RESUMO
Do “sociotropismo positivo” do homem, nasce a necessidade de regras de convivência social, daí a tese de que o Direito é irrefutavelmente um fato social. A arbitragem dos reincidentes conflitos atravessa diversas fases até que se alcance a fase em que o Estado atua como juiz, isto é, foi criado para evitar que fossem usurpados do homem os direitos naturais à propriedade, liberdade e vida, garantindo-lhe a segurança jurídica e a justiça social. No momento em que o Estado toma para si o arbitramento dos conflitos nasce a chamada jurisdição, do latim, dicere ius, atividade mediante a qual os juízes examinam as pretensões e resolvem os conflitos. A jurisdição é caracterizada, portanto, pela heterocomposição do conflito, uma vez que o juiz é terceiro alheio às partes; e é sustentada por uma série de princípios para a garantia da finalidade inicial - a solução justa dos conflitos - tais quais, investidura; a indeclinabilidade ou inafastabilidade; indelegabilidade; improrrogabilidade; a inércia; a correlação; a definitividade, dentre outros. A força da jurisdição é percebida através de um instrumento denominado Processo - sistema para composição da lide em juízo através da relação jurídica vinculativa de Direito Público - que é passível de nulidade, sob vários aspectos, a serem observados nesta produção, tais quais, os erros na forma da citação; a falta de intimação do Ministério Público, quando necessário; a inexistência de litisconsórcio, quando este for imprescindível à continuidade do processo, dentre outros aspectos listados pelo Código de Processo Civil. No que tange às nulidades, faz-se necessária a menção à tese dos “frutos da árvore envenenada” - “Fruits of the poisonous tree” -, absorvida pelo Supremo Tribunal Federal que passou a considerar nulas as provas decorrentes de atos não correspondentes com a norma legal. Neste diapasão, cita-se a ação penal nº. 307 - DF, cujo réu fora presidente da república. A ilicitude das provas, neste caso, se deu por inexistência de matéria legal que regulasse os instrumentos utilizados para a obtenção de provas - as escutas telefônicas -. Também com base na tese trazida da Corte Norte Americana, o Supremo Tribunal Federal refutou diligências estatais, sob a alegação de que ainda que fosse para a sanção de ato criminoso, o Estado não poderia se valer de artifícios não protegidos pela legalidade: “A lei é o limite e dá segurança” (GOMES, 1997, p. 124)
Palavras-chave: Jurisdição; processo; ilicitude; admissibilidade
INTRODUÇÃO
Exprimir-se-á, nesta produção acadêmica, acerca das teorias das nulidades dos atos processuais, dos tipos de vício dos atos processuais, bem como a possível admissibilidade das provas ilícitas no processo e a convalidação destas. O paradigma da inadmissibilidade das provas ilícitas é determinado por dispositivo constitucional e ratificado pela cláusula do Devido Processo Legal - Due Process of Law -, na medida em que o réu tem por direito impostergável o fato de não ser denunciado ou julgado com base em elementos instrutórios obtidos em discordância com os limites legais.
No mesmo passo em que o processo, - este sistema para composição da lide em juízo através da relação jurídica vinculativa de Direito Público -, reveste-se de variadas formas, as possibilidades de nulidade também alcançam determinada variedade, isto é, a nulidade poderá ser ensejada devido a um simples erro de citação, ou mesmo, devido à existência de provas obtidas ilicitamente. O rol de artigos 243 a 250 do Código de Processo Civil traz possíveis nulidades processuais, tais quais a validade da citação; a sentença que aprecia questão não ensejada na citação - a chamada sentença extra petita -; o cerceamento de defesa e a não intimação do Ministério Público, ainda que como custos legis.
O sistema de nulidades tem como cerne o princípio da instrumentalidade das formas e dos atos processuais, para o qual o ato poderá ser considerado nulo se além da inobservância à forma legal não tenha alcançado a finalidade precípua. Em resumo, o escopo dos princípios que norteiam o sistema de nulidades tais quais investidura; a indeclinabilidade ou inafastabilidade; indelegabilidade; improrrogabilidade; inércia; correlação; definitividade e, ainda, o princípio do juiz natural é salvaguardar a segurança jurídica de forma que o Estado seja de fato o mantenedor e promotor do bem comum, como asseveraram os jusfilósofos versando acerca da necessidade de formação estatal. Aristóteles observa que cabe ao Estado a promoção da justiça, por meio do regramento da convivência social. Ações justas, segundo ele, são aquelas que têm por definição inicial o fato de serem corretas e gerais.
As nulidades poderão ser decretadas a requerimento da parte prejudicada, mas nunca pela parte causadora da nulidade. Por argüição, o réu poderá executar a decretação contestação ou petição simples. O autor também poderá fazê-lo via petição simples. Também poderão ser impugnadas tais quais nulas as apelações ou alegações orais de audiência, por quaisquer das partes e pelo Ministério Público. Como bem asseverou Bedaque (BEDAQUE, 1990, apud SANTOS, 2007) é imprescindível que haja prejuízo para as partes, para que o processo seja impugnado como nulo. Nos casos em que de tal forma não ocorrer, ou caso o mérito possa ser julgado em favor da parte a quem se aproveite a decretação de nulidade o juiz não poderá decidir, acerca da nulidade, ex officio - conforme art. 249 e parágrafos do Código de Processo Civil.
As nulidades são classificadas enquanto relativas e absolutas. Absolutamente nulos são aqueles atos cujas condições judiciais mostram-se afetadas de tal modo que os requisitos essenciais do ato são atingidos. Tal tipo de nulidade pode ocorrer nas hipóteses do art. 13, I; art. 37; art. 265, § 2º e 284, todos do Código de Processo Civil, ou ainda, caso juiz de grau inferior pratica atos privativos de juízes de grau superior. A nulidade dita relativa é aquela passível de convalidação e, segundo o magistério de Humberto Theodoro Júnior (2007) é a regra geral observada pelo Código. Diferencia-se da nulidade classificada como absoluta pelo fato de que esta poderá ser decretada ex officio pelo juiz, ao passo que aquela depende da provocação da parte interessada.
No que toca à nulidade das provas, o Supremo Tribunal Federal - STF - absorveu a tese norte americana dos “frutos da árvore envenenada” - “Fruits of the poisonous tree” -, segundo a qual, as provas obtidas em decorrência de atos ilícitos deverão ser desentranhadas do processo sob pena de nulidade. Com base nesta tese, o pretório excelso refutou, inclusive, diligências estatais, sob a alegação de que ainda que fosse para a sanção de ato criminoso, o Estado não poderia se valer de artifícios não protegidos pela legalidade. Ora, se o próprio Estado obtém provas por meio não legal, morre, em parte, a legitimidade deste pra exigir que a conduta dos cidadãos atendam às normas legais. A apelação criminal 2001.01.1.0777608-7 ilustra bem tal fato. Trata-se de ilicitude de prova colhida pela Polícia Federal no domicílio do réu sem que houvesse o mandado de busca e apreensão:
PROCESSUAL PENAL - ILICITUDE DA PROVA - TRAFICÂNCIA DE DROGAS - BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR - ABOLVIÇÃO MANTIDA. A casa é asilo inviolável, ninguém podendo nela penetrar, salvo as exceções contidas na Constituição Federal. Não podem os agentes policiais realizar busca e apreensão sem ordem judicial, na casa de quem não pratica a traficância de drogas e apenas guarda relação de parentesco com o investigado. O que se apurar, a partir de então, fica contaminado pela ilicitude, ex radice, da violação de domicílio.
Neste sentido, aponta José Frederico Marques citado por Roque Jerônimo de Andrade na revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (1998):
A colheita acautelatória de provas e indícios torna imprescindível a atribuição às autoridades policiais de poderes coercitivos destinados a efetivar as providências tendentes a assegurar o êxito da informatio delicti. Sobre a pessoa do indiciado, esses poderes coercitivos, quando impliquem em cerceamento do jus libertatis, devem ser submetidos a controle prévio da autoridade judiciária, salvo na prisão em flagrante.
Como citado supra, o Supremo Tribunal Federal absorveu a tese norte-americana e, no tocante a este fato, é interessante a menção ao caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello cuja ação penal baseava-se em degravações telefônicas e em arquivos obtidos de um computador. O fato é que à época do julgamento desta ação penal, meados de 1992, não havia sido publicada a lei 9.296/96 que regulamenta o inciso XII, parte final do art. 5º da Constituição desta República e dispõe sobre as escutas telefônicas. A decisão, portanto, deu-se no sentido de que as escutas telefônicas realizadas por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro são inadmissíveis. Para o magistério de Luiz Flávio Gomes (GOMES, 1997, p. 124): “a restrição de qualquer direito, particularmente um de natureza fundamental, exige a intervenção do legislador, para se saber quais são os limites dessa intervenção. A lei é o limite e dá segurança” (grifo nosso).
1 DIREITO: FATO SOCIAL - O NASCIMENTO DA JURISDIÇÃO E DO PROCESSO
Já disse Aristóteles em sua célebre obra “A Política”: o homem é um animal gregário (zoon politikon) que não encontra razão para viver, e tampouco desenvolver-se caso considerado isolado de seus semelhantes, isto é, o caráter de sociabilidade do homem atinge tal patamar que determinadas características são desenvolvidas dependentemente da relação entre este e aqueles que o cercam. A constatação aristotélica consolidou-se e desenvolveu-se em outras diversificadas teses que buscaram explicar a impossibilidade humana em reverter a própria sociabilidade que Tobias Barreto, em clara analogia com conceitos da Biologia, chamou de “sociotropismo positivo”. Hannah Arendt esclarece que a sociabilidade é uma condição humana, pois “[...] Um homem que trabalhasse e fabricasse e construísse num mundo habitado somente por ele mesmo não deixaria de ser um fabricador, mas não seria um homo faber: teria perdido sua qualidade especificamente humana e seria, antes, um deus [...]” (1991ª; p. 31).
Partindo, pois, da premissa de que o ser humano está sempre em sociedade, surge a necessidade de fixação de regras de convivência, que, posteriormente, darão origem às normas jurídicas. Nas primeiras fases da pré-história o homem vivia em tribos sem a existência de liderança ou de algo que representasse alguma forma de poder e estivesse responsável pela organização do grupo. O surgimento do líder somente se dá a partir do período neolítico quando determinado componente do grupo passou a deter mais alimentos, e a dividi-los com seus pares mais próximos e a subordinar os demais componentes do clã.
A vivência social, portanto, determina a necessidade de regras de convivência que, inicialmente, estavam ligadas à idéia da existência de entes sobrenaturais, visto que o homem não detinha, inicialmente, a capacidade de explicar certos fenômenos naturais. Entres os primeiros códigos se encontram o Código de Hamurábi da Antiga Babilônia (1800 a.C), os Dez Mandamentos de Moisés (1200 a.C) e a Lei das XII Tábuas. Tais códigos de conduta são baseados na natureza divina das leis (fundamentação teológica). A discussão acerca da problemática do direito se acentuou quando o homem começou a abandonar o sistema tribal de organização. O escritor José Aguiar Dias se refere à necessidade do direito para o convívio social pacífico: “Seja dom dos deuses, seja criação dos homens, o direito tem como explicação e objetivo o equilíbrio, a harmonia social”.
O ‘sociotropismo positivo’ e a necessidade de regras são brilhantemente ilustrados no livro de Daniel Defoe “Robinson Crusoé”. Este romance narra a história de Robinson que após um naufrágio, encontra-se sozinho em uma ilha. Tal concepção se modifica quando ele encontra um indígena da região, que cognomina de “Sexta-feira”. A partir deste fato, por ali haver um protótipo de sociedade, e ao ver que cada um se portava ao modo vigente na sociedade original, Robinson percebe a necessidade de comportamentos normativos e impõem à “Sexta-Feira”, os moldes comportamentais vigentes na Europa.
Apesar do abismo no que tange à conjectura social, determinados teóricos ligam o estado natural do homem e a necessidade de regras à formação do Estado. Do jusnaturalismo, célebre por trazer à lume a necessidade de salvaguarda de direitos inerentes ao homem, capturam-se as teses de Thomas Hobbes, Rousseau e John Locke. Para Hobbes, a necessidade de existência de normas de organização social está vinculada à natureza violenta e à associabilidade humana daí, então, o fato de que anteriormente à existência do Estado o homem viveria em constante conflito e em constante guerra com seus semelhantes numa “guerra de todos contra todos”, pois o homem é lobo do próprio homem – “Homo homini lupus”. Para que a espécie subsistisse o homem deveria abdicar de sua soberania, a fim de criar um Estado soberano, dono da vida e da morte. O Leviatã.
Locke procura justifica diversa para a criação de um Estado. Para este filósofo, o Estado não seria absoluto, como na tese de Hobbes, mas sim um Estado-juiz criado para evitar que fossem usurpados do homem os direitos naturais à propriedade, liberdade e vida. Portanto, far-se-ia um contrato devido à possível mácula destes direitos, logo, pela impossibilidade de seguir vivendo em estado natural.
Para o teórico francês Jean - Jacques Rousseau, em estado natural, o homem possuiria dois caracteres principais: a liberdade e a igualdade, que teriam sido usurpados quando se deu o nascimento da propriedade privada. O homem da teoria de Rousseau não é violento, mas sim, naturalmente bom. Nesta tese, os sentimentos de agressividade e disputa fazem parte da sociedade civilizada, que pelo surgimento de uma de suas características principais, a propriedade privada ‘usurpou’ do homem a felicidade original. Para recuperar a felicidade inicial, os homens devem celebrar um contrato social, fruto da vontade geral. Segundo este contrato, o povo nunca transfere a própria soberania para o organismo estatal.
É comum às duas teses, a constatação de que as regras de convivência social, posteriormente o ordenamento jurídico, é necessário para que se evitem as ações injustas. Para Aristóteles, em “Ética a Nicômaco”, entende – se por justiça:
[...] aquela disposição moral que torna os homens aptos a fazer coisas justas, que os faz agir justamente e desejar aquilo que é justo; e da mesma forma, por injustiça, aquela disposição que faz os homens agirem de modo injusto. Tomemos esta definição inicial como sendo correta e geral [...]
Cada pessoa nasce já inserida em contexto social que a preparará para agir conforme o contrato social que se organiza naquele contexto. A função social do conjunto de normas e instituições que conformam o Direito na versão utópica “proteção e defesa da pessoa”, é senão mais bem o evitar que a pessoa saia dos limites impostos pelo projeto de Estado – Nação. Independentemente de sua concepção original, o Direito funciona como uma ferramenta de inclusão e controle do Estado sobre os cidadãos.
Anteriormente à formação estatal, os seres humanos detinham a titularidade do “jus puniendi”, isto é, detinham a capacidade de sancionar o seu semelhante. No âmbito do Direito Penal, cita-se a chamada “vingança privada”, característica de uma sociedade humana organizada em comunidades, nas quais o homem encontrava segurança e proteção. A busca pela justiça estava ligada ao vínculo sanguíneo representado pela recíproca tutela daqueles que possuíam uma descendência comum.
Este tipo de penalidade, entretanto, não possuía qualquer tipo de controle dentro da própria comunidade, fato que ocasionava grandes prejuízos, até mesmo o enfraquecimento do grupo, diante de tantas perdas. Tendo em vista tantas mortes, mutilações e banimentos, a vingança privada passou a ser regulamentada por um poder central que foi retirando do particular o poder de fazer justiça com as próprias mãos, até que o Estado detivesse completamente o poder de punir.
A vingança privada compõe a fase da autotutela ou autodefesa que, nas palavras de Ada Grinover, se fundamenta na “a) ausência de juiz distinto das partes; b) imposição da decisão por uma das partes à outra”. Ainda no que toca aos sistemas primitivos, havia a possibilidade de autocomposição, isto é, uma das partes ou as duas partes renunciam ao direito pleiteado sob três possíveis formas: desistência ou renúncia à pretensão; submissão ou renúncia oferecida à pretensão; transação ou concessão recíproca, todas estas dependentemente da vontade de ambas as partes.
Tendo sido o poder de decisão dos conflitos sociais vinculado a um poder central, inicialmente, coube ao Clero a função de arbitragem, ou seja, cujas ligações com as divindades proporcionavam decisões justas. Em outras organizações sociais cabia aos anciãos o dever da arbitragem e suas decisões estavam pautadas em padrões acolhidos pelas convicções coletivas, bem como nos costumes. Deste modo, as meras normas de convivência deram lugar ao sistema jurídico complexo atual cuja finalidade é beneficiar e defender aos membros que se integram o projeto de nação.
Com a formação de uma estrutura estatal cada vez mais complexa, surgiu então, classe profissional responsável por dirimir os conflitos. Na antiga Roma cabia à alta classe e à classe média a proteção do Direito, atividade atualmente vinculada ao poder judiciário. Assim nasce a jurisdição. A palavra jurisdição, do Latim, dicere ius, refere-se à “atividade mediante a qual os juízes estatais examinam as pretensões e resolvem os conflitos” fato que, para Pontes de Miranda determina a exigência de um pressuposto conceitual de julgamento, ou seja, deve ser dito qual regra jurídica determinou a decisão para dado conflito. No processo judicial, o magistrado age em substituição às partes que não podem, por assim dizer, “fazer justiça com as próprias mãos” sob pena de condenação pelo dito crime de “exercício arbitrário das próprias razões”, portanto, caracteriza-se como heterocomposição de conflitos, isto é, a solução é determinada por um terceiro alheio ao conflito.
No momento em que o Estado passa a dirimir os conflitos sociais observa-se que o ente público invade o âmbito das relações privadas, limitando aos princípios da autonomia e liberdade que caracterizam a vida jurídico-privada dos indivíduos através da emissão da declaração de vontade objetivando o ato em si e o resultado almejado entre as partes. A doutrina cognomina tal ingerência na esfera da sociedade civil de administração pública de interesses privados, justificada pelo interesse social nos atos da vida privada.
A ingerência estatal nos atos da vida privada não se dá somente para a elisão de conflitos, mas para a execução de atos de finalidade constitutiva, isto é, atos que buscam a formação de situações jurídicas novas. A tais atos, cognomina-se jurisdição voluntária. A inexistência da lide não afasta a possibilidade de existência de controvérsia entre os interessados, daí então a necessidade de intervenção do poder judiciário. Para alguns, devido a tal particularidade a jurisdição contenciosa não se presta a atividades jurisdicionais, visto que não é substitutiva, muito menos declaratória, pois o juiz se insere entre os participantes do negócio jurídico.
Cintra, Grinover e Dinamarco citam a existência de três categorias de jurisdição voluntária, são estes: a) atos meramente receptícios - função passiva do magistrado, com fulcro no art. 1877 do Código Civil Brasileiro; b) atos de natureza simplesmente certificante; e c) atos eu constituem verdadeiros pronunciamentos judiciais
Opostamente à jurisdição voluntária, a contenciosa pode ser dita como a jurisdição de fato. Na tese de Arruda Alvim, a jurisdição contenciosa tem três características principais: integra a atividade jurisdicional, tem como escopo atender à vontade da lei e a existência da partes e da coisa julgada. Em suma, na jurisdição contenciosa o juiz adentra o caso tal qual pessoa imparcial que tem por finalidade dirimir os conflitos cuja solução é dada à luz da legalidade estrita. Os réus terão o direito ao contraditório e a ampla defesa, conforme determinado em constituição, bem como poderão ser julgados à revelia. As decisões terão força de coisa julgada formal e material.
A jurisdição possui caracteres fundamentais. Nas palavras de Cintra, Grinover e Dinamarco, a jurisdição é concomitantemente emanação da soberania estatal, incumbência afeta ao órgão jurisdicional, uma vez que cabe a este aplicar a lei aos casos concretos e, ainda é considerada o conjunto de atos do juiz no processo, tendentes a dar a cada qual o que lhe é devido. Para os mesmo doutrinadores, é imprescindível para que aja a jurisdição, a existência de uma lide - caracterizada pela pretensão de uma das partes e a resistência a esta pretensão -, bem como a inércia da jurisdição - “Nemo procedat iudex ex officio” - segundo o qual, o judiciário só agirá se provocado pelas partes interessadas. A jurisdição é caracterizada, também, pela força de “coisa julgada” dada às decisões - princípio da definitividade - conforme previsão constitucional:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
A jurisdição está fundada em diversos elementos obrigatoriamente observados para que seja aplicado o direito material ao caso concreto. São estes: notio ou cognitio, vocatio, coertio, judicium e executio. Notio ou cognitio consiste no fato de que ao poder judiciário é atribuída a atividade típica de conhecer os litígios e prover a regularidade do processo. O conceito de vocatio, por sua vez, determina a faculdade de fazer comparecerem juízo todo aquele cuja presença é necessária. O caractere coertio determina a possibilidade de aplicação de medidas coercitivas, isto é, a possibilidade de utilização do poder de polícia para a garantia da função jurisdicional. Por fim, o judicium e o executio estão ligados ao direito de julgar, prolatar a sentença e fazer com que seja cumprida.
O sistema jurídico está fundado em regras e princípios que as subsidiam. A jurisdição, enquanto cerne da função jurisdicional do Estado é sustentada por uma série de princípios dispostos em todo o ordenamento jurídico e mesmo, determinados em constituição. Neste rol de princípios, citam-se o princípio da investidura, da indeclinabilidade ou inafastabilidade, indelegabilidade, improrrogabilidade, da inércia, da correlação, definitividade e, ainda, o princípio do juiz natural. O princípio da investidura está vinculado ao fato de que sendo o Estado pessoa jurídica e, portanto, não detentor de ânimo próprio, necessita de pessoas físicas para exercer a função jurisdicional. Estas pessoas são os magistrados e deve estar devidamente investida no poder de julgar, conforme dispositivo constitucional:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;
Aquele que não investido nos poderes jurisdicionais tentar desfrutar do direito de julgar incorrerá no delito de “usurpação da função pública” previsto no Código Penal Brasileiro. Os juízes, já aposentados também, não detêm do poder de decidir, conforme disposto no art. 132 do Código de Processo Civil - CPC:
Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas.
A indeclinabilidade ou inafastabilidade está prevista na Lei Maior e determina que se há lesão a direito de cidadão e este buscar o judiciário, cabe ao magistrado elidir o conflito sendo impossibilitado de eximir-se da responsabilidade para com os jurisdicionados. Aquele que busca o Estado para dirimir seus conflitos deposita neste, determinada confiança em que se embasa, inclusive, a segurança jurídica. Nas palavras de Tourinho Filho: “se a lei não pode impedir que o Judiciário aprecie qualquer lesão ou ameaça a direito, muito menos poderá o Juiz abster-se de apreciá-la, quando invocado”. É o dispositivo constitucional, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
A indelegabilidade está ligada ao fato de que nenhum dos poderes poderá delegar as funções típicas. A Constituição, enquanto instrumento que cria, dá forma ao Estado e seus órgãos, fixa o conteúdo das atribuições dos poderes e não pode manifestação infraconstitucional ou simples manifestação dos membros destes alterar essa distribuição. Como todo princípio, o princípio da indelegabilidade é mitigado, nos termos do art. 102, I, “m” da Constituição Federal, segundo o qual é facultado ao Supremo Tribunal Federal delegar as atribuições da prática dos atos processuais de execução de sentença, em casos de causas de competência originária. No dizer de Cintra, Grinover e Dinamarco, ao comentarem sobre o poder de decisão investido ao magistrado:
O Estado o investiu, mediante determinado critério de escolha, para exercer uma função pública; O Estado lhe cometeu, segundo seu próprio critério de divisão de trabalho, a função jurisdicional referente a determinadas causas. E agora não irá o juiz, invertendo os critérios da Constituição e da lei, transferir a outro a competência para conhecer dos processos que elas lhe atribuíram.
O princípio da improrrogabilidade, também conhecido como princípio da aderência ao território, veda ao juiz o exercício da jurisdição fora dos limites determinados em lei. Daí o fato de o Código Penal aderir à teoria do resultado no que tange à decisão da instrução e julgamento do processo. “[...] todo e qualquer ato de interesse para um processo, que deva ser praticado fora dos limites territoriais em que o juiz exerce a jurisdição, depende da cooperação do juiz do lugar.”
