CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo pretendeu analisar a previsão de impugnação ao cumprimento de sentença e embargos à execução opostos contra sentença transitada em julgado, proferida com base em aplicação de norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos dos artigos 475-L, § 1º e 741, parágrafo único, do CPC.
O principal enfoque do trabalho visou avaliar a introdução destes mecanismos de flexibilização da coisa julgada sob a perspectiva de sua compatibilidade com a ordem constitucional, visto que sua aplicação no caso concreto envolve o conflito entre princípios constitucionais de igual hierarquia. A introdução de mecanismos como estes em nosso ordenamento jurídico evidenciam um processo necessário de mudança dos procedimentos utilizados para tutelar as relações sociais e jurídicas entre os indivíduos, na busca pela garantia da efetividade de seus direitos fundamentais. Com estes instrumentos o legislador optou por assegurar estes direitos através da observância da isonomia na aplicação das decisões proferidas pelo STF.
O dispositivo legal em foco revela uma opção legislativa de valorar as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, pois é ele o intérprete máximo da Constituição, sendo legítimo que os provimentos jurisdicionais emanados pelos demais órgãos do Poder Judiciário devam se coadunar com o entendimento firmado pela Corte Suprema. Neste sentido, aplicar de forma isonômica as decisões proferidas pelo STF resulta de um compromisso em conferir isonomia e segurança aos jurisdicionados.
Restou evidente, portanto, que os embargos à execução e a impugnação ao cumprimento de sentença, dispostos nos dispositivos analisados, não têm a ambição de rescindir o caso julgado inconstitucional, mas sim de tornar inexigível o titulo judicial baseado na declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF. A fim de chegar a esta conclusão, levou-se em consideração a origem do dispositivo e as consequências de seu provimento, visto que ele não desconstitui o título judicial formado, muito menos propõe a rediscussão da matéria anteriormente julgada, tão somente torna inexigível seu cumprimento. Trata-se, como se vê, de viabilizar um tratamento mais célere à hipótese especificamente estabelecida pelo legislador infraconstitucional.
Sendo assim, pode-se afirmar que os artigos 475-L, § 1º e 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil confirmam a valorização do pronunciamento do STF como intérprete da Constituição.
No entanto, é importante que se estabeleçam duas importantes ressalvas, só é possível a utilização deste meio de defesa do executado quando, cumulativamente, a decisão de inconstitucionalidade invocada como paradigma seja revestida de eficácia vinculante (portanto, não se aplica a todo e qualquer precedente emanado da Corte Suprema) e, ainda, quando não se puder a decisão proferida tiver sustentação em outro fundamento que não aquele cuja eficácia foi subtraída pela decisão do Supremo Tribunal Federal.
Isto é assim porque as decisões proferidas pela Corte Suprema em casos concretos, em que pese figurarem como importantes guias a serem implementados pelos órgãos judiciários (dotados de sobrelevada força persuasiva), não possuem o condão de subtrair diretamente a eficácia dos dispositivos tidos como inconstitucionais. Sem este efeito irradiante, não há que se falar em inexigibilidade do título judicial e, por conseguinte, faz-se imprescindível desconstituir o título judicial através de processo autônomo de cognição exauriente (ação rescisória). Entender o contrário é emprestar interpretação extensiva à previsão legal de caráter restritivo de direitos fundamentais (no caso, o direito do credor à satisfação do direito reconhecido através de sentença transitada em julgado).
Consoante o entendimento aqui defendido, quando o precedente paradigma tiver sido proferido em sede de controle concreto pelo Supremo Tribunal Federal, para poder afastar a pretensão de satisfação do título judicial, exige-se do Poder Judiciário uma pronúncia desconstitutiva em relação ao julgado em tela, pretensão esta que só pode ser deduzida mediante o ajuizamento de ação rescisória.
Fixadas estas balizas intransponíveis, a introdução destes mecanismos ao ordenamento jurídico indica a preocupação do Estado em garantir aos cidadãos seus direitos fundamentais dispostos na Constituição. Até mesmo porque, é da eficácia irradiante das decisões revestidas do atributo de eficácia vinculante é que decorre a inexigibilidade do título judicial exequendo. Entendido desta forma, este mecanismo de defesa do executado nada mais representa do que uma forma de assegurar a autoridade das decisões vinculantes do Supremo Tribunal Federal e, a par da reclamação constitucional, pode representar uma importante fator para o incremento do grau de efetividade da prestação jurisdicional, sem que se olvide a proteção constitucional da segurança jurídica.
REFERÊNCIAS
AGACCI, Francielli Stadtlober Borges; RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Sobre a relativização da coisa julgada, seus limites e suas possibilidades. In: Revista de Processo, a. 37, n. 203, p. 15-38, jan. de 2012.
ANTUNES, Thiago Caversan; BELLINETTI, Luiz Fernando. Impugnação ao cumprimento de sentença por inconstitucionalidade. In: Scientia Iuris, v. 14, p. 63-78, nov. de 2010.
ARMELIN, Donaldo. Flexibilização da coisa julgada. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 201-238.
ASSIS, Araken de. Eficácia da coisa julgada inconstitucional. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 351-379.
_______, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
CARVALHO, Fabiano. Ação rescisória como meio de controle de decisão fundada em lei declarada inconstitucional pelo STF. In: Revista de Processo, a. 34, n. 170, p. 9-26, abr. de 2009.
GERAIGE NETO, Zaiden. Ação Rescisória: o lento caminha do direito escrito, comparado com às rápidas transformações da sociedades contemporâneas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
LIMA, Catarina Vila-Nova Alves de. “Relativização” da coisa julgada e embargos à execução fundados na inconstitucionalidade do título executivo – art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil. In: Revista do CEJ – Centro de Estudos Judiciários, a. 1, n. 2, p. 65-94, dez. de 2008. Disponível em <https://www.tjpe.jus.br/cej/revistas/num2/Revista%20CEJ%202_final.pdf#page=65>. Acesso em: 20/03/2012.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Coisa julgada, conteúdo e efeitos da sentença, sentença inconstitucional e embargos à execução contra a Fazenda Pública (ex vi art. 741, parágrafo único, do CPC). In: Revista de Processo, a. 31, n. 141, p. 20-52, nov. de 2006.
MENDES, Gilmar Ferreira. Coisa julgada inconstitucional: consideração sobre a declaração de nulidade da lei e as mudanças introduzidas pela Lei nº 11.232/2005. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 87-103.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
SILVA JUNIOR, Aldo Ferreira da. Novas Linhas da Coisa Julgada Civil. Campo Grande: Futura, 2009.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro. Reflexões sobre o princípio da intangibilidade da coisa julgada e sua relativização. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 161-199.
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
_______, Teori Albino. Embargos à execução com eficácia rescisória: sentido e alcance do art. 741, parágrafo único do CPC. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 337-350.
Notas
[1] Tribunal Constitucional da Alemanha.
[2] Sobre o tema ver discussão apresentada em: LIMA, Catarina Vila-Nova Alves de. “Relativização” da coisa julgada e embargos à execução fundados na inconstitucionalidade do título executivo – art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil. In: Revista do CEJ – Centro de Estudos Judiciários, a. 1, n. 2, p. 72 e 73, dez. de 2008. Disponível em <https://www.tjpe.jus.br/cej/revistas/num2/Revista%20CEJ%202_final.pdf#page=65>. Acesso em: 20/03/2012.
[3] ZAVASCKI, Teori Albino. Embargos à execução com eficácia rescisória: sentido e alcance do art. 741, parágrafo único do CPC. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 340.