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O novo sistema brasileiro de defesa da concorrência e a proteção ao meio ambiente pela via do jus-humanismo normativo

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A dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros são conseqüências indesejadas do próprio abuso do poder econômico, alcançado, por vezes, a partir de uma conduta de desrespeito ao meio ambiente.

Resumo: O papel normativo e regulador do Estado na atividade econômica, estabelecido expressamente pela Constituição Federal do Brasil de 1988, impõe a atuação contundente no sentido de reprimir o abuso do poder econômico em todas as suas diversas formas, sem se olvidar que a repressão e a prevenção às infrações contra a ordem econômica devem ser orientadas por todos os princípios que estruturam a própria ordem econômica, e não apenas pelos expressamente mencionados na Lei Federal nº 11.529, de 30 de novembro de 2011, que estabelece o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Desta feita, exige-se a defesa do meio ambiente através da própria repressão e prevenção às infrações contra a ordem econômica, o que se permite compatibilizar através da aplicação das lições do jus-humanismo normativo na defesa do homem e de todos os homens.

Palavras-chave: DEFESA DA CONCORRÊNCIA; MEIO AMBIENTE; JUS-HUMANISMO NORMATIVO.


INTRODUÇÃO

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD), também conhecida como Rio+20, ocorreu no Brasil de 20 a 22 de junho de 2012, conforme a Resolução 64/236 da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Esta conferência marcou o 20º aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UCED), realizada no Rio de Janeiro em 1992, bem assim os 40 anos da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, que deu início à série de declarações internacionais sobre o tema.

A ONU disponibilizou em 10 de janeiro de 2012 o documento de referência para a Rio+20, denominado “O Futuro que Queremos”[1], no qual expressamente ressalta a determinação em libertar toda a humanidade da fome por meio da erradicação da pobreza, na busca de uma sociedade justa, igualitária e inclusiva, fazendo referência, também, à necessidade de se obter uma estabilidade econômica e crescimento para todos.

Em adição, o documento em epígrafe da ONU faz expressa menção de que as ações dos Estados-membros devem preencher os espaços necessários para uma maior integração entre os três pilares de desenvolvimento sustentável – o econômico, o social e o ambiental.

No ambiente nacional, em 30 de novembro de 2011, foi publicada a Lei Federal nº 12.529, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispondo sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, revogando, quase em sua totalidade, a Lei Federal nº 8.884/1994.

As disposições legais da Lei 12.529/2011 deverão conformar o ambiente econômico nacional a partir de sua entrada em vigor, prevista para 180 dias após a data da publicação, de forma que neste cenário de crescente preocupação com a escassez dos recursos naturais e aumento exponencial da poluição no planeta, o que trouxe todas as atenções em âmbito global para a Conferência Rio+20, o legislador pátrio perdeu uma grande oportunidade para inserir na nova lei em comento alguns dispositivos que pudessem conferir uma indispensável visão integrada e interdependente dos três pilares do desenvolvimento sustentável, conjugando o aspecto econômico com o social e o ambiental.

No artigo 1º da lei em comento, dentre diversos princípios, sequer o princípio da defesa do meio ambiente foi veiculado como vetor de orientação quando da apreciação dos casos de supostas infrações à ordem econômica, o que seria oportuno para reforçar esta compreensão integrada e interdependente dos aspectos econômico, social e ambiental.

De qualquer forma, tratando-se de direito humano de terceira dimensão, com vistas à proteção de toda a coletividade da geração presente e das futuras, na amplitude imprescindível para se evitar conflitos de gerações pelo uso dos recursos naturais limitados, com ampla proteção jurídica na perspectiva internacional e, bem assim, Constitucional brasileira, a defesa do meio ambiente se faz indispensável também pela via da repressão e prevenção às infrações contra a ordem econômica, compatibilizando o direito à livre iniciativa com a defesa do meio ambiente pela aplicação das lições estruturantes do jus-humanismo normativo.


1.    O PAPEL NORMATIVO E REGULADOR DO ESTADO NA ATIVIDADE ECONÔMICA NA PERSPECTIVA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL DE 1988

Na perspectiva do liberalismo clássico, o fato econômico não ganhava relevância na estruturação normativa, vez que a desejada liberdade absoluta dos agentes econômicos impingiaa supressão de qualquer norma que pudesse se apresentar como óbice à livre exploração dos recursos naturais e humanos.

A partir da carta constitucional brasileira de 1934, de forma inovadora e inspirada principalmente nascélebres Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919, veiculou-se na ordem constitucional pátria um título autônomo, denominado “Da Ordem Econômica e Social”, fruto inquestionável da crescente importância dos direitos sociais na proteção dos interesses da coletividade. Começava-se a estruturar a ordem econômica assentada em seus elementos fundamentais, notadamente os ideários da existência digna e da justiça social.

No aspecto histórico-social, de âmbito global, pode-se afirmar que o início deu-se com a Constituição Americana de 1776e com a Revolução Francesa em 1789. Sobre a Declaração de Independência e Constituição Americana de 1776, asseverou Comparato(2010) que, em verdade, este ato histórico representou o elemento inaugural da democracia moderna, com a limitação dos poderes governamentais e busca pelo respeito aos direitos humanos, sob um regime ordenado constitucional. É evidente que a Constituição Federal brasileira de 1988 é fruto desta evolução, iniciada, quanto ao aspecto constitucional formal, pela carta constitucional brasileira de 1934.

A ordem econômica passaria a estar assentada no poder econômico privado e seus limites de atuação impostos pela própria ordem constitucional, vez que o Estado intervencionista na atividade econômica perdeu força no decorrer do século XX, o que pode ser verificado pela própria redação do artigo 173 da Constituição Federal de 1988, que indica, exclusivamente, os imperativos da segurança nacional e o relevante interesse coletivo como hipóteses autorizadoras da exploração direta de atividade econômica pelo Estado.

Não se poderia olvidar, entretanto, que é fato indubitável a limitação ao exercício pleno e absoluto do direito de propriedadedesde a carta constitucional brasileira de 1934, quando em seu artigo 113, no item 17, já se assentava:

“Art. 113. ...

17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.”[2]

A derivação moderna desta limitação ao direito de propriedade é a chamada função social da propriedade, veiculada – ainda que de formas mais sucintas e com outras nomenclaturas - em todas as Constituições brasileiras desde a de 1934, à exceção, por razões óbvias, da de 1937.

Como é cediço, o Código Civil Brasileiro de 2002 prestigiou sensivelmente esta perspectiva social da propriedade, trazendo expressamente em seu artigo 1.228, §1º, a relevância de sua função social, na esteira do inciso XXIII da Constituição Federal de 1988.

Portanto, em que pese o modelo constitucional brasileiro, que direcionaser excepcional a participação do Estado na exploração direta da atividade econômicadatar de 1988, é do início do século passado a pretensão de se incutir no ordenamento jurídico a reflexão de que o direito absoluto de propriedade deve ser conformado pelos objetivos sociais derivados de uma visão humanista na defesa da coletividade.Afastou-se de umindividualismo hedonista marcante na visão liberal clássica, conforme asseverado por Bonavides (2009, p. 62) há décadas, quando ministrava:

“O liberalismo de nossos dias, enquanto liberalismo realmente democrático, já não poderá ser, como vimos, o tradicional liberalismo da Revolução Francesa, mas este acrescido de todos os elementos de reforma e humanismo com que se enriquecem as conquistas doutrinárias da liberdade.

Recompô-lo em nossos dias, temperá-lo com os ingredientes da socialização moderada, é fazê-lo não apenas jurídico, na forma, mas econômico e social, para que seja efetivamente um liberalismo que contenha a identidade do Direito com a Justiça.”

Nesta esteira, abria-se a ampla possibilidade de fortalecimento dos instrumentos jurídicos hábeis a regular e fiscalizar o desenvolvimento da atividade econômica, para a concretização das diretrizes constitucionais que apontavam para a valorização de bens jurídicos mais relevantes a partir de uma ponderação que já não poderia ser realizada alheia aos princípios da justiça social e da existência digna do homem, ainda que este papel do Estado (normativo e regulador), exigisse a relativização do direito de propriedade pela prevalência de sua função social.

Fortalecia-se, pois, a diretriz imposta constitucionalmente ao Estado quanto a sua responsabilidade de prevenir e repreender as infrações contra a ordem econômica, como agente normativo e regulador da atividade econômica, nos termos do artigo 174 da Constituição Federal de 1988. A preponderância deste papel do Estado passaria a exigir uma proteção integral do homem face aos abusos do poder econômico, colocando o ser humano no centro difuso do sistema normativo.


2.    O NOVO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA E OS PRINCÍPIOS QUE ESTRUTURAM A ORDEM ECONÔMICA

A Lei Federal nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, revogou quase a totalidade dos dispositivos da lei anterior que regia a matéria (Lei Federal nº 8.884/1994), de sorte que se estabeleceu a estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência– SBDC,pela atuação coordenada do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE e da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. Vale dizer que a lei em análise entra em vigor em 28 de maio de 2012, praticamente um mês antes da Conferência Rio+20.

A conjugação dos aspectos atinentes à repressão e prevenção ao abuso do poder econômico com os relativos à defesa do meio ambiente não poderia ser questão mais pertinente neste cenário de inovação legislativa e realização de tão importante Conferência da ONU no Brasil.O artigo 1º da Lei 12.529/2011 estabelece:

“Art. 1º. Esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.”[3]

É inevitável o cotejo desta previsão legislativa com o célebre artigo 170 da Constituição Federal de 1988, que estabelece como princípios da ordem econômica: (i) soberania nacional; (ii) propriedade privada; (iii) função social da propriedade; (iv) livre concorrência; (v) defesa do consumidor; (vi)defesa do meio ambiente; (vii) redução das desigualdades regionais e sociais; (viii) busca do pleno emprego; e (ix) tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte. Neste ponto, cumpre realizar o destaque, desde já, de que o princípio da defesa do meio ambiente na estruturação da ordem econômica faz expressa referência, pela redação conferida pela Emenda Constitucional nº 42/2003, “ao tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.” (inciso VI do art. 170 da Constituição Federal de 1988)[4].

Verifica-se que no texto da Lei 12.529/2011 não há referência à defesa do meio ambiente, à redução das desigualdades sociais, à busca do pleno emprego e ao tratamento favorecido das empresas de pequeno porte. Portanto, desde já se ofertauma análise crítica da nova lei do SBDC neste tocante, ao não restarem dúvidas de que o legislador pátrio perdeu uma grande oportunidade para inserir no texto da lei em epígrafe a referência expressa a todos os princípios da Ordem Econômica elencados nos incisos do artigo 170 da Constituição Federal de 1988, tudo para fortalecer o entendimento de que a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica orientam-se, também, pela proteção ao meio ambiente, busca do pleno emprego, redução das desigualdades e tratamento favorecido à pequena empresa.

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A interpretação dos atos dos agentes econômicos sob a ótica das infrações à ordem econômica previstas no artigo 36 da Lei 12.529/2011 deverá ser realizada a partir da concretização de todos os princípios da ordem econômica, ainda que não listados no artigo 1º desta lei em comento.O parágrafo 4º, do artigo 173, da Constituição Federal de 1988 direciona expressamente que a “lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.” A redação conferida a este parágrafo do artigo 173, inserido na topografia do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), no Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica), demonstra claramente a intenção do legislador de se vincular a repressão ao abuso do poder econômico como papel do Estado na perspectiva da redação do caput do mesmo dispositivo, que limita a intervenção do Estado na exploração direta da atividade econômica, mas imediatamente antes da redação do caput do artigo 174, que prevê o Estado como agente normativo e regulador da própria atividade econômica. Este último citado papel – regulador – exige a atuação direta do Estado na efetivação de todos os princípios da ordem econômica.

Em verdade, a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros são consequências nefastas e indesejadas do próprio abuso do poder econômico que, por vezes, são alcançadas justamente a partir de (i) conduta de desrespeito direto e frontal ao meio ambiente, (ii) atos que acarretam o desemprego, e(iii) concorrência predatória contra as pequenas empresas.Tudo isso, em conjunto, agrava as desigualdades regionais e sociais. O inverso, outrossim, também é verdadeiro, de sorte que a repressão e prevenção às infrações contra a ordem econômica podem proteger o meio ambiente, os empregos e as pequenas empresas, militando pela redução das desigualdades.

Ao se referir à ordem jurídico-político-econômica, Souza (2005, p. 185) fez questão de indicar a importância finalística da qualidade de vida das pessoas na apreciação da estrutura normativa da ordem econômica:

“Enquanto conjunto de instrumentos legais infraconstitucionais, a ordem jurídico-político-econômica exprime a política econômica posta em prática.Essas medidas legais, portanto, abrangem toda a vida econômico-jurídica do país. Vão desde a atividade produtiva, envolvendo cada fator da produção ou cada produto, passando pelo sistema de circulação e de repartição da riqueza, para chegar ao consumo. Não se cometem os erros geralmente praticados pela visão parcial do problema econômico. Ao contrário, tomando por exemplo princípios da “justiça social”, enunciados na ideologia, e que a política econômica deverá cumprir, garante-se a posição do indivíduo como consumidor, como usuário da qualidade de vida, que é justificativa aceitável para todo o esforço desenvolvido na sociedade.”

A visão unitária e estruturante da ordem econômica impõe a consideração de todos os princípios da própria ordem na prevenção e repressão às infrações previstas em lei, do que se poderia mesmo concluir que a falta da defesa do meio ambiente, da redução das desigualdades sociais, da busca do pleno emprego e do tratamento favorecido das empresas de pequeno porte no bojo do processo de apreciação das eventuais infrações à ordem econômica, em verdade, acaba por desnaturar o próprio papel, constitucionalmente imposto, do SBDC e, por conseguinte, do CADE.

O princípio de hermenêutica constitucional da unidade da carta política impõe que na ponderação de valores e bens jurídicos tutelados, todas as diretrizes constitucionais sejam consideradas, em processo de adensamento de princípios, sem se prestigiar um único aspecto em detrimento dos demais. Não se poderia olvidar, precisamente aqui, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociaisdo trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado Democrático de Direito, estabelecidos, de forma precípua e não exclusiva, no artigo 1º, da Constituição Federal de 1988.

Igualmente, torna-se determinante nesta apreciação relembrar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil previstos no artigo 3º, da Constituição Federal de 1988, sopesando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a garantia do desenvolvimento nacional, sem se esquecer da erradicação da pobreza, da marginalização e da redução das desigualdades sociais e regionais, a fim de promover o bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Logo, o exercício do dever constitucional de regular e fiscalizar a atividade econômica, reprimindo o abuso do poder econômico que objetive dominar mercado, eliminar a concorrência ou aumentar arbitrariamente os lucros, carece do amplo prestígio de todos os princípios da própria ordem econômica, inscritos ou não no artigo 1º da Lei 12.529/2011.

Não se afigura ato de grande complexidade imaginar a prática de diversas infrações à ordem econômica, dentre aquelas previstas expressamente no artigo 36 da citada lei, que se apresentem facilitadas ou mesmo exclusivamente possíveis através da exploração descontrolada do meio ambiente ou atitudes desarrazoadas face aos recursos naturais disponíveis para a exploração econômica.

Destaque-se, em especial, a conduta de “impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição.” (inciso V do §3º do art. 36 da Lei 12.529/2011).[5]

Não por outro motivo queSilva (2003, p. 55) indica ponto relevante, ao afirmar:

“Vale lembrar que os Estados sócios-liberais, como o nosso, conquanto reconheçam e assegurem a propriedade privada e a livre empresa, condicionam o uso dessa mesma propriedade e o exercício das atividades econômicas voltadas ao bem-estar social. Portanto, há limites para o uso e gozo dos bens e riquezas particulares e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade privada e na ordem econômica, através de atos de império tendentes a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa privada.”

Conclui-se, por inolvidável, que outra conclusão não se pode extrair senão aquela que venha a militar pelo papel do Estado para combater o exercício abusivo – ex vi contra os interesses da coletividade - de direitos individuais, bem assim o abuso do poder econômico e a falta de solidariedade social, a desigualdade de oportunidades e a debilidade de setores econômicos específicos. (POOP; ABDALLA, 1997).

Tratando precisa e diretamente do conflito dialético entre o capital e o trabalho na vida econômica, o que se apresenta como perspectiva relevante para o tema ora versado, Nazar (2007) aduz com maestria:

“Equivocam-se redondamente aqueles que imaginam, por exemplo, que a adoção do selo social, conforme preconizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), representa um retrocesso nas relações entre o capital e o trabalho. Não é verdadeira a relação entre a proteção dos direitos sociais e o aumento de custo dos bens produzidos pela indústria ou pelos serviços. Pelo contrário, o crescimento social do trabalhador impõe a existência de um consumidor que participará da apuração do produto final trazido ao mercado, dentro de um sistema sadio de competição. De nada adiantará a opressão do capital sobre o trabalho, com intuito exploratório de criação de um mercado e trabalho baratíssimo, que levará as indústrias a competir na feroz guerra de concorrência qualitativa, quantitativa e mercadológica existente no mercado. Quem produz, produz para oferecer a outrem, e não para estocar o produto de sua produção.”

Oaparente conflito insuperável acima veiculado, entre o capital e o trabalho, é muito semelhante àquele entre o exercício do direito de propriedade e a proteção integral ao meio ambiente, para cuja análise em muito auxiliar o entendimento de Grau (2008, p. 54) quando expõe a importância relativizada da propriedade privada na estruturação da ordem capitalista, ao afirmar que os trabalhadores somente podem obter o seu sustento mediante o intercâmbio existente entre “o preço de sua força de trabalho e o conjunto dos bens socialmente produzidos – isto é, trocando o preço de sua força de trabalho pela parcela correspondente, em seu valor, de tais bens”.E, em complemento, aduz Grau (2008, p. 55):

“A propriedade privada dos bens de produção é, destarte, conseqüência disso. Não fosse assim – e a essência do capitalismo estivesse, toda ela, contida na consagração da propriedade privada dos bens de produção – bastaria a sua extinção para que se instalasse o socialismo. Não é o que ocorre, todavia. Não é estranho ao chamado mundo socialista, bem o sabemos, que o trabalhador permaneça, nele, sendo explorado pelo Estado – ou seja, pela burocracia socialista.”

Logo, considerando não ser a propriedade privada o único elemento essencial da ordem capitalista, mas sim um dos elementos, com especial destaque para as relações de troca entre os agentes econômicos e sociais envolvidos na vida econômica, e sendo a coletividade a titular dos bens jurídicos protegidos pela lei que estrutura o SBDC (parágrafo único do artigo 1º da Lei 12.529/2011)[6], a conclusão que emerge naturalmente é de que a defesa do meio ambiente deve conformar a interpretação dos atos dos agentes econômicos quando apreciados pelas entidades que compõem o SBDC no exercício de suas funções judicantes, não apenas por força do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, mas, em especial, por ser a defesa do meio ambiente princípio da ordem econômica.

Como na relação de troca entre o capital e o trabalho a propriedade privada é relativizada, inclusive perdendo relativa importância como um dos elementos estruturantes do sistema capitalista, também assim deve ser na relação de troca entre o capital e os recursos naturais. O já mencionado §1º do artigo 1.228 do Código Civil expressamente faz a conjugação, harmônica, entre o direito de propriedade e a preservação da flora, fauna, belezas naturais e equilíbrio ecológico[7].

Da mesma forma que não favorece ao capital um trabalhador que não consiga se inserir no mercado consumidor de forma adequada – que possa consumir, evidentemente, pelas mesmas razões, ao capital não é vantajoso um meio ambiente degradado e com escassez absoluta de recursos naturais. Trata-se de questão de sobrevivência do próprio sistema capitalista, sem se descurar de ser questão de sobrevivência da presente geração e das futuras.

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Sobre os autores
Thiago de Carvalho e Silva

Advogado e administrador de empresas. Mestrando no Programa de Estudos Pós-Graduados da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), vinculado ao Núcleo de Pesquisa em Direito Econômico. Especialista em Planejamento Societário e Tributação pela Fundação Getúlio Vargas – FGVLaw. Integrante do Grupo de Estudo “Capitalismo Humanista” da PUC-SP, registrado perante o CNPq. Coordenador de Administração e Finanças da Associação de Pós-Graduandos em Direito da PUC-SP (APGDireito/PUC-SP). Representante discente dos Pós-Graduandos no Conselho da Faculdade de Direito da PUC-SP.

Juliana Ferreira Antunes Duarte

Doutoranda em Direito pela PUC-SP. Graduada em Direito pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (2004). Mestre em Direito: Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Integrante do Grupo de Pesquisa da PUC-SP: Capitalismo Humanista. Professora e advogada, com ênfase em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho, Consumidor, Econômico e Processo Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Thiago Carvalho ; DUARTE, Juliana Ferreira Antunes. O novo sistema brasileiro de defesa da concorrência e a proteção ao meio ambiente pela via do jus-humanismo normativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3368, 20 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22650. Acesso em: 24 abr. 2024.

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