Resumo: O presente trabalho elaborado com embasamento em obras de doutrinadores do Direito Brasileiro, principalmente no âmbito de Direito do Constitucional, Administrativo e Empresarial, tem por objetivo apresentar o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado e questionar se há legalidade na prática constante de destinação de estacionamento exclusivo aos clientes de estabelecimentos empresariais, nas calçadas das vias públicas. A determinação deste tema justificou-se em face da verificação da crescente prática dos estabelecimentos empresariais em destinar as calçadas públicas a estacionamentos exclusivos de seus clientes. Este assunto é de grande importância em virtude do trânsito não receber a atenção que merece, causando assim um numeroso índice de conflitos. A atitude destes estabelecimentos empresariais tem causado um enorme transtorno nas vias públicas, deixando o usuário comum da via sem local para parar seu veículo, privilegiando os clientes destes estabelecimentos que se apoderam de um local de domínio público para se beneficiarem. A Administração Pública abstém de cumprir o seu papel que é de cuidar dos direitos e bens públicos transferindo para o particular o controle de um local público, ou seja, um bem que é público está sendo gerido por um particular e, o que é pior, de acordo com seus interesses pessoais.
Palavras-Chave: Interesse Público, Interesse Coletivo, Princípio da Isonomia, Estacionamento e Calçadas.
Sumário: 1 Introdução. 2 Análise da prática comum de estacionamento exclusivo, destinado a clientes de estabelecimentos empresariais, nas calçadas das vias públicas. 2.1 Conceitos basilares para a compreensão do tema. 2.2 Realidade nos municípios brasileiros. 3 Aspectos legais alusivos a prática de estacionamento exclusivo, destinado a clientes de estabelecimentos empresariais, nas calçadas das vias públicas. 4 Análise do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. 5 O interesse privado está preponderando em relação ao interesse público? 6 Conclusão. Referências.
1. Introdução
Com a globalização e com o desenvolvimento do capitalismo o ser humano se vê cada dia mais dependente da tecnologia, das evoluções industriais e dos transportes, sobretudo dos transportes privados.
O crescente aumento de veículos no país, cumulado com a falta de estrutura do tráfego de veículos, vem causando diversos problemas no trânsito, seja ele de grandes cidades ou de cidades pequenas.
Em decorrência deste cenário vários estabelecimentos empresariais destinam as calçadas públicas, em frente a seus imóveis, com a finalidade de oferecer estacionamentos exclusivos aos seus clientes, retirando o controle de um local público, passando para o controle de um particular um bem (via pública) que é público sendo gerido por um particular e de acordo com seus interesses pessoais.
Este fato priva o particular de parar seu veículo na via pública forçando-o a arcar com despesas de um estacionamento privado, em locais que, notoriamente, deveriam ser destinados à população em geral, podendo até levar este cidadão a se colocar em situação de irregularidade, no que tange às normas de trânsito e até mesmo à legislação penal, pois o trânsito, e, principalmente, o estresse dos usuários do trânsito, têm sido um grande causador de conflitos entre as pessoas.
A atitude destes estabelecimentos empresariais tem causado um enorme transtorno nas vias públicas, deixando o usuário comum da via sem local para parar seu veículo, privilegiando os clientes destes estabelecimentos que se apoderam de um local de domínio público para se beneficiarem.
Assim, inicialmente apresentar-se-á conceitos basilares para compreensão deste trabalho, sendo: estacionamento, exclusividade, clientes, estabelecimentos empresariais, calçadas e via pública. Mais adiante abordar-se-á os aspectos legais alusivos à prática irregular de se disponibilizar estacionamento exclusivo para clientes, nas calçadas públicas, apresentando dispositivos legais sobre o tema. Antes de entrar na problemática do estudo far-se-á uma breve análise do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado, mencionando algumas jurisprudências.
Por fim, questionar-se-á quanto a legalidade na prática constante de destinação de estacionamento exclusivo aos clientes de estabelecimentos empresariais, nas calçadas das vias públicas e, mais ainda, buscar-se-á saber se o interesse privado está preponderando em relação ao interesse público.
Nesse trabalho, optou-se pela pesquisa bibliográfica, documental (jurisprudências) e de campo, tendo como técnica empregada o estudo dogmático jurídico e analítico sintético, através do método dedutivo.
2. Análise da prática comum de estacionamento exclusivo, destinado a clientes de estabelecimentos empresariais, nas calçadas das vias públicas
2.1 Conceitos basilares para a compreensão do trabalho
Antes de adentrar ao tema é necessário trazer alguns conceitos para a melhor compreensão do trabalho. Primeiramente entender-se-á o conceito de estacionamento, em seguida o de exclusividade e, mais a frente, o de estabelecimento empresarial e, por fim, o que vem a serem calçadas e vias públicas.
Estacionamento, de acordo com o Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97), é a imobilização de veículos por tempo superior ao necessário para embarque ou desembarque de passageiros.
Conforme o dicionário Aurélio (2001), exclusivo é o que exclui, que cabe por privilégio ou prerrogativa; privativo, restrito, especial, já a exclusividade é qualidade do que é exclusivo; posse, uso, direito que não admite participação de outrem.
Clientes são as pessoas que negociam com um empresário, que recorre a um homem de negócios, a um banco, a um advogado, a um médico ou a estabelecimentos empresariais.
O art. 1.142 do Código Civil de 2002 define estabelecimento: "Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária". Assim, conforme os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho (2009), estabelecimento é o conjunto de bens indispensáveis que o empresário reúne para a exploração de sua atividade econômica, tais como mercadorias em estoque, máquinas, veículos, tecnologia, marcas e outros sinais distintivos, prédios etc. Pode-se definir também como: O conjunto de bens corpóreos e incorpóreos organizados pelo empresário para a exploração da atividade econômica (empresa).
Estabelecimento empresarial trata-se da articulação e circulação dos fatores de produção capital, mão de obra, insumo, tecnologia e produtos. Sob o ponto de vista econômico a empresa é considerada como uma combinação de fatores produtivos, elementos pessoais e reais, voltados para um resultado econômico, tomando ímpeto na ação organizadora do empresário. É a organização econômica destinada a produção ou venda de mercadorias ou serviços, tendo em geral como objetivo o lucro.
Neste mesmo sentido, Fábio Ulhoa Coelho aduz que:
O complexo de bens reunidos pelo empresário para o desenvolvimento de sua atividade econômica é o estabelecimento empresarial. O empresário deverá […] além de possuir ou alugar um imóvel para o exercício do comércio, denominado ponto. A sociedade empresária poderá possuir mais de um estabelecimento, sendo que o mais importante será a sede e o outro ou outros serão as filiais ou sucursais. (COELHO, 2009, p. 55).
De acordo com o Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97), calçadas é a parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins. E por fim, via pública consiste na superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro.
2.2 Realidade nos municípios brasileiros
Devido ao excessivo aumento da aquisição e circulação de veículos, a via pública está ficando sobrecarregada, assim, os proprietários de estabelecimentos empresariais têm buscado formas de amenizar e solucionar seus problemas, uma delas é que estes estabelecimentos recuam a fachada de seu prédio, aumentando a calçada, rebaixam o meio fio, abrindo-se um espaço para o estacionamento de veículos (em ângulos de 90º, em relação à via pública), destinando toda sua calçada para o estacionamento de seus clientes, privando a pessoa comum, da sociedade, de estacionar na via pública, pois, onde há o rebaixamento de meio fio, destinado à entrada e saída de veículos é proibido parar e estacionar. Assim, mesmo as calçadas sendo públicas, o controle de quem poderia estacionar no local caberia ao dono do imóvel à sua frente, o que vem acarretando vários transtornos no trânsito nos municípios brasileiros.
Sendo assim, aos usuários do trânsito cabem duas alternativas, sendo elas: não sair com seu veículo de casa (ficando impedido do direito de ir e vir) ou estacionar em frente ou nos locais destinados ao estacionamento exclusivo de clientes (ficando sujeito a remoção do seu veículo pelo serviço de guincho e notificação pela infração de trânsito).
Em vários municípios brasileiros tais estabelecimentos insistem em continuar tal prática egoísta visando atender à sua necessidade e deixando o cidadão desamparado, porém é neste contexto que a administração municipal deverá tutelar o interesse coletivo.
Os municípios brasileiros não tratam do tema em nenhuma de suas principais normas legais, sendo elas: Lei Orgânica, Código de Posturas e Plano Diretor. Assim, a despeito e apesar dos Congressistas não abordarem o tema, em âmbito nacional, entende-se que quem deveria cuidar deste assunto e impedir que esta prática acontecesse seria o Município, porém esta não é a realidade, pois não há, nos municípios brasileiros, nenhuma norma legal que abarca o tema objeto deste trabalho.
3 Aspectos legais alusivos a prática de estacionamento exclusivo, destinado a clientes de estabelecimentos empresariais, nas calçadas das vias públicas
No que diz respeito ao tema deste trabalho deve-se estudar os aspectos legais que norteiam este tema, começando pela Carta Magna, seguindo pelo Código de Trânsito Brasileiro e Estatuto das Cidades.
Em relação ao trânsito brasileiro, a Constituição Federal, em seu art. 22, inciso XI, diz que: “compete privativamente à União legislar sobre: XI - trânsito e transporte;”; desta previsão constitucional extrai-se o seguinte entendimento: cabe, exclusivamente, à União legislar sobre o Trânsito no âmbito do território nacional, dessa forma, ficam excluídos os Estados e Municípios, de tratar da matéria em leis específicas.
Porém, esta mesma Carta, em seu art. 182, diz que cabe aos Municípios a coordenação e o planejamento do trânsito urbano, através de seu Plano Diretor, ou seja:
Art. 182 – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
No tocante ao Direito de Propriedade, direito fundamental, o art. 5º, caput e XXII/CF, prevê que:
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII - é garantido o direito de propriedade; (Art. 5º, caput e XXII/CF).
Logo, todos têm direito a vir a ter uma propriedade, porém este direito não é absoluto, sendo que toda propriedade deve atender a sua função social (art. 5º, XXIII/CF), ou seja, esta deverá ser socialmente correta, onde seu proprietário poderá usufruir de seu imóvel desde que isto não impeça o bem estar de todos, tampouco esteja em confronto com o interesse público.
A lei que regula o trânsito, em âmbito nacional, é o Código de Trânsito Brasileiro, lei 9.503/97, neste texto o legislador não contemplou de forma específica o modo de utilização das calçadas, estabelecendo apenas que:
Art. 68 – É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais para circulação, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte da calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de pedestres.
Assim, por meio destas normas gerais, abstrai-se a conclusão de que as calçadas não poderão ser utilizadas para algo que prejudique o fluxo de pedestres e, ampliando um pouco este entendimento, prejudique o trânsito em si.
Neste mesmo diploma legal, o art. 24, mais precisamente nos incisos II e VII, prescreve que:
Art. 24 – Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: II - planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas; VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar.
Desta forma, não há, na legislação de trânsito, qualquer regulamentação a nível federal que discipline a largura dos passeios e calçadas, até mesmo porque trata-se de assunto de interesse local, onde leva-se em consideração a largura da via, fluxo de veículos, fluxo de pedestres, velocidade permitida para a via etc., cabendo a cada Município através de seu plano diretor disciplinar o assunto.
Necessário ainda salientar que a calçada, não deverá ser destinada para fins de estacionamento, mas somente para entrada e saída de veículos, nos termos do art. 29, inciso V do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 29 – O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas: V - o trânsito de veículos sobre passeios, calçadas e nos acostamentos, só poderá ocorrer para que se adentre ou se saia dos imóveis ou áreas especiais de estacionamento.
Para o usuário da via pública que venha a estacionar em calçadas o Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 181, estabelece que o usuário da via que vier a estacionar seu veículo nas calçadas, estará cometendo uma infração de trânsito, estando sujeito à uma penalidade (pecuniária) e uma medida administrativa (remoção de seu veículo), o mesmo ocorre em relação ao usuário que venha a estacionar seu veículo à frente de um local destinado à entrada ou saída de veículos, neste sentido:
Art. 181 – Estacionar o veículo: VIII - no passeio ou sobre faixa destinada a pedestre, sobre ciclovia ou ciclofaixa, bem como nas ilhas, refúgios, ao lado ou sobre canteiros centrais, divisores de pista de rolamento, marcas de canalização, gramados ou jardim público: Infração – grave; Penalidade – multa; Medida administrativa - remoção do veículo; IX - onde houver guia de calçada (meio-fio) rebaixada destinada à entrada ou saída de veículos: Infração – média; Penalidade – multa; Medida administrativa - remoção do veículo.
A Lei 10.257/01, denominada Estatuto da Cidade, regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana.
O art. 1º, § ú, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo e do bem-estar dos cidadãos.
Seguindo a leitura do texto legal, em seu art. 2º, há a previsão de que cabe ao Município ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana, bem como também a ordenação e controle do uso do solo visando evitar a utilização inadequada dos imóveis urbanos, assim:
Art. 2º – A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos.
Conforme estabelecido pelo Estatuto da Cidade é de competência do Município, promover, no que couber, mediante planejamento e controle de uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; regulamentar a utilização dos logradouros públicos; e legislar sobre assuntos de interesse local, tais como: o Plano Diretor, o planejamento do uso, parcelamento e ocupação do solo, a par de outras limitações urbanísticas gerais, observadas as diretrizes do Plano Diretor, a polícia administrativa de interesse local, especialmente em matéria de saúde e higiene públicas, construção, trânsito e tráfego, planta e animais nocivos e logradouros públicos.
O Estatuto da Cidade, em seu art. 40, afirma que: “o plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.”. Mais adiante, o art. 41 estabelece que: “o plano diretor é obrigatório para cidades: I – com mais de vinte mil habitantes”.
Entretanto, essa não é a realidade, pois os municípios brasileiros não interferem neste assunto, deixando que esta parcela da população, que necessita de sua proteção, fique desamparada.
4 Análise do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado
O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009), tem surgimento no século XIX, pois o direito deixa de ser apenas um instrumento de garantia dos direitos dos indivíduos e passa a objetivar a consecução da justiça social e do bem comum. Os interesses representados pela Administração Pública estão previstos no art. 37 da Constituição Federal Brasileira, e se aplicam na atuação do princípio da supremacia do interesse público.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello:
O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular é o princípio geral do direito, inerente a qualquer sociedade, e condição de sua existência, ou seja, o princípio basilar da conduta administrativa. Pois, a própria existência do Estado somente tem sentido se o interesse a ser por ele perseguido e protegido for o interesse público, o interesse da coletividade. (MELLO, 2007, p. 83).
Das lições de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2009), extrai-se o entendimento de que o princípio da supremacia do interesse público é um princípio implícito. Embora não se encontre expresso na Carta Política, ele é decorrente das instituições adotadas no Brasil. Por ser o Brasil regido pelo sistema democrático, e pelo regime representativo, presume-se que toda atuação do Estado esteja pautada pelo interesse público, manifestado pela “vontade geral”. Este principio é característico do regime de direito público, sendo um dos pilares do denominado regime jurídico-administrativo.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
O princípio do interesse público está expressamente previsto no artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99, e especificado no parágrafo único, com a exigência de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei”. (DI PIETRO, 2009, p. 66 e 67).
O outro pilar do regime jurídico-administrativo é o princípio da indisponibilidade do interesse público, pois a administração pública não é a proprietária da coisa pública, e sim mera gestora de bens e interesses alheios, que são públicos. Os bens e interesses públicos são indisponíveis, pois não pertencem à administração pública, tampouco aos seus agentes. A esses cabem apenas a gestão em prol da coletividade, verdadeiro titular dos direitos e interesses públicos. Em razão deste princípio, entende-se que são vedados ao administrador, quaisquer atos que impliquem renúncia a direitos do Poder Público ou que injustificadamente onerem a sociedade. Deste princípio derivam todas as restrições impostas à atividade administrativa.
O interesse público e privado se complementam e se harmonizam, não se encontrando em conflito, pois a realização de um importa na do outro.
Eventuais colisões são resolvidas, previamente, pelo constituinte originário, que deve optar pela prevalência dos interesses públicos em relação aos interesses privados. Posteriormente, cabe a lei infraconstitucional tutelar essa preponderância do coletivo em relação ao individual. Por fim, caberá ao magistrado, em face de cada caso concreto, aplicar a supremacia do interesse público ao interesse privado.
Não existe, portanto, colisão entre os direitos coletivo ou particular, pois, para este aparente conflito, sempre haverá uma forma de harmonizar, oferecendo ao caso ou situação, um critério universal, válido para todas as situações de colisão.
Em um aparente conflito de preponderância de interesses, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado tem possibilitado a aplicação das garantias constitucionais, onde os direitos, liberdades e garantias individuais devem ceder aos reclames do interesse público.
Neste sentido, salienta José dos Santos Carvalho Filho:
Algumas vozes se têm levantado atualmente contra a existência princípio em foco, argumentando-se no sentido da primazia de interesses privados com suporte em direitos fundamentais quando ocorrem determinadas situações específicas. Não lhes assiste razão, no entanto, nessa visão pretensamente modernista. Se é evidente que o sistema jurídico assegura aos particulares garantias contra o Estado em certos tipos de relação jurídica, é mais evidente ainda que, como regra, deva respeitar-se ao interesse coletivo quando em confronto com o interesse particular. A existência de direitos fundamentais não exclui a densidade deste principio. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 31).
Há exceções levantadas por diversos doutrinadores, dentre eles: Humberto Ávila, José dos Santos Carvalho Filho, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, nas quais quando o interesse privado envolver direitos fundamentais este princípio da supremacia do interesse público poderá ser afastado, pois ele não é um princípio absoluto. Como por exemplo, em determinadas situações quando o conflito de interesses envolver de um lado educação, como interesse coletivo e saúde como interesse privado, poderá sim prevalecer o interesse privado em razão da relevância do bem jurídico tutelado.
Portanto, quando houver conflito entre um particular e um interesse público, deve, via de regra, prevalecer o interesse público. Essa é uma das prerrogativas conferidas à administração pública, porque a mesma atua por conta de tal interesse, ou seja, o legislador na edição de leis ou normas deve orientar-se por esse princípio, levando em conta que a coletividade está num nível superior ao do particular.
Não há no Supremo Tribunal Federal, tampouco no Superior Tribunal de Justiça, decisões que tratam do assunto objeto deste trabalho, não obstante em suas decisões estes tribunais já se pronunciaram a respeito da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, nas decisões do STF (RE 455283 e RMS 22665) e STJ (RMS 27428 e RMS 26023), vislumbra-se esse entendimento.