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O caso AHE Cachoeira: contribuições do constitucionalismo contemporâneo e da teoria crítica do Direito

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5. Contribuições do surrealismo jurídico de Warat

Depois de todo esse apanhado da teoria crítica do Direito nos pareceu adequado terminar o artigo com as contribuições que a teorização waratiana de Direito e Arte trazem para o universo jurídico e para o caso estudado.

Warat propõe uma crítica de longo alcance que é dirigida para o modo como o Direito tem sido pensado e aplicado. O paradigma moderno privilegiou a razão em detrimento da emoção. O cálculo racional provocou uma cegueira que embotou a sensibilidade. A Ciência trazia em si todas as respostas de maneira neutra, racional e afastada de qualquer tipo de emoção, o que garantia sua segurança. Essas pretensões são características do Direito moderno, altamente formalista e racional, porém deficiente da sensibilidade necessária para lidar com as questões da vida real de que deve se ocupar.

Para avaliar o caso AHE Cachoeira é necessário o resgate do sensível, da emoção. Sem isso não será possível perceber de maneira satisfatória as questões que compõem o caso. Warat realiza uma crítica de amplo alcance, pois critica o próprio pensamento moderno que afastou o ser humano da paixão e de sua natureza. Seria preciso uma reforma no ensino jurídico, que atualmente serve como um sistema de castração, resultando em profissionais formatados e insensíveis. O ensino jurídico tradicional forma profissionais “cinzas”, incapazes de perceber o “colorido” e a pluralidade do mundo. Logo eles não estarão aptos a resolver casos plurais e multifacetados como o AHE Cachoeira.

Outro ponto de Warat que vale a pena ser mencionado é a conotação que ele dá para democracia. Para que a democracia seja plena é preciso que haja transgressão. Uma realidade estanque, um instituído que se basta e não nos permite transgredir não está preparado para a democracia verdadeira. Logo existe sim espaço para a utopia, para a mudança, para a luta, porque se não for assim não tem sentido falar em democracia. As participações populares no movimento quilombola e no movimento ambiental contam com atitudes transgressoras, mas não ilegítimas, pois fazem parte da própria essência democrática.


6. Conclusão

Analisando o caso AHE Cachoeira, percebemos a importância da garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos e da dignidade da pessoa humana. As populações ribeirinhas devem ter seus direitos salvaguardados e é importante que a Constituição se faça cumprir. Habermas e Dworkin preocupam-se com a garantia desses direitos inalienáveis e com a questão da democracia e sua legitimação. Olhar o caso na perspectiva desses autores é abrir os olhos para essas questões importantes que não podem de maneira alguma ser ignoradas na elaboração de uma boa resposta para o caso, ou no dizer de Dworkin, na “única resposta correta”.

As teorias de inspiração marxista de Lyra Filho e do Direito Alternativo, passando pelo pluralismo jurídico de Wolkmer e terminando com os caminhos abertos por Warat, constituem em uma crítica direcionada à forma tradicional do Direito burguês e liberal, demasiado formalista e idealista, ao monismo estatal, à insensibilidade para com as questões humanas. Essa denúncia visa à construção de um Direito mais condizente com a realidade e menos opressor dos menos privilegiados.

O uso tradicional do Direito liberal- burguês já não abarca os problemas que se desenham na contemporaneidade e quando o usamos para resolver questões complexas e multifacetadas, os prejuízos são grandes. O caso AHE Cachoeira é um exemplo de caso que envolve questões múltiplas (ambientais, sociais, de identidade, culturais), daí a importância da teoria crítica em sua análise, pois ela tem o papel de chamar atenção para esses fatores essenciais que escapam aos autos do operador tradicional do Direito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume I. Tradução: Flávio Beno Siebeneicher. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

DWORKIN, Ronald. Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LYRA FILHO, Roberto. Para um direito sem dogmas. Porto Alegre: Fabris, 1980.

ANDRADE, Lédio Rosa de. O que é Direito Alternativo?. Florianópolis: Editora Habitus.

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico – Fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 2001.

WARAT, Luis Alberto. Territórios desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares do abandono do sentido e da reconstrução da subjetividade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.


Abstract: The article´s goal is to analyze the case of the construction of the “Aproveitamento Hidrelétrico Cachoeira” according to the contemporary constitutional theories of Habermas and Dworkin and the Critical Theory of Law.

Keywords: AHE Cachoeira, maroon communities, principles, critical theory of law.

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Sobre as autoras
Ana Carla Guimarães Almeida

Estudante de Direito da Universidade Federal do Piauí

Luciana de Moura Santos Nogueira Rêgo

Estudante de Direito da Universidade Federal do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Ana Carla Guimarães ; RÊGO, Luciana Moura Santos Nogueira. O caso AHE Cachoeira: contribuições do constitucionalismo contemporâneo e da teoria crítica do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3465, 26 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23306. Acesso em: 19 abr. 2024.

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