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O tempo subjetivo e as emoções negativas na duração do processo penal

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23/12/2012 às 09:26
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4.0-A gênese das emoções negativas no indiciado/acusado no processo penal: a justiça midiática.

Até aqui se sustentou que o processo penal em si já é motivo de constrangimento. Também se disse que o indiciado/acusado antes mesmo de ser sentenciado enfrenta uma série de emoções negativas, tais como a ansiedade, a angústia, a depressão, o medo, etc.

É preciso agora que se revelem quais fontes contribuem para que tais emoções negativas surjam na psique do indiciado/acusado.

Antes, porém, uma advertência: não se quer valorizar o estado psico-emocional do agente de uma conduta delitiva querendo com isso buscar alternativas à sua prisão ou mesmo justificá-lo juridicamente. Não. O que se deseja demonstrar é que tais emoções negativas têm o seu significado na vida do indiciado/acusado e pesam no seu estado psicológico, devendo serem consideradas como um excesso desnecessário praticado pelo Estado na medida em que permite, via imprensa, de forma praticamente irrestrita, a exposição do mesmo.

Não se pode perder de vista, igualmente, que uma das possibilidades de resultado de um processo penal é a absolvição e é justamente por causa dessa possibilidade que se devem encontrar cautelas para que o constrangimento do próprio processo não ultrapasse o seu limite mesmo.

Assim, verificar-se-á que o Estado, mesmo exercitando de forma legítima o seu jus puniendi, dá causa, via imprensa, chancelada constitucionalmente pelo princípio da publicidade, a que a dignidade humana seja afetada, quando a aludida imprensa faz prejulgamentos do indiciado/acusado, além de lançá-lo ao crivo da opinião pública. É o mesmo que transferir para alguém sem a devida competência dito julgamento. O Estado não pode permitir que o indiciado/acusado se curve a um duplo julgamento. Um é legítimo; o outro não.

Na medida em que isso ocorre, qualquer que seja o tempo objetivo da persecução penal, tal compromete sobremaneira a dignidade da pessoa humana, máxime em se considerando que o tempo da duração também deve ser analisado pelo ângulo subjetivo, não podendo ser reputado como legítimo esse posicionamento, pois que as emoções negativas já ventiladas só encontrariam (e devem na verdade encontrar) legitimidade no poder de punir no exato limite temporal da aplicação da pena. É no tempo da pena, como objetivo maior do poder de punir, que tais emoções encontrariam seu lugar, se ocorressem. Antes disso seria um duplo castigo.


5.0 O princípio da publicidade e seus reflexos negativos

No inc. IX do art. 93 da CF está estabelecido que

todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse publico o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”.[20]

Como revela Antonio Scarance Fernandes[21], a inserção da garantia na Constituição teve o condão de alterar situações em que a regra era o julgamento em sigilo, como sucedia, por exemplo, nos julgamentos militares, os quais, depois, passaram a ser feitos com maior publicidade, assegurando-se a participação das partes.

Trata-se, segundo ele, de garantia relevante e que assegura a transparência da atividade jurisdicional, permitindo ser fiscalizada pelas partes e pela própria comunidade. Com ela são evitados excessos ou arbitrariedades no desenrolar da causa, surgindo, por isso a garantia como reação aos processos secretos, proporcionando aos cidadãos a oportunidade de fiscalizar a distribuição da justiça.

Dessa forma, há publicidade plena, popular ou geral, quando os atos do processo estão abertos a todo publico. Com pequenas variações de conteúdo, a doutrina refere-se à publicidade restrita, especial, mediata, interna, para as partes, quando há limitação à publicidade dos atos do processo.

Tourinho Filho[22], a respeito de tal princípio, explica que ele é próprio do processo do tipo acusatório. De acordo com ele, que invoca Eberhard Schmidt, a significação da Justiça Penal é tão grande, o interesse da comunidade no seu manejo e em seu espírito é tão importante, a situação da Justiça, na totalidade da vida pública, é tão problemática, que seria simplesmente impossível eliminar a publicidade dos debates judiciais. Se isso ocorresse, só poderia significar o temor da Justiça à crítica do povo, e a chamada “crise de confiança” na Justiça seria algo permanente.

