Artigo Destaque dos editores

A obrigação de licitar não deve ser imposta às entidades sem fins lucrativos

Exibindo página 3 de 5
22/04/2013 às 15:51
Leia nesta página:

10. Pregão obrigatório nas transferências voluntárias

O Decreto 5.504/2005 estabelece a exigência de utilização do pregão, preferencialmente na forma eletrônica, para entes públicos ou privados, nas contratações de bens e serviços comuns, resultantes de transferências voluntárias de recursos públicos da União, decorrentes de convênios ou instrumentos congêneres.

Os instrumentos de formalização, renovação ou aditamento de convênios, instrumentos congêneres ou de consórcios públicos que envolvam repasse voluntário de recursos públicos da União deverão conter cláusula que determine que as obras, compras, serviços e alienações a serem realizadas por entes públicos ou privados, com os recursos ou bens repassados voluntariamente pela União, sejam contratadas mediante processo de licitação pública, de acordo com o estabelecido na legislação pertinente.

Assim, no art.1º, §1º, o Decreto estabelece que, nas licitações realizadas com a utilização de recursos públicos, oriundos de transferência voluntária da União, para aquisição de bens e serviços comuns, será obrigatório o emprego da modalidade pregão, nos termos da Lei 10.520/2002 e do regulamento previsto no Decreto 5.450/2005, sendo preferencial a utilização de sua forma eletrônica, de acordo com cronograma a ser definido em instrução complementar.

Caso haja inviabilidade da utilização do pregão na forma eletrônica, deverá ser devidamente justificada pela autoridade competente.

Os órgãos, entes e entidades privadas sem fins lucrativos, convenentes ou consorciadas com a União, poderão utilizar sistemas de pregão eletrônico próprios ou de terceiros.

Na continuação do normativo, são tratados os casos de dispensa e inexigibilidade, quando as entidades privadas sem fins lucrativos observarão o disposto no art. 26 da Lei 8.666/1993, devendo a ratificação ser procedida pela instância máxima de deliberação da entidade, sob pena de nulidade.

Submetem-se a esses regramentos os entes públicos ou privados que recebam repasses voluntários, decorrentes de convênios ou ajustes semelhantes, inclusive as OS e Oscip.

Ao final, o Decreto anuncia que os Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda expedirão instrução complementar conjunta para sua execução.

Na exposição de motivos do presente Decreto, EMI 00110/2005/MP/MF anexada em Salinas (2008), demonstra-se a tentativa de estender a regra do Decreto 5.450/2005, que estabeleceu a obrigatoriedade da utilização da modalidade pregão eletrônico no âmbito da Administração Pública federal, para os casos em que estiverem envolvidos recursos públicos repassados voluntariamente.

Cita que a proposição está em consonância com a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, que considera obrigatória a utilização das modalidades de licitação previstas na Lei 8.666/1993 ou na Lei 10.520/2002, inclusive por instituições privadas, na hipótese de utilização de recursos públicos.

Ao final, prevê a implementação de forma gradual, considerando a disparidade de estrutura existente nas administrações públicas estaduais e municipais.

A Portaria Interministerial 217, de 31 de julho de 2006, dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda definiu os prazos para que os instrumentos de formalização dos convênios contenham cláusula que determine o uso obrigatório do pregão, preferencialmente na forma eletrônica, na contratação de bens e serviços comuns. Dessa forma, a aplicação depende do valor total do instrumento, sendo que o prazo final seria 31 de março de 2007.

Todavia, a Portaria Interministerial 150, de 18 de maio de 2007, prorrogou o prazo para o dia 31 de março de 2008. Da mesma forma, a Portaria Interministerial 75, de 9 de abril de 2008, estendeu o prazo para 30 de junho de 2008. A partir desta data, portanto, a exigência do uso do pregão deveria constar em todos os convênios firmados com a União.

O pregão previsto na Lei 10.520/2002 é utilizado para aquisição de bens e serviços comuns, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado. Conforme demonstrado na tabela 2, os termos dos convênios acompanharam as mudanças trazidas por este Decreto.

Surgiram posicionamentos diversos a respeito do tema, como, por exemplo, as análises feitas pelos professores Gustavo Justino de Oliveira e Jair Santana. O primeiro ao responder uma consulta sobre a aplicabilidade do aludido Decreto para as Oscip, em sua conclusão, afirma que embora ilegal, a edição do Decreto 5.504/2005 revela uma tendência no campo da regulação estatal do terceiro setor no Brasil, no sentido de impor-se às entidades privadas sem fins lucrativos um regime jurídico que é próprio dos órgãos e entidades que integram o setor público estatal, qual seja, o regime jurídico de direito público (JUSTINO, 2009, p. 206).

Nota-se que o posicionamento acerca do Decreto é pela ilegalidade. Além disso, demonstra a preocupação em se estender às entidades privadas sem fins lucrativos o mesmo regime jurídico de direito público ao qual se submetem os órgãos e entidades inseridos no setor público estatal. Conforme mencionado na EMI do Decreto, é justamente a sua intenção, alicerçando-se em posicionamentos do Tribunal de Contas da União.

Para o Prof. Jair Santana (2007, p. 11), o propósito de tal regulação foi imputar aos recursos transferidos a mesma roupagem do Decreto 5.450/2005. Em termos práticos, a ideia parece ser: “onde houver recursos transferidos voluntariamente haverá regime de pregão eletrônico, obrigatoriamente”. O eminente professor afirma ainda que, a despeito de vozes em contrário, a mecânica imposta pela União para canalizar os recursos transferidos voluntariamente na trilha do pregão eletrônico é medida que encontra suporte tanto fático quanto normativo.

No tocante ao primeiro aspecto, certamente não haverá quem discorde da necessidade de um melhor controle sobre os recursos aqui falados. No que diz respeito à ordem jurídica, no entanto, é preciso dizer algo que parece ter sido excluído dos debates levados a efeito por diversos autores. Trata-se de uma circunstância (normativa) muito importante. O fenômeno das transferências voluntárias tem raiz constitucional, (...). Não bastasse isso, o tema é conexo à orçamentação pública. Conhecendo-se bem a Lei Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000), dela vamos resgatar que toca à lei de diretrizes orçamentárias, estabelecer outras exigências para a realização de tais transferências (art. 25, § 1º). Ou seja, a Lei Fiscal que já estabelece diversas exigências para a realização de transferência voluntária determina que a LDO poderá outras tantas instituir. (SANTANA, 2007, p. 14).

Neste ponto, a argumentação traz à tona um importante normativo do sistema orçamentário brasileiro, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Quando se tratou das transferências voluntárias, ficou patente a diversidade de leis e normas que regram a matéria. Dentre elas, a LDO, criada pela Constituição Federal de 1988, compreenderá as metas e prioridades da Administração Pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. Além disso, a LRF também incumbiu a LDO de outras tarefas, dentre elas, destaca-se o tratamento para as transferências voluntárias. Assim, verificou-se nesse importante normativo, a partir de 2004, qual o tratamento dado à questão das transferências voluntárias, em especial a gestão dos recursos por parte das entidades privadas. A tabela 3 resume as LDO editadas desde 2004:

Tabela 3 – Trechos das LDO de 2004 a 2010

LDO

Termos

10.934/2004

-

11.178/2005

-

11.439/2006

Subseção III – Das Transferências Voluntárias

Art. 45 §5º Sem prejuízo do disposto na Lei Complementar nº 101, de 2001, constitui exigência para o recebimento de transferências voluntárias a adoção, por parte do convenente, dos procedimentos definidos pela União relativos à licitação, contratação, execução e controle, inclusive quanto à adoção da modalidade pregão eletrônico sempre que a legislação o permitir, salvo se justificadamente inviável a adoção dessa modalidade.

11.514/2007

Seção IV – Das Transferências Voluntárias

Art. 43 §4º Sem prejuízo do disposto na Lei Complementar nº 101, de 2001, constitui exigência para o recebimento de transferências voluntárias a adoção, por parte do convenente, dos procedimentos definidos pela União relativos à licitação, contratação, execução e controle, inclusive quanto à utilização da modalidade pregão eletrônico sempre que a legislação o permitir, salvo se justificadamente inviável.

11.768/2008

Seção IV – Das Transferências Voluntárias

Art. 40 §4º Sem prejuízo do disposto na Lei Complementar nº 101, de 2000, constitui exigência para o recebimento de transferências voluntárias a adoção, por parte do convenente, dos procedimentos definidos pela União relativos à aquisição de bens e à contratação de serviços, bem como à execução e ao controle do objeto do convênio ou similar.

12.017/2009

Seção IV – Das Transferências Voluntárias – Entes Federados

Art. 39 §4º Sem prejuízo do disposto na Lei Complementar nº 101, de 2000, constitui exigência para o recebimento de transferências voluntárias a adoção, por parte do convenente, dos procedimentos definidos pela União relativos à aquisição de bens e à contratação de serviços, bem como à execução e ao controle do objeto do convênio ou similar.

12.309/2010

Seção IV – Das Transferências Voluntárias

Art. 39 §4º Sem prejuízo dos requisitos contidos na Lei Complementar nº 101, de 2000, constitui exigência para o recebimento das transferências voluntárias a observância das normas publicadas pela União relativas à aquisição de bens e à contratação de serviços e obras, inclusive na modalidade pregão, nos termos da Lei no 10.520, de 2002, sendo utilizada preferencialmente a sua forma eletrônica.

Fonte: LDO (www.planalto.gov.br)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

As duas primeiras Leis (LDO/2004 e LDO/2005) que sucedem a alteração da IN/STN 1 pela IN/STN 3 não fizeram menção ao tema.

Por outro lado, as LDO de 2006 e 2007 registram literalmente a expressão “pregão eletrônico”, como sendo a modalidade a ser adotada, salvo se por algum motivo não for possível. Essas duas Leis traçavam diretrizes e regras para os anos de 2007 e 2008. Em 2007, o Decreto 6.170/2007 trazia outra regulamentação para a matéria.

Já as LDO de 2008 e 2009, talvez influenciadas por esse Decreto, que será apresentado a seguir, não trouxeram a expressão literalmente, mas ao tratar da transferência voluntária mantiveram o comando de que o convenente seguiria os procedimentos definidos pela União relativos à aquisição de bens e contratação de serviços.

Na última LDO, promulgada em 9 de agosto de 2010, que estabelece as regras para o ano de 2011, a citação à modalidade ocorre novamente de forma expressa.

Outra importante observação é que, apesar da exigência do pregão na LDO/2010, entende-se que a seção que trata da transferência para o setor privado é a de número III, inclusive o título do capítulo IV da LDO/2009 faz referência aos entes federados, conforme a Tabela 3. Assim, a seção III, em que está expresso o comando da necessidade do uso do pregão, seria aplicável aos entes federados e não às entidades privadas.

Dessa forma, como vimos, a polêmica transcende os normativos infraconstitucionais, passa até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal, ao discutir o tema das OS, e chega também ao Legislativo, na Lei que rege a elaboração do Orçamento Anual.

No início do capítulo nove, registraram-se as respostas das entidades, agora, vale a pena trazer os comentários dos especialistas que trabalham com esse assunto.

Sobre a obrigatoriedade das entidades privadas sem fins lucrativos seguirem os regramentos da Lei 8.666/1993 ou 10.520/2002, os seis respondentes foram unânimes ao afirmar que tais entidades não devem se submeter, na íntegra, aos ditames de tais normas. A partir daí, trouxeram conceitos importantes ligados ao tema, a saber: os direitos potestativos presentes em tais normativos não se coadunam com as pessoas jurídicas de direito privado e o papel social dessas entidades não pode ser inviabilizado em virtude de exigências exageradas, contudo, dependendo do montante de recursos envolvidos, o procedimento poderia ser diferenciado.

Antes de discutir o próximo normativo, vale mencionar as diversas alterações que incidiram sobre a matéria, desde 1997 até o advento do Decreto 6.170/2007, ou seja, são dez anos que podem ser resumidos da seguinte forma:

Figura 2 – Linha do tempo das normas relativas ao tema

IN/01

Lei 9.637/98

Lei 9.790/99

IN/03

Dec. 5.504/05

Dec. 6.170/07

15/1/1997

15/5/1998

23/3/1999

25/9/2003

5/8/2005

28/7/2007

Não incide sobre ESFL

Incide sobre as OS

Incide sobre as Oscip

Incide sobre

ESFL

Pregão obrigatório para as ESFL

Cotação de preços para as ESFL

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ronaldo Quintanilha da Silva

Mestre em Poder Legislativo pelo Cefor/CD. Especialista em Orçamento Público pelo ISC/TCU. Participa de grupos de pesquisas na Câmara dos Deputados. Professor do Cefor e cursos preparatórios para concursos. É Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (ex-CGU, ex-TCU). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5699283809757563

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUINTANILHA, Ronaldo Silva. A obrigação de licitar não deve ser imposta às entidades sem fins lucrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3582, 22 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24252. Acesso em: 25 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos