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A imputabilidade do assassino em série no ordenamento jurídico brasileiro

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CAPÍTULO 2- DO ASSASSINO EM SÉRIE

Neste capítulo, abordaremos a máxima do estudo em voga, desvendando as questões acerca do assassino em série e da psicopatia, confrontando, em tempo, sua situação no ordenamento jurídico brasileiro.

2.1 – Da Origem do Termo. Conceito.

Segundo pesquisas, o termo “assassinato serial” surgiu em 1966, com o livro “The Meaning of Murder”, do britânico John Brophy e, em 1976, foi novamente utilizado pelo psiquiatra forense Donald Lunde, em “Murder and Madness”[35].

Por volta da década de 70, o termo foi utilizado pela primeira vez no meio policial por Robert Ressler, agente do FBI (Federal Bureau of Investigation) – hoje, aposentado – que pertencia a uma unidade chamada “Behavioral Sciences Unit – BSU (Unidade de Ciência Comportamental), com base em Quântico, Virgínia, nos Estados Unidos. Em 1992, Ressler reclamou o crédito pela origem do termo em seu livro “Whoever Fights Monster”[36].

De acordo com Mougenot, antes de surgir o termo assassino em série, aqueles que cometiam um determinado número de homicídios eram denominados assassinos em massa (mass murderer). No entanto, especialistas afirmam existir uma diferença pontual entre eles: o assassino em massa mata quatro ou mais vítimas em um único episódio criminoso[37].

Quanto ao conceito de assassino em série, também chamado homicida-serial[38], usualmente nos deparamos com uma definição estatística do termo, o que gera um sem-número de divergências.

Com base nos estudos dos especialistas Stéphan Bourgoin (Enquête sur les Tueurs-en-Série, Paris, Bernard Grasset, 1999), Elizabeth Campos (Tueurs-en-Série, ed. Plein Sud), Richard Nolane e Olivier Blanc (Tueurs-en-Série, mémoire apresentada à Université Aix-Marseille), define-se assassino em série como “três ou mais acontecimentos distintos, com um intervalo de tempo a separar cada um dos homicídios; crimes estes sempre com uma motivação 'narcísico-sexual'”[39].

O Manual de Classificação de Crimes do FBI, de 1992, define o assassinato serial como “três ou mais eventos separados em três ou mais locais separados com um período de resfriamento emocional entre os homicídios”, conceituação amplamente criticada, que levou o National Institute of Justice – NIJ (Instituto Nacional de Justiça), por questão de utilidade e versatilidade, a formular o seguinte conceito em 1988:

(…) uma série de dois ou mais assassinatos, cometidos como eventos separados, normalmente, mas nem sempre, por um infrator atuando isolado. Os crimes podem ocorrer durante um período de tempo que varia desde horas até anos. Quae sempre o motivo é psicológico, e o comportamento do infrator e a evidência física observada nas cenas dos crimes refletirão nuanças sádicas e sexuais[40].

O mais atualizado conceito de assassino em série data de 1998, elaborado por Egger, professor de Justiça Criminal da Universidade de Illinois, em Springfield:

Um assassinato em série ocorre quando um ou mais indivíduos (em muitos casos homens) cometem um segundo e/ou posterior assassinato; não existe em geral relação anterior entre a vítima e o agressor (se esta existe, coloca sempre a vítima em uma posição de inferioridade frente ao assassino), os assassinatos posteriores ocorrem em diferentes momentos e não têm relação aparente com o assassinato inicial e costumam ser cometidos em uma localização geográfica distinta. Ademais, o motivo do crime não é o lucro, mas sim o desejo do assassino de exercer controle ou dominação sobre suas vítimas. Estas últimas podem ter um valor simbólico para o assassino e/ou ser carentes de valor, e na maioria dos casos não podem defender-se e avisar a terceiros de sua situação de impossibilidade de defesa ou são vistas como impotentes, dados sua situação neste momento, o local e a posição social que detenham dentro de seu entorno, como, por exemplo, no caso de vagabundos, prostitutas, trabalhadores imigrantes, homossexuais, crianças desaparecidas, mulheres que saíram desacompanhadas de casa, velhas, universitárias e pacientes de hospital[41].

Ilana Casoy[42], especialista em criminologia, aceita como definição para assassinos em série “indivíduos que cometem uma série de homicídios durante algum período de tempo, com pelo menos alguns dias de intervalo entre esses homicídios”, considerando as características que envolvem este tipo de criminoso, as quais nos reportaremos no subcapítulo pertinente.

Por fim, informamos que tramita no Senado Federal um projeto de lei com a finalidade de acrescentar parágrafos ao artigo 121, objetivando implementar no ordenamento pátrio um conceito jurídico-penal para assassino em série, bem como, sanções específicas, que exporemos em momento oportuno.

2.1.1 – Das características gerais.

O assassino em série apresenta algumas particularidades que o distingue de outros homicidas. Observado esse aspecto, o FBI criou o NCAVC – National Center for the Analysis of Violent Crime (Centro Nacional para a Análise de Crimes Violentos), localizado em Quântico, onde estudam o comportamento de criminosos em série, investigando, operando e assistindo tanto a polícia norte-americana como a de outros países[43].

Em 1985, o FBI criou o VICAP (Violent Criminal Apprehension Program – Programa de Captura de Criminosos Violentos), programa de informática que funciona como uma base de dados criminal, armazenando e relacionando entre si todos os homicídios não resolvidos no país. Este sistema foi sobrepujado pelo  software canadense PowerCase, que pretende substituir o VICAP[44].

Ao analisarmos os crimes cometidos por um assassino em série, observamos certa confluência dos aspectos objetivos e subjetivos um tanto peculiares, que torna possível identificar o perfil deste tipo de infrator.

Em suma, Mougenot lista sete critérios cumulativos para a definição de um homicida como serial, os quais justapôs ao perfil de Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, ao analisá-lo para fundamentar sua acusação[45]:

→ emprega violência extrema no ato: é comum a castração, decapitação, mutilação, evisceração e necrofagia, o que, por muitas vezes, complica ou compromete a identificação do corpo. Observa-se um prazer sexual-narcisista, pois, em casos onde a vítima não sofre estupro, pode haver a introdução de objetos estranhos ao coito vagínico, anal ou oral, o que leva a crer que este agressor se excitou sexualmente;

ausência de motivação para o crime: como as vítimas parecem ser escolhidas ao acaso, é difícil identificar algum vínculo entre o autor e a vítima, o que, dificulta sua identificação.

Casoy[46] aduz que não se encontra um motivo racional para o ato, que tem sentido apenas para o agressor, pois, este não procura uma gratificação no crime: sua intenção é exercitar seu poder e controle sobre a vítima por puro prazer;

→ “reificação/coisificação” da vítima: o agressor enxerga a vítima como o objeto de suas fantasias, desumanizando-as. Por este motivo, usualmente, escolhe pessoas desconhecidas ou com a qual tenha pouca afinidade, como também, aqueles que pertençam a grupos considerados “de risco”, como, prostitutas, sem-teto ou caronistas, pois, beneficiam-se da demora em constatar o desaparecimento destes;

→ o quantitativo de vítimas: ao nos depararmos com dois ou mais homicídios, que correspondam aos demais critérios, podemos considerar a possibilidade de estarmos diante de um assassino em série. Mougenot[47] nos fornece cinco critérios que o distinguem de um agressor sexual, pois, nem sempre estes evoluem para o assassinato:

(a) a violência do crime e a ausência de remorso do autor;

(b) manteve relações sexuais com a vítima antes, durante ou depois;

(c) acentuada despersonalização da vítima;

(d) mata para manipular a vítima (transporte, mutilação, troféu...);

(e) o matador pode não ter relações com a vítima, mas o crime apresenta conotação sexual.

→ existe um período de calmaria entre os crimes: o assassino em série idealiza a presa e a abate, reiterando a projeção idealização-caça, na medida de suas fantasias criminosas.

Sobre este assunto, Ilana Casoy[48] apresenta as seis fases do ciclo do assassino em série, elaborados pelo dr. Joel Norris, Ph.D. em psicologia e escritor. São estas:

(a) fase áurea: o assassino começa a perder a compreensão da realidade;

(b) fase da pesca: o assassino procura a sua vítima ideal;

(c) fase galanteadora: o assassino seduz ou engana sua vítima;

(d) fase da captura: a vítima cai na armadilha;

(e) fase do assassinato ou totem: auge da emoção para o assassino;

(f) fase da depressão: ocorre após o assassinato;

Retorna, portanto, à fase áurea.

fidelidade relativa a um tipo de cenário: de um a outro delito, seu modus operandi pode modificar, porém, sua  assinatura psicológica permanece, devendo, portanto, as autoridades estarem atentas às cenas de crime antecedentes, possibilitando prever novos delitos e a certeza de ser tratar de um assassino serial.

Para Ilana Casoy[49], o local do crime “fala” com os peritos e, aprender a reconhecer padrões de comportamento nesses cenários, auxilia na descoberta de muitas características do agressor, bem como distinguir a forma como cometem seus crimes. Nos mostra a diferença entre modus operandi e assinatura:

Modus operandi é comportamento prático. É o que o criminoso faz de necessário para cometer o crime, e é dinâmico, pode mudar e melhorar conforme sua experiência.

Assinatura é o que o criminoso faz para se realizar psicologicamente, é produto de sua fantasia e é estático, não  muda. (…)

Um criminoso que manda as pessoas tirarem a roupa durante sua ação está utilizando um M.O. inteligente, pois, todos terão que se vestir antes de chamar a polícia e ninguém sairá correndo nu atrás dele. Agora, um criminoso que faz o mesmo, mas fotografa as pessoas em poses eróticas, já demonstra ter uma assinatura, porque está alimentando suas fantasias psicossexuais.

Apesar do M.O. ter muita importância, ele não pode ser utilizado isoladamente para conectar crimes. Já a assinatura, mesmo que evolua, sempre terá o mesmo tema de ritual, no primeiro ou no último crime, agora ou daqui a dez anos.

semelhanças de espaço-tempo: Mougenot associa esse critério ao criminoso organizado, aquele para o qual os lugares e datas dos crimes tomam uma dimensão simbólica. Este não age bruscamente, tendo absoluto controle da cena criminosa, sabendo o momento exato para abordar as vítimas e para a execução do crime, ao contrário do criminoso desorganizado que, em regra, é um indivíduo psicótico e, em função de sua condição patológica, age de forma primitiva, em menor espaço-tempo, sem qualquer controle.

O FBI identificou algumas das características que distinguem os criminosos organizados dos desorganizados, relacionados por Ilana Casoy[50], que disponibilizamos em tabela no Anexo 1.

A partir dessas características gerais podemos depreender certa semelhança entre o procedimento do assassino em série e algumas particularidades associadas aos indivíduos portadores de psicopatia, tema que abordaremos em breve.

2.1.2 – Projeto de lei n. 140, de 2010. Análise.

Apresentado pelo então Senador Romeu Tuma, em ato de repúdio à ação de Admar de Jesus, o “Maníaco de Luziânia”, que culminou no assassinato de seis jovens do município de mesmo nome, em Goiás, esta proposição pretende implantar um conceito jurídico-penal ao assassino em série, bem como, estabelecer-lhe sanção diferenciada.

Esse projeto de lei pretende acrescentar os §§ 6º, 7º, 8º e  9º ao artigo 121 do Código Penal Brasileiro – cabe mencionar que, com a publicação da Lei n. 12.720, de 27 de setembro de 2012, que trata do crime de extermínio de seres humanos, houve o acréscimo de um § 6º, que traz uma causa especial de aumento de pena, o que alteraria a numeração da proposição, caso sancionada[51].

Nos §§ 6º e 7º, o projeto busca, respectivamente, conceituar o assassino em série – através das circunstâncias do caso concreto – e identificar um suspeito como tal – pela análise de suas faculdades mentais, realizado por uma junta profissional:

"Art. Art. 121. Matar alguém:

...

Assassino em série

§ 6º Considera-se assassino em série o agente que comete 03 (três) homicídios dolosos, no mínimo, em determinado intervalo de tempo, sendo que a conduta social e a personalidade do agente, o perfil idêntico das vítimas e as circunstâncias dos homicídios indicam que o modo de operação do homicida implica em uma maneira de agir, operar ou executar os assassinatos sempre obedecendo a um padrão pré-estabelecido, a um procedimento criminoso idêntico.

§ 7º Além dos requisitos estabelecidos no parágrafo anterior, para a caracterização da figura do assassino em série é necessário a elaboração de laudo pericial, unânime, de uma junta profissional integrada por 05 (cinco) profissionais:

I – 02 (dois) psicólogos;

II – 02 (dois) psiquiatras; e

III – 01 (um) especialista, com comprovada experiência no assunto[52].

O projeto conceitua assassino em série a partir de elementos os quais nos reportamos anteriormente, como o número e perfil das vítimas, a conduta do criminoso, sua forma de agir e o cenário escolhido. Entende que, acrescido a estes, deve ser realizado um laudo pericial rigoroso, elaborado por especialistas da área de saúde mental, como psiquiatras e psicólogos forenses, entre outro profissional com experiência na área, o que entendemos como um criminologista, por exemplo.

Embora inexista uma definição estatística pacífica para a consideração de um suspeito como assassino em série, o conceito adotado pelo projeto entra em conflito com o mais recente adotado pelos profissionais da área – o projeto fala de 'três ou mais' enquanto profissionais adotam a partir de 'dois', como mencionamos na introdução do subcapítulo 2.1[53].

Acerca do § 7º, não vislumbramos problemas, pois, coerente a avaliação do suspeito por uma junta profissional devido às características de seus atos criminosos com a possibilidade de realização do incidente de insanidade mental, nos termos do artigo 149 e § 1º do Código de Processo Penal:

Da Insanidade Mental

Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.

§ 1o O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente[54].

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Consideramos mais polêmicos os §§ 8º e 9º pela alta probabilidade de, a priori, serem reprovados pela Comissão de Constituição e Justiça ou sofrerem veto por inconstitucionalidade – esses mecanismos atuam como controles preventivo-políticos realizados, respectivamente, pelos Poderes Legislativo (artigo 58, §2º, inciso I da CR/88) e Executivo (artigo 66, §1º da CR/88)[55].

Caso ultrapasse esses mecanismos, sendo, portanto, sancionado e publicado, ainda sim, verifica-se a possibilidade de propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade[56] – mecanismo de controle repressivo-judicial que aufere a adequação das normas infraconstitucionais com a norma constitucional  – tendo em vista as divergências que este projeto apresenta com a ordem jurídica vigente.

Apresentamos as disposições desses parágrafos e, em seguida, faremos as considerações pertinentes:

§ 8º O agente considerado assassino em série sujeitar-se-á a uma expiação mínima de 30 (trinta) anos de reclusão, em regime integralmente fechado, ou submetido à medida de segurança, por igual período, em hospital psiquiátrico ou estabelecimento do gênero.

§ 9º É vedado a concessão de anistia, graça, indulto, progressão de regime ou qualquer tipo de benefício penal ao assassino em série[57].

(a) 'expiação mínima de 30 (trinta) anos de reclusão'

Se o mínimo deve ser trinta anos, significa que pode ser maior do que esse limite, o que entra em conflito direto com o artigo 75 e seu § 1º do Código Penal, o qual determina que o tempo de pena não pode ser superior à 30 (trinta) anos e, caso o somatório de penas ultrapasse esse limite, devem ser unificadas para atender este prazo máximo:

Limite das penas

Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.

§ 1º - Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo[58].

Esse limite foi estabelecido quando da publicação da Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984, que alterou a parte geral do Código Penal, adequando-o aos termos da Constituição da República de 1967[59], vigente à época, pretendendo, com isso, atender às funções do sistema penal, como relata a Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal:

61. O Projeto baliza a duração máxima das penas privativas da liberdade, tendo em vista o disposto no art. 153, § 11, da Constituição, e veda a prisão perpétua. As penas devem ser limitadas para alimentarem no condenado a esperança da liberdade e a aceitação da disciplina, pressupostos essenciais da eficácia do tratamento penal. Restringiu-se, pois, no art. 75, a duração das penas privativas da liberdade a 30 (trinta) anos, criando-se, porém, mecanismo desestimulador do crime, uma vez alcançado este limite. (...)[60]

(b) 'regime integralmente fechado'

Por decisão do Habeas Corpus n. 82.959-7/SP, do Supremo Tribunal Federal, foi declarada a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990 que, na ocasião, determinava a imposição de regime integralmente fechado ao condenado por crime hediondo:

PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a  ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social.

PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § lº, DA LEI Nº 8.072/90 – INCONSTITUCIONALIDADE – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90[61].

Sobreveio a essa decisão a Lei n. 11.464, de 28 de março de 2007, que alterou, entre outras, a redação do dispositivo acima mencionado para impor o regime inicialmente fechado, sendo esta sua redação atual:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

(...)

§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado[62].

Posteriormente, em sede do Habeas Corpus n. 111.840/ES, o Supremo Tribunal, novamente, declarou este dispositivo inconstitucional por ofender à garantia constitucional da individualização da pena, disposta no inciso XLVI do artigo 5º da CR/88:

EMENTA. Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida.

(…)

5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado[63].

Sendo assim, se compelir um condenado por crime hediondo ao regime inicialmente fechado é considerado inconstitucional, imagine ao regime integralmente fechado – embora esse tenha sido assim declarado antes daquele.

(c) 'ou submetido à medida de segurança, por igual período'

Entendemos que, nesse caso, a medida de segurança seja decretada quando o assassino em série for considerado como inimputável ou semi-imputável.

No entanto, o período proposto pelo projeto diverge de nosso ordenamento jurídico atual, pois, embora não tenha prazo definido como limite para sua imposição, apresenta um limite mínimo de internação e outro prazo para perícia médica, no qual será aferida a cessação, ou não, da periculosidade do internado:

Art. 97

(…)

Prazo

§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

Perícia médica

§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução[64].

(d) 'É vedado (…) progressão de regime ou qualquer tipo de benefício penal ao assassino em série'

O § 9º proíbe a aplicação de benefícios quaisquer ao indivíduo assim caracterizado, porém, observamos a questão relacionada à progressão de regime, enfrentada anteriormente quando tratamos da inconstitucionalidade do regime integralmente fechado.

Naquela situação, o Supremo Tribunal Federal[65] também considerou a vedação à progressão de regime inconstitucional, por ofensa à garantia constitucional da individualização da pena:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança[66];

Por estes motivos, entendemos ser inconstitucional o referido projeto de lei, o qual disponibilizamos no Anexo 2.

2.2 – Da Psicopatia no Direito Penal Brasileiro

Como demonstraremos neste subcapítulo, a psicopatia é tratada pelos juristas como perturbação da saúde mental, porém, equivocadamente identificada como doença mental, o que, segundo especialistas da psicologia e psiquiatria forense, não condiz com a realidade.

Em tempo, destacaremos que as consequências jurídicas resultantes deste equívoco podem trazer resultados nocivos tanto para o próprio indivíduo como para a sociedade e, mesmo quando corretamente considerados como imputáveis, o ordenamento jurídico-penal vigente não apresenta uma solução adequada a estes indivíduos, para atingir a função da pena em si.

2.2.1 – Primeiras considerações. Características.

Personalidade antissocial, personalidade psicopática, personalidade dissocial, sociopata ou, simplesmente, psicopata. Seja qual for a terminologia utilizada, todos apresentam um perfil transgressor e nem mesmo instituições, como a Associação de Psiquiatria Americana (DSM-IV-TR) e a Organização Mundial de Saúde (CID-10), compactuam da mesma nomenclatura: a primeira usa o termo Transtorno da Personalidade Antissocial, enquanto a segunda adota Transtorno de Personalidade Dissocial[67].

O termo 'psicopata' tem origem no grego psyche (mente) e pathos (doença), o que literalmente significa 'doença da mente'. Porém, o indivíduo que se enquadra nesse diagnóstico médico-psiquiátrico não guarda qualquer relação com visão tradicional de doença mental[68].

O assassino em série pode ser identificado pela Psiquiatria como psicótico – aquele realmente considerado doente mental – ou psicopata – este, nosso objeto de estudo, o qual suscita divergências que veremos adiante.

O psicótico é considerado doente mental, portador de paranoide psicótica ou de esquizofrenia paranoide, não tendo consciência de seu estado, padecendo de delírios e alucinações visuais e/ou auditivas, que entendem como reais. O psicopata, por sua vez, não configura doença mental, mas sim transtorno de personalidade dissocial, conforme disposto no Código Internacional de Doenças (CID-10), subitem F60.2, da Organização Mundial da Saúde:

Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade[69].

Estudos baseados em crime e psicopatia, realizados pelo psicólogo canadense Robert Hare (1980), culminaram na elaboração de um método   denominado PCL-R (psychopathy checklist revised – 1991), para identificação de psicopatas em populações prisionais, também conhecido como Escala Hare[70].

No Brasil, essa escala foi traduzida, adaptada e validada pela psiquiatra forense Hilda Morana (2003)[71], sendo utilizada com sucesso por psicólogos e psiquiatras forenses no diagnóstico e avaliação da psicopatia, constituindo uma ajuda técnica para que magistrados possam adotar medidas legais com mais segurança em suas decisões[72].

Quanto aos subtipos de psicopatia, Karpman (1941) estabeleceu a distinção entre psicopatia primária e secundária, segundo o qual, na primária, percebe-se um déficit afetivo originário, enquanto na secundária, o distúrbio afetivo é proveniente do aprendizado psicossocial precoce[73].

Conclui-se que a psicopatia primária está diretamente vinculada a fatores hereditários, sendo cruéis e sem emoção, enquanto a psicopatia secundária seria resultado das influências ambientais, como experiências traumáticas na infância. Nesses, encontramos o sentimento de raiva e alguma forma de ansiedade[74].

Outras peculiaridades dos psicopatas são a delinquência, hostilidade, dissimulação (são mentirosos profissionais e obsessivos), ambição, podendo ser sociáveis e sedutores. Possuem ausência de medo, não no sentido virtuoso, mas negativo, como expressão do desafio, impulsividade, falta de ansiedade e desapego emocional[75].

Psicopatas são insensíveis e distantes, agindo como se estivessem do lado de fora da situação. Não sentem remorso nem compaixão por outras pessoas, nem sabem como se relacionar com elas. Aprendem a imitar pessoas normais e usam isso de forma habilidosa para manipulá-las, disfarçando suas verdadeiras intenções egoísticas[76].

2.2.2 –  Divergências jurisprudenciais e doutrinárias

Em relação ao assassino em série psicótico, não temos qualquer dificuldade em considerá-lo inimputável, mediante o diagnóstico de doença mental, perfeitamente disposto no caput do artigo 26 do Código Penal:

Inimputáveis

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento[77].

Greco (2011) conclui que, não basta o diagnóstico de doença mental para que o autor de crime seja considerado inimputável, mas também que, no momento da ação, este seja inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento e, por isso, depreende-se que o legislador optou pelo critério biopsicológico no artigo supracitado[78].

De acordo com Trindade, Beheregaray e Cuneo (2009), o termo doença mental, utilizado na esfera jurídica, caiu em desuso na área psicológica por sua imprecisão, pois, abrange uma gama de condições que produzem alterações mórbidas à saúde mental:

Neste conceito estão incluídos os transtornos mentais psicóticos de um modo geral e os estados demenciais. Incluem-se no conceito a esquizofrenia; a psicose maníaco-depressiva; a paranoia, etc. São também consideradas doenças mentais a epilepsia, a demência senil, a psicose alcoólica, a paralisia progressiva, loucura, histeria, dentre outras. Podem ser orgânicas, tóxicas e funcionais; e, de acordo com a duração da  moléstia, crônica ou transitória[79].

Quanto ao psicopata, a questão gira em torno do equívoco referente ao significado de 'perturbação da saúde mental' operado pelos juristas, em discordância com sua definição psiquiátrica.

Como vimos anteriormente, o criminoso psicopata possui um transtorno de personalidade. Na psiquiatria forense, esses transtornos são perturbações da saúde mental, e não doença mental, envolvendo “a desarmonia da afetividade e da excitabilidade com integração deficitária dos impulsos, das atitudes e das condutas, manifestando-se no relacionamento interpessoal”[80].

Da mesma forma, Valença, Chalub e outros (2005) entendem que os criminosos psicopatas possuem um transtorno de personalidade, o que configura perturbação da saúde mental. No entanto, diferentemente da doutrina psiquiátrica, denominam estes como 'fronteiriços', pois, situados na zona limítrofe entre a doença mental e a normalidade psíquica, não tendo capacidade de comportar-se por falta de controle de seus impulsos, embora entendam o caráter criminoso de seus atos[81].

A partir dessa definição, ajusta-se o assassino psicopata à previsão do parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, que trata da semi-imputabilidade, pelo qual o indivíduo pode receber redução de pena de um a dois terços:

Art. 26. …..........................

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento[82].

Cabe recordar que, como regidos pelo sistema vicariante, dependendo do caso concreto, ao invés de pena, os semi-imputáveis podem ser submetidos à medida de segurança:

Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º[83].

Trindade, Beheregaray e Cuneo (2009) esclarecem que a semi-imputabilidade, como concebida pela esfera jurídica, aplica-se somente quando os fatos criminais se devem, de modo inequívoco, a comprometimento parcial do entendimento e da autodeterminação de seu autor, o que não ocorre nos delitos cometidos por psicopatas:

(…) verifica-se pleno entendimento do caráter ilícito dos atos e a conduta está orientada por esse entendimento (premeditação, escolha de ocasião propícia para os atos ilícitos, deliberação consciente e conduta sistemática). Portanto, do ponto de vista psicológico-legal, psicopatas devem ser considerados imputáveis[84].

Para esses especialistas, os psicopatas possuem tanto sua capacidade cognitiva como volitiva preservadas, o que, de modo nenhum, se encaixa na condição de semi-imputável:

Psicopatas têm noção da natureza de seus atos e conhecem as normas sociais, tanto assim que não atuam sob a ameaça de serem descobertos. Possuem vontade dirigida finalisticamente a um resultado e essa vontade deve ser censurada porque eles são plenamente conscientes da  ilicitude de seus atos.

(…) o psicopata atua com juízo crítico de seus atos e revela-se muito mais perigoso do que o criminoso comum, devido à sua habilidade em manipular e de se apresentar de forma sedutora, valendo-se de múltiplos recursos para enganar suas vítimas. Ele escolhe, reflete, decide e executa. Esse conjunto circunstancial faz com que o ato não seja meramente impulsivo, mas planejado e desejado. (...)[85]

Apesar dessas considerações, a jurisprudência entende prejudicada a capacidade volitiva do indivíduo, persistindo em sua condição jurídica de semi-imputável, como as seguintes decisões trazidas à baila:

“A personalidade psicopática revela-se pelas perturbações da conduta e não como enfermidade psíquica. Destarte, embora não enfermo mental, é o indivíduo portador de anomalia psíquica, que se manifesta quando do seu procedimento violento, ao cometer o crime, justificando, de um lado, a redução da pena, dada a semi-responsabilidade; e, de ouro, a imposição, por imperativo legal, da medida de segurança”. (TJSP – Rev. Crim – Relator Des. Adriano Marrey – TR 442/412).

“A personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais acarretadoras de irresponsabilidade do agente. Inscreve-se no elenco das perturbações de saúde mental, em sentido estrito, determinantes da redução da pena”. (TJMT – Ap. Crim – Relator Des. Costa Lima – RT 462/409).

“Personalidade psicopática não significa, necessariamente, que o agente sofre de moléstia mental, embora o coloque na região fronteiriça de transição entre o psiquismo normal e as psicoses funcionais”. (TJSP – Ap. Crim – Relator Des. Adriano Marrey. TR 495/304)[86].

Embora saibamos que jurisprudência majoritária identifica a personalidade psicopática como semi-imputável, nos posicionamo de modo contrário, corroborando com o ajustamento do assassino em série diagnosticado psicopata segundo a doutrina psiquiátrica, pois, como condição médico-psicológica de um indivíduo, não entendemos coerente menosprezar tais considerações.

A psicopatia, de acordo com os especialistas da área de saúde mental, classifica-se como 'doença moral', devido sua destrutividade social e relacional, bem como, sua força predatória. Não são psicóticos – como os portadores de esquizofrenia – nem sofrem de déficit de inteligência – como os que possuem atraso ou retardo mental[87].

Nucci (2005) entende que as anomalias psíquicas apresentadas pelos indivíduos portadores de transtorno de personalidade antissocial “não excluem a culpabilidade, pois não afetam a inteligência, a razão, nem alteram a vontade”[88].

O diagnóstico do assassino em série como psicopata acompanhado pelo correto enquadramento deste como hígido mental, portador de plenas capacidades mentais, são questões cruciais para a adoção de medidas jurídicas adequadas para esses indivíduos que, como veremos a seguir, são incapazes de aprender com suas experiências.

2.2.3 – Da (in)eficácia da sanção penal

Sintetizando o que vimos até o momento, encontramos a seguinte situação: ou o indivíduo criminoso é considerado portador de doença mental e, consequentemente, inimputável, ou é diagnosticado portador de psicopatia e, portanto, semi-imputável.

Permitimo-nos ser repetitivos para expor que o portador de psicopatia é visto como semi-imputável porque, para os juristas, embora tenham conhecimento do ato criminoso praticado e o entendam como tal, não conseguem conter seus impulsos, o que contradiz a doutrina medico-psiquiátrica, segundo a qual os transtornos de personalidade são uma deficiência moral, não provocando redução na capacidade cognitiva e volitiva de seus portadores.

O sistema penal e processual penal vigentes, em consonância com as normas garantistas dispostas na Constituição da República de 1988, apresenta uma série de benefícios aos condenados, de modo a não acolher a pena simplesmente como punição, mas também como  possibilidade de ressocialização desse transgressor.

Entre tantos direitos garantidos aos presos por nossa Lei Maior, mencionamos os dispositivos constitucionais mais significativos quando tratamos da aplicação de maior rigor penal – o Princípio da Individualização da Pena e a proibição de penas de caráter perpétuo, entre outras:

Art. 5º. ….................................................

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

XLVII - não haverá penas:

(...)

b) de caráter perpétuo[89];

Pelo Princípio da Individualização da Pena tivemos a declaração da inconstitucionalidade de dispositivos legais que impediam a progressão de regime ou mesmo que fixavam a obrigatoriedade de se iniciar a pena em um determinado regime, bem como, o limite de pena existente na norma infraconstitucional – qual seja, 30 (trinta) anos – como mostramos no subcapítulo 2.1.2.

Portanto, seja qual for o crime cometido pelo transgressor, esses direitos lhes são garantidos constitucionalmente e, sua aplicação deve observar os aspectos subjetivos do indivíduo, como afirma o Ministro Relator Dias Toffoli, no Plenário do Supremo Tribunal Federal, em decisão de habeas corpus:

Entendo que, se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado.

Deixo consignado, já de início, que tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33 c/c o art. 59 do Código Penal[90].

Greco (2011) afirma que, ao final do artigo 59 do Código Penal, o legislador conjuga os termos reprovação do comportamento e prevenção do crime, significando a adoção da Teoria Mista ou Unificadora da pena, que conjuga as teorias absoluta e relativa, pautadas, respectivamente, nos critérios da retribuição e da prevenção[91].

Aduz, Juarez Cirino (2008), sobre a aplicação da Teoria Unificada ao Código Penal Brasileiro:

No Brasil, o Código Penal consagra as teorias unificadas ao determinar a aplicação da pena “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (art. 59, CP): a reprovação exprime a ideia de retribuição da culpabilidade; a prevenção do crime abrange as modalidades de prevenção especial (neutralização e correção do autor) e de prevenção geral (intimidação e manutenção/reforço da confiança na ordem jurídica) atribuídas à pena criminal[92].

Trindade e outros (2009), considerando, além de sua experiência na área,  estudos realizados por outros especialistas, relatam uma série de características que identificam a pouca probabilidade de “cura” para o psicopata, e até mesmo a possibilidade de um efeito inverso[93]:

→ como não se importam com as consequências de seus atos, seu comportamento antissocial não é contido pelo medo da punição, aliás, sequer tem esse sentimento – medo;

→ são denominados egossintônicos, ou seja, incapazes de sentir desconforto interno e, portanto, não se sentem impelidos a fazer mudanças;

→ algumas terapias podem fornecer ao psicopata um aprimoramento na sua técnica de manipular, iludir, enganar e aproveitar-se dos outros, agravando a situação que se pretende melhorar;

→ para a eficácia da terapia, é necessário que haja um vínculo emocional entre terapeuta e paciente, mútua cooperação e sinceridade: psicopatas não atendem as estes critérios.

→ por não se intimidarem com a severidade do castigo e nem aprenderem com a experiência, mostra-se ineficaz a aplicação de medidas meramente punitivas e dissuasórias, o que tem relação direta com o sistema penitenciário.

Chegamos à conclusão de que o assassino em série psicopata não possui tratamento adequado em nosso sistema penitenciário brasileiro. Não pretendemos ingressar na seara médica, porém, convém mencionar que ainda não encontraram métodos adequados e eficazes de tratamento para eles – o que não significa que não exista tratamento[94].

Instaura-se a celeuma acerca do indivíduo psicopata. Pelos motivos expostos, discordamos de seu enquadramento como semi-imputável, pelo qual obterá redução de pena, sendo elegível para benefícios penais em tempo relativamente menor do que um apenado imputável. Entretanto, julgados imputáveis, embora recebam pena como qualquer outro condenado, sobrevêm as benesses penais e, em questão de tempo, retornarão à sociedade, o que, nesta ou naquela situação, não se mostra uma solução jurídica adequada.

A problemática está no alcance da função da pena. Desconsiderando a notória falência do sistema penitenciário atual, onde percebe-se a falta de estrutura para alcançar seu objetivo, o fato é que, para indivíduos portadores de psicopatia, além de nosso sistema favorecer-lhes artifícios suficientes para aperfeiçoar seus métodos criminosos, eles acabarão por ser reconduzidos à sociedade.

Vimos que, como o Código Penal brasileiro adota a teoria unificada da pena, sua função de reprovação do comportamento se relaciona com a retribuição da culpabilidade, enquanto a prevenção, dividida em geral e especial, referindo-se, a geral, à intimidação e manutenção da ordem jurídica, e, a especial, à ressocialização do apenado[95].

Estabelecendo como parâmetro as características supramencionadas dos portadores de psicopatia, percebemos que, em tese, os objetivos da pena não lograriam qualquer êxito, especialmente, quanto ao fator ressocialização. Se uma pessoa é incapaz de sentir-se mal com seus atos criminosos, não vendo qualquer motivo – nem mesmo a punição – para modificar seu comportamento, a retribuição da culpabilidade e a intimidação não surtem nele qualquer efeito.

De outra forma, segundo especialistas, quanto mais violentos, maior a probabilidade de reincidir, entrave, portanto, ao processo de ressocialização da pena. Por óbvio, se não aprendem com a experiência, não há benefício na punição e, uma vez livres, ávidos por novas emoções e experiências, tendem a cometer crimes novamente[96].

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Sobre a autora
Talita Laércia Gomes Nunes Portela

Bacharel em Direito pela Faculdade Santo Agostinho, Teresina/PI

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTELA, Talita Laércia Gomes Nunes. A imputabilidade do assassino em série no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3725, 12 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25256. Acesso em: 19 abr. 2024.

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