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O sistema especial de inclusão dos trabalhadores de baixa renda na previdência social.

Análise sob o enfoque dos princípios constitucionais relativos à seguridade social e à previdência social

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18/07/2012 às 15:08
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7.Dos mecanismos já existentes de inclusão dos trabalhadores de baixa renda.

Não obstante o avanço social introduzido no ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº47/2005, destaca-se que não se trata de um mecanismo inédito em nosso ordenamento jurídico no que diz respeito à inclusão de segurados considerados de baixa renda.

A legislação previdenciária desde a Constituição Federal de 1988 apresenta dispositivos direcionados à inclusão destes trabalhadores, muito embora não utilize esta nomenclatura.

Como exemplo, podemos citar o tratamento dado aos denominados segurados especiais[16], cuja contribuição atinge 2,1% do valor bruto da comercialização de sua produção (artigo 25 da Lei nº 8.212/91).

Para esta categoria, a concessão de benefícios no âmbito da Previdência Social não está condicionada à comprovação da efetiva contribuição, mas tão somente à demonstração do efetivo exercício de atividade rural em número de meses idêntico à carência necessária para a obtenção do benefício (conforme dispõe os artigos 39, inciso I e 143 da Lei nº 8.213/91).

Encontramos também tratamento especial aos segurados de baixa renda no artigo 20 da Lei nº 8.212/91, que estabelece alíquotas diferenciadas para os segurados empregados, empregados domésticos e trabalhadores avulsos, de acordo com a renda mensal auferida, variando de 8% a 11%.

Fora destas hipóteses, no entanto, a legislação não previa outros mecanismos concretos destinados à inclusão de trabalhadores de menor poder aquisitivo, especialmente aqueles que se enquadram na categoria de segurados contribuintes individuais, bem como aos segurados facultativos, cuja alíquota até então vigente, inviabilizava o acesso de inúmeros trabalhadores ao Regime Previdenciário.

Para estas duas categorias, independentemente do valor do salário de contribuição, a alíquota, via de regra, era de 20% (artigo 21 da Lei nº 8.212/91) sobre o salário de contribuição.

A contar da Emenda Constitucional nº 47/05, abriu-se a possibilidade do legislador ordinário identificar, dentro da categoria dos segurados contribuintes individuais e dos segurados facultativos, as situações que se enquadram no conceito de baixa renda e ofertar a estas categorias regimes diferenciados de contribuição e de concessão de benefícios.


8. Das alterações legais derivadas da Emenda Constitucional nº 47/05.

Com arrimo nas alterações introduzidas no artigo 201 §§ 12 e 13 da CF, o legislador infraconstitucional implementou através da Lei Complementar nº 123/06 alterações na Lei nº 8.212/91 estabelecendo os primeiros mecanismos de inclusão previdenciária direcionados aos contribuintes individuais e segurados facultativos:

Art. 21. § 2º. É de 11% (onze por cento) sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal do salário de contribuição a alíquota de contribuição do segurado contribuinte individual que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado, e do segurado facultativo que optarem pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. 

§ 3º  O segurado que tenha contribuído na forma do § 2º deste artigo e pretenda contar o tempo de contribuição correspondente para fins de obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição ou da contagem recíproca do tempo de contribuição a que se refere o art. 94 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, deverá complementar a contribuição mensal mediante o recolhimento de mais 9% (nove por cento), acrescido dos juros moratórios de que trata o disposto no art. 34 desta Lei.” (NR)

 A contar da entrada em vigor de citada Lei Complementar (14/12/2006), ao segurado contribuinte individual que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa, e ao segurado facultativo que opte pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, facultou-se a redução da alíquota da contribuição social devida de 20% para 11% incidente sobre o salário mínimo.

Para as contribuições cuja base de cálculo (salário de contribuição) fosse superior ao salário mínimo ficou vedada a adoção da nova alíquota.

A Medida Provisória nº 529 de 07/04/2011 estendeu este mecanismo de inclusão previdenciária aos microempreendedores individuais[17], reduzindo a contribuição devida por estes segurados para o patamar de 5% incidente sobre o salário mínimo. Neste sentido dispõe citada MP:

Art. 1º  Os §§ 2º e 3º do art. 21 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar com a seguinte redação:

§ 2º  No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição, incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição, será de:

I - onze por cento, no caso do segurado contribuinte individual, ressalvado o disposto no inciso II, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado e do segurado facultativo; e

II - cinco por cento, no caso do microempreendedor individual, de que trata o art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

(...)

Art. 2º  Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do dia 1º de maio de 2011.

Referida Medida Provisória foi convertida na Lei nº 12.470/2011 que, por sua vez, ampliou o rol de segurados sujeitos à contribuição com base na alíquota de 5%, incluindo, além do microempreendedor individual, o segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a núcleo familiar de baixa renda[18]. Neste sentido dispõe a lei nº 12.470/2011:

Os arts. 21 e 24 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar com as seguintes alterações: 

Art. 21. § 2º  No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição será de: 

I - 11% (onze por cento), no caso do segurado contribuinte individual, ressalvado o disposto no inciso II, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado e do segurado facultativo, observado o disposto na alínea b do inciso II deste parágrafo;

II - 5% (cinco por cento): 

a) no caso do microempreendedor individual, de que trata o art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006; e 

b) do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda.  (...)

§ 4º  Considera-se de baixa renda, para os fins do disposto na alínea b do inciso II do § 2º deste artigo, a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos.” (NR) 

Desta forma, a partir da publicação da Lei nº 12.470/11 (31/08/2011) restou implementado, ainda que parcialmente, o sistema de inclusão previdenciária, possibilitando a redução da alíquota da contribuição social devida pelos microempreendedores individuais e às pessoas que se dediquem ao trabalho doméstico em sua própria residência, desde que se enquadre no conceito de família de baixa renda.

Este sistema surge como um verdadeiro mecanismo de inclusão previdenciária, buscando efetivar a universalidade de cobertura dentro do universo de possíveis segurados do Regime Geral de Previdência Social.

 Não se vislumbra, no entanto, uma completa regulação legal dos preceitos constitucionais, na medida em que não se implementou alterações no sistema previdenciário no que tange à redução da carência para a concessão de benefício a esta parcela de segurados, matéria que atualmente se encontra em discussão no congresso nacional[19].


9.Análise sistemática dos §§ 12 e 13 do artigo 201 da CF. Da (in)compatibilidade do sistema de inclusão previdenciária com os princípios constitucionais da Seguridade e da Previdência Social.

Não resta dúvida que as alterações formuladas pelo legislador infraconstitucional na Lei nº 8.212/91 com vistas à inclusão dos segurados de baixa renda encontra respaldo nos §§ 12 e 13 do artigo 201 da CF.

No entanto, não se pode negar que a correta interpretação da validade e constitucionalidade de determinada norma se condiciona a uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico e, no caso em tela, do sistema de Seguridade Social e de seu subsistema, a Previdência Social.


10. Dos princípios informadores da Seguridade Social e da Previdência Social.

O parágrafo único do artigo 194 da CF aponta os princípios fundamentais do sistema de Seguridade Social Brasileiro:

I- universalidade da cobertura e do atendimento;

II- uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III- seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV- irredutibilidade do valor dos benefícios;

V- eqüidade na forma de participação no custeio;

VI- diversidade da base de financiamento;

VII- caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Como princípio implícito, a solidariedade social complementa este quadro, pois inspira a organização de um sistema oficial de proteção aos necessitados, conforme preceitua o artigo 3º da Constituição, representando a solidariedade entre os membros da sociedade[20].

Soma-se a estes o princípio da contrapartida, constitucionalmente previsto no artigo 195 §5º e que estabelece a impossibilidade de criação, majoração ou ampliação de benefícios ou serviços no âmbito da seguridade social sem a correspondente fonte de custeio prévia.

E, especificamente no âmbito da Previdência Social, interessa-nos a análise do caráter contributivo e a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema (artigo 201 da CF).

Nos tópicos seguintes analisaremos os princípios mais relevantes e que diretamente se relacionam com o sistema de inclusão previdenciária instituído pela Lei nº 12.470/11.


11. Da universalidade da cobertura e do atendimento

A universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social é, sem dúvida, ao lado do princípio da solidariedade, o mais importante princípio do sistema de proteção social. Essencialmente, o princípio determina ao poder público o dever de amparar a todas as pessoas que se encontrem em estado de necessidade e, por outro lado, garante às pessoas o direito de serem protegidos pelo Sistema de Seguridade Social.

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Trata-se de um princípio movido pela ideia de inclusão, tendo por desiderato tornar acessível a Seguridade Social à todos, buscando a efetiva proteção da população diante das contingências que lhe retirem a capacidade para o trabalho ou, simplesmente, diante de uma situação de necessidade social.

Por superar a concepção estrita de um seguro, que somente beneficia aos que a ele adere mediante contribuições adrede pactuadas, a seguridade social tem como pedra angular a universalidade. “Trata-se de um esquema protetivo amplo, moldado a partir da constatação, até certo ponto óbvia, de que sem a superação da miséria e das desigualdades não há bem-estar nem justiça social”[21].

Através da conjugação de ações e esforços nas áreas de saúde, assistência e previdência, o Estado tem o dever de atender toda a população, garantindo uma tutela de base, um padrão mínimo de vida capaz de garantir a dignidade da pessoa humana, sendo esta a essência do princípio da universalidade.

O princípio pode ser analisado sob duas perspectivas. A objetiva traduz a previsão de universalidade de cobertura dos riscos e contingências sociais, devendo as prestações abranger o maior número possível de situações geradoras de necessidades sociais, dentro da realidade econômica e financeira  do Estado.

O aspecto subjetivo traduz-se na possibilidade de todos os integrantes da sociedade brasileira ter acesso às prestações de seguridade social, o que se traduz na universalidade de atendimento, inclusive no subsistema previdenciário, observado os requisitos legais.

Assim, como integrante do Sistema de Seguridade Social, a Previdência Social também deve objetivar este princípio observando-se, evidentemente, suas peculiaridades, dentre as quais o caráter contributivo, a filiação obrigatória e a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial.

Especificamente no que tange ao regime de inclusão previdenciária estabelecido pela Emenda Constitucional nº47/2005, observa-se a total compatibilidade das alterações constitucionais com a universalidade de cobertura proposta pelo poder constituinte originário.

Através das alterações introduzidas no ordenamento jurídico pela Lei complementar nº 123/06 e pela lei nº 12.470/11, deu-se efetividade normativa a regras já existentes no que se refere à obrigatoriedade de filiação dos contribuintes individuais, bem como se ampliou o universo de atendimento para os chamados segurados facultativos previstos no artigo 14 da Lei nº 8.212/91.


12.Da Seletividade e Distributividade na prestação dos benefícios e serviços

O princípio da seletividade direciona-se ao legislador infraconstitucional e impõe ao mesmo que defina os benefícios e serviços mais aptos a concretizar o ideal de proteção social dentro das possibilidades existentes. A seletividade aponta quais são as contingências e necessidades objeto da relação jurídica de seguridade social.

Segundo Marisa Ferreira dos Santos,

“a universalidade e a seletividade não se excluem, complementam-se, de acordo com a justiça distributiva. A seletividade e a distributividade são redutores da universalidade, por expressa autorização constitucional. Selecionando e distribuindo prestações de seguridade, o legislador proporciona um mínimo de bem-estar aos mais necessitados de proteção social, reduzindo a desigualdade que os atinge dentro do grupo social”[22].

O princípio da distributividade, também direcionado ao legislador, possibilita a identificação das prestações mais adequadas a amparar de forma eficiente um maior contingente populacional. A distributividade fixa o grau de proteção a que terão direito os beneficiários das prestações previamente selecionadas.

A seletividade e a distributividade são instrumentos que, no campo da seguridade social, viabilizam a consecução dos objetivos da ordem social insculpidos no artigo 193 da Constituição Federal.

Wagner Balera leciona que,

“Instituindo um elenco de prestações que, consideradas em seu conjunto, proporcionam aos beneficiários a justa situação social que lhes assegura o Estado Supremo, o legislador – animado por critérios de política social que escapam ao conhecimento do jurista – esgota o momento da seletividade. É, em suma, o próprio direito positivo quem terá cumprido o objetivo da seletividade. (...) A distributividade consiste na identificação daqueles bens que, mais do que por um direito próprio do indivíduo, são devidos por serem comuns”[23].

Estes princípios buscam imprimir racionalidade à distribuição da proteção social, cabendo ao legislador definir critérios com maior potencialidade de efetividade social, dentro dos limites financeiros e atuariais do sistema.

Segundo Marisa Ferreira dos Santos

“As políticas sociais, nessa parte, devem estar voltadas para a realização dos objetivos da Ordem Social: proporcionar bem-estar e justiça sociais. Devem promover a redução das desigualdades sociais e regionais, o que só pode ocorrer se a proteção social for racionalmente selecionada e distribuída entre os que dela necessitem”[24].

Neste contexto, o sistema de inclusão previdenciária, mais do que compatível com os princípios da seletividade e da distributividade, tem neles seu fundamento de validade. Ao legislador compete verificar os atores sociais que mais necessitam do amparo da Seguridade Social e propiciar, dentro das possibilidades legais e orçamentárias, a melhor proteção social possível.

A identificação desta parcela de segurados de baixa renda, até então excluída da proteção previdenciária ante a falta de capacidade contributiva, revela-se o mais puro exemplo da utilização dos princípios da seletividade e distributividade pelo legislador infraconstitucional.

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Sobre o autor
José Francisco Furlan Rocha

Procurador Federal, bacharel em direito pela UNESP, mestrando em Direito Previdenciário pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, José Francisco Furlan. O sistema especial de inclusão dos trabalhadores de baixa renda na previdência social. : Análise sob o enfoque dos princípios constitucionais relativos à seguridade social e à previdência social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3304, 18 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22238. Acesso em: 5 nov. 2024.

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