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A (in)constitucionalidade da contribuição previdenciária prevista no inciso IV do art. 22 da Lei n. 8.212/91, incluído pela Lei n. 9.876/99

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10/07/2013 às 16:15
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6 INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE TRIBUTÁRIA

Entre as limitações constitucionais ao poder de tributar, está o princípio da igualdade tributária, inscrito no art. 150, II da Constituição, o qual veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibindo, ainda, qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Alguns doutrinadores afirmam que a o inciso IV da Lei n. 8.212/91, incluído pela Lei n. 9.876/99, transgride a referida limitação constitucional ao poder de tributar, por ter instituído uma tributação que tem sentido discriminatório.

BECHO afirma que foi criada, em afronta ao princípio do adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas, uma obrigação adicional para a empresa tomadora de serviços da cooperativa de trabalho, consistente na retenção de quinze por cento sobre a nota fiscal, a título de contribuição previdenciária, o que enseja mais deveres a cumprir (v.g. de fiscalização e escrituração), pelo que, do ponto de vista operacional, é mais vantajoso a empresa tomadora contratar os serviços de uma sociedade comercial[81].

A crítica do ilustre tributarista está calcada na falsa premissa de que a Lei n. 9.876/99, ao acrescentar o inciso IV ao art. 22, da Lei 8.212/91, teria determinado a retenção, pela empresa tomadora, de quinze por cento do valor bruto da nota fiscal da prestação do serviço prestado por cooperado intermediado por cooperativa de trabalho.

Além disso, a afirmação de violação ao princípio do adequado tratamento tributário ao ato cooperativo, inscrito no art. 146, III, "c" da Constituição, porque, o citado preceptivo "não implica imunidade ou tratamento necessariamente privilegiado às cooperativas"[82], conforme afirmado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento da AC n. 2.209-AgR.

Já VARANDA afirma a violação ao princípio da igualdade tributária, sob o fundamento de que, se uma empresa contrata uma outra empresa para lhe prestar serviços, ao invés de contratar cooperado intermediado por cooperativa de trabalho, ficará aquela desobrigada de recolher a contribuição previdenciária sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, enquanto, na contratação de cooperativa de trabalho, estará obrigada ao recolhimento de quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe forem prestados por cooperados intermediados pela referida cooperativa[83].

Ademais, desde a entrada em vigor da Lei n. 9.876/99, tanto as cooperativas de trabalho quanto as empresas tomadoras dos seus serviços têm recorrido ao Judiciário, na tentativa de afastar o pagamento pelas últimas da nova contribuição, sob os fundamentos de violação ao princípio da igualdade pela oneração da contratação de cooperativas e de que, se a cobrança da exação em apreço for mantida, as empresas tomadoras de serviços poderão não mais contratar cooperativas, em consequência da elevação da carga tributária decorrente dessa forma de contratação, optando por contratar, em seu lugar, sociedades empresárias ou civis prestadoras de serviços.

Tem-se, ainda, que o Projeto de Lei do Senado n. 263/2001[84], de autoria do Senador Osmar Dias, propõe a revogação do inciso IV, do art. 22 da Lei n. 8.212/91, acrescentado pela Lei n. 9.876/99, ao fundamento de que a contribuição neste instituída tem desestimulado a contratação das sociedade cooperativas, por ser mais vantajosa para os tomadores de serviços, em decorrência da ausência de tributação, a contratação de sociedades mercantis ou civis, situação que contraria o apoio e estímulo ao cooperativismo previsto no art. 174, § 2º, bem como o adequado tratamento tributário estabelecido no art. 146, III, "c", ambos da Constituição Federal.

Observe-se que a eventual declaração de inconstitucionalidade do inciso IV, do art. 22 da Lei n. 8.212/91, incluído pela Lei n. 9.876/99, ou a sua revogação, como proposta, faria com que a prestação de serviço por cooperado intermediado por cooperativa de trabalho não ensejasse o pagamento de qualquer contribuição previdenciária pela empresa, notadamente porque o art. 1º, II da Lei Complementar n. 84/96, que estabelecia contribuição, a cargo de cooperativas de trabalho, incidente sobre o total das importâncias pagas, distribuídas ou creditadas a seus cooperados, a título de remuneração ou retribuição pelos serviços prestados a pessoas jurídicas por seu intermédio, foi revogado por expressa disposição do art. 9º da Lei n. 9.876/99, e não porque o dispositivo que se pretende expungir da ordem jurídica seja com ele incompatível ou regule inteiramente a matéria naquele tratada.

Demais disso, não se verifica a alegada ofensa ao princípio da igualdade tributária, porquanto, como bem observado pela 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no julgamento dos EI 00075005720024036102, não há desvantagem para a empresa tomadora de serviço na contratação de cooperados intermediados por cooperativa de trabalho em relação à contratação de uma empresa prestadora de serviço, pois, se no primeiro caso, cumpre-lhe recolher a contribuição de quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, no segundo, haverá de suportar, indiretamente, no pagamento da retribuição do serviço prestado, o embutimento do valor correspondente à contribuição previdenciária prevista no art. 22, I da Lei n. 8.212/91, a cujo recolhimento está obrigada a empresa prestadora de serviço[85].

Logo, a empresa tomadora deve pesar, quando da contratação do serviço, se é menos oneroso contratar a prestação deste por cooperado intermediado por cooperativa de trabalho, hipótese na qual deverá recolher a contribuição de quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, ou pagar a uma empresa cedente de mão-de-obra um preço maior pelo serviço prestado, no qual já esteja embutido o valor relativo à contribuição previdenciária prevista no 22, I da Lei n. 8.212/91.

Nessa linha de raciocínio, o Plenário do Tribunal de Contas da União, no Acórdão 307/2004, à vista do disposto no inciso IV, do art. 22 da Lei n. 8.212/91, incluído pela Lei n. 9.876/99, admitiu a possibilidade de a comissão julgadora acrescer quinze por cento à proposta apresentada por cooperativa de trabalho em procedimento licitatório, na busca da aferição da proposta mais vantajosa, já que o recolhimento é uma obrigação legal dos tomadores de serviços de cooperativas[86].

Gize-se que, na medida em que a contribuição prevista no art. 22, IV da Lei n. 8.212/91 foi criada em substituição à do revogado art. 1º, II da Lei Complementar n. 84/96, a exoneração das empresas do pagamento da contribuição previdenciária de quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho, importaria em alçar a cooperativa de trabalho a uma condição privilegiada no mercado em relação às sociedades civis e empresárias prestadoras de serviços, que, por pagarem a contribuição prevista no inciso I do art. 22 da Lei n. 8.212/91, embutem o correspondente custo no preço do serviço.

Nesse sentido, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no julgamento da AMS n. 00075280220004036100, afirmou que a previsão constitucional de adequado tratamento tributário do ato cooperativo tem o sentido de alçar este à condição de igualdade com os demais agentes que oferecem seus serviços no mercado, sem investi-lo de condições privilegiadas, e que o afastamento da obrigação de pagar a contribuição instituída pela Lei n. 9.876/99 equivaleria a atribuiir aos trabalhadores cooperados uma posição vantajosa no mercado, quando devem concorrer em igualdade de condições trabalhadores em geral, com os mesmos meios econômicos da qualidade e preço dos serviços de que estes dispõem[87].

Tem-se, portanto, que só haverá violação à isonomia no caso de eventual declaração de inconstitucionalidade do inciso IV, do art. 22 da Lei n. 8.212/91, incluído pela Lei n. 9.876/99, ou da sua revogação.


CONCLUSÃO

A sociedade cooperativa é regida pelo disposto no Capítulo VII do Livro II do Código Civil, ressalvado o disposto na legislação especial, pelo que a ela é aplicável a Lei n. 5.764/71 ou de outra que venha a lhe substituir.

