Introdução
O presente trabalho tem como escopo último discorrer sobre o procedimento sumário. Esse breve estudo não pretende esgotar o tema. No entanto, procuraremos desenvolvê-lo da maneira mais completa possível, abordando aspectos doutrinários, jurisprudenciais e fáticos, que visarão esclarecer melhor o que significa sumarização, e como tal noção se manifesta no plano prático.
Preliminarmente, serão apontadas as diferenças entre processo e procedimento. Em seguida, buscar-se-á fazer uma análise comparativa entre os vários ordenamentos jurídicos, verificando de que modo a sumarização contribui para uma maior efetividade do processo.
O procedimento sumário tem como finalidade propiciar maior celeridade à solução de determinadas causas, seja em razão do valor envolvido, seja em razão da pouca complexidade da matéria. O legislador criou dispositivos que tornaram esse procedimento mais simplificado e concentrado, quando comparado com o rito ordinário. Contudo, resta importante saber diferenciá-lo deste último, apontando a sua exata estrutura, nas hipóteses em que é admitido.
Assim, o rito sumário, em conjunto com outros instrumentos processuais, intenciona atender as demandas sociais por maior celeridade, solucionando prontamente os conflitos e permitindo a todos o pleno acesso à Justiça. De qualquer forma, ainda é imperativo que se renove o ordenamento, de forma a permitir que se alcance esse ideal.
1. Processo e procedimento: distinção
Conforme já é consenso na doutrina, não há sociedade sem Direito. Caso não existisse, as diferentes condutas jamais poderiam ser reguladas. Ademais, ele cumpre, nos distintos meios comunitários, papel de pacificador social: uma vez surgidos os conflitos, que são fatores de conturbação social[1], o Direito deve agir como agente voltado à resolução de tais contendas, ditando a Justiça.
Esse papel tem íntima relação com a função jurisdicional do Estado. Este último, utilizando-se das prerrogativas que lhe foram dadas pelo ordenamento jurídico, substitui os titulares do conflito para alcançar, de maneira imparcial, uma solução. Evidentemente, essa função não se exerce de forma arbitrária, e deve sempre respeitar o devido processo legal[2].
Na concretização da jurisdição, o Estado tem ainda de respeitar determinados limites, em especial aqueles impostos pelo texto constitucional. Precisamente em razão de tais limitações, criaram-se certos princípios informativos do processo, de observância obrigatória por parte do Poder Público e dos particulares. Boa parte deles se encontra em nossa Carta Constitucional. Como mais relevantes, citemos:
a) o princípio do juiz natural, que garante que ninguém poderá ser processado nem sentenciado senão por autoridade competente (artigo 5º, inciso LIII, da Constituição Federal). Tal princípio se liga intimamente à proibição de juízo ou tribunal de exceção (artigo 5º, inciso XXXVII);
b) o princípio da investidura, que limita o exercício da atividade jurisdicional a quem esteja legitimamente investido da jurisdição;
c) o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, inciso XXXV da CF, cuja redação explica que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito;
d) o princípio da indelegabilidade, que torna, conforme o próprio nome já explica, indelegável a jurisdição. Esta última só pode ser exercida por agente escolhido pelo Estado, vale dizer, o juiz.
Respeitadas essas considerações iniciais, percebemos que somente o processo pode cumprir, de maneira satisfatória, com o papel de servir como instrumento da jurisdição. Essa forma de prestação da tutela jurisdicional costuma dividir-se, doutrinariamente, de duas maneiras distintas: a) em uma primeira forma, essencial, o processo pode ser conceituado como relação jurídica processual, que vincula autor, juiz e réu; b) em outra, exteriorizada, o processo pode ser conceituado como procedimento, atos que se movimentam concatenada e interligadamente, cujo início se dá com o pedido, e o fim com a prestação da tutela jurisdicional[3].
Ora, mesmo que o processo possua caráter ambivalente, como exposto acima, não se deve confundi-lo com o procedimento. Nossa própria Constituição, ao dispor sobre um e outro termo, ao longo do seu corpo, torna ainda mais evidente a necessidade de se distingui-los sem equívocos[4].
