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Teste e programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica para os motoristas profissionais: constitucionalidade da Lei nº 12.619/2012

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04/06/2012 às 10:59
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3 Princípio da função social da propriedade

Eros Roberto Grau professa que à época do liberalismo, a propriedade não era encarada em sua função social, ou seja, nada impedia que o indivíduo acumulasse propriedades aumentando, assim, seu poder pessoal não só sobre as coisas adquiridas, mas, igualmente, sobre as pessoas que com ele se relacionavam. [25]  

Por sua vez, Roberto Grau defende que não se pode falar em função social da propriedade sem antes mencionar-se a existência da propriedade privada. Aliás, esta é protegida em todas as Constituições — tanto as capitalistas quanto as socialistas —, haja vista que ela é encarada como fonte de subsistência (em estreita correlação, por conseguinte, com o princípio da dignidade da pessoa humana).

Por outras palavras, a propriedade do imóvel no qual o cidadão reside, das ferramentas com quais trabalha, da oficina, da lavoura etc representa um direito individual fundamental e, como tal, deve ser protegido. A função individual da propriedade privada, no entanto, não autoriza o abuso no exercício do direito de propriedade, ao revés, dá margem à atuação do poder de polícia da administração pública. O mesmo ocorre quando a propriedade individual tem os seus fins de subsistência desvirtuados para mera acumulação ou especulação.  [26]

De tal sorte, somente quando garantida a função individual da propriedade privada (subsistência) poder-se-á falar em função social da propriedade. Aliás, é isso que se infere da própria ordem de disposição dessas matérias na Lex Legum. Assim, em seu Título II — Dos direitos e garantias fundamentais — mais precisamente no Capítulo I — Dos direitos e deveres individuais e coletivos —, ela estabelece:

Art. 5º - [...] Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...]. (Grifos nossos.)

 Na realidade o princípio da função social veio a cambiar a própria estrutura interna do conceito jurídico de propriedade, integrando-o [27] — este, por sua vez, trata-se de “um conjunto de vários institutos relacionados a distintos tipos de bens” [28]. Ou seja, a propriedade passou a ser considerada como um instituto de Direito Público. Vale dizer, a função social significa que a propriedade não pode ser fruída sem atenção aos fins sociais. Eros Roberto Grau explica que a função implica um poder-dever. Grau cita, ainda, Sundfeld segundo o qual ela “traz ‘ao Direito Privado algo até então tido por exclusivo do Direito Público: o condicionamento do poder a uma finalidade’”. [29] Inaugura-se, então, a fase dinâmica do direito de propriedade. [30]

Eros Roberto Grau lembra que a propriedade-função social está prevista Título VII (Da ordem econômica e financeira), em seu Capítulo I (Dos princípios gerais da atividade econômica), no dispositivo seguinte:

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; [...].  

Por sua vez, no Capítulo II (Da política urbana) temos:

Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

[...]

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. (Grifos nossos.).

Além disso, temos no Capítulo III (Da política agrícola e fundiária e da reforma agrária):

Art. 184 - Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.  (Grifamos.).

De outro lado, o Código Civil brasileiro considera a função social como uma de suas cláusulas gerais. Por sinal, falando do valor da socialidade, ensina Miguel Reale:

É constante o objetivo do novo Código no sentido de superar o manifesto caráter individualista da Lei vigente (Código de 1916), feita para um País ainda eminentemente agrícola, com cerca de 80% da população no campo. Hoje em dia, vive o povo brasileiro nas cidades, na mesma proporção de 80%, o que representa uma alteração de 180 graus na mentalidade reinante, inclusive em razão dos meios de comunicação, como o rádio e a televisão. Daí o predomínio do social sobre o individual. [31] (Realçamos.).

A propósito, prescreve o Código Civil:

Art. 1.228 - [...] § 1º - O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (Grifos nossos.).

Diz ainda o mesmo Codex: “Art. 2.035 - [...] Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. (Grifamos.).

Por sinal, a função social já era prevista, antes mesmo do advento da Lex Fundamentalis de 1988, quanto à empresa, pela Lei nº 6.404/76, que dispõe sobre as Sociedades por Ações:

Art. 116 - [...] Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. (Realçamos.).

E ainda: “Art. 154 - O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”. Assim, os bens de produção não podem ser manejados sem se levar em consideração a repercussão social. Ressalvando-se que os bens de consumo, por sua própria natureza, id est, por se esgotarem ao serem consumidos, não têm função social.

O princípio da função social da propriedade quer dizer que a empresa não se destina tão-somente ao enriquecimento o empresário, em total desprezo aos interesses da sociedade, mais precisamente no que toca à paz social, oriunda de uma relação harmônica, dentro do possível, entre o capital e o trabalho. Por sinal, Renato Rua de Almeida, falando sobre o Código Civil de 2002, professa que este:

[...] adotou a teoria da empresa, isto é a atividade do empresário não mais como simples praticante de atos de mercancia, mas aquele que, com profissionalismo, exerce atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, nela compreendendo a articulação do fator da mão-de-obra, a ser examinada sob a ótica da função social da empresa e da ação participativa dos empregados [...] — grifos nossos. [32]


4 Princípio da proporcionalidade

Willis Santiago Guerra Filho professa que o princípio da proporcionalidade é o “princípio dos princípios” e ainda que este “... determina a busca de uma ‘solução de compromisso’, respeitando-se mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito, e procurando desrespeitar o mínimo ao(s) outro(s)...”. [33] Willis ensina, igualmente, que “... a essência e destinação do princípio da proporcionalidade...” é “... preservar os direitos fundamentais. O princípio, assim, coincide com a essência e destinação mesma de uma Constituição...”. E continua:

A circunstância de ele não estar previsto expressamente na Constituição não o impede que o reconheçamos em vigor também aqui, invocando o disposto no § 2º do art. 5º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados etc.”

E prossegue Guerra Filho:

[...] o princípio da proporcionalidade se consubstanciaria em uma garantia fundamental, ou seja, direito fundamental com uma dimensão processual, de tutela de outros direitos — e garantias — fundamentais, passível de se derivar da “cláusula do devido processo”, entendida como uma cláusula que determina haver um processo devido pelo Estado ao cidadão. [34]

Mais adiante conclui o mesmo autor que

[...] o princípio da proporcionalidade é capaz de um salto hierárquico (hierarchical loop), ao ser extraído do ponto mais alto da “pirâmide” normativa para ir até a sua “base”, onde se verificam os conflitos concretos, validando as normas individuais ali produzidas, na forma de decisões administrativas, judiciais, etc. [35]

Por sua vez, Paulo Bonavides, em capítulo especial de sua obra, traz uma exaustiva explanação a respeito do princípio da proporcionalidade, a qual nos servirá de guia, em razão da excelência do seu didatismo, extensão e profundidade do estudo. [36] Não se deve deslembrar, porém, que não há na doutrina uma aceitação tranquila sobre o seu status de princípio.

Muitos autores o consideram como um instrumento de metódica, cujo nome varia consideravelmente, podendo ser chamado de ponderação ou balancing ad hoc — como ensina José Joaquim Gomes Canotilho. [37] A propósito, em virtude da possibilidade de, no caso concreto, haver mais de um princípio de direito fundamental a ser aplicado, era preciso que a doutrina criasse um mecanismo capaz de contornar essa dificuldade.

Por seu turno, Virgílio Afonso da Silva defende que o princípio da proporcionalidade tem uma estrutura de regra. Assim, ele não será aplicado na medida do possível, ou terá cabimento a sua aplicação ou não será manejado. A proporcionalidade “... impõe um dever definitivo: se for o caso de aplicá-la, essa aplicação não está sujeita a condicionantes fáticas e jurídicas do caso concreto. Sua aplicação é, portanto, feita no todo”. [38] Por outro lado, Willis Santiago Guerra Filho discorda, afirmando que “... o conteúdo de uma regra é a descrição (e previsão) de um fato, acompanhada da prescrição de sua consequência jurídica, e não outra regra”. [39]

Por sua vez, deve-se ao Direito Administrativo, na pessoa de Walter Jellinek, em 1791, a formulação do princípio da proporcionalidade, oriundo da necessidade de conter os abusos da Administração Pública no emprego do seu poder de polícia: “O Estado somente pode limitar com legitimidade a liberdade do indivíduo na medida em que isso for necessário à liberdade e à segurança de todos”. [40] Ele também foi adotado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, como lembra Jorge Miranda. [41]

O princípio da proporcionalidade implica o balanceamento entre direitos fundamentais a serem protegidos, de modo que seja assegurada a prevalência do bem da vida mais importante entre os dois postos em conflito. O princípio da proporcionalidade mantém estreita relação com o da liberdade, o da igualdade e com o da unidade da Constituição. Isso porque não há hierarquia formal entre os direitos fundamentais. Além disso, não é admissível uma interpretação capaz de considerar uma norma constitucional contrária a outra da mesma natureza sem pôr em risco a unidade da Lex Legum.

Assim, ao examinar o caso concreto, o juiz, inspirado pela equidade, pondera os prós e os contras de sua decisão, adotando aquela que melhor se coadune com os valores do sistema jurídico vigente. [42] Além disso, para essas situações Robert Alexy formula a seguinte norma da ponderação: “Quanto maior seja o grau de não cumprimento ou de afetação de um princípio, tanto maior deve ser a importância do cumprimento de outro”. [43]


5 Lei nº 12.619, de 30 de abril de 2012

5.1 Obrigatoriedade do teste e de submissão ao programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica

O art. 3º  da Lei nº 12.619, de 30 de abril de 2012 acresceu a Seção IV-A ao Capítulo I do Título III da Consolidação das Leis do Trabalho:

Seção IV-A

Do Serviço do Motorista Profissional

Art. 235-A - Ao serviço executado por motorista profissional aplicam-se os preceitos especiais desta Seção.

Art. 235-B - São deveres do motorista profissional:

I - estar atento às condições de segurança do veículo;

II - conduzir o veículo com perícia, prudência, zelo e com observância aos princípios de direção defensiva;

III - respeitar a legislação de trânsito e, em especial, as normas relativas ao tempo de direção e de descanso;

IV - zelar pela carga transportada e pelo veículo;

V - colocar-se à disposição dos órgãos públicos de fiscalização na via pública;

VI - (VETADO);

VII - submeter-se a teste e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado.

Parágrafo único -  A inobservância do disposto no inciso VI e a recusa do empregado em submeter-se ao teste e ao programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica previstos no inciso VII serão consideradas infração disciplinar, passível de penalização nos termos da lei. (Sublinhamos.).

Aí a intenção do legislador foi a melhor possível, diante do custo socioeconômico dos acidentes de trânsito causados por motoristas sob efeito de álcool e tóxico, como vimos acima. Nada obstante, a recusa do empregado é considerada infração disciplinar, que poderá lhe acarretar até mesmo a despedida por justa causa, decorrente de ato de insubordinação. Aliás, a Consolidação das Leis do Trabalho prevê: “Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: [...] h) ato de indisciplina ou de insubordinação...”. 

5.1.2 Direito de resistência

Jorge Miranda assinala que a Constituição portuguesa prevê, expressamente, o direito de resistência à qualquer ordem que ofenda os direitos fundamentais: “Artigo 21 - Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”. [44], [45] No mesmo sentido, Alice Monteiro de Barros defende que a Constituição brasileira também garante o direito de resistência: “Art. 5º - [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação...”. [46]

Por sua vez, reza o Código Civil brasileiro, subsidiariamente aplicado: “Art. 12 - Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. E mais: “Art. 188 - Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido...”. Porém, o jus resistentae do operário brasileiro de se opor às ordens ilícitas do empregador, na prática, fica mitigado face à possibilidade de despedida sem justa causa, lembra Maurício Godinho Delgado. [47] Àqueles poucos felizardos, no entanto, que ainda gozam de estabilidade, o Direito Processual oferece instrumentos eficazes para coibir a arbitrariedade do empregador. [48]

No caso sub examine, a situação do trabalhador dependente do uso de tóxico e de álcool se complica quando ele se vê forçado a se submeter teste de uso de droga e de bebida alcoólica, pois, a depender da política da empregadora a respeito, caso seja flagrado no exame poderá ser sumariamente despedido por justa causa. Afinal, a Consolidação das Leis do Trabalho prevê: “Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: [...] f) embriaguez habitual ou em serviço...”.

Por outro lado, ainda que a empregadora não haja com dessa forma extremada, o simples fato de ser surpreendido em estado de embriaguez no serviço representa um enorme desgaste na imagem do empregado, o que poderá acarretar a perda de uma chance de ascensão na carreira. Aliás, caso o empregado possua função de liderança isso também poderá lhe causar dificuldades em manter sua autoridade perante os subordinados. Não se olvide que a reputação do obreiro no mercado de trabalho igualmente poderá ficar comprometida no que toca à obtenção de novo emprego. 

Todavia, na medida em que o trabalhador se candidata ao cargo de motorista deve estar cônscio da relevância de sua função de transportar vidas e o patrimônio de terceiros, de modo que não é justo que para atender um capricho pessoal possa resistir impunemente às medidas destinadas à prevenção de acidentes de trânsito. De tal arte, o direito legítimo de resistência aí só surge quando o empregado perceba que o exame em estudo tenha sido desvirtuado pelo empregador com o objetivo doloso de persegui-lo.

5.1.3 Garantia contra a auto-incriminação: limites

O art. 5º, LXIII do Diploma Maior estabeleceu a garantia contra a auto-incriminação por meio da qual não se admite interpretar o silêncio do acusado como indício de culpa, ou seja, “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado...”. [49] Não seria lícito ao legislador exigir do homem ir de encontro ao próprio instinto de sobrevivência, ou seja, ninguém é obrigado a acusar a si próprio — nemo tenetur se detegere. Nada obstante, ressalte-se que a garantia contra a auto-incriminação, como se intui do próprio nomen juris, só se aplica na esfera penal.

5.1.4 Tratamento do motorista embriagado pelo Código de Trânsito Brasileiro

O atual Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997) prevê, em seu Capítulo XV - Das infrações:

Art. 165 - Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;

Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

Parágrafo único - A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. (Sublinhamos.).

Vale dizer, o art. 165 do CTB considera infração gravíssima dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, sujeitando o condutor à penalidade de multa (R$957,70) e suspensão do direito de dirigir por doze meses. Saliente-se que a aplicação das penalidades previstas neste Código pela autoridade de trânsito não elidem as punições originárias de ilícitos penais decorrentes de crimes de trânsito. (§ 1º do art. 256 do CTB.).

Além disso, o art. 276 do CTB diz que: “Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código”. Por sua vez, estabelece o Decreto nº 6.488, de 19 de junho de 2008 que regulamenta o artigo 276:

Art. 1º -  Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades administrativas do art. 165 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 -Código de Trânsito Brasileiro, por dirigir sob a influência de álcool.

§ 1º  - As margens de tolerância de álcool no sangue para casos específicos serão definidas em resolução do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, nos termos de proposta formulada pelo Ministro de Estado da Saúde.

§ 2º  - Enquanto não editado o ato de que trata o § 1º, a margem de tolerância será de duas decigramas por litro de sangue para todos os casos.

§ 3º  - Na hipótese do § 2º, caso a aferição da quantidade de álcool no sangue seja feito por meio de teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), a  margem de tolerância será de um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões. (Grifamos.).

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Ao demais, o motorista embriagado sofrerá medidas administrativas, consistentes na retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Ressalte-se que as medidas administrativas impostas pela autoridade de trânsito não elidem a aplicação das penalidades impostas por infrações estabelecidas no CTB, possuindo caráter complementar a estas. (Art. 269, § 2º do CTB.). Por sua vez, no Capítulo XVII - Das medidas administrativas estabelece o Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 277 - Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

§ 1º - Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.

§ 2º -  A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor

§ 3º - Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Sublinhamos.).

Por outras palavras, a simples resistência do condutor em se submeter ao “teste do bafômetro” não o livra das medidas administrativas e das penalidades estabelecidas no art. 165 do CTB, ao contrário, sua recusa faz presumir a embriaguez. Por outro lado, existem os exames de sangue e o clínico que podem alcançar o mesmo resultado. Além disso, o motorista pode apresentar evidentes indícios de embriaguez, excitação ou torpor capazes de levar a autoridade de trânsito à conclusão de que está alcoolizado.  

Finalmente, no Capítulo XIX - Dos crimes de trânsito, na Seção II - Dos crimes em espécie, prescreve o Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 306 -  Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único.  O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (Sublinhamos.).

Por sinal, o Decreto nº 6.488, de 19 de junho de 2008, que regulamenta o artigo 306 do CTB, prevê:

Art. 2º  - Para os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei nº 9.503, de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte:

I - exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou

II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões. (Sublinhamos.).

Assim, se um motorista é parado em uma blitz pode se recusar a submeter-se ao etilômetro, haja vista que se for constatada a presença de álcool no sangue igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar poderá ser condenado a uma pena de detenção, de seis meses a três anos. A pena, porém, só pode ser aplicada segundo o princípio da tipicidade, isto é, se faz necessário que a conduta do agente ativo esteja precisamente tipificada na Lei Penal. Por outras palavras, é necessário provar-se que o motorista dirigia, repita-se, estando com “... concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões”. [50]

Por outras palavras, recusando-se o motorista a se submeter ao teste em aparelho de ar alveolar pulmonar ou ao exame de sangue não há como condená-lo nas penas do art. 306 do CTB, forte no art. 5º, LXIII da Constituição.

Por outro lado, administrativamente, a sua recusa induz à presunção de culpa — art. 277, § 3º do CTB — o que implica a suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses, a multa, a perda de sete pontos na carteira nacional de habilitação, bem assim a retenção do veículo, caso não se apresente um responsável para conduzi-lo. (Arts. 165, 259, I e 270 do CTB.). Isso porque, em nome do princípio da prevenção, a Administração Pública não pode ficar impotente diante da resistência do motorista em cooperar, haja vista que ele está colocando em risco não só a própria vida como a dos demais cidadãos.

Aliás, na área cível e trabalhista, o convencimento do juiz pode ser formado tão-somente com base na verossimilhança, ou seja, na aparência de verdade, [51] com fincas nas máximas de experiência [52]. De sorte que, a falta de contestação específica, a ausência de uma das partes à audiência ou a recusa a responder ao interrogatório gera a presunção de verdade dos fatos alegados pela parte contrária. A propósito, dispõe o Código de Processo Civil:

Art. 302 - Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados. [...].

[...]

Art. 343 - Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento.

§ 1º - A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor.

§ 2º - Se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz Ihe aplicará a pena de confissão.

[...]

Art. 345 - Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que Ihe for perguntado, ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.

Por sua vez, diz a Consolidação das Leis do Trabalho: “Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato”. Por sinal, observe-se o que diz a Súmula nº 74 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho:

I - Aplica-se a confissão à parte que, expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento, na qual deveria depor.

II - A prova pré-constituída nos autos pode ser levada em conta para confronto com a confissão ficta (art. 400, I, CPC), não implicando cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores.

III - A vedação à produção de prova posterior pela parte confessa somente a ela se aplica, não afetando o exercício, pelo magistrado, do poder/dever de conduzir o processo.

5.1.5 Providência a ser adotada pelo empregador diante da recusa do motorista profissional em cooperar

A recusa do motorista profissional em submeter-se ao teste e ao programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica será considerada infração disciplinar. (Art. 235-B, caput, inc. VII e § ún. da CLT). Trata-se aí, porém, de norma em branco, visto que depende de outra regra que lhe complete o sentido. Por sua vez, a doutrina e a jurisprudência trabalhistas têm aceitado como forma de punição do trabalhador a advertência verbal, a advertência escrita, a suspensão [53] e a despedida sem justa causa. É vedada aplicação de multa, [54] exceto no caso do atleta profissional. Da mesma forma, são proibidos o rebaixamento [55] e a transferência punitiva [56]. [57]

Por outro lado, como vimos, o empregado motorista não pode se valer da garantia contra a auto-incriminação para evitar o exame previsto pela CLT, haja vista que o ato ilícito aí não tem natureza jurídica criminal mas tão-somente trabalhista. Além disso, o empregador tem o poder-dever de proteger a integridade física do condutor e a de terceiros, bem como o patrimônio da própria empresa e o de outrem, expostos a um chofer cuja sobriedade é colocada sob suspeita. Afinal, repita-se, diz a Lex Fundamentalis:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].

Impende salientar, contudo, que a submissão do motorista ao teste e ao programa em testilha é tarefa extremamente delicada e, por conseguinte, exige muita razoabilidade do empregador. [58]

Primeiramente, o escolhido para ser submetido ao teste, caso não apresente sinais evidentes de embriaguez, deve sê-lo mediante processo transparente de sorteio — como defende Alice Monteiro de Barros para o caso análogo da revista íntima, [59] sob pena de o escopo do exame ser distorcido para a prática de assédio moral no trabalho [60] contra um único condutor ou em relação a um grupo específico de motoristas. Outra opção, a depender da viabilidade técnica e econômica, é a realização do exame ventilado em todos os motoristas da empresa, na mesma oportunidade, prevenindo-se, assim, contra a suspeita de discriminação.

Além disso, todos os condutores devem ser examinados voluntariamente, isto é, não se pode lançar mão de um artifício para colher amostra de material para o exame em comento sem a ampla ciência do empregado, sob pena de ser considerado nulo o teste correlato. (Arts. Art. 9º e 235-B, caput, inc. VII da CLT.).

Por outro lado, a recusa injustificada em se submeter ao teste gerará a presunção de embriaguez do motorista até prova em contrário. Aliás, no caso análogo do teste de DNA para a investigação de paternidade a jurisprudência já se posicionou nesse sentido, leia-se a Súmula nº 301 do STJ: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. Saliente-se, porém, que essa presunção não gera uma certeza absoluta. Afinal, o trabalhador pode se recusar alegando estar sendo perseguido.  

5.1.6 Princípio da prevenção

O empregado que se recusar ao teste ventilado, em nome do princípio da prevenção, não poderá conduzir o veículo da empresa, colocando em risco não só a própria vida mas a de outrem, bem assim o patrimônio da empresa e o de terceiros. O princípio da prevenção tem relação com o fato de que já se sabe de antemão que determinada atividade representa risco concreto ao meio ambiente do trabalho, cabendo, por conseguinte, a adoção das medidas necessárias à evitação do dano. Aliás, professa Paulo Affonso Leme Machado:

O posicionamento preventivo tem por fundamento a responsabilidade no causar perigo ao meio ambiente. É um aspecto da responsabilidade negligenciado por aqueles que se acostumaram a somente visualizar a responsabilidade pelos danos causados. Da responsabilidade jurídica de prevenir decorrem obrigações de fazer e de não fazer. [61]

Por seu turno, o princípio da prevenção tem correlação com a noção de que a lesão ao meio ambiente do trabalho pode ser irreversível e este deve ser preservado para as presentes e futuras gerações. Aliás, não se olvide que o dever de prevenção encontra-se consignado na NR-01.7, com a força normativa atribuída pelo art. 200 da CLT: “Cabe ao empregador: I – prevenir atos inseguros no desempenho do trabalho”. Por seu turno, José Affonso Dallegrave Neto agrega:

Ambos os princípios (prevenção e precaução) decorrem do dever geral de cautela que se espera do empregador quando se trata de saúde do trabalhador; um comportamento diligente que deve exceder aquele praticado pelo homem-médio, máxime porque a observância do cumprimento da legislação e do dever de prevenção constituem obrigações previstas em leis [...]. [62]

5.1.7 Suspensão disciplinar

Caso o motorista flagrado no teste não puder ser aproveitado para o desempenho de outra tarefa, compatível com a do seu cargo, consoante o jus variandi do empregador, [63] sustentamos que o empregado poderá ser suspenso disciplinarmente pelo menos nesse dia, o que implica a perda do salário correspondente. Ressalve-se que esta punição está prevista no art. 474 da CLT, [64] sendo uma faculdade do empregador aplicá-la, consoante o seu poder diretivo. [65] Ela pode ser considerada razoável quando o motorista tenha um histórico profissional impecável, nunca tendo recebido multas de trânsito por conduta perigosa nem tendo se envolvido em acidentes. Aliás, já decidiu o C. Tribunal Superior do Trabalho:

DISPENSA POR JUSTA CAUSA - EMBRIAGUEZ EM SERVIÇO - FATO OCORRIDO UMA ÚNICA VEZ - DESPROPORCIONALIDADE DA PENALIDADE APLICADA. 1. Consoante o art. 482, “f”, da CLT, a embriaguez habitual ou em serviço constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador.  2. O referido dispositivo veicula norma que comporta duas condutas autorizadoras da resolução do contrato de trabalho por culpa do empregado: a embriaguez habitual, que é aquela que ocorre repetidas vezes num curto espaço de tempo, e a embriaguez em serviço, verificada no ambiente laborativo ou durante a execução do contrato de trabalho, mesmo que por uma ou poucas vezes. 3. No caso dos autos, discute-se se a dispensa por justa causa seria a penalidade aplicável ao empregado que apresentou-se embriagado em serviço. 4. Tanto a sentença quanto o acórdão regional entenderam que os fatos apurados na instrução processual não apontam para a prática de falta grave o suficiente para ensejar a dispensa por justa causa baseada em mau procedimento, tendo sido desproporcional a pena aplicada. 5. É certo que o fato de um empregado apresentar-se embriagado em serviço, em tese, configuraria falta grave, sobretudo se for considerada a atividade por ele exercida. Entretanto não seriam em todos os casos que caberia a aplicação de tal penalidade, sendo necessário o exame das particularidades pertinentes à hipótese considerada para a justa imposição da pena. 6. Assim, diante dos elementos constantes dos autos, verifica-se que a falta praticada pelo Autor não foi suficientemente grave a ponto de ensejar a despedida motivada, pois, conforme reportado pelo Regional, não proferiu palavras de baixo calão ou agrediu fisicamente quem quer que fosse. Recurso de revista não conhecido. (E-RR - 101500-42.2004.5.15.0062, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 20/06/2007, 4ª Turma, Data de Publicação: 03/08/2007.).

Aliás, considerando as sérias consequências da rescisão do contrato de trabalho por justa causa, a doutrina e a jurisprudência têm exigido a prova de alguns requisitos para a sua caracterização. Em primeiro lugar, é mister que a infração cometida seja tão grave que impossibilite a manutenção da relação de emprego. Vale dizer, há de haver proporcionalidade entre a falta cometida e a punição imposta. Em segundo lugar, é preciso que esteja presente o nexo de causalidade entre a falta e a rescisão, ou seja, que ela seja o fato determinante da dissolução do contrato. Finalmente, temos o requisito da atualidade ou imediatidade entre o cometimento da falta e a respectiva decretação da justa causa. A propósito, Octavio Bueno Magano acrescenta:

Além de precisar estar prevista em lei [...], a justa causa, para se caracterizar, há de satisfazer os seguintes pressupostos: a) ser atual; b) guardar proporcionalidade com a pena que enseja; c) não ter acarretado já outra punição (nom bis in idem); d) ser determinativa da rescisão. [66]

Quanto ao pressuposto da proporcionalidade na aplicação da pena, segundo o poder disciplinar do empregador, corolário do seu poder diretivo, Délio Maranhão sustenta que:

A gravidade da falta, em relação ao empregado, deve ser avaliada, de regra, in concreto, considerando-se não apenas uma medida padrão abstrata de conduta — o bom trabalhador — mas as condições pessoais do agente e outras circunstâncias concretas de tempo, meio, costumes etc. Em relação ao empregador, de regra, é aferida in abstracto, tendo como padrão o bonus pater familias dos nossos dias: o burguês honesto e avisado. [67]

Dissertando sobre o mesmo tema, Orlando Gomes e Elson Gottschalk, contudo, ponderam: “Ao juiz não é dado variar a sanção em nome desta regra, cabendo-lhe apenas verificar se a gravidade da falta corresponde à penalidade aplicada, para manter, ou não, o ato do empregador”. [68]

Por sua vez, Maurício Godinho Delgado professa que existe outra corrente segundo a qual o princípio da livre iniciativa deve ser confrontado com os princípios da função social da propriedade, do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana do trabalhador articulados com os princípios do acesso à Justiça [69] e da proporcionalidade para permitir ao Poder Judiciário estabelecer uma gradação na penalidade. [70] Afinal, na área cível isso plenamente possível. [71]

Entendo que essa última corrente propicia decisões mais justas, pois, muita vez, o juiz anula a justa causa, deixando o trabalhador impune, quando, no caso concreto, a sua falta merecia uma punição menor como a advertência ou a suspensão, desvirtuando-se, assim, o propósito pedagógico do poder disciplinar. 

5.1.8 Justa causa por ato de indisciplina ou insubordinação

Defendemos que a prática reiterada da recusa, sem uma justificativa razoável, ainda que não haja sinais notórios de embriaguez, autorizará o empregador a despedir o motorista por justa causa, afinal, repita-se, a CLT prescreve: “Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: [...] h) ato de indisciplina ou de insubordinação...”. A propósito, Délio Maranhão ensina que a indisciplina é a “... desobediência a ordens gerais relativas à organização interna do estabelecimento e à disciplina do trabalho”. Enquanto que a insubordinação “... é o descumprimento de uma ordem específica ao empregado”. [72]

 Saliente-se que o empregador não pode ficar indefinidamente dependendo da boa vontade do empregado em se submeter ao exame em testilha, haja vista que a sua resistência implica um sério transtorno à regular organização do trabalho, inclusive com a sua substituição por outro trabalhador. 

5.1.9 Justa causa por embriaguez habitual ou em serviço

5.1.9.1 Conceito de embriaguez

A resistência em se submeter ao teste em comento faz presumir a embriaguez em serviço do motorista, autorizando, em tese, a sua despedida por justa causa, considerando que, repita-se, a Consolidação das Leis do Trabalho prevê: “Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: [...] f) embriaguez habitual ou em serviço...”. Aliás, a Organização Mundial de Saúde da ONU (OMS) conceitua a embriaguez como sendo:

[...] toda forma de ingestão de álcool que excede ao consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada, quaisquer que sejam os fatores etiológicos responsáveis e qualquer que seja a origem desses fatores, como por exemplo, a hereditariedade, a constituição física ou as alterações fisiopatológicas adquiridas.

Por sua vez, a Associação Britânica de Medicina conceitua a embriaguez como “a condição em que se encontra uma pessoa de tal forma influenciada pelo álcool, que perde o governo de suas faculdades a ponto de tornar-se incapaz de executar com cautela e prudência o trabalho a que se dedica no momento”. [73]

 Por aí se vê que o art. 482, “f” da CLT desconsiderou que a intoxicação causada pelos entorpecentes é similar à gerada pelo álcool no que toca aos seus efeitos. Por isso a doutrina e a jurisprudência trabalhistas têm entendido que a expressão embriaguez — utilizada pelo legislador — implica um estado alterado proveniente não só da ingestão de álcool como de qualquer outra substância psicoativa, que provoque perturbação semelhante no obreiro.

Além disso, mister atentar para o fato de que o art. 482, “f” da CLT prevê duas hipóteses distintas de justas causas: a embriaguez habitual e a embriaguez em serviço.

5.1.9.2 Embriaguez em serviço

A segunda justa causa prevista art. 482, “f” da CLT é a embriaguez em serviço. A sua razão de ser é que a perturbação dos sentidos do laborista provocada pela ingestão substâncias psicoativas pode gerar comportamento inconveniente e falhas graves na prestação do serviço. Todavia o artigo citado não precisou qual o estágio de embriaguez em serviço seria necessário para configurar a justa causa.

Assim, não seria qualquer quantidade de álcool que configuraria a embriaguez em serviço, mas apenas aquela provocasse sinais notórios de intoxicação. Desse modo, a depender do cargo do trabalhador, se é um homem robusto, acostumado a beber socialmente, mormente num clima frio, v.g., poderia ingerir uma ou duas taças de vinho no almoço sem que isso representasse justa causa por embriaguez em serviço.

Nomeadamente, quando esse hábito é tolerado pela empresa e compartilhado com outros colegas no refeitório. Afinal a ingestão de pequena quantidade de álcool, a depender de suas características pessoais (idade, sexo, peso, estado de saúde etc), não representaria uma perturbação notória nos sentidos do trabalhador. Este se encontraria aí num estágio subclínico de embriaguez. Por sinal, Wagner D. Giglio defende que “... a lei não pune o ato de beber, mas apenas os seus efeitos...”. [74]

Por sua vez, uma embriaguez eventual, ainda que em serviço, motivada por um profundo desgosto do trabalhador, pode ser relevada, desde que este seja um excelente empregado. [75]

5.1.9.2.1 Situação excepcional do motorista

A situação do motorista é muito especial. Mesmo a ingestão de uma mínima quantidade de álcool — que não comprometeria o desempenho funcional de um trabalhador comum — pode ser um fator decisivo para provocar um acidente de trânsito fatal.

Segundo a Polícia Rodoviária Federal, ingerir o equivalente a 1 lata de cerveja, 1 taça de vinho, 1 dose de cachaça, vodca ou uísque já é o suficiente para o motorista ser multado. Por sua vez, tomar o equivalente a duas ou três doses e dirigir não é apenas infração de trânsito: é crime. Aliás, estatísticas dos EUA demonstram que beber dois copos de cerveja pode aumentar o tempo de reação do motorista de 0,75 para aproximadamente 2 segundos — o bastante para causar um acidente fatal. [76]

Por sua vez, estudo patrocinado pela Faculdade de Medicina da USP, citando como fonte o National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA) dos EUA, esclarece que 1 só dose de bebida alcoólica  já aumenta em 1,4 vezes o risco de acidentes de trânsito, enquanto que três doses representam um aumento de 11,1 vezes, finalmente, a ingestão de 5 doses implica um aumento do mesmo risco em 48 vezes!  [77]

Vale dizer, o motorista profissional que se apresente para trabalhar não pode haver ingerido álcool doze horas antes de iniciar o seu turno nem muito menos pode fazê-lo durante o seu curso. Flagrado nessas condições poderá ser despedido por justa causa. Aliás, Wagner D. Giglio sustenta que

[...] o empregado que se apresenta embriagado à porta do estabelecimento empregador, no horário de início do expediente, com o intuito de trabalhar, terá sua falta classificada como embriaguez em serviço, muito embora não chegue a entrar, efetivamente, em serviço.  [78]

De tal arte, basta que o motorista seja surpreendido uma única vez embriagado em serviço para que seja autorizada a sua despedida por justa causa. [79] Por sinal, sustenta Maurício Godinho Delgado: 

De todo modo, registra-se a tendência contemporânea de considerar-se o alcoolismo uma doença, que deve ensejar o correspondente tratamento medicinal, e não, simplesmente, o exercício do poder disciplinar do empregador. No caso da embriaguez em serviço, ela afeta diretamente o contrato de trabalho, sem dúvida. Em conformidade com a função do trabalhador (motorista ou segurança armado, por exemplo), esta afetação pode ser muito grave, uma vez que coloca em risco a saúde e bem-estar da própria coletividade, o que tende ensejar a imediata dispensa por justa causa. [80]

Todavia, tratando-se a embriaguez em serviço de um fato isolado, que não tenha provocado acidente de trânsito, de um motorista que já prestou relevantes serviços para a empresa e no qual esta já investiu em treinamento, poderá o empregador, segundo o seu prudente arbítrio, entender que aí caberia tão-somente uma suspensão disciplinar ou mesmo uma advertência. 

5.1.9.2.2 Exigência de culpa do motorista

No caso concreto, porém, é preciso se apurem as circunstâncias que levaram o motorista à ingestão de substância psicoativa, pois isso pode se dar por medicamento cuja restrição a conduzir veículo não tenha sido claramente explicada a ele. Pode ter havido, igualmente, erro médico na ministração do remédio ou engano na sua venda pelo farmacêutico. O motorista, outrossim,  pode ter ingerido algum líquido sem saber que ele continha álcool ou outra substância psicoativa, até mesmo por brincadeira ou má-fé de outro colega. [81]  

5.1.9.3 Embriaguez habitual

A embriaguez crônica, conhecida popularmente como alcoolismo é a primeira justa causa prescrita no art. 482, “f” da CLT. Aí o indivíduo, posto que não se apresente bêbado ao serviço, ingere, costumeiramente, grande quantidade de álcool nos horários de folga, o que provoca uma alteração em sua conduta capaz de comprometer-lhe a reputação e a credibilidade. Seria, em verdade, uma espécie de mau procedimento (art. 482, “b” da CLT).

Nada obstante, à época em que foi publicado o art. 482, “f” da CLT, em 1943, se desconhecia o fato que a embriaguez habitual é uma doença e não, sic et simpliciter, uma falha moral. Na 9ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-9), ocorrida em 1978, a OMS sugeriu a troca da expressão “alcoolismo” por “abuso do álcool sem dependência” e “síndrome de dependência do álcool”. A nova definição tentou diferençar os quadros estabelecidos partindo da estratificação dos padrões de consumo. Na revisão seguinte, a CID-10, o termo “abuso” ou “uso nocivo” passou a expressar a forma de consumo de uma substância psicoativa, que pode ser danosa para a saúde, e cujos prejuízos podem ser físicos ou psíquicos. [82]

A CID-10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde foi criada tendo como referência a Nomenclatura Internacional de Doenças, estabelecida pela Organização Mundial de Saúde. Assim, temos a F10-F19 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa, que define a síndrome de dependência como:

Conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após repetido consumo de uma substância psicoativa, tipicamente associado ao desejo poderoso de tomar a droga, à dificuldade de controlar o consumo, à utilização persistente apesar das suas consequências nefastas, a uma maior prioridade dada ao uso da droga em detrimento de outras atividades e obrigações, a um aumento da tolerância pela droga e por vezes, a um estado de abstinência física.

A síndrome de dependência pode dizer respeito a uma substância psicoativa específica (por exemplo, o fumo, o álcool ou o diazepam), a uma categoria de substâncias psicoativas (por exemplo, substâncias opiáceas) ou a um conjunto mais vasto de substâncias farmacologicamente diferentes.

Alcoolismo crônico

Dipsomania

Toxicomania

Por sinal, sensível à evolução da ciência ocorrida após a criação de Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, o C. Tribunal Superior do Trabalho já se pronunciou:

EMBARGOS. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. ART. 482, “F”, DA CLT. 1. Na atualidade, o alcoolismo crônico é formalmente reconhecido como doença pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de “síndrome de dependência do álcool” (referência F- 10.2). É patologia que gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Clama, pois, por tratamento e não por punição. 2. O dramático quadro social advindo desse maldito vício impõe que se dê solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do art. 482, “f”, da CLT, no que tange à embriaguez habitual. 3. Por conseguinte, incumbe ao empregador, seja por motivos humanitários, seja porque lhe toca indeclinável responsabilidade social, ao invés de optar pela resolução do contrato de emprego, sempre que possível, afastar ou manter afastado do serviço o empregado portador dessa doença, a fim de que se submeta a tratamento médico visando a recuperá-lo. 4. Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, e provido para restabelecer o acórdão regional. (ED-E-RR - 586320-51.1999.5.10.5555, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 19/04/2004, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 21/05/2004.).

Por outras palavras, a embriaguez habitual é uma enfermidade e como tal deve ser tratada. O dependente químico precisa do apoio do empregador e da família. A depender do estágio da doença deverá ser afastado do serviço para ser tratado, tendo o seu contrato de trabalho suspenso por motivo de doença e encaminhado à Previdência Social. [83], [84] Por sua vez, voltando a trabalhar, até que demonstre sinais inequívocos de recuperação ao longo de um período razoável de tempo, não poderá tornar a dirigir. Sabe-se que as recaídas são comuns e fazem parte do processo de recuperação. Aliás, não há cura para a dependência química, ainda que a enfermidade possa ser mantida sob rígido controle com sucesso.

Assim, o ideal é que o motorista profissional seja readaptado para outra função, de tal forma que eventual recaída não represente um risco tão grande de acidentes de trânsito. De qualquer sorte, ele não poderá ser despedido por justa causa tão-somente por ser dependente químico. Porém, não gozando o condutor de estabilidade e não sendo possível readaptá-lo em outra função é facultado ao empregador exercer o seu direito potestativo de despedir sem justa causa.   

5.1.10 Sugestão para o aperfeiçoamento da lei

5.1.10.1 Concertação dos parceiros sociais

A procedimentalização do Direito é fenômeno que tem seu gérmen na constatação de que, atualmente, os fatos sociais, são de tal complexidade e mudam tão rapidamente que a lei heterônoma se tornou incapaz de acompanhar sua evolução. Por sinal, professa Willis Santiago Guerra Filho:

Um aspecto do direito na pós-modernidade que necessariamente haverá de ser examinado é o de sua crescente procedimentalização. Isso significa que a natureza dos problemas que se colocam para serem resolvidos pela regulamentação jurídica seria de um ineditismo e complexidade tais que o modo principal de resolver problemas jurídicos na modernidade, através da legislação, com suas normas gerais e abstratas, feitas a partir de espécies de fatos ocorridos no passado e para regular toda uma série indeterminada de fatos semelhantes a ocorrerem no futuro, se mostra como disfuncional.

E conclui:

Daí a necessidade crescente de se desenvolver a dimensão processual do direito, em que se têm normas para permitir, em toda e qualquer hipótese, a aplicação de outras normas, para solução dos problemas jurídicos, ainda que se tenha de lançar mão de normas sem uma referência direta a espécies de fatos, mas sim a valores, como é o caso das normas constitucionais consagrando direitos fundamentais, invocando para tanto o princípio da proporcionalidade [...]. [85] (Grifamos.).

Por outro lado, a propósito da liberdade sindical, Renato Rua de Almeida cita Jürgen Habermas, que concebe:

[...] o direito como uma teoria da comunicação, isto é, construído no seio da sociedade por técnicas de procedimentalização e contratualização, vale dizer um direito auto-regulamentado na sociedade, diferentemente da visão hegeliana do direito, elaborada a partir da ação do Estado, por meio de uma regulamentação heteronômica das relações sociais. (Realces nossos.). [86]

Nessa mesma linha, Renato Rua traz à colação, igualmente, o ensino de Alain Supiot, este:

[...] afirma que a negociação coletiva, quando centrada na empresa e buscando sobretudo a participação da representação eleita e direta dos trabalhadores na sua gestão, é tipicamente uma técnica de procedimentalização e contratualização do direito moderno, sem implicar, absolutamente, um retorno ao Estado mínimo e um abandono das relações sociais à esfera privada, porquanto os direitos sociais de interesse realmente público permanecem garantidos como direitos fundamentais nas Constituições modernas. (Grifamos.).

Além disso, a negociação coletiva cumpre um papel na elaboração de instrumentos normativos muito mais ágeis em sua elaboração e precisos no seu regramento do que a própria lei estatal. A contratação coletiva oriunda da negociação coletiva atende ao princípio da flexibilização das relações de trabalho, tão necessário nesta quadra em que impera a globalização. 

No caso sub examine, a solução que nos parece mais razoável é a criação — mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho, considerando-se que ninguém melhor do que os empresários e trabalhadores conhecem as peculiaridades da atividade que eles próprios desempenham — de sistema no qual se estabeleça a adesão voluntária do trabalhador ao teste e programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, resguardando-se o sigilo dos resultados, contando-se com a participação da família do dependente e garantindo-se um prazo mínimo de estabilidade no emprego enquanto o empregado estiver cooperando.

Aliás, o fracasso da Lei Seca — em vigor de 1920 a 1933 nos Estados Unidos — e da ridiculamente chamada de Guerra às Drogas, promovida igualmente pelos EUA, demonstrou que esta questão é por demais complexa para ser resolvida com a pura repressão. [87] Aliás, ironicamente, dentro dos presídios é franco o consumo de tóxicos. Trata-se, por conseguinte, de uma questão, principalmente, de saúde pública. A ser abordada com inteligência, respeito à dignidade e à intimidade do dependente, ou seja, sem discriminação. Afinal, sem a cooperação do paciente e de sua família nenhum resultado expressivo poderá ser alcançado.     

Por outro lado, é forçoso reconhecer que, no Brasil, a negociação coletiva é prejudicada pelo fato de que são poucas as categorias de trabalhadores que possuem sindicatos fortes. Como se não bastasse, ainda existe aqui o grande entrave do corporativismo, que em muito prejudica o princípio da liberdade sindical.

Não fora isso o bastante, é consabido que a maioria dos empregados trabalha em micro ou pequenas empresas que, em geral, não têm estrutura para instituir testes regulares para verificação de consumo de álcool e drogas, nem muito menos condições de implantar o programa de controle respectivo.  [88]  Nesse caso o apoio do Governo é imprescindível.     

5.1.10.2 Programa de prevenção ao uso de drogas no trabalho e na família

Segundo o muito bem-sucedido Programa de prevenção ao uso de drogas no trabalho e na família — patrocinado pelo Sesi-RS e pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) — a chave do sucesso é justamente a confiança e o envolvimento de todos os colaboradores, inclusive a dos familiares. A adesão ao programa é voluntária, sob a garantia que não haverá despedida do empregado.

Além disso, pesquisas são levadas a cabo periodicamente para se apurar a eficácia do programa. As reuniões relativas a este são realizadas dentro do horário de trabalho como parte da atividade produtiva. Ademais, as empresas devem estar cientes na necessidade de investimento financeiro no programa.

Na etapa inicial o Sesi-RS e o UNODC auxiliaram na formação dos Comitês Internos de Prevenção. Os resultados obtidos em 39 empresas pesquisadas foram a redução em 28,7% no padrão de consumo de drogas ilícitas entre os colaboradores. Houve ainda uma redução de 8,1% na proporção de trabalhadores que relataram faltar ao trabalho e de 32% dos que chegavam atrasados. O principal êxito do programa foi um decréscimo em 33,6% do número de acidentes de trabalho. Houve, igualmente, uma economia média estimada nos gastos com acidentes do trabalho em R$ 726.172,07 por empresa. [89]

Enquanto não for aperfeiçoada a Lei nº 12.619/2012, no que toca à obrigatoriedade do teste e de submissão ao programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, programa semelhante ao patrocinado pelo Sesi-RS e o UNODC pode ser adotado mediante acordo, convenção coletiva de trabalho ou mesmo regulamento de empresa, mas somente para aquelas, óbvio, que contem com uma estrutura mínima para tanto.

5.2 Limitação da jornada do motorista

A Lei nº 12.619/2012 acrescentou à Consolidação das Leis do Trabalho importantíssimos dispositivos com o fito de coibir a fadiga dos motoristas:

Art. 235-C - A jornada diária de trabalho do motorista profissional será a estabelecida na Constituição Federal ou mediante instrumentos de acordos ou convenção coletiva de trabalho.

§ 1º - Admite-se a prorrogação da jornada de trabalho por até 2 (duas) horas extraordinárias.

[...]

§ 3º -  Será assegurado ao motorista profissional intervalo mínimo de 1 (uma) hora para refeição, além de intervalo de repouso diário de 11 (onze) horas a cada 24 (vinte e quatro) horas e descanso semanal de 35 (trinta e cinco) horas.

[...]

Art. 235-D -  Nas viagens de longa distância, assim consideradas aquelas em que o motorista profissional permanece fora da base da empresa, matriz ou filial e de sua residência por mais de 24 (vinte e quatro) horas, serão observados:

I - intervalo mínimo de 30 (trinta) minutos para descanso a cada 4 (quatro) horas de tempo ininterrupto de direção, podendo ser fracionados o tempo de direção e o de intervalo de descanso, desde que não completadas as 4 (quatro) horas ininterruptas de direção;

II - intervalo mínimo de 1 (uma) hora para refeição, podendo coincidir ou não com o intervalo de descanso do inciso I;

III - repouso diário do motorista obrigatoriamente com o veículo estacionado, podendo ser feito em cabine leito do veículo ou em alojamento do empregador, do contratante do transporte, do embarcador ou do destinatário ou em hotel, ressalvada a hipótese da direção em dupla de motoristas prevista no § 6º do art. 235-E.

Art. 235-E -  Ao transporte rodoviário de cargas em longa distância, além do previsto no art. 235-D, serão aplicadas regras conforme a especificidade da operação de transporte realizada.

§ 1º - Nas viagens com duração superior a 1 (uma) semana, o descanso semanal será de 36 (trinta e seis) horas por semana trabalhada ou fração semanal trabalhada, e seu gozo ocorrerá no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou em seu domicílio, salvo se a empresa oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido descanso.

[...]

Art. 235-G -  É proibida a remuneração do motorista em função da distância percorrida, do tempo de viagem e/ou da natureza e quantidade de produtos transportados, inclusive mediante oferta de comissão ou qualquer outro tipo de vantagem, se essa remuneração ou comissionamento comprometer a segurança rodoviária ou da coletividade ou possibilitar violação das normas da presente legislação.

[...].

Aí, sim, a Lei nº 12.619/2012 foi muito mais feliz, pois, caso esta alcance efetividade, os motoristas não mais se sentirão estimulados a consumir álcool e anfetaminas para suportarem uma jornada de trabalho sobre-humana. Por sua vez, a eficácia social da Lei em comento não será atingida sem a realização de investimentos na estrutura necessária para a fiscalização do seu cumprimento, [90] bem assim sem a mobilização social em seu favor.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRATA, Marcelo. Teste e programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica para os motoristas profissionais: constitucionalidade da Lei nº 12.619/2012. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3260, 4 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21924. Acesso em: 25 abr. 2024.

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