Todavia, as cooperativas de trabalho passaram a ser reguladas pela Lei n. 12.690/2012 e, no que com ela não colidir, pela Lei n.. 5.764/71, e pelo Código Civil, ressalvadas as seguintes, às quais o novel texto legal é inaplicável: cooperativas de assistência à saúde na forma da legislação de saúde suplementar; as cooperativas que atuam no setor de transporte regulamentado pelo poder público e que detenham, por si ou por seus sócios, a qualquer título, os meios de trabalho; as cooperativas de profissionais liberais cujos sócios exerçam as atividades em seus próprios estabelecimentos; e   as cooperativas de médicos cujos honorários sejam pagos por procedimento.

Cooperativa de trabalho, também chamada por alguns de cooperativa de mão-de-obra, é a sociedade formada por operários, artífices, ou pessoas da mesma profissão ou ofício ou de vários ofícios de uma mesma classe, que, na qualidade de associados, prestam serviços a terceiros por seu intermédio. Trata-se de espécie de sociedade cooperativa.

Enquanto ente dotado de personalidade jurídica, a cooperativa de trabalho goza de titularidade patrimonial, titularidade processual e titularidade negocial.

No caso de contrato de prestação de serviço havido entre a sociedade cooperativa e o tomador de seus serviços, o contrato é celebrado diretamente entre esta e aquela, que é pessoa jurídica organizada para o exercício de atividade econômica em proveito dos cooperados, sem finalidade de lucro e, inclusive, quem emite a respectiva nota fiscal da prestação do serviço.

Todavia, a cooperativa de trabalho intermedeia a prestação de serviços de seus cooperados, expressos em forma de tarefa, obra ou serviço, com os seus contratantes, pessoas físicas ou jurídicas, não produzindo bens ou serviços próprios, e os trabalhadores cooperados são remunerados pela prestação de serviços por intermédio da cooperativa às pessoas físicas ou jurídicas mediante retiradas calculadas de forma proporcional às horas trabalhadas ou às atividades desenvolvidas, depois de deduzidas as despesas e valores destinados aos fundos de reserva e de assistência técnica, educacional e social, devendo os correspondentes lançamentos ser objeto da escrita contábil da entidade.

Para efeitos previdenciários, a sociedade cooperativa é equiparada a empresa e, nesta condição, fica sujeita ao cumprimento das obrigações previdenciárias principais e acessórias previstas na legislação.

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A sociedade financia a seguridade social, de forma direta, mediante o pagamento das contribuições elencadas nos incisos I a IV, do artigo 195, da Constituição Federal, as quais têm natureza tributária, podendo, à luz do art. 34 do ADCT e do art. 146, III, do texto constitucional, ser instituídas por lei ordinária, devendo, contudo, a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social ser veiculada por lei complementar, consoante disposto no art. 195, § 4º da Carta Magna.

A Lei Complementar n. 84/96 foi editada em razão de o Supremo Tribunal Federal ter declarado a inconstitucionalidade da expressão “avulsos, autônomos e administradores”, contida no artigo 3º, I, da Lei n. 7.787/89, bem como das expressões "autonomos" e "administradores" contidas no inciso I, do artigo 22, da Lei n. 8.212/91.

Em seu art. 1º, II, a Lei Complementar n. 84/96 instituiu uma contribuição social cujo fato gerador estava expresso nopagamento, distribuição ou creditamento, pela cooperativa de trabalho, de importâncias, aos seus cooperados, a título de remuneração ou retribuição pelos serviços que prestem a pessoas jurídicas por intermédio delas, além de que a base de cálculo consistia justamente nas importâncias pagas, distribuídas ou creditadas aos cooperados, sendo que a alíquota estabelecida era a de quinze. O sujeito passivo da obrigação tributária era a cooperativa.

Já em seu art. 3º, a Lei Complementar n. 84/96 previa um regime de tributação mais benigno na hipótese de pagamento a cooperado inscrito como autônomo na previdência social e que estivesse contribuindo em classe de salário-base sobre a qual incidisse alíquota máxima, hipótese na qual a cooperativa de trabalho poderia optar pela contribuição definida no art. 1º, II, ou por efetuar o pagamento de vinte por cento do salário-base da classe em que o autônomo estivesse enquadrado. Isso acabava por fazer com que as contribuições das cooperativas à Previdência fossem inferiores às das demais empresas, uma vez que a maioria dos cooperados recolhia contribuição sobre o valor mínimo do salário de contribuição.

A Emenda Constitucional n. 20/98 alterou o artigo 195, I, "a" da Lei Maior, ampliando a incidência das contribuições sociais,ao inserir empresas que não sejam empregadoras e estabelecendo como base de cálculo todo e qualquer rendimento do trabalho pago ou creditado à pessoa física prestadora de serviços à empresa, de modo que passou a abranger a hipótese de incidência da Lei Complementar n. 84/96, recepcionando-a como lei ordinária, pois não mais se trata de competência residual.

A Lei Complementar n. 84/96 veio a ser, então, expressamente revogada pelo art. 9º da Lei n. 9.876/99, sendo que esse mesmo texto legal veio, também, a alterar o art. 22, da Lei n. 8.212/91, porque foi acrescido o inciso IV, criando uma nova contribuição social, advinda da emissão pelas cooperativas de nota fiscal ou fatura decorrida da prestação de serviço a empresas contratantes, agora não mais a cargo da cooperativa, mas sim da empresa tomadora de serviços, e tendo por base de cálculo não os valores creditados ou distribuídos aos cooperados, e sim o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços emitidas pelas cooperativas.

Na contribuição prevista no art. 22, IV da Lei n. 8.212/91, a empresa tomadora dos serviços dos cooperados figura como contribuinte, e não como substituto tributário, porquanto não lhe cabe reter quinze por cento do valor bruto da nota fiscal da prestação do serviço prestado por cooperado intermediado por cooperativa de trabalho, mas pagar o valor correspondete, conforme estabelecido na norma tributária impositiva.

Isso, todavia, não torna a cobrança da novel contribuição inconstitucional, porque a expressão "demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício", inserta no art. 195, I, "a" da Constituição, compreende o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços prestados à empresa por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho, já que o cooperado é remunerado indiretamente via cooperativa de trabalho, que apenas intermedeia a contratação e o pagamento do serviço por aquele prestado, emitindo a nota fiscal ou a fatura correspondente.

Ademais, a contribuição prevista no art. 22, IV da Lei n. 8.212/91 não acarreta desvantagem para a empresa tomadora de serviço na contratação de cooperados intermediados por cooperativa de trabalho em relação à contratação de uma empresa prestadora de serviço, pois, se no primeiro caso, cumpre-lhe recolher a contribuição de quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, no segundo, haverá de suportar, indiretamente, no pagamento da retribuição do serviço prestado, o embutimento do valor correspondente à contribuição previdenciária prevista no art. 22, I da Lei n. 8.212/91, a cujo recolhimento está obrigada a empresa prestadora de serviço. Assim, a contribuição é compatível com o princípio da igualdade.

Uma vez que a contribuição prevista no art. 22, IV da Lei n. 8.212/91 foi criada em substituição à do revogado art. 1º, II da Lei Complementar n. 84/96, a exoneração das empresas do pagamento da contribuição previdenciária de quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho, importaria em alçar a cooperativa de trabalho a uma condição privilegiada no mercado em relação às sociedades civis e empresárias prestadoras de serviços, que, por pagarem a contribuição prevista no inciso I do art. 22 da Lei n. 8.212/91, embutem o correspondente custo no preço do serviço. Isso, sim, importaria em violação ao princípio da isonomia.

Tem-se, portanto, que a contribuição prevista no inciso IV do art. 22 da Lei n. 8.212/91, incluído pela Lei n. 9.876/99, é constitucional.

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Sobre o autor
Iuri Cardoso de Oliveira

Procurador Federal, em exercício na Procuradoria Federal Especializada junto ao INCRA em Salvador (BA). Pós-graduado em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduando em Direito Previdenciário pela UNIASSELVI - Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Iuri Cardoso. A (in)constitucionalidade da contribuição previdenciária prevista no inciso IV do art. 22 da Lei n. 8.212/91, incluído pela Lei n. 9.876/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3661, 10 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24921. Acesso em: 26 abr. 2024.

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