Tem se tornado comum nos últimos dias a previsão, em editais de concurso público e de processos seletivos, a atribuição de pontuação diferenciada, na prova de títulos, aos candidatos que possuam experiência em cargos públicos ou funções públicas. Assim, se o concurso é para médico, o edital atribuiria aos candidatos que já ocuparam cargos de médico em hospitais e órgãos públicos pontuação maior do que a que será atribuída a quem realizou a mesma atividade em hospitais privados.
Seria constitucional a exigência? Ao meu ver não.
O discrimen, que permite o tratamento diferenciado de uma pessoa em detrimento da outra, para afastar a aplicação do princípio da isonomia, teria que ser justificado, e a justificativa teria que ser razoável.
Seria razoável, por exemplo, exigir-se que somente mulheres pudessem concorrer ao cargo de Agente Penitenciário de uma penitenciária feminina. Ou a exigência de certa idade para a ocupação de cargos em que for exigida a força física do ocupante, como é o caso das Forças Armadas e Polícia. Contudo, no caso em exame não há, a princípio, uma “razoabilidade” na atribuição de pontuação diferenciada para ocupantes de cargo público em concurso público.
A Constituição Federal no artigo 37 determina o tratamento isonômico dos Administrados pelo Estado, de modo que, como dito, somente em situações excepcionais e justificadas pelas circunstâncias é que caberia uma atribuição diferenciada de pontos. É o caso, por exemplo, de atribuição de pontuação diferenciada para os Doutores em detrimento dos Mestres. Ou de frequência a curso preparatório para a Magistratura para os que se candidatam ao cargo de Juiz.
Todavia, atribuir, simplesmente, pontuação diferenciada a quem já ocupou cargo público é criar uma casta, uma “elite” que teria acesso aos cargos em comissão e, por conseguinte, aos cargos públicos mediante concurso, violando inteiramente a isonomia e a impessoalidade que deve ser resguardada nesses casos. Ao que parece, consistiria, tal hipótese, na possibilidade de perpetuação de determinado grupo político no Poder, na medida em que somente determinadas pessoas teriam acesso aos cargos em comissão e funções comissionadas, o que possibilitaria que tais pessoas se beneficiassem dessa circunstância profundamente injusta e anti-isonômica para que possam posteriormente galgar um cargo efetivo na Administração Pública.
Qual seria a justificativa razoável para, por exemplo, atribuir-se pontuação maior para ex-ocupantes de cargos públicos que concorrem ao cargo de Médico ou Professor? O simples fato de terem sido servidores públicos? Que conhecimento diferenciado teriam em razão disso? Com efeito, trata-se de situação que claramente não possui uma justificativa razoável, ferindo de morte o artigo 37 da Constituição Federal, o princípio da isonomia e impessoalidade.
Ora, em algumas situações o fato de ter atuado na iniciativa privada daria maiores condições ao candidato para a ocupação do cargo público. Seria o caso, por exemplo, do candidato que concorre ao cargo de Médico-Oncologista, onde em determinado Estado o Hospital que possui especialidade na área é particular. Esse candidato estaria melhor preparado para o cargo, pela sua maior experiência? Possivelmente sim. Mas concluir-se sobre isso é praticamente impossível, e extremamente discricionário. A única forma de aferir realmente a capacidade é o concurso público, através de uma série de testes direcionados à aferir se o candidato possui as condições técnicas para o exercício do cargo.
Enfim, tal situação deve ser olhada com cautela pelo Gestor Público, e as autoridades dos órgãos de controle devem estar atentos. O concurso público pode estar sendo desviado de sua finalidade, e sendo utilizado para a perpetuação de grupos político-partidários no Poder, sem que se possa, posteriormente, afastar facilmente esse candidato. Afinal, ele foi “aprovado” em um “concurso público”, conforme determina a Constituição. Fiquemos de olho nessa manobras que visam burlar o texto constitucional e causam flagrante discrímen nos concursos e processos seletivos.