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Programa “Mais Médicos”: serviço civil obrigatório?

10/07/2013 às 16:08
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Em momento algum ouviu-se dizer que a falência do sistema público de saúde tinha como problema a formação do médico brasileiro. Mesmo assim, a solução mágica apresentada foi justamente modificar a estrutura dos cursos de medicina. A lei, como qualquer ato administrativo, não pode se desviar de seus motivos e finalidades.

Espanto. No mínimo essa é a reação dos médicos e das associações e conselhos de classe à edição da Medida Provisória 621/2013 que cria o Programa Governamental “Mais Médicos”. Forçada a reagir à pressão popular por melhoria da saúde pública no país, a Presidenta Dilma elaborou, em curtíssimo espaço de tempo, um amplo projeto visando o aumento do número de médicos na saúde pública. Em que pese ser, o ideal, digno de aplausos, as soluções apresentadas não são coerentes com os fins pretendidos.

O ponto mais controvertido e alvo de críticas da classe médica reside, em especial, na regulamentação proposta nos artigos 4º a 6º da norma ,que dispõem sobre a formação médica no Brasil.

Esta nova regulamentação divide o curso de medicina em dois ciclos. O primeiro ciclo  compreenderá o atual currículo mantendo-se o estágio em regime de internato. Já o segundo ciclo será composto pela realização de “treinamento em serviço” a ser executado exclusivamente em unidades do serviço público de saúde. Conforme redigida, a norma exclui a possibilidade do aluno do exercício da medicina em caráter privado ao termino do 1º ciclo, devendo, obrigatoriamente, finalizar o ciclo de “treinamento em serviço”, pelo prazo de dois anos, para obter o título de médico. Esse treinamento será supervisionado tanto pela instituição de ensino quento pelos médicos do serviço de saúde vinculado ao SUS.

Passada a análise da nova regulamentação da formação médica no Brasil, é possível notar, com abissal clareza, que a irresignação da classe médica não é indevida. A crítica à norma é muito simples. O problema da saúde pública no país não decorre da atual formação dos médicos, mas da gestão pública ineficiente.

No discurso de lançamento do Programa, a presidenta Dilma assim concluiu: “Esse Programa trata de garantir médicos e garantir, simultaneamente, infraestrutura.”. Nota-se que o Governo sabe, exatamente, qual é o problema da Saúde, infraestrutura e falta de médicos. Faltam hospitais, postos de saúde, remédios, equipamentos, e materiais. Faltam, também, médicos, em especial nos municípios pequenos e pobres. Ocorre que a Presidente resolveu fechar os olhos para a solução mais lógica, e custosa, que seria o investimento em uma Carreira de Estado bem valorizada para os médicos. Ao revés, resolveu, de forma transversa, inserir no projeto uma pseudo reforma na formação do médico que, na verdade, tem o exclusivo interesse de obtenção de mão de obra barata e compulsória. A forma escamoteada de se resolver um problema de gestão da saúde pública é o que, certamente, revoltou a classe médica.

A solução dada pelo governo é tão simplória que nem ao menos buscou-se a alteração da atual estrutura do curso de medicina. A mudança consistiu, exclusivamente, em acrescentar ao atual currículo um segundo ciclo com duração de 2 anos de serviço obrigatório no SUS. Nem cabe aqui comparar nosso sistema educacional com o da Inglaterra, porque naquele país norma semelhante foi criada visando, realmente, a melhoria da qualidade do ensino da medicina e não a simples obtenção de mão de obra barata. Também não é necessário tecer maiores considerações sobre a efetiva ocorrência do requisito constitucional da “relevância e urgência”  para edição de uma Medida Provisória, posto que inexistente.

Vê-se, portanto, que a solução mágica encontrada pelos burocratas de Brasília foi simples. Em vez de propor uma norma criando o serviço civil obrigatório, de duvidosa constitucionalidade, preferiu-se a mudança do currículo do curso de medicina, inserindo um ciclo de treinamento em serviço obrigatório e em caráter exclusivo. Isto é, criou-se, na verdade, um serviço civil obrigatório travestido de reforma do curso de medicina. Acreditou-se que, desta forma, todos os problemas da saúde pública se resolveriam. Todavia, como não poderia ser diferente, esse engodo não durou nem um único dia. Associações médicas e operadores do direito já se insurgiram contra a ação do governo.

Os fundamentos para a edição da norma já demonstram com clareza o desvio de finalidade do ato. Em momento algum ouviu-se dizer que a falência do sistema público de saúde tinha como problema a formação do médico brasileiro. Mesmo assim, a solução mágica apresentada foi justamente modificar a estrutura dos cursos de medicina. A lei, como qualquer ato administrativo, não pode se desviar de seus motivos e finalidades. Restou claro, pela fala da Presidenta, que a intenção da norma nunca foi de uma efetiva reforma no curso de medicina mas, exclusivamente, da criação de um mecanismo que permita ao governo explorar, compulsoriamente, mão de obra barata. Concomitantemente, pode-se observar que a resposta dada pelo governo à população foi: “Mais Médicos”, mesmo que estes não sejam médicos experientes ou os especialistas (cardiologistas, neurologistas etc) que realmente precisam no serviço público.

Modificar a estrutura do curso de medicina foi, portanto, uma das mais autoritárias e violentas formas de se tentar mudar a gestão na saúde no Brasil. Se o Poder Executivo mantiver essa truculenta forma de agir, poderemos esperar novas “mudanças curriculares”. Ao invés de aprovar a autonomia da Defensoria Pública, vetada pela Presidenta, basta instituir o ciclo de “treinamento em serviço” para estudantes de direito e obrigá-los a trabalhar na defensoria Pública para obtenção do título de Bacharel em Direito. Ao invés de Defensores Públicos capacitados e remunerados nos mesmos patamares de Juízes e Promotores, basta dar aos cidadãos menos favorecidos, jovem recém-formados em direito e inexperientes.

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Conclui-se, portanto, que embora a medida provisória 621/2013 tenha-se dado uma “maquiada” nos seus verdadeiros interesses, a suposta reforma do curso de medicina nada mais é que a instituição, de forma transversa, de um serviço civil obrigatório que viola frontalmente o sistema jurídico pátrio e a liberdade profissional dos cidadãos brasileiros.

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Sobre o autor
Eduardo de Souza Floriano

Procurador do Município de Juiz de Fora. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito social. Especialista em Administração Pública Municipal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FLORIANO, Eduardo Souza. Programa “Mais Médicos”: serviço civil obrigatório?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3661, 10 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24927. Acesso em: 2 nov. 2024.

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