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Pequena introdução ao mundo jurídico: temas e elementos de introdução ao estudo do Direito

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9. Obrigatoriedade

Antes de adentrar no estudo do que vem disposto na Lei de Introdução (LINDB), é preciso que se entenda a sua natureza dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de um conjunto de normas jurídicas sobre como as normas jurídicas se comportam, isto é, cuida-se de um código de normas que “descreve as linhas básicas da ordem jurídica, exercendo a função de lei geral, por orientar a obrigatoriedade, a interpretação, a integração e a vigência da lei no tempo e por traçar as diretrizes das relações de direito internacional privado[42]”. Assim, a Lei de Introdução é composta por duas partes, uma que vai do art. 1º ao 6º sobre a vigência e a aplicabilidade das normas jurídicas; outra que vai do art. 7º a 17 sobre Direito internacional privado. Sob a epígrafe de obrigatoriedade das normas jurídicas tem-se a análise de dois dispositivos da Lei de Introdução: arts. 1º e 3º.

É preciso fazer uma ponderação prévia, no entanto. É que os autores e os legisladores se utilizam de nomenclaturas sem muita técnica, o que pode prejudicar o aprendizado, já que pode conduzir a confusões. Assim, cabe tomar algumas pequenas notas. No início do Curso falou-se em fontes formais estatais do Direito, da qual a principal é a legislação, resultado de um processo legislativo. Falou-se que a legislação pode ser primária (quando tem aptidão para estabelecer direitos e criar deveres) e secundária (quando não tem tal aptidão, servindo apenas para dar executoriedade à legislação primária). Dentro dessa legislação primária, destacaram-se, em conformidade com o art. 59 da Constituição de 1988, quais as espécies: Constituição, Emenda à Constituição, Lei Complementar, Lei Ordinária, Lei Delegada, Medida Provisória, Decreto Legislativo e Resolução do Senado. Essas espécies de legislação primária são, no entanto, referidas normalmente como leis – devendo-se levar em consideração que essa referência diz respeito a leis em sentido amplo.

Tecnicamente, o que se tem é que cada espécie de legislação primária consiste num veículo introdutor de normas no ordenamento jurídico diferente. Ou, ainda, de maneira mais específica, cada espécie é um veículo introdutor de enunciados prescritivos dos quais é possível extrair normas jurídicas. Então, o que se tem é que aquilo que na prática se denomina de leis é, dentro de uma técnica mais apurada, veículo introdutor. Fala-se em leis, portanto, num sentido genérico, o que não é equivocado, embora não seja exato. Faz-se essa observação porque quando o legislador se refere à lei ele poderá estar se referindo a: 1) quaisquer daquelas espécies normativas denominadas legislação primária (leis em sentido amplo); 2) leis em sentido próprio ou estrito; 3) enunciados prescritivos (normalmente confundidos com normas jurídicas).

O art. 1º, caput, da LINDB, dispõe que não existindo previsão em sentido contrário, a lei terá vigência em todo o território brasileiro 45 dias depois de oficialmente publicada. A referência, nesse caso, é à lei em sentido amplo. Para entender esse dispositivo cumpre recordar que o processo legislativo, isto é, o processo de criação de leis em sentido amplo (lato sensu), tem, em regra, o seguinte trâmite: 1) iniciativa, quando alguém que tenha competência propõe um projeto de lei; 2) discussão, quando o corpo legislativo discute e propõe emendas ao projeto; 3) deliberação ou votação, quando o corpo legislativo aprova ou rejeita o projeto; 4) sanção ou veto, quando o chefe do Executivo aprecia o projeto, concordando com ele (sanção) ou fazendo-o retornar ao corpo legislativo para uma nova deliberação (veto); 5) promulgação, quando o Executivo autentica a lei, tornando-a existente; 6) publicação, quando a lei publicada no Diário Oficial passa a ser conhecida pela comunidade e por seus destinatários.

Observando-se esse processo legislativo, tem-se que a lei só deixa de ser um projeto quando se dá sua promulgação: existência depende do preenchimento das formalidades necessárias, isto é, ter o projeto de lei sido proposto pelo órgão competente e tramitado corretamente. Assim, atestada, ainda que equivocadamente, que o projeto foi proposto por quem tinha competência e que o trâmite do projeto foi o correto, tem-se a existência da lei, o que confirmará sua executoriedade, dada, anteriormente, pela sanção. Todavia, para que possa ser aplicada e possa produzir seus efeitos, a lei deve ser obrigatória, e a obrigatoriedade depende da publicação oficial da lei. Mas não só, para que possa obrigar seus destinatários não é suficiente apenas que tenha ocorrido sua publicação, é preciso ainda que a lei esteja em vigor, ou seja, que a lei possua vigência.

Portanto, o que se tem é que antes mesmo de ser publicada, uma lei já é executável e existente. No entanto, ainda que exista e que se possa cobrar sua produção de efeitos, só isso não basta. É preciso, também, que se tenha dado conhecimento aos destinatários da lei, o que ocorre mediante sua publicação em veículo oficial, tornada pública, isto é, dada a devida publicidade da lei, pode-se falar que ela é obrigatória. Mas, mesmo assim, para que possa produzir seus efeitos ela precisa estar vigente. Assim, é necessário que se diga o que significa vigência: trata-se da aptidão de uma lei para produzir seus efeitos. Daí que quando a lei está apta a produzir efeitos, diz-se que ela está em vigor.

A norma que se pode extrair do caput do art. 1º da LINDB determina: se a lei tiver sido oficialmente publicada para vigência no território brasileiro e não houver previsão em sentido contrário sobre sua vacância, então deverá ter vigência em todo o território brasileiro depois de decorridos 45 dias. Assim, publicada a lei no Diário Oficial e sendo uma lei brasileira para viger em território brasileiro, deve-se aguardar 45 dias a partir da publicação para que essa lei tenha aptidão para produzir seus efeitos e possa ser invocada como obrigatória. A esse prazo de 45 dias em que a lei fica em estado de espera denomina-se vacatio legis, que significa: vacância da lei – o que equivale a dizer que a lei existe, mas está “vaga”, já que não é obrigatória, não podendo vincular a conduta de seus destinatários. Daí que a vacância consista na inaptidão para produzir efeitos.

É preciso observar, por fim, duas cláusulas exceptivas contidas na norma jurídica que foi acima enunciada. A primeira se refere à cláusula “se não houver previsão em sentido contrário”, isto é, não tendo o legislador, no texto da nova lei, explicitado em quanto tempo a partir da publicação oficial essa lei entrará em vigor, o prazo será de 45 dias, os quais serão contados computando-se o dia do início (dies a quo) e o dia do fim (dies ad quem), passando a lei a ter vigência no dia seguinte. Assim, a regra geral é o silêncio e, com o silêncio, serão computados 45 dias. Mas e se o termo, isto é, o último dia do prazo cair em feriado ou em domingo, tem-se que “não se considerará prorrogado o prazo até o dia útil seguinte por não se tratar de cumprimento de obrigação, mas de início de vigência da lei, que deve ser obedecida mesmo nos domingos e feriados[43]”.

Havendo previsão na lei nova de prazo ou não havendo (hipótese em que a lei entra em vigor na data de sua publicação), valerá o que vier expresso na lei. Portanto, a regra é que haja vacatio legis, mas o legislador autoriza que o próprio legislador estabeleça de maneira distinta.

A segunda cláusula diz respeito a “território brasileiro”, ou seja, se a lei tiver sido produzida para viger dentro do território brasileiro, valerá o disposto no caput do art. 1º da LINDB. Tendo sido produzida para viger em país estrangeiro, o prazo de vacância, que não admite exceção, é de três meses depois da publicação oficial. A norma jurídica, neste caso, é assim trabalhada: se a lei tiver sido oficialmente publicada e se destinada à vigência em país estrangeiro, então deverá ter vigência no estrangeiro, depois de decorridos três meses. É preciso ter atenção, pois o legislador estabeleceu um prazo de três meses, que é diferente de um prazo de 90 dias.

Por fim, o art. 1º da LINDB, em seus §§3º e 4º, dispõe que se o texto da lei vier a ser republicado em virtude de correção, se o prazo de vacância não tiver terminado, será recontado, se tiver findado, as correções serão consideradas lei nova. Tem-se, portanto, a confirmação de que durante a vacatio legis a lei não é obrigatória, ou seja, não vincula o comportamento de seus destinatários, de maneira que a lei anterior ainda continua em vigor, e, assim, válida. Identificada alguma incorreção em seu texto, se ainda estiver em curso a vacatio legis a correção será feita no bojo da própria lei, que, modificada, contará com um novo prazo de vacância, republicando-se a lei; do contrário, se não houve vacatio legis ou se o prazo desta já se extinguiu, o texto corrigido será considerado como nova lei, publicando-se nova lei.

Vistas as normas jurídicas que se extraem dos enunciados prescritivos contidos no art. 1º, caput e §§1º, 3º e 4º, da LINDB, passa-se ao exame do art. 3º do mesmo diploma. De acordo com este dispositivo, tem-se que, depois de publicada oficialmente a lei, não se pode, alegando desconhecimento, descumprir a lei. Nisso se tem nova norma jurídica, que pode ser assim enunciada: se tiver sido publicada oficialmente, então a lei deverá ser cumprida, não se podendo alegar, para o seu descumprimento, seu desconhecimento.

Com essa norma jurídica firma-se a necessidade da publicação para tornar uma lei obrigatória, e isso tem uma razão de ser: “como as leis limitam as atividades humanas, elas precisam ser conhecidas por seus destinatários, para que saibam o que é permitido ou obrigado, aplicando-as com segurança[44]”. Assim, publicada oficialmente determinada lei, o seu destinatário não poderá descumpri-la, alegando desconhecê-la. Assim, estando uma lei em plena vigência, não poderá seu destinatário, desde que ela tenha sido devidamente publicada, alegar que não sabia que ela estava vigendo, ou, ainda, alegar que não sabia que a lei anterior não estava mais vigendo.

Diante disso há que se cuidar da questão relativa à revogação das leis, regulamentada no art. 2º da LINDB.


10. Revogação e Direito intertemporal

Trata-se de tema que diz respeito à vigência das leis no tempo, de maneira que se pode assim formular uma regra geral: uma lei vige até que outra lei a modifique ou revogue. A exceção fica por conta de leis de vigência temporária. Disso decorre que as leis poderão ter vigência temporária, se pré-fixarem o tempo de sua duração ou a ocorrência de uma determinada condição fática, ou ter vigência permanente, se não houver pré-fixação do tempo de sua duração nem de condição fática.

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Assim, normalmente, as leis que são modificadas e revogadas são as que possuem vigência permanente. Por modificação há que se entender que as leis são alteradas, tanto podendo ser melhoradas quanto pioradas, seja integralmente, seja parcialmente, o que é mais comum. Por revogação há que se entender que as leis são extintas, perdendo sua vigência, não estando mais aptas a produzirem efeitos, e, por isso, não se podendo mais falar que são obrigatórias. A revogação pode ser total, quando receberá o nome de ab-rogação, ou ser parcial, quando receberá o nome de derrogação. Ademais, pode-se classificar a revogação em expressa, quando a lei revogadora declarar que a lei anterior está extinta, parcial ou integralmente, e em tácita, quando a lei revogadora não trouxer tal declaração, mas ficar clara a incompatibilidade entre a lei nova e a lei antiga ou a lei nova regulamentar toda a matéria objeto da lei antiga (art. 2º, §1º, LINDB).

Ainda de acordo com o art. 2º, da LINDB, porém trazendo-se o seu §3º, é possível o caso de a lei revogadora (lei posterior ou lei nova) perder sua vigência, caso em que, regra geral, a lei revogada (lei anterior ou lei antiga) não terá sua vigência restaurada. As exceções ficam por conta de previsões legais e, por isso, expressas. Um importante caso em que a lei revogada recupera sua vigência pela perda de vigência da lei revogadora é o de lei declarada inconstitucional pelo STF. Esse efeito de recuperação de vigência tem o nome de repristinação. Explica-se a regra da ausência de efeitos repristinatórios pelo fato de a revogação operar, em regra, efeitos ex nunc, ou seja, a partir do momento em que entra em vigor a lei revogadora; efeitos ex tunc, vale dizer, retroativos, são considerados excepcionais, já que vão ao âmago da lei, retirando-a do sistema, pois nunca deveria ter existido.

Além disso, pode ser que a lei nova não revogue nem modifique a lei anterior. Isso se dará quando a lei nova estabelecer disposições gerais ou especiais diferentes das que já existam. Ou seja, pelo que se extrai do §2º do art. 2º da LINDB, quando a lei posterior regulamentar nova conduta ou estabelecer nova competência, a lei anterior permanecerá vigente (não revogada) e inalterada (não modificada).

É nesse carrossel de modificação, ab-rogação ou derrogação que podem surgir o que se denomina antinomia. As antinomias surgem porque é impossível ao legislador, diante da complexidade de um ordenamento jurídico, conhecer todas as normas que dele fazem parte. Pode-se afirmar, assim, que quanto mais complexo um ordenamento jurídico maior a chance de haver incoerências internas, ou seja, antinomias. São basicamente dois os tipos: a) as antinomias aparentes, solucionáveis a partir do uso dos critérios criados para a solução dessas incoerências; b) as antinomias reais, quando os critérios existentes não resolvem a inconsistência interna do ordenamento jurídico, de maneira que o magistrado deverá estabelecer qual a lei ou a norma jurídica que deverá produzir efeitos no e quais os efeitos e sua extensão para caso concreto – fala-se, assim, em criação de norma concreta e individual, mas também é possível a criação de um precedente, que consiste em uma norma abstrata e geral.

Os critérios tradicionais para a solução de antinomias são três: a) critério hierárquico, pelo qual a lei superior prevalece sobre a lei inferior (lex superior derogat legi inferiori) – o conhecimento da estrutura escalonada do ordenamento jurídico é fundamental para que se aplique esse critério; b) critério cronológico, pelo qual a lei posterior prevalece sobre a lei anterior (lex posterior derogat legi priori) – ou seja, entre normas pertencentes ao mesmo patamar hierárquico, a mais nova prevalecerá; c) critério de especialidade, pelo qual a lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derogat legi generali) – a lei que possuir, além dos elementos gerais, elementos específicos ou especializantes, é a que deverá prevalecer.

Há situações, no entanto, nas quais esses critérios não são suficientes para resolver as antinomias que se colocam. Fala-se, assim, em antinomias de segundo grau, isto é, casos em que os próprios critérios entram em conflito. Assim, pode haver antinomia entre: a) o critério hierárquico e o critério cronológico, quando uma norma superior for anterior a uma norma inferior mais nova – nesse caso, tem precedência o critério hierárquico, no que a norma superior anterior prevalece em relação à norma inferior posterior; b) o critério de especialidade e o critério cronológico, quando uma norma geral for posterior a uma norma anterior especial – neste caso não há regra definida, o magistrado deve decidir conforme o caso concreto; c) o critério hierárquico e o critério de especialidade, quando uma norma especial for inferior a uma norma geral superior – aqui também não há uma regra definida, o magistrado deve decidir conforme o caso concreto. Verifica-se, portanto, que pode acontecer de não haver critérios disponíveis para resolver-se um caso de antinomia real, de todo modo, “num caso extremo de falta de um critério que possa resolver a antinomia de segundo grau, o critério dos critérios para solucionar o conflito normativo seria o princípio supremo da justiça: entre duas normas incompatíveis dever-se-á escolher a mais justa. Isso é assim porque os referidos critérios não são axiomas, visto que gravitam na interpretação ao lado de considerações valorativas, fazendo co quem a lei seja aplicada de acordo com a consciência jurídica popular e com os objetivos sociais[45]”. Assim, o critério da justiça poderá ser aplicado, excepcionalmente, para solver um problema de antinomia.

Diante disso, diz-se que quando uma antinomia é superada a partir da aplicação dos critérios existentes, o caso era de antinomia aparente; do contrário, quando a antinomia não se resolve com a aplicação de tais critérios, diz-se que se trata de antinomia real. Há quem distinga entre antinomias solúveis e antinomias insolúveis[46]; no entanto, inexistem antinomias insolúveis. E isso se deve ao fato de que, logicamente, sendo solúvel uma determinada antinomia, não se trata efetivamente de antinomia, daí utilizar-se a expressão antinomia aparente. De outro ponto, as antinomias reais são chamadas insolúveis porque não podem ser solucionadas a partir dos critérios tradicionais, ou seja, elas são apenas aparentemente insolúveis, já que é preciso buscar outros critérios para resolvê-las.

Um desses critérios seria a justiça, segundo Maria Helena Diniz[47], o que equivale a dizer que, na impossibilidade de se aplicar qualquer um dos critérios tradicionais, “a solução do conflito é confiada à liberdade do intérprete; poderíamos quase falar de um autêntico poder discricionário do intérprete, ao qual cabe resolver o conflito segundo a oportunidade, valendo-se de todas as técnicas hermenêuticas usadas pelos juristas por uma longa e consolidada tradição e não se limitando a aplicar uma só regra[48]”. Diante disso, o intérprete (normalmente o magistrado) tem diante de si três alternativas: a) eliminar uma das normas ou leis antinômicas; b) eliminar ambas; c) conservar ambas. Ou seja, as antinomias reais são solúveis, mas a solubilidade depende de outros critérios que não os tradicionalmente apontados. O resultado, igual para o caso de antinomia aparente, é a coerência do ordenamento jurídico. Assim, ainda que duas normas jurídicas coexistam incompatíveis num determinado sistema, sendo ambas válidas, o intérprete deverá tornar uma delas eficaz para todos (eficácia erga omnes), de maneira que a outra será ineficaz, ou tornar uma delas eficaz para as partes (eficácia inter partes), de maneira que para os demais casos concretos apresentados poderão ser dadas soluções parcial ou integralmente diferentes.

Para além dos critérios tradicionais, tem-se falado, modernamente, na possibilidade de ponderação ou balanceamento, que é uma “técnica de decisão jurídica empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais[49]”. A técnica da ponderação leva a um caminho distinto das técnicas tradicionais para solução de antinomias, quer dizer: a ponderação é uma alternativa à subsunção[50], ou seja, o emprego da ponderação “deve ser reservado apenas para as hipóteses de insuficiência da subsunção, que continua a ser a forma ordinária de aplicação dos enunciados normativos[51]”. Daí que a ponderação seja aplicada se não for possível resolver a antinomia a partir das técnicas tradicionais.

É que dada à presença cada vez maior de cargas axiológica, principiológica e política nos ordenamentos jurídicos, não se tem conseguido aplicar os critérios tradicionais que se inscrevem tão-só, normalmente, aos conflitos estritamente jurídicos. A ponderação não é exatamente uma alternativa à subsunção, e sim uma técnica para que se resolva sobre as colisões entre valores que qualificam o ordenamento jurídico ou entre princípios que dele fazem parte; do que a subsunção aplica-se aos conflitos entre regras. E essa distinção entre as técnicas aplicáveis tem uma razão de ser. Princípios e regras são normas[52] que se diferenciam quanto ao uso que lhes é dado conforme o caso concreto[53]. Utilizando-se uma distinção bastante utilizada pela jurisprudência brasileira e, também, de certa forma, pela doutrina, pode-se dizer que princípios são os comandos nucleares do ordenamento jurídico (Celso Antônio Bandeira de Mello), determinando que algo seja concretizado da melhor maneira possível, isto é, são comandos de otimização (Robert Alexy) que revelam padrões de comportamento (Ronald Dworkin) requeridos pelo sistema considerado; ao passo que regras são normas que devem ser seguidas ou não, comportando-se à maneira do tudo-ou-nada (Robert Alexy e Ronald Dworkin), ou seja, ou são vigentes porque válidas ou não são vigentes porque inválidas. Dessa maneira, quando princípios entram em colisão, um deles prevalece para o caso concreto, mas sem determinar a retirada do outro do ordenamento jurídico – ou seja, é feita uma ponderação ou um balanceamento para o caso concreto; enquanto que quando regras entram em conflito, uma delas deverá ser retirada do ordenamento jurídico ou não mais aplicada àquele caso concreto – isto é, determina-se que o fato analisado só possa se subsumir àquela regra que foi considerada prevalecente.

Dentro da questão sobre as antinomias insere-se o disposto no art. 6º da LINDB. O referido dispositivo também cuida da eficácia das normas no tempo. Trata-se do Direito intertemporal, o qual “soluciona o conflito das leis no tempo, apontando critérios para aquelas questões, disciplinando fatos em transição temporal, passando da égide de uma lei a outra, ou que se desenvolvem entre normas temporalmente diversas[54]”. Assim, com a entrada de uma lei (em sentido amplo) em vigor, suas disposições terão efeito imediato e geral, desde que respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (art. 6º, caput, LINDB).

O que se pode extrair é que o Direito intertemporal regulamenta as relações jurídicas que já haviam sido definidas pelas leis anteriores, ora revogadas. Três são os casos em que as disposições da nova lei não terão efeito imediato e geral, quando houver: (a) ato jurídico perfeito, consistente naquele ato jurídico já consumado segundo a lei vigente à época em que se consumou, ou seja, aquele direito que já tem aptidão para produzir seus efeitos (art. 6º, §1º, LINDB); (b) direito adquirido, consistente naquele direito que já se incorporou, definitivamente, ao patrimônio ou à personalidade de seu respectivo titular, não podendo lei ou fato posterior alterar essa situação juridicamente relevante (art. 6º, §2º, LINDB); (c) coisa julgada, consistente no efeito decorrente da decisão judicial contra a qual não caibam recursos.

O art. 6º da LINDB tem a ver, portanto, com a irretroatividade da lei nova sobre as situações já consolidadas na vigência da lei anterior. Maria Helena Diniz lista, com base na doutrina e na jurisprudência, alguns critérios norteadores de sua aplicação[55]: a regra é pela irretroatividade das leis novas, desde que não ofendam ato jurídico perfeito, direito adquirido ou coisa julgada, caso contrário, haverá inconstitucionalidade; o legislador e o órgão judicante estão sujeitos à irretroatividade; as leis interpretativas podem retroagir; os direitos adquiridos não prevalecem sobre normas de ordem pública, as quais, por isso, são retroativas, desde que não haja um desequilíbrio jurídico-social; contra a Constituição Federal não há direito adquirido; as leis processuais se comportam de acordo com o princípio tempus regit actum, aplicando-se a lei nova aos processos em curso; as leis penais retroagem, desde que benéficas ao acusado ou ao condenado.

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Sobre o autor
Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Diretor Secretário-Geral da Academia Brasileira de Direitos Humanos (ABDH). Membro do Comitê de Pesquisa da Faculdade Estácio de Sá, Campus Vitória (FESV). Professor de Introdução ao Estudo do Direito, Direito Financeiro, Direito Tributário e Processo Tributário, no Curso de Direito da FESV. Pesquisador vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da FDV. Consultor de Publicações; Advogado e Consultor Jurídico sócio do Escritório Homem de Siqueira & Pinheiro Faro Advogados Associados. Autor de mais de uma centena de trabalhos jurídicos publicados no Brasil, na Alemanha, no Chile, na Bélgica, na Inglaterra, na Romênia, na Itália, na Espanha, no Peru e em Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem. Pequena introdução ao mundo jurídico: temas e elementos de introdução ao estudo do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3440, 1 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23112. Acesso em: 26 abr. 2024.

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