Artigo Destaque dos editores

A negociação coletiva da jornada de trabalho do motorista empregado à luz da Lei nº 12.619/2012

Exibindo página 1 de 3
08/03/2013 às 13:25
Leia nesta página:

É possível a negociação coletiva para se estabelecer limites mínimos para proteção do trabalhador, em consonância com as peculiaridades da atividade. É preciso dar certa liberdade ao motorista empregado para participar do planejamento da jornada.

Resumo: Destaca a relevância da jornada de trabalho para o Direito do Trabalho. Informa a possibilidade de flexibilização da jornada por meio da compensação prevista constitucionalmente. Traça sucintamente as posições doutrinárias acerca da compensação da jornada de trabalho. Elenca como válida a compensação mensal da jornada. Afirma que a representatividade dos trabalhadores é possível com a garantia da autonomia coletiva. Critica a existência de posições que enfraquecem a autonomia coletiva, que deve respeitar critérios na análise de eventual nulidade de norma coletiva. Cita casos em que a jurisprudência trabalhista pode gerar prejuízos aos trabalhadores de forma geral, destacando a relevância em se analisar de forma sistemática o ordenamento juslaboral. Releva a necessidade e viabilidade em se valorizar a flexibilização do Direito do Trabalho, sem prejuízo da inafastabilidade jurisdicional e da observância de mínimos limites. Demonstra a realidade da jornada de trabalho no Brasil de forma geral e a praticada no setor de transporte em comparação com outros países. Traz elementos que levam à conclusão de que os motoristas empregados de empresas especializadas não são os responsáveis pelo absurdo número de acidentes de trânsito no país. Destaca as principais alterações trazidas pela Lei 12.619/2012 e a quebra de paradigmas no setor de transporte rodoviário, inclusive com a valorização e incentivo às negociações coletivas. Conclui pela possibilidade de negociação coletiva para se estabelecer limites mínimos para proteção do trabalhador em consonância com as peculiaridades da atividade e garantindo a relativa liberdade do motorista empregado e sua maior participação no planejamento da jornada.


1 INTRODUÇÃO

O presente estudo busca avaliar os impactos da Lei 12.619/12 quanto às negociações coletivas cujo objeto se refere às jornadas de trabalho dos motoristas empregados, especialmente de empregadores cuja atividade empresarial seja o transporte e a logística.

Antigos paradigmas são superados e novos conceitos jurídicos são criados com o advento da Lei 12.619/12, que regulamenta a jornada de trabalho dos motoristas, fruto de ampla discussão no segmento de transportes no Brasil, com o envolvimento de representantes dos empregadores e empregados, como a Confederação Nacional do Transporte e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes.

Assim, propõe-se a leitura constitucional da realidade vivida pelas empresas e trabalhadores do transporte no Brasil com a adoção de acordos coletivos ou convenções coletivas para regular as especificidades da jornada de trabalho dos motoristas com relação trabalhista subordinada, notadamente diante da nova legislação aplicável.

A jornada de trabalho dos motoristas empregados sempre foi tratada pela jurisprudência laboral como qualquer outra aplicável aos demais trabalhadores, mas a Lei 12.619/12, promulgada em 30 de abril de 2012, fruto de profundas discussões dos segmentos profissionais e patronais, trouxe nova roupagem jurídica ao tema, que afetará profundamente os entendimentos acerca da jornada de trabalho na atividade empresarial de transporte.

Analisar o impacto desse novo diploma jurídico é relevante diante do desconhecimento do mundo jurídico sobre as reais implicações práticas, bem como em razão dos conflitos que certamente surgirão na interpretação e aplicação dos novos conceitos jurídicos instituídos.

Torna-se relevante descrever os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da possibilidade de se estabelecer em norma coletiva jornada de trabalho diversa da prevista legalmente/constitucionalmente, bem como interpretar o provável impacto da nova lei aos entendimentos atuais e comparar eventuais entendimentos já existentes em contraponto ao novo dispositivo legal, bem como interpretar e avaliar as implicações da Lei 12.619/12 sob uma ótica prática e objetiva quanto aos limites da negociação coletiva para regulação das jornadas de trabalho dos motoristas empregados.

Ao regulamentar a profissão de motorista empregado, a Lei 12.619/2012 instituiu novos conceitos e tenta adequar à realidade já vivenciada pelas empresas de logística e transporte, alterando com isso a forma de se interpretar os limites da negociação coletiva.

A jornada de trabalho do motorista empregado, contudo, não possuía regulamentação, causando insegurança jurídica às negociações coletivas celebradas pelas empresas de transporte, tendo em vista as diversas peculiaridades práticas desse ramo de negócio.

Com o advento da Lei 12.619/12, cuja vigência se iniciou em junho de 2012, faz-se necessário a rediscussão dos limites das negociações coletivas quanto à jornada de trabalho com as diversas escalas praticadas pelos motoristas empregados.


2 OS LIMITES DA DURAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL

A discussão acerca do limite da duração do trabalho esteve presente desde os primórdios do Direito do Trabalho Internacional, sendo tema da primeira Convenção da OIT (n° 1 de 1919), que estabeleceu 8 horas diárias e 48 horas semanais como limite do labor, seguido por outras Convenções sobre o tema: 14/1921 (Descanso Semanal na Indústria), 30/1930 (Horas de Labor em Escritórios e Comércio), 47/1935 (Estabeleceu padrão de 40 horas) e 106/1957 (Descanso Semanal no Comércio e Escritórios).

No Brasil, o limite da duração diária foi previsto pela primeira vez na Constituição de 1934 com jornada de 8 horas diárias e 48 semanais, previsão mantida na Constituição de 1967 (alterada pela Emenda Constitucional de 1969) [1] até que a Constituição da República de 1988 diminuiu o limite para 44 horas semanais, inserido no art. 7°, no Capítulo dos Direitos Sociais, regras fundamentais acerca da duração do trabalho em sentido amplo, da seguinte forma:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

(...)

XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

(...)

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

(...)

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal;

A análise dos referidos dispositivos constitucionais leva à conclusão de que a regra é a jornada diária de 8 horas e 44 horas semanais, e 6 horas diárias e 36 horas semanais no caso de turno ininterrupto de revezamento, facultada a compensação de horários e redução por meio de negociação coletiva, tal como previsto expressamente.

Essa regra é excepcionada, porém, diante da possibilidade de flexibilização por meio de norma coletiva[2] tal como previsto na Constituição (art. 7°, XIII e XIV) e corroborado pelos arts. 58 e 59 da CLT, verbis:

Art. 58. A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de oito horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

(...)

Art. 59. A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de duas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante convenção coletiva de trabalho.

(...)

§ 2º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.

(...)

Diante disso surge a dúvida quanto ao limite da negociação coletiva para a flexibilização da jornada de trabalho. Analisando os entendimentos existentes quanto à compensação da jornada, reconhecendo a autorização constitucional e a necessidade de flexibilizar, bem como rechaçando elastecimentos da jornada prejudiciais aos trabalhadores, o Ministro do TST Maurício Godinho Delgado estuda três linhas hermenêuticas acerca do assunto, sendo a primeira no sentido da “compensação estritamente intrassemanal”, a segunda corrente no sentido de ser possível a “compensação ao longo do ano” e a terceira posição como a “compensação intersemanal, respeitado o parâmetro do mês”. [3] O renomado autor esclarece a terceira posição, nos seguintes termos:

Para a presente linha hermenêutica, os parâmetros relativos ao regime de compensação de horários, no Direito do Trabalho, estender-se-iam, inequivocadamente, até a fronteira temporal máxima do mês (220 horas, pois, segundo o padrão criada pela mesma Constituição – se não aplicável ao caso determinada duração especial). Sustenta a corrente em estudo que o mês, de maneira geral, se constitui no parâmetro central e, ao mesmo tempo, máximo para cálculo de valores e quantidades básicas no Direito do Trabalho – sendo, desse modo, também o limite temporal lógico e teleológico para o regime de compensação de horas de labor. Para esta corrente, o parâmetro mensal, além disso, teria a virtude, por um lado, de suplantar a excessiva rigidez celetista (rigidez não absorvida pela Constituição, a teor dessa linha interpretativa), sem comprometer, por outro lado, os direitos individuais e sociais concernentes à saúde no ambiente laboral e saúde pública assegurados pela mesma Constituição (que se enfraquecem com a adoção do parâmetro anual).[4]

Interpretando os regimes de compensação previstos o Tribunal Superior do Trabalho consolidou-se a Súmula 85 nos seguintes termos:

Súmula nº 85 do TST

COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item V) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.

I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85 - primeira parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-1  - inserida em 08.11.2000)

III. O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 - segunda parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (ex-OJ nº 220 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)

V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva.   

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Logo, diante da autorização constitucional e legal para a celebração de norma coletiva prevendo compensação mensal da duração do trabalho, conclui-se que o limite temporal mensal para a negociação deve ser o equivalente a 220 horas no caso de jornada fixa e 180 horas no caso de turno ininterrupto de revezamento.


3 O DESAFIO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA PARA A ATIVIDADE EMPRESARIAL

A autonomia coletiva garante à representatividade dos trabalhadores o poder de estabelecer normas específicas à categoria representada frente ao capital, seja por meio de Convenção Coletiva de Trabalho, seja por meio de Acordo Coletivo de Trabalho, tendo como garantia constitucional (CF, art. 7°, XXVI) [5] a validade das condições negociadas.

Contudo, observa-se na prática que as negociações coletivas celebradas de boa-fé pelas entidades sindicais e empresas não raro são analisadas de forma superficial e desconsideradas pela jurisprudência juslaboral, causando insegurança jurídica nas relações negociais e prejudicando a médio e longo prazo os direitos dos trabalhadores, haja vista que a atuação prejudicial dos atores sociais em face da atividade econômica causa tendência de diminuição da concessão dos benefícios aos trabalhadores não previstos em normas heterônomas estatais.

Sabe-se que toda lesão ou ameaça a direito dos trabalhadores exige a apreciação do Poder Judiciário Trabalhista (CF, art. 5°, XXXV), mas é preciso observar que a classe trabalhadora brasileira está fadada à estagnação caso se insista em se presumir ausência de capacidade dos sindicatos profissionais em estabelecer condições específicas de trabalho. Isso tende a ocorrer porque com o aumento do rigor e a fragilização da autonomia coletiva, há o engessamento das empresas que temem em conceder benefícios além dos previstos em normas legais e gerar passivos trabalhistas que podem inviabilizar a atividade empresarial.

Obviamente não se defende que o sistema de proteção laboral não analise as mínimas condições para validade das negociações coletivas, devendo elencar mínimos requisitos para se evidenciar o poder efetivo dos trabalhadores a ponto de dar validade à norma negociada, como analisado por Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, in verbis:

A autonomia coletiva contém três elementos estruturais e básicos que correspondem às faculdades de auto-organização (art. 8°, caput, I e III, CF), que se expressa no princípio constitucional da liberdade sindical e da autonomia sindical em sentido estrito; de autotutela (art. 9°, CF), que assegura o direito de greve e de ação sindical e de conflito; e de autonormação (art. 7°, incisos VI, XIII, XIV, XXVI, e art. 8°, inciso VI, CF), que garante a negociação coletiva. Sejam positivadas como faculdades, liberdades ou direitos, tais garantias constitucionais são consideradas direitos complexos e integrados. A autonomia coletiva só pode ser admitida no mundo jurídico como mecanismo capaz de equacionar os conflitos se autonormação, auto-organização e autotutela estiverem presentes e plenamente asseguradas.

Desta forma, se não houver ampla garantia destas três esferas, não se poderá falar em autonomia coletiva como fundamento da negociação coletiva, e muito menos em negociação coletiva como fonte de direito, já que estes elementos visam reforçar a posição do único sujeito social que precisa de coesão interna para se apresentar como contrapoder, que são os trabalhadores. Se não for possível falar em poder efetivo dos trabalhadores, não haverá autonomia coletiva como poder de direito. Ou seja, sem condições efetivas para a constituição de um contrapoder não se poderá atribuir relevância jurídica à negociação coletiva, o que contribui para a avaliação de seus resultados e para o conteúdo das cláusulas negociadas.[6]

São inúmeros os exemplos de rigidez do judiciário trabalhista que impacta na rotina das empresas, pois ao avaliar suas condutas e evitar passivos judiciais trabalhistas, buscam conhecer a jurisprudência de modo a proceder segundo os entendimentos manifestados pelos tribunais juslaborais. Ocorre que ainda assim não há segurança jurídica, podendo citar pelo menos dois recentes exemplos oriundos do Tribunal Superior do Trabalho, que causam perplexidade a qualquer gestor de pessoal.

O primeiro exemplo é o item II da Súmula 364 do TST que enunciava entendimento pela validade de fixação proporcional do adicional de periculosidade desde que pactuada por meio de negociação coletiva e fora cancelado por meio da Resolução (TST) 174/2011 em maio de 2011, passando a prevalecer o entendimento de que norma coletiva não pode estabelecer a referida proporcionalidade. Com isso, empresas que já haviam pactuado com os sindicatos patronais durante anos a proporcionalidade do adicional de periculosidade foram surpreendidas com a alteração do entendimento sem qualquer marco temporal e agora se submetem ao passivo judicial, afetando a saúde financeira do negócio. Cita-se como exemplo o julgado abaixo, proferido pela Quarta Turma do TST em setembro de 2011:

RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. NORMA COLETIVA FIXANDO PERCENTUAL MENOR PARA O ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nesta corte prevalecia o entendimento de que era válida norma coletiva que previa a redução do percentual do adicional de periculosidade, bem como proporcional ao tempo de exposição ao risco (Súmula n. º 364, II). 2. Entretanto, o pleno deste tribunal superior, por meio da resolução n. º 174, de 24/5/2011 (dejt 27/5/2011), cancelou o item II e deu nova redação à Súmula n. º 364, expurgando a possibilidade de norma coletiva transacionar em relação ao adicional de periculosidade. 3. Com efeito, a jurisprudência atual deste tribunal é no sentido de que, por se tratar o adicional de periculosidade de medida de saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública e cogente (art. 193, § 1. º, da CLT), é proibida a flexibilização do percentual do adicional de periculosidade em patamar inferior ao legal, ainda que proporcional ao tempo de exposição ao risco. Precedentes desta corte. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido.[7]

Com efeito, empresas que sempre se pautaram no entendimento sumulado são surpreendidas com a alteração do entendimento daquela Corte Superior sem modulação dos seus efeitos, causando insegurança jurídica e tornando a relação trabalhista engessada. Nesse caso concreto, diante da atual redação da Súmula 364 do TST[8] é possível que as empresas optem por defender a tese de eventualidade da exposição, tendo em vista a ausência de previsão quantitativa para caracterização da eventualidade, nos casos em que a exposição ao agente perigoso não seja manifestamente permanente ou intermitente, o que embora gere risco de discussão judicial para caracterização da periculosidade, o principal prejudicado é o trabalhador que não poderá sequer receber o adicional proporcional e se for o caso, ser obrigado a bater às portas do judiciário para discutir a incidência ou não do adicional de periculosidade.

Outro exemplo de caso em que a jurisprudência trabalhista prejudica (em última análise) os trabalhadores é a recente alteração na Súmula 277 do TST ocorrida em sessão do Tribunal Pleno realizada em 14 de setembro de 2012, estabelecendo agora que “as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho”, ao passo que a redação anterior previa que “as condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho”. Agora, portanto, todos os benefícios concedidos por meio de normas coletivas integram definitivamente o contrato de trabalho, e sua exclusão deve ser expressa em negociação coletiva posterior. O impacto dessa alteração será o grande receio das empresas em conceder benefícios via acordo ou convenção coletiva, haja vista a definitividade das condições até ulterior previsão expressa, gerando na prática a diminuição gradual e constante da previsão de acréscimos ao contrato de trabalho, como auxílio-alimentação, assistência médica, adicionais diversos, seguro de vida, entre tantos outros ganhos que os trabalhadores podem conquistar.

Destaca-se que a prática demonstra que benefícios não são concedidos apenas diante da pressão da entidade sindical, mas também por liberalidade do empregador na busca de motivar os trabalhadores para que mantenham ou aumentem sua produtividade, ou ainda para a retenção da mão-de-obra. 

Com efeito, acredita-se que no médio e longo prazo as conquistas dos trabalhadores serão reduzidas diante do receio da incorporação definitiva na concessão de benefícios, limitando as negociações coletivas à discussão de cláusula econômica (piso salarial e reajustes) e às jornadas de trabalho, embora a negociação desta, que é o foco da presente análise, também possa se esvaziar ao longo do tempo caso a rigidez se mantenha.

Ao tratar sobre a densidade normativa dos princípios juslaborais, corroborando as argumentações trazidas alhures, o Ministro do Colendo TST, Ives Gandra da Silva Martins Filho, em brilhante palestra[9], pontua que a rigidez protege o trabalhador apenas na reclamação trabalhista individual, mas quebra o sistema, prejudicando outros trabalhadores, inclusive os desempregados. Tal fato é notório e verificado na prática ao observar inúmeros fenômenos sociais, como a migração de empresas para locais com menor contenciosidade ou para outros países, aumento da informalidade e por consequência do desrespeito às normas trabalhistas, diminuição da concessão de benefícios e benesses aos trabalhadores, e a diminuição do empreendedorismo por parte dos empresários brasileiros que receiam em fomentar o desenvolvimento econômico, prejudicando em última análise o aumento do emprego no país.    

Por se adequar de forma central ao foco do presente estudo, pede-se vênia para transcrever os assertivos e brilhantes ensinamentos do Douto Ministro publicado no Volume 76, n° 07 da Revista LTr (Artigo oriundo da Conferência Inaugural do 52° Congresso brasileiro de Direito do Trabalho) ao tratar do antagonismo entre a rigidez e a flexibilidade da legislação laboral:

Para uns, a CLT deve ser aplicada e defendida em sua integridade, não se admitindo interpretações que atenuem a força protetiva do sistema. Essa rigidez faz lembrar os duros capacetes da 1a Guerra Mundial, que podiam proteger uma bala, mas não uma pancada muito forte, pela dureza do aço colocado em contado (sic) quase direto com a cabeça, não assimilando o golpe.

Já os modernos capacetes de plástico acolchoado da construção civil podem não proteger de uma bala, mas um golpe forte pode quebrar o capacete, mas preserva seu portador, pela assimilação do golpe. É o que ocorre com um sistema flexível, que salva o mais importante, que é o trabalhador e seu emprego.

As teorias antagônicas que se digladiam no campo do Direito do Trabalho são:

1)  Teoria do Não Retrocesso Social – segundo a qual as conquistas legais e convencionais obtidas não são mais passíveis de redução, tornando sempre maior o patrimônio jurídico do trabalhador.

2) Teoria da Reserva do Possível – segundo a qual as prestações sociais ou econômicas impostas ao Estado ou às empresas têm limites na capacidade financeira das entidades que por elas são responsáveis.

3)  Teoria do Mínimo Existencial – advoga a impossibilidade de flexibilização além do patamar mínimo que represente o que a pessoa humana tem direito em face de sua natural dignidade.

4) Teoria da Adaptação Setorial e Conjuntural – necessidade de adaptação das normas legais à flutuação periódica das condições econômicas de um determinado setor ou em face das alterações estruturais desse segmento, de modo a preservar empregos, sem precarização das condições laborais.

5) Teoria do Conglobamento – segundo a qual a negociação coletiva se faz como um todo, onde o conjunto das cláusulas estabelecidas num acordo ou convenção coletiva atende aos interesses das categorias profissional e econômica, que, para chegar à composição, cederam parcialmente em suas pretensões.

No Brasil, a flexibilização de direitos, que tinha foro legal (CLT, art. 503), passou a ter previsão constitucional (CF, art. 7°, VI, XIII, XIV e XXVI), na esteira do Direito Internacional do Trabalho, de se prestigiar a negociação coletiva (Convenções 98 e 154 da OIT). No entanto, a jurisprudência do TST vem estabelecendo os limites da autonomia negocial coletiva, ao analisar as ações anulatórias de cláusulas de convenções ou acordos coletivos de trabalho. Nesse sentido não se admitem cláusulas que:

a) suprimam direitos trabalhistas;

b) disponham sobre medicina e segurança do trabalho, direitos afetos a terceiros ou normas processuais;

c) impliquem comprometimento da liberdade sindical.

Ora, em vista justamente da teoria do conglobamento, mostra-se sumamente injusta a anulação tópica de cláusula de acordo ou convenção coletiva que tenha sido objeto de mútuas concessões, sendo que a concessão obreira é desconsiderada, mas a patronal mantida. Esquece-se que o acordo, sendo um todo negociado, não pode ser parcialmente anulado: o negócio jurídico é que deveria ser desfeito nesse caso.

Por outro lado, o conceito de normas de medicina e segurança do trabalho deve ser estrito, ou seja, topográfico legal. Assim, são normas de medicina e segurança do trabalho, infensas à negociação coletiva, aquelas que dizem respeito ao capítulo V do Título II da CLT e não as do capítulo II, que trata da jornada de trabalho. [10]

Observe-se que a posição contrária à tendência de rigidez e enfraquecimento das negociações coletivas não é isolado, tendo voz ecoando inclusive no Colendo Tribunal Superior do Trabalho ao se defender a possibilidade de flexibilização da jornada de trabalho via negociação coletiva.

A negociação coletiva quanto à jornada de trabalho é de extrema relevância para o processo produtivo, permitindo que os entes coletivos, empresas e sindicatos, negociem jornadas específicas que atendam à especificidade da atividade econômica e os anseios dos trabalhadores, o que é necessário que seja fruto de ampla discussão por todos os atores envolvidos, especialmente em assembleia dos trabalhadores, quando e onde se legitima os dirigentes sindicais a negociar em nome dos empregados envolvidos.

Maior prejuízo haverá com a ausência de qualquer intervenção sindical, podendo gerar situações extremas de elastecimento da jornada sem que o sindicato intervenha, ou ainda o estabelecimento de condições contrárias à vontade dos trabalhadores, como ocorre com a pressão de muitos magistrados e procuradores do trabalho que por entender que o turno ininterrupto de revezamento é mais prejudicial ao trabalhador desconsidera a vontade coletiva e procura impor a jornada fixa.

Não obstante a pior condição do turno ininterrupto para a saúde do trabalhador, o que é inegável, muitos trabalhadores preferem tal condição por diversos motivos, principalmente por poderem participar de forma mais presente na vida familiar, evitando, por exemplo, que trabalhe todos os dias no período noturno e descanse no período diurno, ficando alheio dos acontecimentos diários do seio familiar. Nesse caso, o que fazer? Desconsiderar a vontade coletiva? O sindicato deve ter autonomia para atuar na regulação que melhor convier aos trabalhadores, sem o qual não seria necessária sequer sua existência.

Nesse sentido, os sindicatos rodoviários em todo o país negociam[11] sobre jornada de trabalho dos motoristas empregados, regulando a duração do trabalho, escalas, formas de compensação e outras regras que se ajustam ao grupo de trabalhadores de acordo com os costumes locais adequando às mais diversas peculiaridades do Brasil, mas ainda assim as empresas brasileiras não atuam de forma segura porque assistem todos os dias o judiciário laboral reduzir a nada as negociações coletivas.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Julio Simão dos Santos

Advogado Corporativo. Pós-graduado em Direito do Trabalho. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela FDV. LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Julio Simão. A negociação coletiva da jornada de trabalho do motorista empregado à luz da Lei nº 12.619/2012. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3537, 8 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23910. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos