemos trecho do que leciona José dos Santos Carvalho Filho:

“É claro que a lei admite que o administrador, ao enunciar as regras de procedimento, defina alguns requisitos para a competição. A igualdade aqui, como bem anota IVAN RIGOLIN, é de expectativa, porque todos têm, em princípio, iguais expectativas de contratar com a Administração. Desse modo, a possibilidade efetiva de alijar licitantes do certame deve ocorrer após o instrumento de convocação , quando se verificar que não preenchem os requisitos aí demarcados”. [11]

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Resta-nos, dentre os pontos selecionados para esta abordagem, atacar os dispositivos que tratam acerca das medidas a serem adotadas, visando à compensação dos impactos suportados ambientalmente, aí também incluídos o patrimônio histórico, cultural, arqueológico e imaterial tombados, constante na redação do artigo 4°, §1°, II e §2°, da Lei de Regime Diferenciado de Contratações.[12]

Nesses artigos, é previsto um procedimento de compensação/mitigação dos danos afetos aos bens acima descritos, decorrentes das obras e serviços realizados para consecução dos desígnios da Lei 12.462.

Ao nosso entender, em que pese a importância dos eventos porvir, por uma questão de se preservar os interesses nacionais, até mesmo a soberania Estatal, fez mal o legislador em vislumbrar a hipótese de se proceder a transformações estruturais em detrimento do patrimônio ambiental, histórico e cultural do país.

A fim de melhor embasar nosso ponto de vista, servimo-nos da argumentação lançada pela Procuradoria Geral da República na ADIn n° 4.655:

“Tais dispositivos não podem ser interpretados no sentido de que, havendo obras ou atividades potencialmente causadoras de dano ambientais/culturais, serão aplicadas apenas medidas mitigadoras e/ou compensatórias.

O estudo de impacto ambiental, previsto no art. 225, §1°, IV, da CR é o instrumento adequado para se avaliar a extensão do dano e, mediante ponderação de interesses, decidir-se se é possível e conveniente a realização da obra ou da atividade, e as condições em que se desenvolverão”.

Acreditamos, assim, ter abordado no presente artigo os principais aspectos da Lei 12.462 contrários ao ordenamento jurídico pátrio, reveladores de um potencial dano aos aspectos sociais e da soberania nacional.


Notas:

[1] “Art. 62, §8° As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados”.

[2] “Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará”.

[3] “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”.

[4] “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte...”.

[5] Moraes, Alexandre de, Direito Constitucional. – 15. ed. – São Paulo : Atlas, 2004. p. 574.

[6] “Art. 2°. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

[7] “Art. 37, XXI ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure a igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

[8] Filho, José dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo. – 18. ed. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2007. p. 220.

[9] “Art. 2º Na aplicação do RDC, deverão ser observadas as seguintes definições:

I - empreitada integral: quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo a totalidade das etapas de obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para a qual foi contratada”.

“Art. 8º Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes: (...)

V – contratação integrada.

§ 1º Nas licitações e contratações de obras e serviços de engenharia serão adotados, preferencialmente, os regimes discriminados nos incisos II, IV e V do caput deste artigo (...)

§ 5º Nas licitações para a contratação de obras e serviços, com exceção daquelas onde for adotado o regime previsto no inciso V do caput deste artigo, deverá haver projeto básico aprovado pela autoridade competente, disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório”.

[10] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=188758

[11] Filho, José dos Santos Carvalho, [ob. cit] p. 221.

[12] “Art. 4º Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes: (...)

§ 1º As contratações realizadas com base no RDC devem respeitar, especialmente, as normas relativas à: (...)

II - mitigação por condicionantes e compensação ambiental, que serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental (...)

§ 2º O impacto negativo sobre os bens do patrimônio cultural, histórico, arqueológico e imaterial tombados deverá ser compensado por meio de medidas determinadas pela autoridade responsável, na forma da legislação aplicável...”.

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Sobre o autor
Jessé Leal Pereira

Advogado em Goiânia (GO). Associado no escritório Levergger e Miguel Advogados. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes - Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jessé Leal. Os dispositivos inconstitucionais da Lei nº 12.462 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.655. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3180, 16 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21298. Acesso em: 21 nov. 2024.

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