1. INTRODUÇÃO
No presente trabalho pretende-se analisar se é possível a responsabilização dos advogados do Estado perante o Tribunal de Contas pela emissão de pareceres jurídicos que eventualmente subsidiem posteriores atos de gestão administrativa.
A principio, entende-se que o parecerista não tem responsabilidade imediata pelos atos decorrentes da sua função consultiva, sob o fundamento que o advogado tem liberdade de opinar ao exercer o encargo da advocacia.
Ocorre que frequentes decisões jurisprudenciais do TCU têm sido proferidas no sentido de se atribuir responsabilidade pessoal do consultor ou assessor jurídico nos casos em que sua opinião foi utilizada para embasar o ato do gestor de contas que causou ilegalidade de despesa.
Nesse sentido, faz-se necessário um estudo acerca os pontos de concordância e divergência sobre o assunto no âmbito jurisprudencial e doutrinário.
2 DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS
O advogado parecerista tem a liberdade de construir a orientação que lhe pareça ser juridicamente cabível no caso concreto.
Ocorre que há uma discussão quanto à possibilidade de se atribuir a responsabilidade solidária entre o parecerista e o gestor de contas perante o Tribunal de Contas, tendo em vista a prática de um eventual ato administrativo, fundamentado na orientação da consultoria jurídica, que venha a causar dano ao erário.
Indiscutível a afirmativa que os pareceristas têm responsabilidade quando eles atuarem com dolo, má-fé ou erro inescusável.
A divergência doutrinária e jurisprudencial que persiste é quanto à possibilidade do advogado ser responsabilizado pelo Tribunal de Contas.
Por um lado, o STF ainda não se posicionou diretamente sobre a possibilidade de controle externo do Tribunal de Contas, uma vez que os casos apreciados até o momento apenas discutiam a responsabilidade do parecerista a ser apurada em processo administrativo pela OAB. Logo, até então, o STF apenas verificou a possibilidade de os pareceristas serem responsabilizados pelos seus órgãos próprios administrativos e pelo Judiciário. Nesse mesmo sentido, destacam-se as teses dos autores Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José dos Santos Carvalho Filho, Marcos Juruena Villela Souto, Luciano Ferraz e Marçal Justen Filho.
Por outro lado, há uma inclinação do STJ e TCU, bem como de parte da doutrina, principalmente embasada na tese defendida por Jessé Torres Pereira Junior, que sustenta que é possível o controle externo da consultoria jurídica pelo Tribunal de Contas. O fundamento é que o parecer jurídico integra a motivação da decisão do ordenador de despesas, estando, por isso, inserido no âmbito de verificação da legalidade, da legitimidade e da economicidade. Desse modo, o fato de o autor de parecer jurídico não exercer função de execução administrativa e não ordenar despesas, não significa que ele se encontra excluído do rol de agentes que estão sob a disciplina da Corte de Controle.
Assim, chegamos à seguinte indagação:
“É cabível a responsabilidade do parecerista jurídico perante os Tribunais de Contas no exercício da função consultiva?”
3. POSICIONAMENTO PREDOMINANTE – POSSIBILIDADE DE SE RESPONSABILIZAR O PARECERISTA
A doutrina majoritária e várias decisões judiciais vêm entendendo que é possível a responsabilidade dos advogados pela emissão de seus pareceres exclusivamente perante o conselho da secção da Ordem dos Advogados do Brasil, por meio do processo disciplinar dos advogados. Para essa corrente, a competência do Tribunal de Contas resguarda-se ao poder de representar ao órgão competente as irregularidades e convocar o advogado para prestar esclarecimentos.
Mas, uma nova corrente, embora minoritária, vem desenvolvendo o entendimento que é possível a responsabilidade dos advogados perante o Tribunal de Contas, juntamente com o ordenador de despesa, por danos causados ao erário.
Os Tribunais vêm se divergindo quanto à matéria. O TCU e o STJ entendem que, uma vez demonstrado o nexo entre o parecer do advogado e a conduta do gestor, ficará configurada a responsabilidade.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal ainda não analisou detalhadamente a matéria, ora parecendo se inclinar no sentido de os Tribunais de Contas serem competentes para julgar os pareceristas, ora se afastando dessa pretensão da Corte de Contas.
4. RESPONSABILIZAÇÃO DO PARECERISTA JURÍDICO PERANTE O TRIBUNAL DE CONTAS
Inicialmente, entende-se que o parecerista jurídico não tem responsabilidade imediata em virtude da sua função consultiva. Isso porque o advogado tem a liberdade de opinar sobre a matéria que lhe for submetida à apreciação. Contudo, dependendo das circunstancias do caso concreto, é claramente possível a aferir sua responsabilidade.
No acórdão Mandado de Segurança n.º 24.073-3, proferido pelo STF, em 2003, o relator Min. Carlos Velloso entendeu que o Tribunal de Contas não poderia responsabilizar solidariamente o parecerista e o administrador, ressalvando apenas a hipótese em que se verifiquem danos decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticada com culpa em sentido largo, de modo que a responsabilidade fosse apurada perante processo administrativo ou via judicial.
A jurisprudência mais recente do STF, com destaque aos Acórdãos MS n° 24.631 e nº 24.584 do STF, ambos de agosto de 2007, entendeu que a responsabilidade solidária do parecerista pode ocorrer nas hipóteses em que se configurarem danos decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticada com culpa em sentido largo (tal como já havia decidido em 2003), bem como no caso de pareceres vinculantes. Percebe-se que, em tais julgados, o Supremo manteve o posicionamento que essa responsabilidade deveria ser apurada perante a OAB ou Judiciário.
A inovação apresentada nesses acórdãos foi que STF reconheceu que os procuradores pudessem ser chamados pelo TCU para apresentar explicações a respeito de seus pareceres e notas técnicas. Veja-se:
Controle externo: É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa. Mandado de segurança deferido. (MS 24.631/DF — DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA. Relator (a): min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 9/8/2007. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 1/2/2008).
ADVOGADO PÚBLICO — RESPONSABILIDADE — ARTIGO 38 DA
LEI N. 8.666/93 — TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO — ESCLARECIMENTOS. Prevendo o artigo 38 da lei n.8.666/93 que a manifestação da assessoria jurídica quanto a editais de licitação, contratos, acordos, convênios e ajustes não se limita a simples opinião, alcançando a aprovação, ou não, descabe a recusa à convocação do Tribunal de Contas da União para serem prestados esclarecimentos. (MS 24.584/DF — DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA. Relator (a): min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 9/8/2007. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 20/6/2008).
No mesmo sentido que esses julgados do STF, vários doutrinadores se posicionaram, dentre eles, destaca-se o entendimento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
Ainda que houvesse dolo, má-fé, erro grosseiro, falso embasamento doutrinário ou jurisprudencial, a responsabilização do advogado de Estado, que legitimaria aqueles órgãos a aplicar-lhe sanção pelo presumido exercício faltoso de sua profissão, dependeria sempre da prévia prova de culpa ou de dolo, processualmente formada perante seus órgãos próprios de controle — sejam os corporativos (OAB e Corregedorias, conforme já salientado), seja o Judiciário — e por eles decidida no exercício de suas próprias e indelegáveis competências e, como tal, inafastáveis (MOREIRA NETO apud CUNHA, 2011).
No entanto, referidos julgados abriram espaços para questionamentos judiciais na eventualidade de, após colher as explicações, a Corte de Contas formalizar imputações em desfavor do advogado público.
Apesar de o STF não ainda não tem se posicionado sobre a possibilidade do controle externo pelos Tribunais de Contas, seus acórdãos não parecem ser a favor desse controle.
Contudo, recentes decisões do TCU vêm entendendo que o órgão de Contas pode julgar aos pareceristas. In verbis:
(...) na esfera da responsabilidade pela regularidade da gestão, é fundamental aquilatar a existência do liame ou nexo de causalidade existente entre os fundamentos de um parecer desarrazoado, omisso ou tendencioso, com implicações no controle das ações dos gestores da despesa pública que tenha concorrido para a possibilidade ou concretização do dano ao Erário. Sempre que o parecer jurídico pugnar para o cometimento de ato danoso ao Erário ou com grave ofensa à ordem jurídica, figurando com relevância causal para a prática do ato, estará o autor do parecer alcançado pela jurisdição do TCU [...] (TCU. Acórdão n. 462/2003).
REPRESENTAÇÃO. DISPENSA DE LICITAÇÃO SEM AMPARO NA LEI. MULTA. PEDIDO DE REEXAME. IMPROVIMENTO.
1. A indevida dispensa de licitação consiste em infração grave, que enseja a sanção de multa prevista no inciso II do art. 58 da Lei nº 8.443/92.
2. Parecer jurídico opinativo não isenta o gestor responsável pela decisão e prática do ato administrativo, sobretudo quando segue orientação manifestamente infundada (TCU Acórdão 1020/2008).
Nesse mesmo sentido do TCU, a favor da responsabilidade dos pareceristas pelo Tribunal de Contas, encontra-se o entendimento de Jessé Torres Pereira Junior:
(...) a apuração dessa responsabilidade competirá ao Tribunal de Contas da União, cuja atividade de controle externo contempla, entre outros aspectos, a verificação da legalidade, , da legitimidade e da economicidade dos atos relacionados com a gestão de recursos públicos no âmbito da administração contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades federais. O parecer jurídico emitido por consultorua ou ssessoria jurídica de órgão ou entidade, via de regra acatado pelo ordenador de despesas, fundamenta e integra a motivação da decisão adotada, estando, por isso, inserido no âmbito de verificação de legalidade, da legitimidade e da economicidade. Conclui-se que o fato de o autor de parecer jurídico não exercer função de execução administrativa, não ordenar despesas e não utilizar, gerenciar, arrecadar, guardar ou administrar bens, dinheiros ou valores públicos não significa que ele se encontra excluído do rol de agentes que estão sob a disciplina da Corte de Controle. (PEREIRA JUNIOR e DOTTI, 2012).
Logo, percebe-se que a polêmica sobre a possibilidade de os Tribunais de Contas julgarem os pareceristas persiste fortemente no âmbito jurisprudencial e doutrinário.
Contudo, verifica-se que, não obstante as decisões recentes que atribuam responsabilidade ao parecerista perante o Tribunal de Contas, bem como a corrente doutrinária nesse sentido, a tendência do Supremo Tribunal Federal é que é possível se apurar uma responsabilização solidária do consultor apenas pela OAB ou via judicial.
Ademais, tal responsabilidade dependerá da existência de dolo, má-fé, erro grosseiro do parecerista ou parecer vinculante. Porém, deve-se preservar a liberdade de opinião do advogado decorrente de sua função consultiva e não de gestor de contas, não podendo, portanto, ser responsável perante o Tribunal de Contas.
5 CONCLUSÃO
Assim sendo, conclui-se que não há o que se falar em responsabilização do advogado de Estado perante o Tribunal de Contas, não obstante seja admitida a sua convocação para que se prestem esclarecimentos sobre o teor de seus pareceres.
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