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Proporcionalidade, ponderação de princípios e razoabilidade no projeto do novo CPC à luz da teoria de Robert Alexy

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14/05/2012 às 08:17
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7. A pretensão de positivação da ponderação de provas ilícitas no anteprojeto de novo Código de Processo Civil.

A par da necessidade de que o emprego da proporcionalidade limite-se ao seu papel de regra procedimental imprescindível à solução de colisões reais entre direitos fundamentais, existiu pretensão legislativa em curso no Senado para conferir ao magistrado brasileiro uma utilização do instituto que nos parece vedada tanto normativa, quanto metodologicamente pela CF/88.

É o que se verifica pelo parágrafo único do art. 257 do anteprojeto de novo CPC, recentemente apresentado pela Comissão de Juristas ao Senado, no qual se pretendia assegurar ao juiz o poder de admitir no processo civil provas obtidas por meios ilícitos, através de uma “ponderação dos princípios e direitos fundamentais envolvidos” [90].

Ainda que a exposição de motivos do anteprojeto apresentado não fundamentasse a pretensão da Comissão de Juristas em epígrafe, havia inúmeros posicionamentos doutrinários [91][92] e jurisprudenciais [93][94][95] que sustentavam a possibilidade de realização de juízos de proporcionalidade quanto à admissibilidade de provas ilícitas ao processo, sob o argumento de que a norma constitucional contida no art. 5º, LVI da CF/88, assim como todas as demais normas constitucionais, não pudesse ser tida como uma norma absoluta, devendo gozar de um mínimo de relatividade apta a flexibilizar a interpretação dos direitos fundamentais para permitir a concretização de outros direitos fundamentais também assegurados pela própria Constituição [96][97].

Entretanto, parece-nos que, normativamente, a pretensão da Comissão de Juristas incorria em contradição à CF/88, a qual descarta a validade de provas obtidas por meio ilícitos, tal como determina o seu art. 5º, LVI, e veda ao magistrado a realização de juízos de proporcionalidade entre supostos princípios ou direitos fundamentais em contradição para admitir tais provas ilícitas.

É que se a própria Constituição já fez com caráter vinculante uma ponderação prévia a respeito da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos ao processo, não há que se atribuir a esta norma a natureza de princípio, pois já houve a fixação de uma regra constitucional que, aplicável mediante mera subsunção, não permite ao juiz admitir provas obtidas por meios ilícitos ao processo, vez que há “situações em que a própria Constituição garante uma faculdade, uma garantia, uma pretensão ou faceta particular do direito, mas já a título definitivo, absoluto, ou seja, o legislador constitucional fez logo ali, ele mesmo, todas as ponderações que havia de fazer” [98] (grifei).

Daí se verifica que a norma constitucional em comento não possui natureza de princípio, mas sim de regra definitiva que impede a consideração de provas ilícitas no processo, mesmo que essa ilicitude seja meramente derivada, conforme sustenta a “teoria dos frutos da árvore envenenada” acatada pela jurisprudência do STF [99].

Parece-nos, portanto, que se tratando de uma regra constitucional aplicada mediante subsunção, não poderá o magistrado realizar um sopesamento em oposição à referida norma constitucional, porque verdadeira e efetivamente não haverá efetivamente uma contradição entre direitos fundamentais na hipótese, não sendo correto falar-se em admissibilidade de provas ilícitas ao processo sob o fundamento da incidência da proporcionalidade nas condições do caso concreto, vez que esta somente se apresenta como necessária quando há, efetivamente, a necessidade de solucionar uma real colisão entre direitos fundamentais inscritos na Constituição como normas abertas e principiológicas.

Metodologicamente, o obstáculo à pretensão da Comissão de Juristas de autorizar o magistrado a adotar postura contrária à regra constitucional insculpida no art. 5º, LVI da CF/88, decorre do simples fato de que não é preciso recorrer-se ao complexo processo decisório decorrente da proporcionalidade para permitir a admissibilidade de prova em benefício da defesa ou pro reo, vez que o sistema jurídico já dispõe de instrumentos aptos a solucionar este conflito meramente potencial de direitos fundamentais. Vejamos.

No atual estágio do direito constitucional brasileiro, não há maiores dúvidas, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial, de que seria vedada a admissão ao processo de uma gravação clandestina produzida de forma sub-reptícia, com violação à intimidade e à privacidade dos interlocutores que não autorizaram a gravação; disto decorreria, consequentemente, a exclusão da referida prova dos autos judiciais, sob pena de nulidade da decisão judicial que a mantém nos autos e a considera para firmar um juízo de valor quanto à procedência do pedido autoral.   

A se considerar a regra proposta pela Comissão de Juristas no parágrafo único do art. 257 do anteprojeto de novo CPC por ela apresentado, seria possível argumentar-se genericamente que a admissão das gravações produzidas sem autorização dos interlocutores em benefício do réu (pro reo) poderia decorrer de juízos de proporcionalidade feitos com base na “ponderação dos princípios e direitos fundamentais envolvidos” em contradição à incidência excepcional da proporcionalidade para a preservação do equilíbrio entre valores fundamentais antagônicos [100][101][102].

Sob tal argumentação de aplicação da proporcionalidade para admitir esse tipo de prova ilícita no processo, como pretendia a Comissão de Juristas no anteprojeto de CPC, caberia ao juiz realizar uma “ponderação dos princípios e direitos fundamentais envolvidos” para dar primazia ao direito fundamental da parte de produzir a prova do seu direito, com base no art. 5º, LV da CF/88, em detrimento dos direitos fundamentais de privacidade da pessoa humana e da inadmissibilidade de provas ilícitas, respectivamente inscritos nos incisos X e LVI no mesmo art. 5º.

Argumenta-se que diante desse suposto conflito normativo entre o inciso LV, de um lado, e dos incisos X e LVI, todos do art. 5º da CF/88, deveria o juiz realizar uma “ponderação” destes “princípios e direitos fundamentais envolvidos” e, aplicando a proporcionalidade, dar primazia à admissão da prova em benefício do réu ainda que a mesma tenha sido produzida por meios ilícitos [103].

Em contradição a essa pretensão de generalizar-se – e até mesmo banalizar-se – a aplicação de juízos de proporcionalidade como pretendia a orientação contida no parágrafo único do art. 257 do anteprojeto de CPC, é preciso ressaltar que a hipótese não se trata de uma efetiva colisão entre direitos fundamentais, mas sim de um caso meramente potencial de conflitos entre direitos fundamentais que pode ser resolvido pelo próprio sistema jurídico positivado vigente, sem o recurso a um complexo processo decisório baseado em juízos de proporcionalidade.

É que o sistema jurídico infraconstitucional já solucionou previamente esse “caso potencial” de direitos fundamentais quando o art. 23 do Código Penal fixou excludente de antijuridicidade que afasta a ilicitude de gravação clandestina realizada sob o ânimo de legítima defesa, de exercício regular de direito, de estado de necessidade ou de estrito cumprimento do dever legal.

Se a parte beneficiária da gravação clandestina a produziu por ser vítima da conduta ilícita perpetrada pelo agente da conduta criminosa ali documentada, aqui incidiriam as excludentes de antijudicidade da legítima defesa e do exercício regular de direito, tal como inscritas no art. 23 do Código Penal, pois a ninguém é vedado - pelo contrário, assegura-se - o direito de repelir a agressão atual a direito próprio ou de outrem, mediante reação imediata e equivalente à conduta agressiva a quaisquer bens ou interesses juridicamente protegidos, tais como vida, saúde, honra, pudor, liberdade pessoal, patrimônio, tranquilidade de domicílio, poder familiar, segredo epistolar, dentre outros [104].   

Portanto, se considerada a exclusão de antijuridicidade existente no ordenamento positivado para permitir a adoção da conduta de repelir uma agressão ao seu direito próprio ou de outrem, não haveria ilicitude nos meios sob os quais fosse realizada uma gravação clandestina da conduta de agressão ao direito da vítima, não reconhecendo o sistema jurídico vigente como antijurídica tal conduta de documentar-se o referido fato típico.

Se não há ilicitude em tal conduta da vítima, parte da relação processual, quando o juiz admite a gravação clandestina como prova do direito material por ela suscitado, não há qualquer violação à regra da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos prevista no art. 5º, LVI da CF/88, não havendo, portanto, necessidade de que a análise da referida admissão da prova produzida nessas circunstâncias deva dar-se com base em uma “ponderação dos princípios e direitos fundamentais envolvidos”, porque como dito anteriormente deve-se respeitar o caráter subsidiário da proporcionalidade, sob a qual o instituto só deve ser utilizado para a solução de casos efetivamente reais de colisões entre direitos fundamentais, já que, como qualquer outra teoria jurídica, não se pode abrir mão das demais teorias já assentadas pela doutrina e pela jurisprudência de nossa tradição jurídica.

Assim tem se posicionado a jurisprudência do STF a respeito do tema, vez que a Corte não tem aplicado a proporcionalidade para solucionar casos em que os meios para a produção da prova, apesar de penalmente típicos, encontram-se sob a incidência de excludentes de antijuridicidade determinadas pela legislação infraconstitucional [105][106].

Reconhece, portanto, o STF que, diante da ausência de ilicitude daquelas provas em decorrência de excludente de antijuridicidade prevista no ordenamento jurídico positivado, não há efetivamente qualquer colisão entre os direitos fundamentais - privacidade da pessoa humana e inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos ao processo - que justifique a utilização do complexo processo decisório baseado na proporcionalidade.

Por todos esses motivos, pareceu-nos equivocada a orientação de permitir-se por norma infraconstitucional que o magistrado, no âmbito de relações processuais cíveis, pudesse relativizar a regra constitucional fixada no art. 5º, LVI da CF/88.

Até porque, além de todos os motivos mencionados para a recusa dessa pretensão legislativa, há que se considerar a absoluta desnecessidade de positivação de autorização para a realização de juízos de proporcionalidade à medida que esta decorre logicamente da constitucionalização de direitos fundamentais por normas estruturalmente abertas e principiológicas em nossa Constituição vigente.

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Em boa hora tem-se a notícia de que a orientação da Comissão de Juristas inscrita no parágrafo único do anteprojeto de CPC apresentado ao Senado foi suprimida durante o processo legislativo naquela Casa, através do acolhimento de emenda supressiva apresentada pela Senadora Níura Demarchi ao PLS 166/2010, sob o argumento de que a orientação então contida no parágrafo único do art. 257 do anteprojeto de CPC era inconstitucional por admitir provas ilícitas no processo civil.

Felizmente, a referida pretensão legislativa não mais consta do projeto de lei substitutivo de CPC (Emenda nº 221-CTRCPC) [107] de autoria do Relator-Geral da matéria, Senador Valter Pereira, tal como recentemente aprovado pelo Senado em 15/12/2010 [108].


8. Conclusão.

Restou demonstrado no presente trabalho que a proporcionalidade e, obviamente a sua sub-regra denominada ponderação de princípios (proporcionalidade em sentido estrito), deve ser considerada sob suas perspectivas normativa e procedimental, em que obrigatoriamente o intérprete deve utilizar-se do instituto para solucionar colisões entre direitos fundamentais ou princípios sob um procedimento racionalmente justificado para permitir que os demais intérpretes interessados na solução do caso concreto possam controlar a aplicabilidade do instituto pelo juiz.

Disso decorre que não se pode confundir a pretensão do art. 6º do projeto de novo CPC em positivar a razoabilidade como princípio do processo civil brasileiro com a positivação da proporcionalidade, já que existem critérios normativos e metodológicos aptos a diferenciar os referidos institutos, devendo cada deles manter-se adstrito ao seu específico campo de aplicação normativa. 

Assim, a pretensão do legislador de positivar a razoabilidade – e apenas a razoabilidade - como um princípio no processo civil brasileiro poderá ter duas funções nesse ramo de nosso direito: (i)  vedar a adoção de posturas judiciais evidentemente arbitrárias no âmbito de uma relação jurídica processual; (ii) estipular a razoabilidade processual como princípio que terá suas possibilidades fáticas e jurídicas aferidas pela regra procedimental da proporcionalidade durante a solução que o magistrado, no curso da presidência da relação processual, precise conferir a uma real colisão entre este princípio e um outro princípio processual de natureza infraconstitucional.

No que tange à ponderação de princípios, considerando-se a sua natureza de sub-regra da proporcionalidade, de ver-se que a mesma - como decorrência lógica da natureza de mandamento de otimização dos princípios a serem por ela ponderados - prescinde de sua expressa positivação no novo CPC, não havendo qualquer afetação à empregabilidade do instituto em vista da supressão do art. 257, parágrafo único do anteprojeto de novo CPC. Pelo contrário, a CF/88 agradece esta postura do Senado, à medida em que a mesma preserva a regra disposta no seu art. 5º, LVI.


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Sobre o autor
Dalton Santos Morais

Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo. Especialista em direito do Estado pela UGF/RIO. Graduado em direito pela UERJ. Professor de Direito Constitucional e Direito Processual Constitucional no Curso de Direito das Faculdades Espírito-Santenses – FAESA. Autor de livros e artigos jurídicos. Procurador federal. Coordenador da Escola da Advocacia-Geral da União no Espírito Santo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Dalton Santos. Proporcionalidade, ponderação de princípios e razoabilidade no projeto do novo CPC à luz da teoria de Robert Alexy. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3239, 14 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21758. Acesso em: 22 dez. 2024.

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