Artigo Destaque dos editores

Competência para processar e julgar os delitos do art. 273 do Código Penal

10/09/2012 às 15:20
Leia nesta página:

Segundo o STJ, compete aos juízes estaduais processar e julgar o ilícito do art. 273 do Código Penal, quando não caracterizada a internacionalidade.

Dispõe o art. 109, inciso V, da Constituição Federal que, “aos juízes federais compete processar e julgar (...) os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”.

Conforme se depreende da supracitada disposição, para que determinada infração penal seja de competência dos juízes federais, faz-mister a presença de dois requisitos: a) previsão em tratado ou convenção internacional; b) internacionalidade da conduta.

Nada obstante, recentes precedentes da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça e das Turmas Criminais do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, envolvendo feitos relacionados ao crime de importação irregular de medicamentos (art. 273, §1º, do Código Penal), reconheceram a competência de juízes federais, baseados na internacionalidade da conduta, ignorando o fato de República Federativa do Brasil não ser signatária de tratado ou convenção internacional destinada à repressão daquele ilícito. Eis as respectivas ementas:

EMENTA: Processual Penal. Art. 273 do CP. Importação clandestina de medicamentos sem registro na ANVISA. Transnacionalidade demonstrada. Competência da Justiça Federal. 1. In casu, o réu declarou ter adquirido as mercadorias (anabolizantes) em país estrangeiro com a finalidade de comercializá-las em território nacional. 2. Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime contido no art. 273 do CP, se caracterizada a transnacionalidade do delito. Precedentes desta Corte e do STJ. (TRF4 5009680-32.2011.404.7002, Sétima Turma, Relator p/ Acórdão Élcio Pinheiro de Castro, D.E. 17/01/2012)

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 273, §1º, DO CP. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTO. ART. 184, §2º, DO CP. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. COMPETÊNCIA. CONEXÃO. 1. Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime contido no art. 273 do CP se caracterizada a transnacionalidade do delito. 2. A reprodução ilegal de CDs e DVDs implica ofensa apenas aos interesses particulares dos titulares dos direitos autorais. A ausência de prejuízo a bem, serviço ou interesse da União, de suas autarquias ou empresas públicas afasta a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. 3. Esta Corte tem o entendimento de que, para o julgamento dos crimes de violação de direito autoral, a competência pertencerá à Justiça Federal se houver conexão delitiva com outro delito cuja competência recair nesta esfera.   (TRF4 5001526-88.2012.404.7002, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão Artur César de Souza, D.E. 23/07/2012)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. IMPORTAÇÃO E TRANSPORTE DE MEDICAMENTOS DESTINADOS A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. ARTIGO 273, § 1-B, INCISOS I e V, DO CÓDIGO PENAL. COMPROVAÇÃO DO CARÁTER INTERNACIONAL DO DELITO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. É da competência da Justiça Federal o julgamento do crime previsto no artigo 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal, sempre que estiver caracterizada a internacionalidade do delito. 2. No caso, o réu foi preso em flagrante quando trazia consigo diversos medicamentos de origem estrangeira e proibidos no território nacional, tais como "Pramil" e "Rheumazim Forte", existindo indícios concretos do caráter internacional do crime, notadamente pelo fato de que o ônibus em que o acusado viajava fazia o trajeto Foz do Iguaçu/PR a Belém/PA, valendo ressaltar que os outros passageiros informaram que todas as mercadorias apreendidas eram oriundas do Paraguai, evidenciando, assim, a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 1ª Vara de Araçatuba/SP, o suscitado. (STJ. CC 115.536/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/10/2011, DJe 23/11/2011)

Analisando o inteiro teor das supracitadas decisões, é possível observar que elas estão basicamente fundamentadas na repetição de precedentes que, igualmente, não abordam a questão relativa à inexistência de tratado ou convenção internacional visando a repressão do crime de importação irregular de medicamentos, apesar de ela, ao menos no caso da decisão proferida nos autos 5010313-43.2011.404.7002, ter sido trazida à baila pelo juízo de primeiro grau, conforme se depreende do seguinte excerto, extraído do respectivo relatório:

“(...) A simples internacionalidade da conduta, em tese, criminosa, igualmente não basta para caracterização do pressuposto de competência descrito no inciso V do artigo 109 da Constituição Federal, restando absolutamente necessário que o crime esteja especificamente previsto em tratado ou convenção internacional assinado pelo Brasil.

A análise da hipótese de competência descrita no inciso V do artigo 109 da CF/88 deve ser cumulativa.

Dessa maneira, para que o processo e julgamento do delito classificado no artigo 273 e seus parágrafos do Código Penal seja de competência dos juízes federais, é necessário, além da repercussão internacional da conduta - a internacionalidade -, a existência de tratado ou convenção internacional em que o Brasil tenha se comprometido a reprimir as condutas de falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

Segundo notícia veiculada no dia 07/10/2010 na página virtual do Estadão - O Estado de São Paulo (www.estadao.com.br), o Brasil atacou o acordo assinado por 40 países ricos que estabelecia o 'primeiro tratado internacional para criminalizar o comércio, a produção e o fornecimento de produtos e remédios falsificados', informando, inclusive, que não reconhece a legitimidade do tratado, que está sendo chamado de Acta (sigla para Anti-Counterfeiting Trade Agreement).

Diante disso, depois de pesquisa realizada no banco de dados da Divisão de Atos Internacionais - DAI/SCI, vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, no sítio http://dai-mre.serpro.gov.br/, constata-se a absoluta inexistência de qualquer tratado ou convenção internacional assinados pelo Brasil referente às condutas de falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, tipificadas no artigo 273 do Código Penal.

Assim, inexistindo tratado ou convenção internacional que preveja a referida infração penal, inarredável a conclusão de que, para fixação da competência dos juízes federais para o processo e julgamento do delito tipificado no artigo 273 do Código Penal, não basta a análise da internacionalidade da conduta (...).

É certo que a importação de medicamentos, em última análise, constitui modalidade especial do crime de contrabando, fato que pode ensejar o reconhecimento da competência dos juízes federais, com base no inciso IV do art. 109 da Constituição Federal.

Tal entendimento, aliás, foi recentemente adotado pela 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, quando do julgamento do Conflito de Jurisdição 5006727-18.2012.404.0000. Senão vejamos:

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. CRIME DO ARTIGO 273, §1º-B, DO CP. SUPOSTA IMPORTAÇÃO E REMESSA DE MEDICAMENTOS ESTRANGEIROS VIA POSTAL. MERCADORIAS APREENDIDAS EM PORTO ALEGRE ANTES DE CHEGAR AO SEU DESTINO. SÚMULA 151 DO STJ. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. 1. Aplica-se o disposto na Súmula 151 do Superior Tribunal de Justiça ("a competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do juízo federal do lugar da apreensão dos bens") ao delito previsto no artigo 273, §1º-B, do Código Penal por se tratar de modalidade especial de contrabando. 2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre/RS para processamento do apuratório, considerando que a suposta importação e remessa de medicamentos estrangeiros via postal foi interceptada na Capital, local de apreensão das mercadorias, não chegando ao destino inicialmente previsto. (TRF4 5006727-18.2012.404.0000, Quarta Seção, Relator p/ Acórdão Victor Luiz dos Santos Laus, D.E. 02/07/2012)

A adoção do entendimento esposado pela Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região conduz à conclusão de que todas as condutas tipificadas no art. 273 do Código Penal serão de competência dos juízes federais, assim como todas as modalidades do crime de contrabando (art. 334 do Código Penal), ex vi do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal.

Todavia, segundo orientação firmada no Superior Tribunal de Justiça, compete aos juízes estaduais processar e julgar o ilícito do art. 273 do Código Penal, quando não caracterizada a internacionalidade, conforme demonstram as seguintes ementas:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. ART. 273, § 1.º-B, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. APREENSÃO DE MEDICAMENTO NÃO REGISTRADO NO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA COMPETENTE. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE INTERNACIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. 1. A conduta investigada nos presentes autos diz respeito à apreensão de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, que corresponde, em tese, ao crime tipificado no art. 273, § 1.º-B, inciso I, do Código Penal. 2. Segundo a orientação firmada neste Superior Tribunal de Justiça, não havendo indícios de internacionalidade do produto, como verificado na hipótese dos autos, compete à Justiça Comum Estadual o processamento e o julgamento do feito. Precedentes. 3. Tratando-se de crime cuja pena máxima abstratamente prevista é de 15 (quinze) anos de reclusão, não se enquadra no conceito de infração penal de menor potencial ofensivo a atrair a competência dos Juizados Especiais Criminais. 4. Conflito conhecido para declarar a competência da Justiça Comum Estadual. (CC 120.843/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/03/2012, DJe 27/03/2012)

Outro ponto a ser destacado diz respeito à competência para processar e julgar os casos envolvendo o tráfico de cloreto de etila, o popular lança-perfume.

De longa data, tem entendido o Tribunal Regional Federal da 4ª Região que é de competência dos juízes federais processar e julgar os feitos envolvendo o tráfico internacional de cloreto de etila, quando internalizado no Brasil através do Paraguai, sob o fundamento que referida substância é considerada entorpecente em ambos os países e que há tratado celebrado entre eles em matéria de repressão ao tráfico ilícito daquele.

EMENTA: PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. ARTIGO 12, CAPUT, E 18, I, DA LEI 6.368/76. CLORETO DE ETILA ("LANÇA-PERFUME"). COMPETÊNCIA. AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. TIPICIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. ARTIGO 40, I, DA LEI 11.343/06. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. READEQUAÇÃO DO MONTANTE DE AUMENTO. APLICAÇÃO DA MINORANTE INSCRITA NO ARTIGO 33, §4º, DESSE DIPLOMA LEGAL. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA CORPORAL. SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE. ADEQUAÇÃO DA PENA DE MULTA. 1. É da competência constitucional da Justiça Federal o processamento e julgamento de feitos envolvendo, em tese, tráfico internacional de cloreto de etila (popularmente conhecido como "lança-perfume") internalizado no Brasil através do Paraguai, uma vez que a referida substância é considerada entorpecente em ambos os países, malgrado seja permitida em seu local de fabricação, existindo, ainda, tratado celebrado entre os dois países em matéria de repressão ao tráfico ilícito de entorpecentes (Acordo sobre Prevenção, Controle, Fiscalização e Repressão ao Uso Indevido e ao Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas). Caso em que os elementos probatórios demonstram ter o entorpecente ingressado no país originado do Paraguai, como, inclusive, declarou o réu no auto de prisão em flagrante. 2. No tráfico ilícito de entorpecentes, a alegação do acusado de que desconhecia o conteúdo da sacola da qual detinha a posse por ocasião do flagrante não prevalece diante da mudança total de versão em juízo e das próprias circunstâncias dos fatos. Ademais, a divergência entre a nova versão e os depoimentos das testemunhas evidenciam que sabia tratar-se de substância ilícita, não tendo o réu, ainda, inadmitido que se tratava de mercadoria que lhe pertencia, restando comprovada a autoria e o dolo do acusado. 3. Tendo em vista tratar-se de substância tida não apenas como psicotrópico mas também insumo para fabricação de entorpecentes, por constar das listas B1 e D2 da Portaria SVS-MS 344/98, certo que tem o condão de provocar dependência física e/ou psíquica, como restou consignado no laudo pericial definitivo, bem assim considerando que a quantidade apreendida denota o claro intuito de mercancia, aliado às condições em que se desenvolveu o fato (às vésperas do carnaval), impõe-se a tipificação da conduta no tipo penal inserto no artigo 12, caput, c/c artigo 18, I, da Lei 6.368/76, não sendo cabível a desclassificação para o crime de contrabando, em face da especialidade da legislação extravagante. Precedentes do STJ. 4. Demonstrada a internacionalidade do tráfico, deve ser mantida a incidência da majorante prevista no artigo 18, inciso I, da Lei 6.368/76, fixada em seu patamar mínimo pelo julgador monocrático. No entanto, o percentual de aumento deve seguir a previsão do artigo 40 da nova lei (Lei nº 11.343/06), por ser mais benéfica ao réu, passando a incidir sobre a pena provisória à razão de 1/6 (um sexto). 5. Não havendo registro de antecedentes em desfavor do acusado e nem provas suficientes de que se dedique a atividades ilícitas e integre organização criminosa, deve incidir a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. Todavia, no caso dos autos, não em sua expressão máxima, levando-se em conta as circunstâncias do delito. 6. Reconhecida pelo Pretório Excelso a inconstitucionalidade do artigo 2º, §1º, da Lei 8.072/90, admite-se a progressão de regime para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, por representar o referido dispositivo afronta ao princípio constitucional de individualização da pena, mantido, porém o regime inicial fechado. 7. Conforme entendimento da Quarta Seção deste Tribunal, não há incompatibilidade entre o regime fechado e a substituição da pena nos delitos de tráfico praticados sob a égide da Lei nº 6.368/76. 8. Na imposição da multa, devem ser sopesadas todas as circunstâncias que determinaram a fixação da pena corporal - judiciais, legais, causas de aumento e diminuição (EINACR 2002.71.13.003146-0/RS, D.E. 05.06.2007), adequando-a ao novo patamar daquela. (TRF4, ACR 2004.70.02.001039-0, Sétima Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, D.E. 18/11/2009)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Por outro lado, nas hipóteses em que o cloreto de etila for ilicitamente internalizado no Brasil através da Argentina, entende aquela corte que a competência será da Justiça Estadual, porque, naquele país, a venda da substância é liberada.

EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. LANÇA-PERFUME DE FABRICAÇÃO ARGENTINA. LEI Nº 6.368/76, ART. 12, CAPUT. INTERNACIONALIDADE NÃO DEMONSTRADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Não basta, ao reconhecimento da competência da Justiça Federal para processar e julgar ação penal em que se apura o crime de tráfico ilícito de entorpecente, que a denúncia descreva a origem forânea da substância tóxica. Necessário, para a prevalência da vis attractiva, que a procedência internacional do material estupefaciente seja efetivamente comprovada no curso da instrução criminal. Precedentes. 2. Não configura tráfico internacional, consoante firme e reiterado entendimento pretoriano, a importação de lança-perfume, proscrito no Brasil, se sua comercialização é admitida no país em que adquirido. 3. A apreensão de cloreto de etila em solo pátrio na região da tríplice fronteira não justifica, por si só, a competência do Judiciário Federal para o processo-crime, pois tanto ou mais plausível quanto à proveniência paraguaia da substância é a suposição de que tenha sido ela internalizada no Brasil a partir da Argentina, onde sua venda é liberada. 3. Nulidade da ação penal que se reconhece ab initio, com a remessa dos autos à Justiça Estadual. (TRF4, ACR 2004.70.02.005937-8, Oitava Turma, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 18/07/2007)

EMENTA: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CLORETO DE ETILA. LANÇA-PERFUME. TRÁFICO INTERNO DE ENTORPECENTES. LEI Nº 6.368/76. COMPETÊNCIA. CRIME COMETIDO A BORDO DE AERONAVE. ART. 109, IX, DA CF. INEXISTÊNCIA. DECLINAÇÃO PARA O JUÍZO ESTADUAL. 1. Entendimento assente nesta Corte e no Superior Tribunal de Justiça de que o fato de a comercialização de substância entorpecente (cloreto de etila) em outro país (in casu, na Argentina) ser livre, impede a configuração da internacionalidade da conduta quando o tóxico é introduzido no Brasil. 2. A análise da questão relativa à competência da Justiça Federal, nos termos do que dispõe o art. 109, inc. IX, da CF, deve ser feita com certa cautela, na medida em que se deve estabelecer uma distinção entre crime cometido a bordo de aeronave, para os casos em que o avião é utilizado como mero instrumento para a prática do delito. 3. Na hipótese, cuidando-se de tráfico interno e pelo fato do crime não ter sido cometido a bordo de aeronave, na medida em que serviu apenas como meio de transporte da substância entorpecente, revela-se a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito. 4. Declinação da competência para o juízo estadual, com a concessão da ordem para soltura do Paciente, preso por decisão de autoridade incompetente. (TRF4, HC 2006.04.00.001088-3, Sétima Turma, Relator Tadaaqui Hirose, DJ 12/04/2006)

A importação irregular de cloreto de etila, seja a partir do Paraguai, seja a partir da Argentina, nada mais é do que uma modalidade especial de contrabando, a exemplo da importação irregular de medicamentos.

Note-se que o crime do art. 273 do Código Penal não incrimina apenas condutas relativas a medicamentos falsificados, aplicando-se, inclusive, nos casos de fármacos cuja comercialização se dá de forma regular em território estrangeiro.

Outro argumento utilizado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região para afastar a competência dos juízes federais, nos casos envolvendo o tráfico ilícito de cloreto de etila, ocorrido a partir da Argentina, é a inexistência de acordo entre aquele país e a República Federativa do Brasil. Vejamos: 

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL. SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. LANÇA-PERFUME. CLORETO DE ETILA. ART. 12 DA LEI Nº 6.368/76. COMPETÊNCIA. ARTIGO 109, V, DA CF. TRATADOS OU CONVENÇÕES. PREVISÃO. INEXISTÊNCIA. TRÁFICO INTERNO. REMESSA À JUSTIÇA ESTADUAL. 1. O ingresso de frascos de lança-perfume no território nacional configura, em tese, infração ao disposto no caput do art. 12 da Lei de Tóxicos. 2. Inobstante isso, não é suficiente para atrair a competência da Justiça Federal apenas a tipificação da conduta no Direito interno. É imprescindível, nos termos prescritos pelo art. 109, V, da Constituição da República, a existência de atos normativos (acordo, convenção, etc.) estabelecidos entre os países signatários, de modo a qualificar o psicotrópico também para a repressão da traficância internacional. 3. Não há vínculo desta natureza firmado entre o Brasil e a Argentina (onde, inclusive, o produto é de livre comercialização: afastando, por conseqüência, a Jurisdição Federal. Precedentes do STJ. 4. Hipótese representativa de tráfico interno, impondo-se a remessa dos autos à Justiça Estadual. (TRF4, QUOACR 2003.70.02.000308-3, Oitava Turma, Relator Élcio Pinheiro de Castro, DJ 09/10/2003)

Do mesmo modo que não se comprometeu a reprimir o tráfico de cloreto de etila, quando ocorrido a partir da Argentina, não assumiu a República Federativa do Brasil a responsabilidade de reprimir o contrabando de medicamentos.

Com efeito, inexistem, apenas com fundamento na internacionalidade da conduta, razões para que os feitos relativos ao ilícito do art. 273 do Código Penal sejam processados e julgados por juízes federais.

Ao que parece, me corrija se estiver errado, que a máxima expressa no brocardo ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio tem sido ignorada, em detrimento da segurança jurídica e do princípio do juiz natural, pois, e é aqui onde quero chegar, ou as condutas incriminadas no art. 273 do Código Penal, ex vi do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal, são de competência dos juízes federais, por se tratarem de modalidades especiais do crime de contrabando, ou são de competência dos juízes estaduais, dada inexistência de tratado ou convenção internacional firmados pela República Federativa do Brasil, fato que obsta o preenchimento de uma das condições exigidas pelo inciso V do art. 109 da Carta da República.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Nilson Godoi

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá – PR; Analista Judiciário; Oficial de Gabinete do Juízo Substituto da 1ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Foz do Iguaçu/PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOI, Nilson. Competência para processar e julgar os delitos do art. 273 do Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3358, 10 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22576. Acesso em: 25 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos