Resumo: Considerando o Ministério Público como instituição essencial à função jurisdicional do Estado e defensor dos direitos individuais indisponíveis, no presente caso, o direito à saúde, cabe analisar as mudanças que ocorreram nas variadas legislações pátrias ao longo dos anos, passando pelo Período Imperial até a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando o Ministério Público alcançou a sua configuração atual e o direito da população à saúde ascendeu à posição de direito fundamental social. Desse modo, pode-se constatar que a história do Ministério Público é marcada, ao longo das legislações, por avanços e retrocessos, a exemplo de quando essa instituição compõe o Poder Judiciário ou o Poder Executivo, haja vista a sua subordinação, a depender do regime de governo, ao Chefe de Estado; função esta que difere completamente da assumida no contexto atual, qual seja: a de uma instituição independente. Já no tocante à saúde, verifica-se que até esta se tornar um direito fundamental social, houve um intenso processo de lutas, principalmente, por parte dos movimentos sociais, os quais reivindicaram diversas melhorias, apesar dos inúmeros problemas atuais enfrentados para a efetividade do direito à saúde.
Palavras-chave: Ministério Público. Saúde. Legislações.
O Ministério Público, como reza o art. 127 da Constituição Federal, “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
A referida instituição adquiriu um papel fundamental na consolidação do Estado Democrático de Direito devido às intensas mudanças ocorridas após o advento da Constituição Federal de 1988, notadamente na defesa dos interesses individuais indisponíveis, no presente caso, o direito à saúde.
Nesse sentido, o presente trabalho visa investigar o histórico do Ministério Público e da Saúde Pública no Brasil, passando pelas principais legislações pátrias, desde o período imperial até a promulgação da Constituição Federal de 1988, na tentativa de elucidar as funções e demandas principais dessa instituição à luz das especificidades do contexto.
Vale destacar que pôr em movimento o histórico do Ministério Público nas diversas legislações brasileiras até alcançar o status quo conferido pela Constituição Federal de 1988 é um desafio enriquecedor, haja vista as diversas fases e regimes governamentais, os quais impuseram à referida instituição mudanças substanciais, as quais interferiram no seu papel desempenhado perante a sociedade.
Desse modo, paralelamente às legislações que direcionaram o Ministério Público ao longo dos anos, deve-se traçar um panorama simplificado do tratamento conferido à saúde pelo diferentes regimes de governo.
Cumpre ressaltar que, para o Ministério Público alcançar o status quo proporcionado pela Carta Maior, houve um intenso processo de aprimoramento, passando por diversos diplomas legais, com avanços e retrocessos. Nessa linha de intelecção, segue-se um panorama simplificado do caminho percorrido pelo Órgão Ministerial até a atual Constituição Federal.
A Constituição Brasileira de 1824 não representou avanços para o Ministério Público, deixando a instituição subordinada aos interesses do Imperador.
Já o Código de Processo Criminal de 1832, segundo Antônio Cláudio da Costa Machado (1989), consiste no primeiro código brasileiro a direcionar um olhar sistemático e englobante ao Ministério Público.
Esse código, instituído em 1832, foi denominado de Código de Processo Criminal de Primeira Instância, o qual tinha um caráter liberal e assegurava possibilidades de defesa aos acusados, além de valorizar os juízes de direito e os de paz (NETO, 2005).
Ao traçar considerações sobre o tratamento dado a essa Instituição no referido código, Gisele Pereira Jorge Leite (2006, p. 09) leciona:
O Código de Processo Criminal seguindo o código Criminal distinguia os modos de proceder para os crimes públicos e para os particulares. Os primeiros davam causam à ação penal promovida pelo promotor público ou por qualquer cidadão (quando cabível a ação penal popular), entre eles estavam incluídos os crimes políticos.
Já os crimes contra os particulares conferiam ao ofendido a possibilidade de promover a ação penal, até mesmo o homicídio era considerado particular, pois ofendia a segurança individual.
(...) É indispensável abordarmos o habeas corpus que é a ação que visa livrar o cidadão de uma constrição penal ilegítima e ilegal. No Brasil, tal instituto apareceu, pela primeira vez, mencionada no Código Criminal de 1830 e no Código de Processo Criminal de 1832 e, partir daí, permaneceu no ordenamento jurídico pátrio, embora seu alcance tenha variado.
Dessa forma, esse Diploma Legal colocava o Ministério Público como órgão defensor da sociedade, conforme disposição:
Art. 36. Podem ser Promotores os que podem ser Jurados; entre estes serão preferidos os que forem instruidos nas Leis, e serão nomeados pelo Governo na Côrte, e pelo Presidente nas Provincias, por tempo de tres annos, sobre proposta triplice das Camaras Municipaes.
Art. 37. Ao Promotor pertencem as attribuições seguintes: 1º Denunciar os crimes publicos, e policiaes, e accusar os delinquentes perante os Jurados, assim como os crimes de reduzir à escravidão pessoas livres, carcere privado, homicidio, ou a tentativa delle, ou ferimentos com as qualificações dos artiHYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm"gos 202, 203, 204 do HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm"CodigoHYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm" Criminal; e roubos, calumnias, e injurias contra o Imperador, e membros da Familia Imperial, contra a Regencia, e cada um de seus membros, contra a Assembléa Geral, e contra cada uma das Camaras. 2º Solicitar a prisão, e punição dos criminosos, e promover a execução das sentenças, e mandados judiciaes. 3º Dar parte às autoridades competentes das negligencias, omissões, e prevaricações dos empregados na administração da Justiça.
Art. 38. No impedimento, ou falta do Promotor, os Juizes Municipaes nomearão quem sirva interinamente.
Essa Lei propiciou diversos avanços na atuação do Órgão Ministerial, garantindo certa autonomia, porém, como o próprio nome sugere, foi um Código de Processo Criminal, sendo, então, suas perspectivas sentidas apenas na esfera penal.
Durante o intervalo de tempo em comento ocorreram legislações extravagantes, as quais foram responsáveis pelo aprimoramento do Ministério Público enquanto instituição. Assim, o Aviso Imperial de 1836 determinava que os promotores deveriam visitar as prisões uma vez por mês, promover o andamento dos processos e diligenciar a soltura dos réus.
Dessa forma, o Aviso Imperial de 1838 colocava o Ministério Público como fiscal da lei, bem como o Aviso Imperial de 1839, o qual instituiria o impedimento à advocacia pelos Promotores nas causas cíveis que pudessem vir a ser objeto de processo criminal.
A Lei 261/1831, por sua vez, dedicava um tratamento específico ao Ministério Público, conferindo-lhe um capítulo próprio. Sendo assim, disciplinava que
Art. 22 – Os Promotores Públicos serão nomeados e demitidos pelo Imperador, ou pelos Presidentes das províncias, preferindo sempre os Bacharéis formados, que forem idôneos, e servirão pelo tempo que convier. Na falta ou impedimento serão nomeados interinamente pelos Juízes de Direito.
Art. 23 – Haverá, pelo menos em cada Comarca, um Promotor, que acompanhará o Juiz de Direito; quando, porém, as circunstâncias exigirem, poderão ser nomeados mais de um.
Os Promotores venceráõ o ordenado, que lhes fór arbitrado, o qual, na Côrte, será de um conto e duzentos mil réis por anno, além de mil e seiscentos por cada offerecimento de libello, tres mil e duzentos réis por cada sustentação no Jury, e dous mil quatrocentos réis por arrazoados escriptos.
Como se pode observar, os promotores estavam plenamente vinculados ao Poder Imperial, ou seja, ainda subordinados aos interesses do Império e não da Justiça, bem como a sua remuneração estava associada a cada etapa de um determinado procedimento, não tendo o Promotor de Justiça a obrigação de produzir as devidas peças processuais.
Cumpre ressaltar, no que tange ao direito à saúde, que as práticas do governo imperial eram bem limitadas, dessa forma, como assevera Marcus Vinícius Polignano (2001, p. 03):
Até 1850 as atividades de saúde pública estavam limitadas ao seguinte:
1 - Delegação das atribuições sanitárias às juntas municipais;
2 - Controle de navios e saúde dos portos;
Verifica-se que o interesse primordial estava limitado ao estabelecimento de um controle sanitário mínimo da capital do império, tendência que se alongou por quase um século.
Em outras palavras, por ser unitário e centralizador, o regime de governo era inapto em dar sequência e eficácia à transmissão e execução de diretrizes determinadas pelo comando central às áreas distantes da capital, instituindo, pois, um desequilíbrio nas ações relativas à saúde pública nas diversas localidades.
Nesse trançado, o Decreto 5.618/74 se limitou a nomear a instituição de "Ministério Público", enquanto que a Lei Nº 2.040 de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre) já atribuía ao Promotor de Justiça a função de protetor do fraco e indefeso (posteriormente definido hipossuficiente), ao estabelecer que o mesmo deveria zelar para que os filhos livres de mulheres escravas fossem devidamente registrados.
Vale enfatizar que todas essas legislações ocorreram no período imperial, durante o primeiro e segundo reinados. Sendo assim, no tocante ao direito à saúde, não houve preocupação, as condições eram muito precárias e faltava atenção, até mesmo básica. Nesse sentido, Maria Célia Delduque e Mariana S. de Carvalho Oliveira (2009) ressaltam as observações de Bertolli (1998) ao destacarem que
No Império, as frágeis medidas sanitárias levaram o Brasil a deixar sua população à mercê de enfermidades e da morte. O país, conhecido como um verdadeiro “inferno” que deveria ser evitado pelos viajantes, manteve até o final do Segundo Reinado a fama de ser um dos lugares mais insalubres do planeta, como assinala Bertolli (2001). (BERTOLLI, 2001 apud DELDUQUE & OLIVEIRA, 2009, p. 105)
Nessa linha de intelecção, Cláudio Bertolli Filho (1998) realiza um balanço da situação da saúde pública no Brasil durante o período imperial:
A fase imperial da história brasileira encerrou-se sem que o Estado solucionasse os graves problemas de saúde da coletividade. Tentativas foram feitas, mas sem os efeitos desejados. Significativamente, dom Pedro II é sempre lembrado como o monarca que incentivou as pesquisas científicas, premiando os intelectuais que se destacavam no Brasil e mesmo no exterior. O imperador foi muito elogiado pela imprensa estrangeira em 1886, por ter doado uma excessiva quantia à França, para que lá fosse montado um sofisticado laboratório de pesquisas das doenças tidas como males típicos de regiões tropicais. Apesar disso, no final do Segundo Reinado, o Brasil mantinha a fama de ser um dos países mais insalubres do planeta. Era comum aconselhar aos viajantes europeus que evitassem visitar os portos nacionais (BERTOLLI FILHO, 1998, p. 10-11).
Em suma, não houve avanços no tocante à melhoria da saúde pública no período imperial, haja vista o número de enfermidades que assolava o país, a despeito da fama de Dom Pedro II de incentivador de pesquisas científicas.
Já o início do período republicano foi marcado pelo Decreto Nº 848 de 11 de outubro de 1890, o qual tinha como lema o positivismo e sua célebre frase que até hoje compõe um dos símbolos do Brasil: Ordem e Progresso, fazendo com que a modernização atingisse várias áreas do conhecimento, inclusive o campo da saúde. Dessa forma, houve valorização das questões ligadas à saúde pública, como leciona Bertolli Filho (1998, p. 12-13):
Nesse contexto, a medicina assumiu o papel de guia do Estado para assuntos sanitários, comprometendo-se a garantir a melhoria da saúde individual e coletiva e, por extensão, a defesa do projeto de modernização do país. (...)
Definiu-se, assim, uma área científica chamada de medicina pública, medicina sanitária, higiene ou simplesmente saúde pública. A saúde pública era complementada por um núcleo de pesquisa das enfermidades que atingiam a coletividade – a epidemiologia.
Nessa linha histórica, ainda consoante o autor supracitado, evidencia-se que esse Decreto nº 848, no tocante à saúde, assegurou conquistas individuais e coletivas, inclusive criando uma área científica específica, ao mesmo tempo em que conferiu tratamento sistemático à instituição Ministério Público, disciplinando que essa instituição era imprescindível na organização democrática, sendo, pois, representada nas duas esferas da Justiça Federal, a do Procurador Geral da República e a dos Procuradores seccionais, cabendo-lhe assegurar a execução das leis, decretos e regulamentos a serem efetivados pela Justiça Federal e promover ação pública.
Nesse sentido, esta Lei dedica um capítulo próprio ao Ministério Público, ainda que, a despeito de especificar algumas das suas atribuições, não tenha modificado substancialmente a estrutura dele, mantendo suas funções subordinadas ao Poder Executivo, uma vez que os seus membros deveriam cumprir as ordens do Governo da República e defender os interesses da União.
Já o Decreto 1.030 foi responsável pelas garantias instituídas aos membros do Ministério Público, bem como atribuiu a este determinadas funções, como a ativação e promoção de diligências necessárias, tal como orienta o Art. 113 e a sua presença obrigatória em todas as sessões, sob pena de nulidade, segundo o Art. 118.
Ademais, esse Diploma Legal dedica um título completo ao Ministério Público e explicita, dentre outras questões, as atividades concernentes ao seu exercício, a saber: a vitaliciedade, a exclusividade de seus membros (representando um avanço fundamental para uma atuação independente e desprovida de interesses paralelos), o poder de realizar as mais variadas diligências para o melhor andamento do processo, a obrigatoriedade da sua participação nas sessões (uma vantagem significativa para o processo), além da aquisição de funções até hoje presentes, logicamente, com inúmeras adaptações, pois a sociedade evolui. Assim, tal Diploma se traduziu em uma importante conquista na caminhada do Ministério Público para alcançar sua atual configuração.
Cumpre salientar que a atuação do Ministério Público no campo da saúde praticamente não existia, ficando a responsabilidade por essa área, à época, a cargo do Poder Executivo, realidade que foi endossada pela Constituição de 1891 da República dos Estados Unidos do Brasil, a qual, além de não apresentar avanço para o Ministério Público, sequer citou a referida instituição na Lei Maior.
Durante esse período, precisamente entre os anos de 1890 a 1900, o Brasil experimentou surtos epidêmicos, os quais vitimaram milhares de pessoas, tal como destaca Bertolli Filho (1998, p.13):
A desorganização dos serviços de saúde nos primeiros anos da República, aliás, facilitou a ocorrência de novas ondas epidêmicas no país. Entre 1890 e 1900, o Rio de Janeiro e as principais cidades brasileiras continuaram a ser assaltadas por varíola e febre amarela e ainda por peste bubônica, febre tifóide e cólera, que mataram milhares de pessoas.
Vale dizer que a saúde pública no Brasil sempre esteve relacionada às práticas imediatistas, procurando solucionar apenas a enfermidade do seu tempo; assim, a atenção estatal se fixava apenas em situações de calamidade pública, não enxergando a saúde de forma preventiva e em longo prazo. Desse modo, percebe-se que, somente quando situações de endemias e epidemias ameaçavam a ordem econômica ou social do modelo capitalista, havia preocupação do governo a nível institucional até aparecer outro foco que demandasse atenção imediata (POLIGNANO, 2001).
Nessa linha de intelecção, vale ressaltar que essas medidas de cunho imediatista foram denominadas de campanhistas, as quais visavam apenas atingir a epidemia de uma época, a despeito de algumas delas terem surtido efeito. Assim,
apesar das arbitrariedades e dos abusos cometidos, o modelo campanhista obteve importantes vitórias no controle das doenças epidêmicas, conseguindo inclusive erradicar a febre amarela da cidade do Rio de Janeiro, o que fortaleceu o modelo proposto e o tornou hegemônico como proposta de intervenção na área da saúde coletiva durante décadas. (POLIGNANO, 2001, p. 05).
Nesse pensar, o Código Civil de 1916, por meio da Lei 3.071/16, garantiu ao Ministério Público atribuições novas, algumas das quais permanecem até os dias atuais. Dessa maneira, esse diploma legal marcou a fase em que o Ministério Público incorporou uma função importante para a construção do Estado Democrático de Direito, qual seja, ser fiscal da lei, ficando o Promotor de Justiça responsável pela emissão do seu parecer após a manifestação das partes, na tentativa de preservar os interesses e valores sociais tidos como indisponíveis ou mais importantes, sem perder de vista a hegemonia de uma ordem social e econômica burguesa predominantemente rural e agrária (MACEDO JÚNIOR, 2000).