O princípio da inércia da jurisdição vinculado ao princípio da iniciativa das partes, pode ser resumido no brocardo: “Ne procedat iudex ex officio”, isto é, “Não proceda o juiz de ofício” ou, ainda, “Nemo iudex sine actore” - “não há juiz sem autor”. Em suma, o judiciário não agirá caso o cidadão não o busque para elidir conflitos sociais. O judiciário é inerte, opostamente a instituições essenciais à justiça tais quais o Ministério Público. Este princípio, obviamente, é mitigado pela possibilidade de, em processo penal, o juiz buscar provas sem ser provocado, caso incorra em dúvida quanto ao fato criminoso. Tal possibilidade é carregada de discussão doutrinária, uma vez que em matéria penal aplica-se a máxima: “in dúbio, pro reo” - “na dúvida, em favor do réu”. Para a doutrina garantista, o brocardo latino e a possibilidade de prejuízo ao réu deveriam estar sobrepostas à norma legal - art. 156, II Código de Processo Penal Brasileiro - CPP. In verbis:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: [...]
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
A correlação deve marcar o procedimento judicial. A decisão deve ser resultado direto e imediato do pedido feito na petição inicial. Também chamado de princípio da relatividade ou congruência da condenação, está presente na seara do Direito Processual Penal para garantir a defesa do acusado, uma vez que o jurisdicionado só poderá ser condenado pelos fatos que lhe forem imputados, e mesmo assim, deverá ter ciência dos fatos para que possa proceder a defesa. É, portanto, princípio corolário dos princípios de contraditório e da ampla defesa determinados constitucionalmente - art. 5º, LV -. Em Mirabete: “[...] A acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido em que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva. Os fatos descritos na denúncia ou queixa delimitam o campo de atuação do poder jurisdicional”.O da definitividade é princípio corolário da segurança jurídica, assegurada pelo rol de direitos e garantias da Constituição da República Federativa do Brasil. Garante que os direitos adquiridos não sejam violados e que a decisão judicial seja linear. A decisão tem força de coisa julgada, ou seja, é imutável. Este princípio somente se presta às decisões jurisdicionais, já que no Brasil vigora o sistema administrativo de jurisdição única. Celso Antônio Bandeira de Melo ainda busca, efetivar analogia entre as decisões administrativas e as decisões judiciais criando a chamada “coisa julgada administrativa” ocorrente quando se esgotam as possibilidades de recurso ao processo administrativo em comento. Determina a Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Outro corolário do princípio do Devido Processo Legal é o princípio do juiz natural. Trata-se de garantia dada pelo viés processual do “Due Processo of Law” e determina que o jurisdicionado somente será julgado ou terá seus conflitos dirimidos por pessoa competente, isto é, por aquele a que a lei investiu poderes para tanto, conforme o art. 5º, LIII.
A jurisdição deve ser exercida a guisa destes princípios e através do processo. Segundo o entendimento de Cintra, Grinover e Dinamarco, tem-se por processo o “instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicionais atuam para pacificar as pessoas conflitantes, eliminando os conflitos e fazendo cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que lhes é apresentado em busca de solução”. O processo é necessariamente formal, uma vez que as suas formas garantem a legalidade e a imparcialidade - art. 5º, LIV -. As partes poderão atuar ativamente, por força do princípio do contraditório, o que inclui, ainda, diálogo das partes com o magistrado. O tempo de duração deve ser razoável, isto é, variará conforme a complexidade do liame.
O processo, entretanto, não se submete a mesma forma. Exterioriza-se de forma a atender às peculiaridades da pretensão do autor e da defesa do réu. Se há pretensão jurídica contestada, há o litígio. Declara-se a vontade da lei através do processo de cognição ou de conhecimento. Quando, opostamente, há certeza do direito do credor e a lide se resume em insatisfação do crédito, o processo objetiva tomar conhecimento liminar da existência do título e, posteriormente, realizar a prestação a que tem direito a outra parte, por meio da coação estatal. Trata-se de processo de execução. Se utilizado para prevenir a lide contra as alterações de fato ou de direito que possa ocorrer anteriormente à decisão de mérito, classifica-se o processo como cautelar.
O processo poderá nascer e chegar à conclusão sem ter solucionado o litígio, uma vez que pode ser determinada a carência de ação. O processo poderá desempenhar funções distintas, quais sejam: a de verificar a efetiva situação jurídica das partes, a de realizar efetivamente a situação jurídica apurada e a de estabelecer as condições necessárias para que se possa pretender a prestação jurisdicional. O processo será sempre autônomo, uma vez que não depende da existência de direito substancial da parte que invoca. O direito de provocá-lo é abstrato.