Da mesma forma que Scarance, Tourinho Filho[23] mostra que a publicidade, agora inspirado em Beling, pode ser “popular” e “para as partes”. Conforme  aquele ainda, a popular na ótica de Pontes de Miranda é tida como geral e na de Frederico Marques como plena.

Assevera o autor[24]acima que no direito pátrio vigora o princípio da publicidade absoluta, como regra. As audiências, as sessões e a realização de outros atos processuais são franqueados ao público em geral. Qualquer pessoa pode ir ao Fórum, sede do juízo, assistir à audição de testemunhas, ao interrogatório do réu, aos debates.

Dessa forma, a regra, no sistema constitucional e processual, como visto, é a publicidade plena, ficando expressas as hipóteses em que se permite a publicidade restrita: defesa da intimidade e interesse social Art. 5º, LX da CF) e escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem (art. 792, § 1º do CPP. É o mesmo Tourinho Filho que, buscando o lado histórico do princípio da publicidade, esclarece que:

Como característico do processo de tipo acusatório, a publicidade campeava na Índia, entre os atenienses, entre os romanos, à época republicana, entre os germânicos. Era a publicidade popular. Posteriormente, a publicidade foi sofrendo limitações e, na Idade Média, por influência do Direito Processual Penal canônico, foi totalmente abolida. O processo passou a ser secreto. Só o julgador, que também acusava, e o secretário é que tinham conhecimento do que se passava no processo. Não se permitia sequer defensor, sob a alegação de que, se o acusado era inocente, não precisava de defensor, e, se culpado, era indigno de defesa. Muitas defesas o réu desconhecia a existência de processo contra ele...Era o chamado processo do tipo inquisitivo, antítese do processo acusatório. No inquisitivo, tudo se fazia a portas fechadas, secretamente, sigilosamente, em surdina, e ninguém, salvo o julgador e o secretário, podia ter acesso aos autos.[25]

Ainda com escudo em Scarance[26], deve-se evitar a publicidade desnecessária e sensacionalista, como as transmissões de julgamentos por radio ou televisão. Expõe demasiadamente os protagonistas da cena processual ao público em geral e causa constrangimento ao acusado, à vitima e às testemunhas.

O princípio da publicidade nada mais é do que uma garantia para o indivíduo, decorrente do próprio princípio democrático, que visa dar transparência aos atos praticados durante a persecução penal, de modo a permitir o controle e a fiscalização, e evitar os abusos.

Recapitulando, a publicidade subdivide-se em:

-a) Geral, plena ou popular – em que os atos podem ser assistidos por qualquer pessoa, não havendo qualquer limitação;

-b) Especial, restrita ou das partes – os atos só podem ser assistidos por algumas pessoas, geralmente as partes do processo ou quem, de alguma forma, tenha interesse justificado em relação ao objeto.

A publicidade absoluta pode acarretar, às vezes, situações não desejadas: sensacionalismo; desprestígio para o réu ou para a própria vítima e convulsão social. Daí porque o art. 5.º, LX, da CF, prevê a possibilidade de restrição à publicidade, quando for necessária para a preservação da intimidade e do interesse social.

A publicidade também se insinua como característica do sistema acusatório, na medida em que o segredo é compatível, como regra geral, exclusivamente com regimes autoritários e processos penais inquisitórios.

A idéia de publicidade, não Direito, busca impedir o segredo nas relações jurídicas e, apenas, quando ela trouxer prejuízo à segurança nacional ou nos casos de violação à privacidade dos valores íntimos dos indivíduos é que o segredo é aceito. Essa é a idéia concebida para um Estado Democrático de Direito.

Já a propósito dos atos de investigação criminal (inquérito policial e outros) dependerão, na maioria das vezes, da preservação do sigilo para que conduzam a resultados positivos. Pode-se dizer, então, que estes atos, embora procedimentais e sujeitos ao princípio da legalidade, não tem valor processual, não são atos processuais, e, independentemente de passarem pelo filtro do contraditório, nunca estarão dotados da aptidão para produzir efeitos jurídicos.

Como dito no início deste tópico a publicidade como princípio está prevista na Constituição de 1988.

Ocorre que, a partir de então, muita coisa mudou em termos de comunicação.

Nesse sentido, com acerto peculiar, Geraldo Prado faz as seguintes colocações acerca da publicidade, assim:

É preciso salientar que a nota de democracia, referida ao moderno processo penal, há de propor nos dias atuais nova reflexão no tocante à publicidade, por conta da modificação tanto da esfera pública, que não mais se restringe ao Estatal ou não se confunde com ele, como em virtude da verdadeira revolução proporcionada pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicação e sua forma de penetração e influencia na complexa sociedade de massas.

Habermas recorda a trajetória liberal do principio da publicidade, focalizando o fato de, nos tempos das revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX, na Europa Ocidental, a publicidade procurar submeter a pessoa ou a questão ao julgamento público, tornando as decisões políticas sujeitas à revisão perante a opinião pública.

Nos dias de hoje, porém, o controle empresarial dos meios de comunicação de massas, a lógica da competitividade e do mercado que orienta a atuação deles e a distorção da própria noção de publicidade, que, antes de incentivar a participação democrática da maioria das pessoas relativamente aos negócios da sua cidade e de seu país, anula essa participação, constroem uma nova realidade, paradoxalmente virtual ou espetacular.

No mesmo texto, Habermas provoca nossa observação acentuando que:

Na mudança de função do Parlamento, torna-se evidente a natureza problemática da PUBLICIDADE enquanto princípio de organização da ordem estatal: de um princípio de crítica (exercida pelo público), a PUBLICIDADE teve redefinida a sua função, tornando-se princípio de uma integração forçada (por parte das instancias demonstrativas – da administração e das associações, sobretudo dos partidos). Ao deslocamento plebiscitário da esfera pública parlamentar corresponde uma deformação no consumismo cultural da esfera pública jurídica. Com efeito, os processos penais que são suficientemente interessantes para serem documentados e badalados pelos meios de comunicação de massa, invertem, de modo análogo, o princípio crítico da PUBLICIDADE, do tornar público; ao invés de controlar o exercício da justiça por meio dos cidadãos reunidos, serve cada vez mais para preparar processos trabalhados judicialmente para a cultura de massas dos consumidores arrebanhados[27]

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Essa posição de Geraldo Prado serve para sustentar o entendimento deste trabalho no aspecto de que a publicidade opera como gênese das várias emoções negativas enfrentadas pelo acusado num processo penal.

Nos dias atuais se mostra cada vez mais distorcida a função básica de controle que a publicidade busca. Na verdade, o que se obtém com a publicidade é a possibilidade de cometimento de injustiças, inclusive o bis in idem, pois, o acusado sofre por responder a um processo e sofre por ser “julgado” pela população antes que advenha a pena no processo penal. Há, assim, uma dupla punição.

Quando a Constituição determina que todos os atos processuais devem ser públicos não está querendo dizer que o Judiciário vá cuidar da divulgação de tais atos, mas sim que permite, que não restringe, a divulgação dos mesmos. É a imprensa quem cuida disso.

A divulgação via imprensa, dos atos processuais é que cuida de promover o “julgamento paralelo” do acusado.


Conclusão

A partir do momento em que a Constituição Federal com a Emenda 45 assegurou o princípio da duração razoável do processo, certo é que tal duração não se limita apenas ao processo civil, mas também ao processo penal.

Daí se conclui que o tempo no processo penal não pode ser analisado apenas sob o ângulo objetivo, mas também pela ótica do tempo subjetivo enfrentado tanto pelo indiciado quando pelo acusado. Nesse tempo, o acusado é acometido por diversas emoções negativas, tais como a depressão e o medo.