De qualquer sorte, já resta claro na doutrina majoritária que o processo constitui uma força, um impulso que justifica e motiva o exercício dos atos do procedimento, interligando os diferentes sujeitos da relação processual nascida. Logo, o que dá substância ao processo são os aspectos dos seus atos, da relação que há entre estes e da relação que existe entre seus sujeitos. O procedimento restaria, assim, como meio extrínseco e fenomenológico pelo qual o processo toma forma, no plano da realidade perceptível[5]. O processo representa, pois, uma direção no movimento, ao passo que o procedimento simboliza a forma em que é movido e o modo de mover[6].
Humberto Theodoro Júnior expõe conceito semelhante, no que tange ao ponto em questão:
“Processo e procedimento são conceitos diversos e que os processualistas não confundem.
Processo, como já se afirmou, é o método, isto é, o sistema de compor a lide em juízo através de uma relação jurídica vinculativa de direito público, enquanto procedimento é a forma material com que o processo se realiza em cada caso concreto[7].”
Assim sendo, cabe distinguir processo e procedimento. Este é a dinâmica do processo em ação. O procedimento é o rito pelo qual se desenvolve o processo, é a forma pela qual se desenrola o processo. Da mesma maneira que, na investigação científica, quando se procura a verdade, emprega-se, inevitavelmente, um método e, dentro deste, uma técnica, também o processo exige uma disposição metódica de atos jurisdicionais. Enquanto o método vem a ser o conjunto de etapas ordenadamente dispostas, tendo-se em vista uma finalidade, o cumprimento de tais etapas pode ensejar várias técnicas. As etapas do método podem ser cumpridas de várias formas, e cada uma destas consiste numa técnica. Pode-se afirmar, portanto, que o processo seria o método e o procedimento a técnica, vale dizer, a melhor maneira de se levar a cabo o disposto no processo.
O procedimento não é, no entanto, simples em sua representação fática: subdivide-se em distintas espécies. De acordo com Cândido Rangel Dinamarco, o critério utilizado pelo legislador para efetuar tal subdivisão se pauta na funcionalidade[8]. Os atos perpassam, assim, por um iter estipulado pela lei, que varia de acordo com a natureza do provimento jurisdicional (processo de conhecimento, de execução ou cautelar), com o interesse público, com a necessidade de uma tutela mais célere, com a existência de particularidades próprias[9] etc.
Visto que os processos especiais – vale dizer, aqueles que tratam de certos grupos de relações jurídicas, de relações isoladas ou da particularidade da cognição[10] – exigem, nos casos concretos, triagem e práticas diferenciadas, irracional seria deixar o procedimento alheio a tais circunstâncias. Divide-se este último, pois, em comum e especial. O critério para a utilização do procedimento comum se dá por exclusão, ou seja, ele é aplicado nos casos em que a lei pátria não estipula um procedimento especial determinado, a ser seguido de acordo com a natureza da situação concreta, conforme o artigo 271 do Código de Processo Civil (CPC).
Por sua vez, o procedimento comum ainda se reparte em dois tipos, quais sejam, em ordinário e sumário. De maneira análoga ao que já se explicou no parágrafo anterior, o critério que prevalece aqui é também o da exclusão: o procedimento sumário, mais concentrado e regulado taxativamente pelo legislador, deve atender certo valor da causa ou razão de matéria específica, ao passo que o procedimento ordinário se aplica às demais situações[11].
Aliás, a redação do artigo 272, parágrafo único, do CPC é claríssima quando dispõe que “o procedimento especial e o procedimento sumário regem-se pelas disposições que lhe são próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições gerais do processo de conhecimento”.
De qualquer sorte, nosso legislador não teve o desiderato de se aprofundar, a miúdes, nesses procedimentos diferenciados. A disciplina normativa do CPC se restringiu a abranger regras consideradas particulares. Em outras palavras, as disposições da legislação processual civil se limitaram a especificar os pontos em que as normas se afastam do padrão do procedimento ordinário; daí a subsidiariedade deste último, na regulação dos procedimentos sumário e especiais[12].
2. Considerações históricas e comparativas sobre a formação do procedimento sumário
Sumarização, consoante a lição de Paulo Heerdt[13], é resumo, redução, diminuição, síntese, de maneira breve e sem formalidades ordinárias. Tal noção surgiu no âmbito do processo romano. Provavelmente por conta da praticidade com que tratavam suas questões jurídicas, os romanos sentiram grande necessidade de sumarizar, criando procedimentos alternativos ao tradicional ordo iudicorum privatorum, aplicável durante a fase de justiça privada. Tendo como finalidade crescente e central dar mais celeridade aos atos processuais, em especial a partir do período do processo per formulas, o processo romano objetivava obter menor formalismo e maior rapidez no seu andamento.
Decerto, a resistência desse povo à morosidade processual tem fundamentação bem razoável, e seus argumentos insistem em existir nos dias atuais. A idéia de que a demora excessiva na prestação da tutela jurisdicional implica uma concretização mitigada da Justiça não é uma construção contemporânea. Mesmo que o processo constitua necessariamente, em seu exterior, uma forma cadente de atos concatenados que se encontram em movimento, numa sucessão de determinações temporais, não é razoável supor que a prestação da tutela deva se dar com morosidade descabida. A demora na resolução do conflito representa um grave empecilho, que impossibilita o devido acesso à justiça e à obtenção de uma resposta eficaz do Estado aos conflitos gerados.
Uma vez compreendidas as noções anteriormente explicadas, não resta difícil apreender que as diferentes sociedades organizadas sempre buscaram, de uma maneira geral, dar mais celeridade e sumarização às suas formas processuais, sobretudo porque os atos e revestimentos do processo não atingem seus fins se forem pouco práticos, especialmente nos casos em que as causas são de pequeno valor ou de parca complexidade jurídica[14].
A tendência, hoje universal, de sumarizar as formas reforçou-se amplamente durante a década de 60, em especial após a construção teórica do modello di Stoccarda, revelado por Fritz Bauer e largamente comentado pela doutrina italiana. Tal modelo defendia que, tanto no processo penal quanto no civil, era possível conduzir a termo todo o processo em um único debate oral. De acordo com tal referencial, os pequenos debates, longe de constituírem uma ajuda à resolução dos conflitos, só emperram o avanço do processo. Logo, devia-se tentar resolver a lide num único debate, mais rico do que aqueles de então. Tal posicionamento foi intensificado, durante a década de 70, pela instituto alemão denominado Vereinfachungsnovelle, que previa a concentração da instrução, dos debates e da decisão da causa em uma única audiência oral[15].
Embora tais idéias tenham representado um certo extremo, a universalidade da idéia de sumarização do processo não perde sua credibilidade. A busca por celeridade nas formas atuais é tamanha que chega até mesmo a aproximar common law e doutrinas influenciadas por construções romanas, canônicas e germânicas. Se, por um lado, tais sistemas de Direito são bem distintos em inúmeros aspectos, por outro verificamos que, ao menos no que concerne à preocupação em dar mais velocidade ao andamento do processo, se aproximam consideravelmente. Percebemos que no sistema anglo-saxão abandona-se o adversary system em prol de rito mais simples e rápido, de caráter inquisitorial e administrativo, ao passo que no Direito de matriz continental convergem-se as idéias para três pontos específicos, a saber, a publicização, a oralidade e a socialização do processo[16].
Tais alterações na óptica processual não ocorreram gratuitamente. Elas constituíram, acima de tudo, uma reação histórica ao antigo liberalismo individualista. A aplicação da lei pelo juiz era, nesse período, “matemática”, vale dizer, não se pautava na aproximação entre o magistrado e a luta das partes, reservando-se a estas com exclusividade não só a iniciativa do processo, mas a introdução de elementos probatórios e, não raro, a própria condução do feito[17].
No século XX, todavia, é que se inserem de maneira definitiva os fundamentos sociais no mundo do processo. Nesse novo paradigma, o benefício da tutela jurisdicional, por conta de sua dimensão supra-individual, não mais se enquadra nos moldes processualistas clássicos. Por outro lado, percebemos que os conflitos interindividuais não restam como um embate qualquer, e devem se basear e ser protegidos por princípios emanados da ordem e dos interesses sociais, então defendidos. Trata-se, pois, da influência do Estado Social de Direito no direito adjetivo.
Mauro Cappelletti, apud Gilson D. Miranda, pondera que existe, desde a instauração de tais princípios, uma visão tridimensional do fenômeno processual. O jurista se vê compelido, ao analisar os conflitos concretos, a considerar o problema social ou necessidade que demanda resposta no plano jurídico; a avaliar tal resposta em sintonia com a aptidão das instituições e dos procedimentos responsáveis por sua atuação; e a verificar o impacto causado por esta mesma resposta jurídica, isto é, checar sua eficácia. De fato, tais preceitos se encontram de pleno acordo com nossa Carta Magna, reforçando a idéia de que o processo deve respeitar as garantias constitucionais (constitucionalização do processo civil)[18].
Vale ressaltar, contudo, que a difusão mundial de tais princípios não implica tratamento legislativo idêntico nos diferentes países que assumiram tais valores. O direito comparado nos mostra que são poucos os ordenamentos que se assemelham ao nosso, naquilo que diz respeito à sumarização. De qualquer modo, tal comparação não deixa de ser útil, dado que esse escambo pode aperfeiçoar os métodos daqueles que compartilham o mesmo paradigma e buscam os mesmos fins.
Na Alemanha, por exemplo, não existe procedimento sumário, mas somente procedimentos especiais com cognição sumária, diferenciados do ordinário, que passaram a ser chamados de sumários, provavelmente porque suas regras são mais concentradas.
Já na Itália, há situação oposta: o CPC italiano prevê três modalidades de procedimentos sumários (injuncional, cautelares e possessórios). Há ainda procedimento mais simples e abreviado, que pode até mesmo ser verbal. No entanto, o nome desses institutos não abarca o vocábulo “sumário”, tal como ocorre no Brasil: tal termo só se emprega com finalidades didáticas.
O CPC francês, editado em 1806, inicialmente previa um procedimento sumário, ao lado do ordinário e de outros procedimentos especiais. Entretanto, o Decreto 72.684 de 20/07/1972 extinguiu-o, impossibilitando, assim, a existência de um rito abreviado que possa servir como base de comparação.
O modelo português é o que mais se aproximava do nosso antigo sistema do procedimento sumaríssimo. Contudo, a reforma trazida pela lei 9.245/95 distanciou-nos dele. Em linhas gerais, representa atualmente um processo ordinário em miniatura, simplificado, com leves modificações (tais como a discussão sempre oral do aspecto jurídico da causa e o julgamento por juiz singular, caso não seja admitida a intervenção do tribunal coletivo).
Na Espanha, a utilização dos procedimentos se liga intimamente ao valor da causa. Eles se diferenciam de acordo com a importância de seus respectivos objetos. Os equivalentes espanhóis ao procedimento sumário brasileiro, lá denominados “procedimentos plenários rápidos”, não guardam grande semelhança estrutural com o nosso modelo. As únicas similitudes no rito abreviado parecem ser quanto à determinação do valor da causa e ao procedimento verbal.
Aliás, é interessante perceber que o procedimento verbal do sistema colombiano é o que mais se aproxima do nosso sumário. Intentada a ação, designa-se a audiência onde o réu apresentará, caso deseje, a contestação oral ou escrita, bem como as exceções, vedando-se a reconvenção. Antes de argüir as exceções, o juiz deverá tentar conciliar as partes. Se necessárias, outras provas poderão ser produzidas, mesmo que documentais, na própria audiência; caso essa produção não seja possível nesta última, marcar-se-á um novo encontro. Uma vez terminada a instrução, as partes debatem a causa por vinte minutos cada uma, e passa-se à sentença. Sendo imperativa a designação de uma nova audiência, o juiz deverá marcar tal ato nos cinco dias subseqüentes.
Por fim, verificamos que na Argentina não há qualquer ponto firme de aproximação substancial com o nosso sistema, salvo em parcos dispositivos legais isolados. O mesmo ocorre no caso do Códigos de Processo Civil chileno, uruguaio e paraguaio[19].
3. Princípios do procedimento sumário
3.1. Devido processo legal
O devido processo legal é um princípio basilar do processo civil, é tão importante que bastava a sua observância para a concretização da justiça, através de um processo justo e uma sentença justa. Ainda assim, o devido processo legal não se limita à ciência processual, é muito mais amplo, incidindo nos ramos substanciais, pois qualquer limitação à vida, liberdade e propriedade deve passar pelo “due process of law”, disposto nesse sentido mais amplo no inciso LLV do art. 5º da atual Constituição Federal: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
No processo civil, o devido processo legal deve ser visto como uma efetiva possibilidade que as partes devem ter para a garantia de acesso à ordem jurídica justa, sendo a manifestação tanto do direito de ação, do direito à defesa e ao contraditório e da igualdade entre as partes.
3.2. Contraditório
A Constituição Federal dispõe: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV).
O princípio do contraditório, também chamado de bilateralidade da audiência, é fundamental à função jurisdicional e mantém estreita ligação com os princípios do direito de ação e do tratamento igualitário entre as partes. Envolve tanto o direito de invocar a prestação da tutela jurisdicional quanto o direito de contraposição à pretensão, ou seja, o direito amplo de ação e o direito de defesa. No decorrer do processo deve ser assegurado às partes o conhecimento de todos os atos do processo assim como a oportunidade de reação aos atos que lhe sejam desfavoráveis.
Deve-se garantir não só para o autor e para o réu, mas para todas as partes litigantes as mesmas oportunidades e os mesmos instrumentos processuais para que possam amparar seus direitos e pretensões.
3.3. Oralidade
Como no procedimento sumário há uma simplificação dos atos processuais, marcado por uma aceleração do ritmo do procedimento, um de seus princípios dominantes é o da oralidade.
O que caracteriza a oralidade é uma predominância da comunicação oral na apresentação da alegação da parte e da produção das provas. Como ensina Chiovenda, o princípio da oralidade é complementado pelos princípios da imediatidade, concentração e identidade física do juiz, formando na verdade um todo incindível.
“Destarte, o juiz é posto em contato imediato com as partes e suas alegações (imediatidade), constituindo a palavra oral o principal suporte das pretensões das partes e o elo de ligação entre os sujeitos do processo (oralidade stricto sensu), o que é facilitado pela prática dos principais atos processuais na audiência (concentração)” [20].
A oralidade permite que o juiz apreenda oralmente as alegações produzidas pelas partes, permitindo-o tirar conclusões a partir de manifestações de fisionomia, som da voz, firmeza, emoções, embaraços, entre outras expressões.
O procedimento é assim marcado pelo menor número de atos a ser praticados em juízo, resultando em uma menor complexidade e possibilitando o processamento e a decisão das causas em um tempo mais reduzido e com o mínimo de despesas.
O princípio da oralidade permite a instrumentalidade e efetivação do processo, grandes preocupações que marcaram as reformas do Código do Processo Civil.
Um procedimento estritamente oral é de alcance inviável, em virtude das próprias particularidades impostas à prestação jurisdicional, como a necessidade de garantir o devido processo legal. Exige-se que ao menos as peças e termos fundamentais do processo sejam por escrito. No entanto, os procedimentos oral e escrito não são excludentes, e sim se complementam, havendo no processo sumário uma predominância da oralidade em relação à forma escrita.
3.4. Imediatidade
O princípio da imediatidade, também conhecido como princípio da imediação, significa que o juiz que vai enunciar a sentença deve estar em contato direto e pessoal em relação à prova, às partes e seus advogados, para formar sua percepção sensorial. Esse princípio, ligado ao da oralidade, tem maior relevância no que diz respeito à prova testemunhal, porque o juiz obtém elementos de convicção do contato imediato com o depoente, permitindo-lhe aferir se a testemunha está dizendo a verdade a partir de suas reações.
O Código de Processo Civil adotou esse princípio, “determinando que o juiz proceda direta e pessoalmente à colheita das provas (art. 446, II), ouvindo os peritos (art. 435), inquirindo testemunhas (art. 416) e as partes (art. 344), diretamente, inspecionando pessoas, coisas ou locais (arts. 440 e 442)” [21].
3.5. Identidade física do juiz
Pelo princípio da identidade física do juiz, o mesmo juiz que tenha encerrado a audiência deverá decidir a causa, ou seja, o juiz que colhe a prova deve proferir a sentença. O Código de Processo Civil regula de forma expressa o princípio no art. 132[22], não exigindo a observância nos casos de convocação, licenciamento, afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria do juiz, hipóteses em que caberá ao seu sucessor proferir a sentença. O novo juiz pode determinar a repetição da prova já produzida, se entender necessário.
Com a alteração pela Lei 8.637/93, não se fala mais em instrução, e sim em encerramento da audiência, de modo que o magistrado que deu início à produção de prova e não encerrou a instrução, mas marcou nova data para a audiência em continuação, não estará obrigado ao julgamento, enquanto assim estará se encerrou a audiência, mesmo se não produziu as provas, se não ocorreu qualquer das exceções previstas no art. 132. Assim,
“(...) a dicção contemporânea do art. 132, do CPC, ao postergar o momento da vinculação para a conclusão da audiência, sem se referir a ter ou não havido colheita de provas, pode – e deve – ser aplicado literalmente, posto que a deliberação judicial de encerramento do ato solene e implica na convicção do magistrado de que o feito está maduro para ser julgado, sem necessidade de provas outras, com os fatos ali debatidos ainda vivos em sua memória” [23].
Como o exercício da jurisdição é regido pelo princípio da investidura no cargo, estando o Juiz fora do exercício do cargo, falta-lhe competência para julgar os casos conferidos ao cargo, justificando assim a desvinculação nas hipóteses de convocação, licenciamento, afastamento, promoção e aposentadoria. De forma diversa, há vinculação do juiz auxiliar e do juiz substituto, quando designados para outra vara.
O princípio da identidade física do juiz é abrandado na hipótese da colheita de prova fora da jurisdição da causa, permitindo-se que a prova testemunhal seja colhida por diferentes juízes, por meio de carta precatória.
3.6. Concentração
O princípio da concentração exige que os atos do processo sejam realizados em um período breve do tempo, preferencialmente em uma única oportunidade, sucessivamente, uns próximos ao outros. É uma das principais características do procedimento oral, e permite a facilitação da apreciação do pedido pelo Juiz, pois concentrando as atividades processuais o juiz pode, colhendo as provas e ouvindo as alegações finais, decidir sob as impressões ainda frescas na sua memória.
Não sendo possível concluir a audiência no mesmo dia, em face do grande número de testemunhas, o julgador poderá marcar nova data para continuação, sempre que possível próxima da anterior, conforme dispõe o art. 455 do Código de Processo Civil.
3.7. Unidade e continuidade da audiência
“Esse princípio significa que a audiência, tônica do procedimento oral, é sempre una e contínua, ainda que se desdobre em mais de uma etapa” [24]. Sendo prorrogada para dia próximo, não se repetem as fases já vencidas, é a mesma audiência, ainda que realizada por etapas, fragmentada no tempo. Destarte, dispõe o art. 455 que a audiência e uma e contínua, e que não sendo possível concluir no mesmo dia a instrução, o debate e o julgamento, o juiz deve marcar o seu prosseguimento para dia próximo.
3.8. Livre convencimento motivado do juiz
O Juiz pode analisar livremente as provas produzidas nos autos, agindo em conformidade com o seu convencimento, devendo sempre explicitar os fundamentos que o levaram a chegar à conclusão obtida. “O Juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegado pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento” (art. 131 do CPC). A fundamentação é inclusive uma exigência constitucional, imposta pelo inciso IX do art. 93 da Constituição Federal.
No tocante às matérias de fato, o juiz só poderá considerar o material constante nos autos, pois prova não submetida ao contraditório está desprovida de valor. Ademais, a apreciação das provas pelo juiz deve ser feita de maneira racional, de forma a garantir a coerência da decisão e a possibilidade de revisão lógica.
3.9. Irrecorribilidade das decisões interlocutórias
Esse princípio é justificado pela necessidade de agilizar a prestação jurisdicional, imprimindo maior celeridade ao procedimento, de forma que as decisões consideradas interlocutórias são irrecorríveis, não cabendo apelação. Há, no entanto, no processo civil brasileiro, recursos próprios a essas decisões, que é o agravo (instrumento ou na forma retida).
Com as reformas do Código de Processo Civil há uma tendência de afastar a recorribilidade dessas decisões, permitindo-a apenas através do agravo retido. Com efeito, a lei 11.187, de 19/10/2005, que entrou em vigor em 19 de janeiro do corrente ano, alterou o Código de Processo Civil conferindo nova disciplina ao agravo de instrumento. Na redação anterior, a norma disposta no inciso II do art. 527 apenas facultava ao relator – "poderá converter" – determinar ou não a conversão do agravo de instrumento em agravo retido. No atual regramento, a conversão é de regra: o relator "converterá o agravo de instrumento em agravo retido (...)", salvo nas hipóteses em que decisão agravada for suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.
3.10. Publicidade
O princípio da publicidade é uma garantia do Estado de Direito, expresso também na Constituição Federal. É a exigência da publicidade dos atos processuais, e é ao mesmo tempo uma garantia para a sociedade e para o Estado. O segredo de justiça só poderá ser adotado quando o interesse público assim o exigir, tal como dispõe o art. 93, IX da Constituição Federal.
O Código de Processo Civil, no mesmo sentido, descreve no art. 155 as hipóteses em que é permitido o segredo de justiça.
“O segredo de justiça pode ser ordenado sempre que trate de matéria que humilhe, rebaixe, vexe ou ponha a parte em situação de embaraço, que dificulte o prosseguimento do ato, a consecução da finalidade do processo, ou possa envolver revelação prejudicial à sociedade, ao Estado, ou a terceiro” [25].
Contudo, mesmo nesses casos a sentença deve ser publicada, evitando-se a menção ao nome das pessoas, referindo-se apenas às iniciais dos nomes das partes e dos terceiros interessados, e constando apenas a conclusão. A comunicação dos atos deve ser feita de forma cifrada permitindo a comunicação apenas às partes e aos seus procuradores.
3.11. Motivação
O princípio da motivação se expressa na exigência constitucional de fundamentação de todos os julgamentos dos órgãos judiciários, e é a própria manifestação do Estado de Direito. Deste modo, deve o Juiz indicar as razões de fato e de direito que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. As decisões interlocutórias ou de extinção sem apreciação do mérito não precisam ser minuciosas, podem ter fundamentação abreviada, mas nunca lacônica. Ademais,
“A exigência da fundamentação das decisões judiciais, como bem precisou J.J.Gomes Canotilho, em suma, está radicada em três razões fundamentais: 1) controle da administração da justiça; 2) exclusão do caráter voluntarístico e subjetivo do exercício da atividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes; 3) melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes em juízo um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas” [26].
3.12. Lealdade
Esse princípio sugere que a partes devem sempre agir de boa-fé. Não podem, assim, postular de má-fé a prestação da tutela jurisdicional, e tampouco atuar de forma abusiva ou anti-ética. Busca-se reprimir o comportamento desleal e permitir que o processo cumpra a sua finalidade, fazer valer o direito abstrato ao caso concreto, incompatível com a idéia de má-fé.
3.13. Dispositivo
O juiz deve decidir a lide nos limites em que foi proposta, com base nos fatos apresentados e comprovados pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa das partes (art.128 CPC). Portanto, os limites da lide são definidos pelo autor em sua petição inicial.
A vinculação do juiz engloba não apenas o pedido, mas também a causa de pedir, ou seja, os fatos e fundamentos jurídicos do pedido. Ademais, o próprio autor está vinculado ao pedido, e não pode modificar o pedido ou a causa do pedido após a citação, sem o consentimento do réu. Impede-se a instabilidade da prestação jurisdicional, que surgia caso fosse possível livremente modificar os elementos da ação.