Paralelamente, durante esse período, houve uma maior preocupação do Estado com a saúde da população, tanto individual como coletiva, segundo Bertolli Filho (1998), sem se restringir aos males imediatos, mas visando ao aumento da expectativa de vida dos cidadãos, a exemplo da criação de uma “política de saúde” contínua e extensiva a todos os setores da sociedade.
Dessa forma, o governo federal, através do pesquisador Carlos Chagas, instituiu medidas para a melhoria da saúde pública, tal como reflete Polignano (2001, p. 05-06):
Em 1920, Carlos Chagas, sucessor de Oswaldo Cruz, reestruturou o Departamento Nacional de Saúde, então ligado ao Ministério da Justiça e introduziu a propaganda e a educação sanitária na técnica rotineira de ação, inovando o modelo campanhista de Oswaldo Cruz que era puramente fiscal e policial. (...)
Gradativamente, com o controle das epidemias nas grandes cidades brasileiras, o modelo campanhista deslocou a sua ação para o campo e para o combate das denominadas endemias rurais, dado ser a agricultura a atividade hegemônica da economia da época. Este modelo de atuação foi amplamente utilizado pela Sucam no combate às diversas endemias (Chagas, Esquistossomose e outras), sendo esta posteriormente incorporada à Fundação Nacional de Saúde.
A Constituição de 1934, ao seu turno, foi um marco na institucionalização do Ministério Público por ser a responsável pela sua separação do Poder Judiciário, assegurando diversas garantias e a conquista de novas funções, mesmo que ele ainda fosse visto como instrumento político.
Além disso, o chefe de Estado nesse período, Getúlio Vargas, institucionalizou também a saúde pública, criando o Ministério da Saúde Pública, órgão responsável pela reformulação dos serviços sanitários do país e assegurando, através da Constituição de 34, muitos benefícios aos operários, inclusive assistência médica, ainda que extremamente deficitária.
A Constituição de 37, por sua vez, marcou o início da ditadura do Estado Novo, o qual, por ser orientado pela ideologia populista, se caracterizou pelas intensas políticas sociais e as questões sanitárias acompanharam esse movimento, tomando corpo uma mobilização em prol da educação no sentido de conscientizar a população para a necessidade de mudança de hábitos anti-higiênicos por meio da divulgação de cartazes e panfletos tanto do Ministério da Saúde quanto dos serviços estaduais. Entretanto, “grande parte dos brasileiros continuava analfabeta, sem poder beneficiar-se desse material” (BERTOLLI FILHO, 1998, p. 34), razão pela qual, desde 1938, as mensagens higienistas passaram a ser veiculadas pelas emissoras de rádio de todos os Estados.
Nesse contexto, é redundante frisar a importância da educação para o exercício da cidadania, não sendo diferente no tocante à saúde, haja vista que uma população bem informada sobre questões sanitárias possui maiores subsídios para a prevenção e até mesmo cura de doenças e melhorias do seu bem-estar.
Dessa forma, como o índice de analfabetismo era assustadoramente alto, em torno de 65% entre os anos de 1920 e 1940 (BRAGA & PAULA, 1981 apud BERTOLLI FILHO, 1998), a política de saúde pública estava plenamente prejudicada.
Já no que concerne ao Ministério Público, essa Constituição não representou muitos ganhos significativos, tendo como benefício somente o preenchimento de vagas do quinto constitucional nos tribunais superiores, assim como houve inúmeros retrocessos, sendo dedicado tratamento apenas de forma esparsa.
No tocante ao Código de Processo Civil de 1939, verificou-se a sistematização das diversas legislações avulsas até então existentes, merecendo destaque a reflexão de Ronaldo Porto Macedo Júnior (2000), quando afirma que “anteriormente ao Código de Processo Civil de 1939 eram vigentes os Códigos de Processo Civil estaduais, os quais não davam atenção especial ao Ministério Público”. Sendo assim, ao Órgão Ministerial, foi oferecido tratamento especial, consolidando atribuições até hoje presentes, como a possibilidade de intervenção no processo assegurada pelo Art. 455, § 3º.
Dessa forma, nessa legislação, o Ministério Público passou a defender interesses indisponíveis, tendo alguns autores, como José Frederico Marques, afirmado a indisponibilidade como fundamento da atuação ministerial, cumprindo, assim, destacar sua ideia trazida por Machado (1989):
De órgão, assim, permanente da justiça penal, passou também o Ministério Público a figurar nos juízos e tribunais civis como órgão de outros interesses estatais que se agitam nos processos e causas, notadamente na tutela dos interesses privados indisponíveis (grifo nosso).
Nesse sentido, é possível concluir que este Código exigiu a obrigatoriedade do Ministério Público em diversas situações, inclusive na função de custus legis, visando à preservação dos interesses sociais indisponíveis. Entretanto, nessa época, como leciona Macedo Júnior (2000), “o Promotor vinculava-se basicamente à defesa dos valores centrais de uma ordem social e econômica burguesa, predominantemente rural e agrária”. Desse modo, apesar de ter havido uma maior preocupação com as questões ligadas à saúde e o Ministério Público ter uma maior atuação em interesses indisponíveis, o Brasil continuava com índices altos de doenças endêmicas.
Já o Código Penal de 1940, o qual está em vigor até os dias atuais, atribuiu diversas funções novas ao Ministério Público, a exemplo de garantias e de vedações para o seu melhor exercício funcional, a fim de assegurar a lisura do devido processo legal, apesar das incontáveis críticas devido ao fato da antiguidade e das diversas tentativas de reformulação, incluindo a proposta de edição de um novo Diploma Legal.
O Código de Processo Penal de 1941, por sua vez, foi uma legislação que instituiu o Ministério Público como titular da Ação Penal, além de lhe proporcionar outras prerrogativas até hoje vigentes, como as que o colocam como defensor dos réus em estado de vulnerabilidade, a exemplo de eventuais problemas de saúde mental, ou seja, pessoas nessa situação que cometessem crimes eram vistas, pelo menos sob o aspecto legal, com um olhar diferenciado.
Nessa linha de intelecção, é preciso destacar que houve muitas mudanças na forma do direcionamento das políticas públicas de saúde, conforme enumera Polignano (2001, p. 12) acerca da reforma Barros Barretos de 1941, a qual prescreveu as seguintes ações:
- instituição de órgãos normativos e supletivos destinados a orientar a assistência sanitária e hospitalar;
- criação de órgãos executivos de ação direta contra as endemias mais importantes (malária, febre amarela, peste);
- fortalecimento do Instituto Oswaldo Cruz, como referência nacional;
- descentralização das atividades normativas e executivas por 8 regiões sanitárias;
- destaque aos programas de abastecimento de água e construção de esgotos, no âmbito da saúde pública;
- atenção aos problemas das doenças degenerativas e mentais com a criação de serviços especializados de âmbito nacional (Instituto Nacional do Câncer).
Todavia, como alerta o próprio autor, essas mudanças, infelizmente, não apresentaram muitos efeitos do ponto de vista prático, pois diversos fatores exerceram influência, desde problemas financeiros até estruturais, como disseminação de recursos financeiros e de pessoal entre órgãos e setores, embates de jurisdição e gestão e sobreposição de funções e atividades (POLIGNANO, 2001).
Nesse sentido, Bertolli Filho (1998), ao traçar um panorama do direito à saúde durante esse período, assevera que tanto o investimento oficial na área da saúde pública quanto o tratamento dos enfermos eram insuficientes à demanda. Logo, o governo foi alvo de críticas pela carência de hospitais e os responsáveis por elas eram acusados de agitadores, subversivos e desestabilizadores da administração de Vargas, sendo os enfermos considerados párias sociais, pois “além de deixarem de trabalhar e de produzir riqueza para a nação, ainda exigiam assistência médica e tratamento gratuitos, tornando-se uma estranha espécie de inimigos do país” (BERTOLLI FILHO, 1998, p. 38). Vale salientar que, apesar do presidente declarar a obrigação do Estado de zelar pela saúde da população, na prática isso acontecia precariamente, o que ocasionava a morte de muitos brasileiros enfermos por falta de assistência médica necessária.
Diante do exposto, fica evidente que o direito à saúde ainda era extremamente marginalizado, possuindo uma defasagem enorme perante as necessidades de toda a população, bem como a reivindicação justa por esse direito tão essencial era considerada como uma “ofensa” ao Estado.
A Carta Constitucional de 1946, por outro lado, resgatou garantias ao Ministério Público perdidas com a Constituição de 1937, restabelecendo princípios, os quais permanecem até os dias atuais, como a estabilidade, a inamovibilidade, o ingresso na carreira apenas mediante concurso público, além de prever a sua promoção e a viabilidade da remoção somente por representação motivada pela Procuradoria Geral.
Sendo assim, essa Carta Maior marcou o início da redemocratização brasileira, após um longo período da Ditadura do Estado Novo. Nesse contexto, Bertolli Filho (1988, p. 39) classifica que “os movimentos sociais, por sua vez, exigiam que os governantes cumprissem as promessas de melhorar as condições de vida, de saúde e de trabalho”.
Dessa forma, o autor em questão aponta diversas falhas no tratamento da saúde pública, como falta de dinheiro e de motivação dos servidores, além da carência de profissionais especializados, de equipamentos adequados, de postos de atendimento, causando, assim, dificuldades enormes na implantação de uma política de saúde eficiente, bem como problemas gravíssimos de gestão de recursos, o que provocava a pouca eficácia do Ministério da Saúde na diminuição das taxas de mortalidade e morbidade. Isto porque,
em nenhum momento, [o ministério] patrocinou reformas fundamentais ou organizou uma política de saúde eficiente. Quando esboçava medidas mais importantes, acabava criando serviços que se sobrepunham uns aos outros, complicando ainda mais a burocracia. Com isso, aumentavam os gastos com o pagamento de funcionários e diminuíam as verbas para o saneamento do meio e a assistência aos doentes. (BERTOLLI FILHO, 1998, p. 40-41).
No tocante ao funcionamento do Ministério Público é imperioso observar vários avanços que edificaram a sua atual estrutura, embora a sua autonomia tenha ficado prejudicada, uma vez que o Procurador-Geral da República ainda era passível de demissão ad nutum e à referida instituição cabia o encargo de representar em juízo a União, o que feria a sua imparcialidade pelo fato de que estaria defendendo interesses muitas vezes diametralmente opostos.
A Lei nº 1.341 de 30 de janeiro de 1951 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) foi a responsável pela organização do Ministério Público da União, instituindo o Sub-procurador Geral da República, cargo existente até hoje, além de promover a separação das funções dos órgãos do Ministério Público (justiça comum, justiça militar, justiça eleitoral e justiça do trabalho), sendo de importância fundamental para o seu fortalecimento enquanto instituição.
Cumpre salientar que durante a década de 50, o Produto Interno Bruto dedicado à saúde, segundo o INEP, era de míseros 1,2 %, sendo que o índice de mortalidade era de 13,2 %, ou seja, a saúde não era uma prioridade; apesar das melhorias, não detinha a merecida atenção.
Outro problema gravíssimo para a saúde pública era a política do clientelismo, caracterizada pelo famoso bordão brasileiro “toma-lá-dá-cá”, o que prejudicava a assistência, salvo em épocas eleitorais, quando eram tomadas medidas mesquinhas visando à troca de favores, como constatado por Bertolli Filho (1998, p. 41) ao afirmar que “os partidos ou os líderes políticos trocavam ambulâncias, leitos hospitalares, profissionais da saúde e vacinas – muitas vezes em números bem superiores à demanda de uma região – por votos e apoio nas épocas eleitorais”. Enquanto isso, outras áreas ficavam sem assistência médico- sanitária, além da interrupção de projetos de saneamento e da ausência de especificidade no tocante à saúde infantil, a qual, quando praticada, era vista como generosidade dos políticos, traduzindo-se em boa oportunidade eleitoreira.
Além dos problemas apontados, nessa época, houve intensa mobilização do setor privado de saúde para pressionar o Estado, através dos seus entes, a restringir a assistência à saúde pública; forçando, assim, a população a buscar a assistência particular, inclusive muitos dos empresários do setor de saúde privada ocupavam cargos políticos.
É preciso situar, ainda consoante Bertolli Filho (1998), que houve também manifestações populares por melhorias das condições de vida, como a criação, em 1955, das Ligas Camponesas, as quais tinham como liderança Francisco Julião e lutavam contra a fome, a doença e a exploração imposta pelos latifundiários da região. Nesse sentido, apoiadas nas palavras do médico e deputado pernambucano Josué de Castro de que não cabia ao Estado meramente doar comida à população, mas garantir a ela condições satisfatórias de subsistência, tais Ligas colocaram o Nordeste com os seus enormes problemas em destaque no cenário mundial.
Nesse sentido, esses movimentos sociais representaram um novo paradigma de atuação da saúde pública, responsável por mudanças na postura dos profissionais da saúde, na medida em que a medicina passou a ser considerada ferramenta política de luta pelo bem-estar coletivo, cabendo aos médicos cobrar das autoridades deliberações e recursos direcionados às camadas sociais mais carentes. Desse modo, questões sanitárias entraram na agenda de mobilizações de trabalhadores urbanos e rurais (BERTOLLI FILHO, 1998, p. 48).
Nesse ínterim, cabe citar os ensinamentos de Polignano (2001, p. 02), os quais ratificam as ideias supracitadas de Bertolli Filho (1998) ao defenderem que
a conquista dos direitos sociais (saúde e previdência) tem sido sempre uma resultante do poder de luta, de organização e de reivindicação dos trabalhadores brasileiros e, nunca uma dádiva do estado, como alguns governos querem fazer parecer.
A Constituição de 1967, por sua vez, marcou o período da Ditadura Militar e manteve as garantias do Ministério Público presentes na Constituição de 1946, não havendo grandes avanços, haja vista que essa Carta Maior colocou o Órgão Ministerial em uma posição de mero apêndice do Poder Judiciário, dedicando apenas uma Seção, além de disposições esparsas.
Entretanto, cumpre salientar que essa Constituição pôs o Ministério Público com a responsabilidade de zelar por interesses indisponíveis, como o direito à saúde, por exemplo. Desse modo, Machado (1989, p. 54) tece considerações a respeito dessa legislação:
Ainda no plano da Lei Maior percebíamos nitidamente a presença do espírito que movia a Constituição a atribuir funções processuais ao Ministério Público. A indisponibilidade, decorrência da essencialidade social de certos interesses ou direitos públicos se mostrava de forma límpida (...).
Apesar de o Ministério Público ter adquirido força normativa para a defesa dos interesses indisponíveis, o golpe militar teve efeitos, logicamente, na saúde, como o corte vertiginoso de verbas, sendo eleitas pelo governo federal outras prioridades.
Nesse sentido, é interessante mencionar os ensinamentos de Bertolli Filho (1998) ao enfatizar que, nesse período, o Ministério da Saúde priorizava a saúde em seu âmbito individual em detrimento da sua abrangência coletiva, fazendo com que parte da escassa verba destinada ao setor fosse canalizada para o pagamento de serviços prestados por hospitais privados aos pobres, muitas vezes pertencentes às empresas multinacionais, as quais mercantilizavam o direito à saúde.
Vale ressaltar que, de uma maneira geral, atualmente, há uma atuação demasiada no âmbito da saúde em torno de ações particulares que apenas resolvem o problema do indivíduo em si, mas pouca atenção para as ações coletivas, embora aquele problema individual esteja inserido em fenômenos, de ordem estrutural, bem maiores.
Por sua vez, a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, também chamada de Constituição de 1969, por situar o Ministério Público na Seção VII, inserida no Capítulo “Do Poder Executivo”, demarcou a subordinação da instituição aos interesses dos governantes, perdendo a sua imparcialidade, independência (funcional, administrativa e financeira), o que representou um imenso retrocesso, não cabendo, portanto, maiores divagações sobre o tema.
As legislações citadas aconteceram durante os primeiros anos de Ditadura Militar, quando a questão da saúde estava em um processo de privatização, cabendo ao Estado apoiar a medicina privada, o que implicava em uma atuação meramente suplementar.
Desse modo, o âmbito médico privado foi favorecido pelo modelo médico-privatista durante quinze anos da Ditadura Militar, “tendo recebido, neste período, vultuosos recursos do setor público e financiamentos subsidiados, cresceu, desenvolveu e ‘engordou’” (POLIGNANO, 2001, p. 21).
Sendo assim, durante essa fase, fica claro que o atendimento à saúde fornecido à população foi prestado de maneira precária, já que “enquanto o governo reduzia ou atrasava os recursos para a rede conveniada, hospitais e clínicas aumentavam as fraudes para receber aquilo a que tinham direito, e muito mais” (BERTOLLI FILHO, 1998, p. 55).
Por outro lado, algumas medidas foram tomadas para a melhoria da saúde pública, como a criação da Central de Medicamentos (Ceme) com o objetivo de distribuir remédios para a população carente, ainda que não tenha sido uma medida eficaz, já que houve o monopólio dos preços dos medicamentos pelos grandes laboratórios, na medida em que a Ceme se julgou inapta a concorrer com os grandes grupos farmacêuticos multinacionais a ponto das tentativas governamentais de controle dos preços dos fármacos esbarrarem no desinteresse dos laboratórios. Assim, “quando ameaçados pelo poder público, eles simplesmente interrompem a distribuição de seus produtos, deixando a população sem acesso a remédios vitais” (BERTOLLI FILHO, 1998, p. 59).
Já o Código de Processo Civil de 1973, o qual permanece em vigor até os dias atuais, conferiu tratamento sistemático ao Ministério Público, autorizando a sua intervenção basicamente como custus legis. Assim, o diploma legal referido lista várias funções, dentre elas, o direito de ação, isto é, a intervenção do Ministério Público no processo civil atuando como parte.
Desse modo, seguem-se dispositivos interessantes para a pesquisa:
Art. 81. O Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos previstos em lei, cabendo-lhe, no processo, os mesmos poderes e ônus que às partes.
Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.
Art. 236. § 2o A intimação do Ministério Público, em qualquer caso será feita pessoalmente.
Art. 487. Tem legitimidade para propor a ação:
III - o Ministério Público:
Art. 499. § 2o O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei.
Durante esse período, a saúde estava inflada pelo mercado estrangeiro, o qual dominava a indústria farmacêutica, ocasionando total monopólio sobre o preço dos medicamentos, tema já abordado acima.
Nessa linha de intelecção, Polignano (2001) reflete sobre a atuação dos órgãos estatais durante esse período na saúde pública brasileira, apontando que foi oficializado em 1975 o Sistema Nacional de Saúde, cujo campo de ação, agora sistemático, abrangia setores públicos e privados com vistas à promoção, proteção e recuperação da saúde, direcionando ao Ministério da Previdência, a medicina curativa e, ao da Saúde, a preventiva. Como o governo federal investiu poucos recursos nesse último Ministério, não foi possível concretizar as ações de saúde pública planejadas, sendo enfatizada, assim, a medicina curativa, a qual, além de mais cara, dispunha da contribuição dos trabalhadores do INPS.
Concluindo podemos afirmar que o Ministério da Saúde tornou-se muito mais um órgão burocrato-normativo do que um órgão executivo de política de saúde. (...)
Por ter priorizado a medicina curativa, o modelo proposto foi incapaz de solucionar os principais problemas de saúde coletiva, como as endemias, as epidemias, e os indicadores de saúde (mortalidade infantil, por exemplo);
-aumentos constantes dos custos da medicina curativa, centrada na atenção médica-hospitalar de complexidade crescente (POLIGNANO, 2001, p.16-17).
Após a promulgação do Código de Processo Civil, surgiram várias Leis que disciplinavam a atuação do Ministério Público, conferindo-lhe outras atribuições até então inexistentes, o que acelerou a sua caminhada até a atual configuração. Assim, foi promulgada a Lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/73) e a que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), dentre outras.
Além das mencionadas legislações, foram promulgadas emendas constitucionais muito relevantes no que diz respeito ao Ministério Público, como a emenda nº 07 de 1977, a qual autorizava os Estados a organizarem a carreira de seus Ministérios Públicos, por meio de leis estaduais. Posteriormente, entrou em vigor a emenda constitucional nº 11 de 1978 que tratava dos crimes contra a Segurança Nacional.
Nessa linha de raciocínio, cumpre salientar que o país estava vivendo um período de abertura política, saindo de um longo período de Ditadura militar e essas legislações, consequentemente, refletiram esse processo, que encontrou eco no direito à saúde.
Desse modo, com a diminuição da repressão do governo, a mobilização popular voltou às ruas, exigindo os seus direitos legítimos, inclusive pelo direito humano fundamental: a saúde. Nesse sentido, cabe destacar os ensinamentos de Bertolli Filho (1998, p. 62-63):
Com os novos ares de abertura política, os moradores da periferia dos grandes centros começaram a lutar pela melhoria de suas condições de vida. Com a assessoria de padres e médicos sanitaristas, foram criados os Conselhos Populares de Saúde, encarregados de obter melhor saneamento básico e a criação de hospitais e centros de saúde nas áreas mais carentes. (...)
Disso resultou, ainda no final dos anos 70, o surgimento da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) e do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes). A partir dessas associações, desenvolveu-se o chamado Movimento Sanitarista que, ao incentivar as discussões, buscou encontrar respostas para os dilemas da política de saúde nacional.
A Lei da Ação Civil Pública nº 7.347 de 24 de julho de 1985, ao seu turno, traçou um novo paradigma para o Ministério Público. Segundo Macedo Júnior (2000), “este diploma legal inaugurou uma nova fase do Direito Brasileiro e deu novo horizonte à atuação do Ministério Público na área cível”, uma vez que concedeu legitimidade a essa instituição para a defesa dos interesses difusos e coletivos, tendo importância no que se refere ao tratamento judicial dos direitos transindividuais, dos conflitos sociais coletivos, do poder de instaurar e presidir inquéritos civis quando verificasse a ocorrência de danos.
Nessa linha de intelecção, cumpre salientar que o Ministério Público se utiliza desse instrumento processual para a defesa dos interesses do meio ambiente, do consumidor, do patrimônio público, social e cultural, e outros interesses difusos; coletivos e individuais que tenham como característica a indivisibilidade.
Já a “Carta de Curitiba” foi um documento elaborado em 1986 pelas associações estaduais e nacionais do Ministério Público, o qual traçava seu novo perfil institucional ao trazer os princípios da indivisibilidade, unidade e independência funcional, bem como ao prever a autonomia funcional e administrativa, prerrogativas presentes até hoje.
Além disso, tal documento conferia ao Ministério Público as mesmas garantias oferecidas ao Poder Judiciário, como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios, tornando-se, dessa forma, fundamental para a atual configuração do Ministério Público ao fornecer uma base para a Constituição Federal de 1988; base esta já sinalizada também em 1981 na promulgação da Lei Complementar nº 40 que dispôs sobre o Estatuto do Ministério Público, instituindo garantias, atribuições e vedações aos membros do órgão e, dessa forma, proporcionando um importante e grandioso passo para a sua configuração atual, estando presente, por isso, em alguns dos textos normativos que compõem a Constituição federal de 1988.
Depois desse breve contexto histórico, chega-se ao momento mais interessante da pesquisa, a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual trouxe importantíssimas inovações, consolidou características já presentes em outros diplomas legais, além de fornecer um novo parâmetro institucional ao Ministério Público. Em suma, a atual Constituição Federal proporcionou ao Órgão Ministerial, dentre tantas outras imprescindíveis atribuições, a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção dos interesses difusos e coletivos. Nessa atmosfera, uma atribuição do Ministério Público que merece uma análise acurada é a disposição presente no art. 127, o qual disciplina:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (grifo nosso).
Vale dizer que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a positivar a saúde enquanto um direito fundamental e, isso significa afirmar, conforme Roger Raupp Rios (2009, p. 03),
em primeiro lugar, que ele vincula os Poderes Públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário) e que ele não pode ser subtraído da Constituição nem por via de emenda constitucional; também implica admitir que, no exercício destes poderes e dentro dos limites da realidade, o Estado brasileiro deve fazer todo o possível para promover a saúde. Isto é o que a doutrina jurídica costuma referir quando diz que se trata de uma “norma tipo princípio de direito fundamental”. Direitos fundamentais veiculando normas, tipo, princípio ordenam que os Poderes Públicos façam todo o possível para efetivá-los, uma vez que sua observância só se dá quando tudo aquilo que é possível, fática e juridicamente, é prestado (...).
Vale ressaltar que as disposições concernentes ao direito à saúde presentes na atual Constituição Federal resultaram de intenso trabalho de reivindicações dos profissionais da área de saúde e, principalmente, das manifestações populares, tal como leciona Bertolli Filho (1998, p. 63), “(...) a redação final da Constituição promulgada em 1988 incluiu a maior parte das propostas das organizações populares e de especialistas na área da saúde”.
Dessa maneira, pode-se constatar que houve uma intensa caminhada marcada por avanços e retrocessos para a consolidação do Ministério Público enquanto instituição essencial à função jurisdicional do Estado, o que se percebe também no campo da saúde pública brasileira, sendo possível observar as raízes dos problemas atuais enfrentados por esse direito fundamental social. Diante de tais problemas estruturais e desafios de gerenciamento, se faz relevante a expectativa de que os mesmos sejam corrigidos, propiciando um serviço de maior eficiência e qualidade para a população.
REFERÊNCIAS
BERTOLLI FILHO, Cláudio. História da saúde pública no Brasil – São Paulo: Ática, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Mapa do analfabetismo no Brasil. 2013. Disponível em: <http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos/%7B3D805070D9D042DC97AC5524E567FC02%7D_MAPA%20DO%20ANALFABETISMO%20NO%20BRASIL.pdf>. Acesso em: 15 Mai. 2013.
LEITE, Gisele. Breves considerações sobre a história do processo penal brasileiro e habeas corpus – 2006.
MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. O Ministério Público 500 anos depois do descobrimento. Cadernos de Direito e Cidadania Iedc, São Paulo, v. 02, n. 1, p. 71-88, 2000.
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no Processo Civil Brasileiro – São Paulo: Saraiva, 1989.
RIOS, Roger Raupp - Direito à saúde, universalidade, integralidade e políticas públicas: Princípios e requisitos em demandas judiciais por medicamentos. Rev. de Dout. da 4ª Reg., p. 02, 03, 07, 10,11, 15, 16, 2009, Porto Alegre.