Restou demonstrado, por outro lado, que as emoções negativas acima destacadas têm a sua origem na liberdade de imprensa e contribuindo para  tanto o princípio da publicidade.

Pelo que se apurou, o jus puniendi estatal extrapola todos os limites ao punir o acusado com antecedência e ao permitir que a imprensa se arvore em julgadora. É a justiça midiática. É o julgamento paralelo.


Referências

ALVES, Francisco Glauber Pessoa. O tempo e o processo: injustiça por ação e omissão.  Jusnavigandi, Teresina, ano 7, n.60, nov. 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

DETHLEFSEN, Thorwald ; DAHLKE, Rudiger. Krankeit als Weg – Deutung und Be-deutung der Krankheitsbilder. A  Doença como Caminho.  Tradução de Zilda Hutchinson  Schild. São Paulo: Ed. Cultrix, 2007.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional.  São Paulo: Saraiva, 2002.

GRAY, Jeffrey. A psicologia do medo e do stress. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.

LOWEN, Alexander.O corpo em depressão: bases biológicas da fé e da realidade. Tradução de Ibanez de Carvalho Filho. São Paulo: Summus, 1983.

 MESSUTI, Ana. O Tempo como Pena. Tradução de Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003.

MIRA Y LOPEZ, Emílio.  Quatro Gigantes da Alma. O medo – A ira – O amor – O dever. Trad.  Cláudio de Araújo Lima. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1980.

PRADO, Geraldo.  Sistema Acusatório. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2001.

THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.


Notas

[1] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

[2] MESSUTI, Ana. O Tempo como Pena. Trad. Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. p. 43-44

[3] Idem.

[4]ALVES, Francisco Glauber Pessoa. O tempo e o processo: injustiça por ação e por omissão. JusNavigandi,  Teresina, ano 7, n. 60, Nov. 2002.                                                                         Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/3457> Acesso em: 16/10/2012.

[5] THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais. Tempo. Tecnologia. Dromologia. Garantismo.  Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. p. 6.

[6]Ibid., p. 12

[7]Ibid., p. 15

[8] Ibid., p. 14-15

[9] LOPES JR. Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 3.

[10] Ibid.

[11] GRAY, Jeffrey. A psicologia do medo e do stress. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976, 9-10.

[12] Idem

[13] LOWEN, Alexander.O corpo em depressão: bases biológicas da fé e da realidade. Tradução de Ibanez de Carvalho Filho. São Paulo: Summus, 1983, p. 17-18.

[14]DETHLEFSEN, Thorwald;  RUDIGER, Dahlke. Krankeit als Weg – Deutung und Be-deutung der Krankheitsbilder. A  Doença como Caminho.  Trad.  Zilda Hutchinson  Schild. São Paulo: Ed. Cultrix, 2007. p. 221.

[15] MIRA Y LOPEZ, Emílio.  Quatro Gigantes da Alma. O medo – A ira – O amor – O dever. Trad. Cláudio de Araújo Lima. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1980.  p. 21

[16] Ibid. p.27

[17] Ibid. p. 38-44

[18] Ibid., p. 61

[19] Ibid., p. 66

[20] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

[21] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002,  p. 67.

[22] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 44.

[23] Ibid., p. 44.

[24] Ibid., p. 45

[25] TOURINHO FILHO, op. Cit.,p. 47

[26] FERNANDES, op. Cit. p. 68

[27] PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001..

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Sobre o autor
Sebastião Raul Moura Júnior

Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos, RJ. Pós-graduado em Magistério Superior em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduando em Direito Público na Unisal. Promotor de Justiça aposentado pelo Estado de Minas Gerais. Ex-Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Professor de Processo Penal da Faculdade de Direito de Valença, RJ. Atualmente, professor de Processo Penal no UBM-Centro Universitário de Barra Mansa-RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA JÚNIOR, Sebastião Raul. O tempo subjetivo e as emoções negativas na duração do processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3462, 23 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23107. Acesso em: 18 dez. 2024.

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