4 O PROCESSO, AS PROVAS ILÍCITAS E A DECRETAÇÃO DE NULIDADE
Deduzindo uma pretensão em juízo, ao autor incumbe afirmar a ocorrência do conflito social, qualificando-o juridicamente e extraindo as conseqüências jurídicas que culminaram no pedido da tutela jurisdicional. Por tal fato, diz-se que a prova constitui um instrumento por meio da qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos e, segundo Carlos Roberto Gonçalves, deverá ser admissível, pertinente e concludente, ou seja, deve estar de acordo com os mandamentos legais, ser adequada à demonstração dos fatos e, ainda, deverá ser esclarecedora. No dizer das ordenações filipinas, citadas na doutrina de Cintra, Pelegrini e Grinover: “a prova é o farol que deve guiar o juiz nas suas decisões”.
Observados tais fatos, a princípio, não haveria limitações para a produção das provas ou restrições à admissibilidade destas. Entretanto, a liberdade na admissibilidade das provas não se funda em bases suficientemente sólidas para justificar este acolhimento em juízo, além disto, pode ensejar as manipulações, fraudes e a ofensa a quem lhes ficasse sujeito, sinalizando, até mesmo, constrangimento pessoal inadmissível. Apesar deste elenco de fatores desfavoráveis, os Códigos de Processo Penal e Civil adotam a liberdade dos meios de prova, respectivamente:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.
No Direito Processual Penal sempre predominou o sistema de livre investigação das provas, ao passo que na seara do processo civil já se confiou exclusivamente ao interesse das partes em descobrir a verdade. Enquanto no processo civil o juiz poderia se satisfazer com a verdade formal, ou seja, aquilo que se reputa verdadeiro em face das provas carreadas nos autos, o juiz criminal deveria atender à averiguação e ao descobrimento da verdade real - verdade material - como fundamento da sentença. Nesta seara do Direito Processual, só excepcionalmente o juiz se satisfaz com a verdade formal, e isto acontece quando não dispõe de meios para a averiguação da verdade material, conforme art. 386 do Código de Processo Penal. Segundo a doutrina de Heráclito Antônio Mossin (1998, p. 202) “descobrir a verdade real ou material é catalisar elementos probatícios aptos a demonstrar com segurança imutável quem realmente praticou o crime e o modo e meio como ele foi na realidade executado”.
Ocorre que os Códigos processuais, bem como todo o ordenamento, estão subjugados à Constituição da República Federativa do Brasil, segundo a qual, são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos. Trata-se de meio de manutenção da legalidade e, por conseguinte, da segurança jurídica, princípios basilares do Estado Democrático de Direito. Trata-se do dito princípio da vedação das provas ilícitas, expresso no art. 5º, LVI da Lei Maior.
As provas inadmissíveis nos processos podem ser tratadas tais quais provas ilegítimas ou, propriamente, ilícitas. As primeiras diferenciam-se no enfoque de ofensa ao direito, verificada após a inserção das provas no processo tratando-se, pois, de infringência a normas processuais, a exemplo dos interrogatórios em que não se adverte o interessado do direito de permanecer em silêncio, sem que isto lhe acarrete conseqüências prejudiciais. As segundas se caracterizam pela mácula ao direito material, de modo que a irregularidade encontra-se no momento da colheita da prova. São ditas provas ilícitas em sentido estrito, aquelas que violam o domicílio, as comunicações, as obtidas mediante tortura ou maus-tratos, bem como as acolhidas com infringência à intimidade e através da prática de outros ilícitos penais.
Alguns doutrinadores, como o italiano Franco Cordeiro, são inadmissíveis somente as provas ilegítimas, uma vez que para estas há sanção processual prevista. Portanto, “male captum, bene retentum” - “mal acolhida, porém bem conservada” -, isto é, apenas de existir violação ao direito material no acolhimento da prova, esta deverá ser aceita no processo, sem prejuízo das sanções devido à infração. Há quem diga o oposto de Cordeiro, e sustenha que o direito é um todo unitário e que, portanto, a violação ao direito material violaria esta o direito em sua unicidade, não devendo as provas obtidas por meio ilícito serem admitidas no processo. Também discorda desta diferenciação, e bem assenta o próprio pensamento, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2004, p. 328), para o qual:
O gênero é a ilicitude – assim em Direito Penal, quanto nas demais disciplinas, inclusive porque foi o termo utilizado na Constituição Federal – significando o que é contrário ao ordenamento jurídico, contrário ao Direito de um modo geral, envolve tanto o ilegal quanto o ilegítimo. Se houver a inversão dos conceitos, aceitando-se que a ilicitude é espécie de ilegalidade, então à Constituição estaria vedando somente a prova produzida com infringência à norma de natureza material e liberando, por força da natural exclusão, as provas ilegítimas, proibidas por normas processuais, o que se nos afigura incompatível com o espírito desenvolvido em todo o capítulo dos direitos e garantias individuais.
Outra parte da doutrina propugna a inadmissibilidade de determinadas provas com fulcro no princípio da moralidade sob a alegação de que não se pode admitir que os agentes estatais “lancem mão” de meio ilegais, mesmo que seja para o combate à criminalidade. Baseiam-se, ainda, aqueles que propugnam a inadmissibilidade das provas na vedação constitucional. O fato é, deve-se equilibrar o interesse social em descobrir a verdade e a necessidade de defesa dos direitos fundamentais do cidadão. Com base em tais argumentos decidiu o Supremo Tribunal Federal, em idos de 2000, no RE 251.445-GO sob relatoria do ministro Celso de Mello:
PROVA ILÍCITA. MATERIAL FOTOGRÁFICO QUE COMPROVARIA A PRÁTICA DELITUOSA (LEI Nº 8.069/90, ART. 241). FOTOS QUE FORAM FURTADAS DO CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DO RÉU E QUE, ENTREGUES À POLÍCIA PELO AUTOR DO FURTO, FORAM UTILIZADAS CONTRA O ACUSADO, PARA INCRIMINÁ-LO. INADMISSIBILIDADE (CF, ART. 5º, LVI). - A cláusula constitucional do due process of law encontra, no dogma da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras, pois o réu tem o direito de não ser denunciado, de não ser processado e de não ser condenado com apoio em elementos probatórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites ético-jurídicos que restringem a atuação do Estado em sede de persecução penal. - A prova ilícita - por qualificar-se como elemento inidôneo de informação - é repelida pelo ordenamento constitucional, apresentando-se destituída de qualquer grau de eficácia jurídica. - Qualifica-se como prova ilícita o material fotográfico, que, embora alegadamente comprobatório de prática delituosa, foi furtado do interior de um cofre existente em consultório odontológico pertencente ao réu, vindo a ser utilizado pelo Ministério Público, contra o acusado, em sede de persecução penal, depois que o próprio autor do furto entregou à Polícia as fotos incriminadoras que havia subtraído. No contexto do regime constitucional brasileiro, no qual prevalece a inadmissibilidade processual das provas ilícitas, impõe-se repelir, por juridicamente ineficazes, quaisquer elementos de informação, sempre que a obtenção e/ou a produção dos dados probatórios resultarem de transgressão, pelo Poder Público, do ordenamento positivo, notadamente naquelas situações em que a ofensa atingir garantias e prerrogativas asseguradas pela Carta Política (RTJ 163/682 - RTJ 163/709), mesmo que se cuide de hipótese configuradora de ilicitude por derivação (RTJ 155/508), ou, ainda que não se revele imputável aos agentes estatais o gesto de desrespeito ao sistema normativo, vier ele a ser concretizado por ato de mero particular. Doutrina.
No que tange ao Direito Processual Penal é salutar a lembrança de que o rol de direitos e garantias determinado pelo art. 5º da Lei Maior não é revestido de taxatividade, daí o fato de que a vedação das provas ilícitas não é absoluta, uma vez que é salvaguardada ao acusado a possibilidade de fazer prova em contrário às acusações, ainda que esta seja obtida por meio ilícito. Trata-se de uma espécie de ponderação segundo a qual, a garantia do contraditório e da ampla defesa se superpõem, uma vez que o acusado é tratado como hipossuficiente em relação ao Estado e o direito processual penal envolve a limitação a determinados direitos fundamentais, o que leva os juristas a crer que estes devem ser preservados e o poderio estatal limitado.
A aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo penal, onde impera o princípio do favor rei é de aceitação unânime pela doutrina e pela jurisprudência. Até mesmo quando se trata de prova ilícita colhida pelo próprio acusado, tem se entendido que a ilicitude é eliminada por causas de justificação legais de antijuridicidade, como a legítima defesa.
Neste sentido decidiu o Tribunal de Justiça, em idos dos anos 90, em processo criminal de lesão corporal, no qual se admitiu como prova lícita uma fita que continha gravação entre autor e réu do processo, feita pelo acusado, partindo da premissa de que o direito à intimidade não tem caráter absoluto, devendo ceder em caso de conflito com direitos fundamentais como a ampla defesa. Por meio do julgamento do Habeas Corpus 74.678-1/SP, de relatoria do ministro Moreira Alves, o Supremo Tribunal Federal - STF - ratifica tal posicionamento:
"Habeas corpus". Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade
. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). "Habeas corpus" indeferido.
[...]
Excluir-se-ia a antijuridicidade da ação, se houvesse legítima defesa ou outra causa de exclusão de ilicitude. Seria o caso de quem gravasse sub-repticiamente a exigência de quem pratica extorsão. (Welzel, 45, III)
4.1 AS PROVAS ILÍCITAS E A TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (“FRUITS OF THE POISONOUS TREE”)
Criada e aplicada pela Corte norte-americana desde 1920, foi construída no caso Silverhome Lumber VS. United States e, posteriormente, desenvolvida no caso Nardone VS. United States em 1939, esta tese infere que é ilícita a prova derivada de outra da mesma natureza. No mesmo sentido entende, ainda que de modo mais restrito, a corte alemã e sempre entendeu, mesmo antes de 1988, o Supremo Tribunal Federal - STF. A partir da absorção desta tese pelo direito processual pátrio o STF entendeu que a escuta telefônica, por não ter à época lei regulamentadora, não poderia ser utilizada como provas lícitas. Deste modo, as escutas, bem como as provas obtidas a partir dela seriam impugnadas de ilicitude. Assim demonstra o julgamento do HC 75007-9/SP de relatoria do min. Marco Aurélio
COMPETÊNCIA - HABEAS-CORPUS - ATO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha este, ou não, qualificação de superior. PROVA ILÍCITA - ESCUTA TELEFÔNICA - PRECEITO CONSTITUCIONAL - REGULAMENTAÇÃO. Não é auto-aplicável o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. Exsurge ilícita a prova produzida em período anterior à regulamentação do dispositivo constitucional. PROVA ILÍCITA - CONTAMINAÇÃO. Decorrendo as demais provas do que levantado via prova ilícita, tem-se a contaminação daquelas, motivo pelo qual não subsistem. Precedente: habeas-corpus nº 69.912/RJ, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence perante o Pleno, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 25 de março de 1994.
A tese dos frutos da árvore envenenada exerce clara influência sobre o art. 157, § 1º do Código de Processo Penal que propugna inválidas as provas derivadas das provas ilícitas devendo estas serem desentranhadas imediatamente do processo. A conseqüência imediata da inserção de uma prova ilícita no processo seria a sua inexistência jurídica deste ou mesmo a nulidade absoluta, com fulcro no fato de que todo ato processual que não detiver características de ato processual não poderá produzir efeitos como tal sendo ineficaz desde a origem. Deste modo, a prova ilícita não produziria nenhum efeito no processo.
Os tribunais superiores e a doutrina têm entendido que a prova ilícita somente provocará a completa nulidade processual caso a sentença esteja baseada somente nesta, exclusivamente. Também é pacífica a solução para as provas ilícitas: o desentranhamento, conforme art. 157, caput. É entendimento jurisprudencial.
. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º,LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO
. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária
[...]
. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar
. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos
Ratifica a tese das provas derivadas, e o entendimento jurisprudencial de que o processo somente será passível de anulação caso esteja exclusivamente assentado sobre a prova ilícita, a apelação criminal nº 2001.01.107.760-87 - de relatoria do desembargador presidente Jeronymo Bezerra de Souza cuja sentença tem fulcro na invasão à casa do réu sem mandado de busca e apreensão o que culminou na absolvição do acusado, uma vez que todo o processo tinha base em prova obtida ilicitamente.
Segundo notícia, veiculada em setembro de 2004, pela revista “Consultor Jurídico”, os agentes de polícia invadiram a casa do réu, Vanderlei Vieira, exigindo que todos da casa deitassem no chão para que a casa fosse revirada. Testemunharam a sogra do réu e o próprio. Foi lavrado auto de prisão em flagrante, uma vez que encontraram 2.775 gramas de maconha.
PROCESSUAL PENAL - ILICITUDE DA PROVA - TRAFICÂNCIA DE DROGAS - BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR - ABOLVIÇÃO MANTIDA. A casa é asilo inviolável, ninguém podendo nela penetrar, salvo as exceções contidas na Constituição Federal. Não podem os agentes policiais realizar busca e apreensão sem ordem judicial, na casa de quem não pratica a traficância de drogas e apenas guarda relação de parentesco com o investigado. O que se apurar, a partir de então, fica contaminado pela ilicitude, ex radice, da violação de domicílio.? (fl. 159) (Relator Desembargador Edson Alfredo Smaniotto; julgado em 23-09-2004, publicado no DJ 10-11-2004) Vanderlei Vieira foi denunciado pela prática do crime tipificado no artigo 12, da Lei N. 6368/76. Finda a instrução, o réu foi absolvido ao fundamento de que a prova colhida não se presta para embasar um decreto condenatório, já que fora obtida de forma ilícita. Inconformado, o Ministério Público apelou e a Primeira Turma Criminal desproveu o referido recurso, nos termos da ementa já transcrita. Ainda irresignado, o Ministério Público recorre extraordinariamente. Sustenta, para tanto, ofensa ao artigo 5o, inciso XI, da Constituição Federal, ao argumento de que é válida a prisão em flagrante por ser permanente o crime de tráfico de entorpecente, sendo, pois, desnecessário o mandado de busca e apreensão. O recorrido, apesar de devidamente intimado, deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação de contra-razões ao apelo extremo (certidão de fl. 184). II - A irresignação é tempestiva, as partes são legítimas e está presente o interesse em recorrer. O preparo é dispensado por isenção legal. Analiso, a seguir, os requisitos específicos de admissibilidade do recurso extraordinário. E, ao fazê-lo, verifico que o recurso extraordinário merece ser admitido. Isto porque a tese recursal, demais de prequestionada, encerra discussão de cunho estritamente jurídico, passando ao largo do reexame das provas e dos fatos constantes dos autos, o que torna oportuna a submissão do inconformismo à autorizada apreciação da Corte Suprema. III - Ante o exposto, defiro o processamento do recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 22 de fevereiro de 2005. Desembargador JOSÉ JERONYMO BEZERRA DE SOUZA Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Ainda no que tange às provas ilícitas, decisão recente do Supremo Tribunal Federal determina que a ocorrência destas é suficiente para que a súmula vinculante 691 - segundo a qual não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar - seja afastada.
Segundo notícia veiculada pela revista “Consultor Jurídico” - em 14 de novembro de 2007 - em agosto de 2006 a 2ª turma analisava pedido de liberdade do ex-banqueiro Edemar contra a decisão do juiz criminal paulista Fausto de Sanctis. Pedido semelhante já havia sido negado, pelo Tribunal Regional Federal da 3ª região - TRF3 - e pelo STJ era hipótese, então, de aplicabilidade da citada súmula.
A prova ilícita em questão eram os e-mails trocados entre o advogado e seu cliente que fundamentaram o pedido de prisão preventiva do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira. Para o então ministro Eros Grau, tratava-se de prova ilícita, uma vez que se baseia na violação do computador do advogado e, principalmente na violação do sigilo profissional.
Não obstante peço-lhe vênia para reconhecer, no caso, situação excepcional, que justifica a atuação do Supremo Tribunal Federal. Situação excepcional fundada, a meu ver, na necessidade de restauração da ordem jurídica. Convenci-me, após o exame detido de memorial e de peças dos autos dos habeas corpus, de que a pretensão aqui deduzida encontra esteio na jurisprudência da Corte, em precedentes bem conhecidos. Tem-se como paradigma, na espécie, o caso Maluf. O STF pode sim, sem examinar o mérito em quadro de excepcionalidade, cassar o mandado de prisão até decisão definitiva do TRF da 3ª região. Do TRF porque o STJ não conhecer do HC impetrado contra a decisão, do Tribunal Regional, que indeferiu a liminar, remanescendo pendente, portanto, decisão de mérito nas instâncias antecedentes. (HC - AgR 89.025-3/SP)
4.2 A POSSÍVEL ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO
Não há posicionamento pacificado na doutrina sobre a possível admissibilidade das provas ilícitas por derivação, quer no direito comparado quer no direito brasileiro. Para o direito norte-americano é impossível a admissibilidade das provas ilícitas por derivação, por força da tese “dos frutos da árvore envenenada”, entretanto, tal impossibilidade - chamada de exclusionary rule - tem sido severamente criticada, uma vez que esta pode permitir que um acusado inequivocamente culpado possa escapar da punição do governo devido ao mau comportamento dos agentes estatais.
[...] é preciso atentar para as limitações impostas à teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos frutos da árvore envenenada, pelo próprio Supremo norte-americano e pela doutrina internacional: excepcionam-se da vedação probatória as provas derivadas da ilícita quando a conexão entre umas e outra é tênue, de modo a não se colocarem a primária e as secundárias como causa e efeito; ou, ainda, quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser descobertas por outra maneira.
(GRINOVER, et al. 2001, p. 137)
A mitigação a este princípio é conhecida na doutrina como “independent source” e “inevitable discovery” e pode ser observada como uma hipótese de admissibilidade das provas ilícitas “pro societate”, uma vez que a gana pela diminuição da criminalidade, por assim dizer, estaria à frente da moralidade na obtenção das provas por parte dos agentes do governo.
A partir da “independent source” ou “inevitable discovery” pode-se engendrar o pensamento de que a prova ilícita, desde que não indispensável para a descoberta das derivadas, poderiam ser aceitas no processo, ou mesmo, caso as provas derivadas tenham fonte própria de derivação.
Não estando a denúncia respaldada exclusivamente em provas obtidas por meios ilícitos, que devem ser desentranhadas dos autos, não há porque declarar-se a sua inépcia porquanto remanesce prova lícita e autônoma, não contaminada pelo vício de inconstitucionalidade (RHC nº 74807/MT. 2ª Turma. Rel. Min. Maurício Côrrea. 22.04.1997).
É que a interceptação telefônica - prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, que contamina as demais provas que dela se originam - não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus indeferido (HC nº 74530. 2ª Turma. Rel. Min. Marco Aurélio. 12/11/1996).
- Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária (RHC 90376 RJ. 2ª Turma. Rel. Min. Celso de Mello. 02/04/2007
Esta mitigação é clara no art. 157, § 1º, reformado pela lei 11.690/08 que conceituou a citada expressão “fonte independente”. In verbis:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (Grifo nosso)
A posição do Supremo Tribunal Federal - STF - é de refutar, por completo, as provas derivadas de provas ilícitas no processo penal:
[...] a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente (STF - HC nº 69.912-0, DJU 25.03.0994)
Prova ilícita – contaminação. Decorrendo as demais provas do que levado via prova ilícita, tem-se a contaminação daquelas, motivo pelo qual não subsistem (STF – HC nº 73.510, 17.12.1998)
Assim também lecionada a doutrina Ada Pelegrini Grinover (2001, p. 137):
Na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e conseqüentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova transmite-se às provas derivadas, que são assim igualmente banidas do processo.