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Mitos previdenciários – a tênue linha entre o legal e o imaginário popular.

Parte 1: o mito do valor dos benefícios acidentários ser maior que o dos demais benefícios

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I. A renda mensal dos benefícios acidentários e dos não acidentários: evolução legislativa

 

Quando se fala em acidente de trabalho, a primeira coisa que vem à mente do público geral é o valor do benefício; parte-se da crença de que o benefício de natureza acidentária tem valor maior que os benefícios de natureza previdenciária pura e simples. Não, não tem. E aí está um dos grandes mitos em matéria previdenciária, pois tais benefícios possuem valor absolutamente idênticos.

Antes de prosseguir, entretanto, necessário esclarecer quais são as prestações passíveis de serem concedidas em espécie acidentária. Para fins didáticos, pode-se afirmar que os benefícios acidentários possuem relação com as consequências que o acidente causam sobre o homem, que podem ser duas: incapacidade ou morte.

Ao segurado, somente se concedem benefícios acidentários que geram incapacidade: auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e auxílio-acidente, este de caráter indenizatório. Aos dependentes do segurado, por sua vez, concede-se o benefício que acarreta o evento morte, ou seja, a pensão.

A ideia de que o valor do benefício acidentário é maior tem lá sua razão de ser: no passado havia, sim, diferença entre o valor da renda mensal dos benefícios acidentários e dos previdenciários[1]. A legislação previa reduções no cálculo dos benefícios “comuns” e a consequência lógica era que um benefício decorrente de acidente de trabalho possuía renda mensal maior que outra prestação equivalente mas que não fosse originária de acidente.

Contudo, essa diferença existiu somente até a Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, que alterou vários dispositivos da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. Antes da Lei nº 9.032/95 havia duas formas de se calcular o valor dos benefícios acidentários, de maneira a prevalecer a que fosse mais proveitosa: a) era facultada a opção pelo salário de benefício calculado da forma geral, igualmente se fazia com os demais benefícios, ou b) optar pelo salário de contribuição[2]do dia do acidente.

Em situações normais, a tendência é que a remuneração do trabalhador seja aumentada progressivamente em razão de vários fatores: promoção, incorporação de adicional por tempo de atividade etc. Assim, na maioria das vezes, escolhia-se o salário do dia do acidente por ser mais vantajoso. Apenas excepcionalmente o trabalhador optava pela forma ordinária, obtida por média salarial (cálculo do salário de benefício).

No que se refere à renda mensal dos benefícios, a principal modificação trazida pela Lei nº 9.032/95 foi a abolição do sistema optativo, incluindo os benefícios acidentários no sistema geral de cálculo com base no salário de benefício, o qual se encontra pela média aritmética simples dos salários de contribuição. Neste sentido, o STJ:

 

Previdenciário. Acidente de trabalho. Auxílio-acidente. Renda mensal inicial. Cálculo Arts. 28, 29 e 34 da Lei 8.213/91. Alterações da Lei 9.032/95.

I – Com o advento da Lei 9.032/95 foi eliminada a opção de o segurado ter o valor do seu benefício calculado sobre o salário-de-contribuição vigente no dia do acidente, restando apenas o sistema geral, baseado no salário-de-benefício calculado pela média aritmética simples dos salários-de-contribuição devidos, ainda que não recolhidos pelo empregador.

II – No caso, em que o benefício acidentário foi pleiteado e concedido após o advento da Lei 9.032/95, aplica-se os seus parâmetros no cálculo da renda mensal inicial.

III – Recurso conhecido e provido[3].

 

O cálculo, portanto, passou a ser o mesmo para todos, conforme se extrai da regra geral estabelecida pelo artigo 28 da Lei de Benefícios, na redação dada pela Lei 9.032/95:

 

Art. 28. O valor do benefício de prestação continuada, inclusive o regido por norma especial e o decorrente de acidente do trabalho, exceto o salário-família e o salário-maternidade, será calculado com base no salário-de-benefício [g.n.].

 

A evolução legislativa referente à maneira de se calcular o valor dos benefícios é mais bem percebida nos seguintes quadros[4]:

 

Benefícios devidos ao segurado
 

Decreto 83.080/79

Lei 8.213/91

(redação original)

Lei 9.032/95

(alterações promovidas na Lei 8.213/91)

Auxílio-doença

(espécie nº 31)

Valor mínimo: 70% do salário de benefício

Valor máximo: 90% do salário de benefício

(art. 41, inciso I)

Valor mínimo: 80% do salário de benefício

Valor máximo: 92% do salário de benefício

(art. 61, alínea a)

91% do salário de benefício (art. 61)

Auxílio-doença acidentário

(espécie nº 91)

92% do salário vigente no dia do acidente (art. 230)

92% do salário de benefício ou do salário de contribuição vigente no dia do acidente, o que for mais vantajoso (art. 61, alínea b)

Aposentadoria por invalidez

(espécie nº 32)

Valor mínimo: 70% do salário de benefício

Valor máximo: 100% do salário de benefício

(art. 41, inciso II)

Valor mínimo: 80% do salário de benefício

Valor máximo: 100% do salário de benefício

(art. 44, alínea a)

100% do salário de benefício (art. 44)

Aposentadoria por invalidez acidentária

(espécie nº 92)

100% do salário vigente no dia do acidente (art. 234)

100% do salário de benefício ou do salário de contribuição vigente no dia do acidente, o que for mais vantajoso (art. 44, alínea b)

Quadro #1: evolução legislativa. Valor da renda mensal dos benefícios devidos ao segurado

 

 

Benefícios devidos aos dependentes do segurado
 

Decreto 83.080/79

Lei 8.213/91

(redação original)

Lei 9.032/95

(alterações promovidas na Lei 8.213/91)

Pensão por morte

(espécie nº 21)

Valor mínimo: 50% do salário de benefício

Valor máximo: 100% do salário de benefício

(art. 41, inciso VI)

Valor mínimo: 80% do salário de benefício

Valor máximo: 100% do salário de benefício

(art. 75, alínea a)

100% do salário de benefício (art. 75)

Pensão por morte acidentária

(espécie nº 93)

100% do salário vigente no dia do acidente (art. 237)

100% do salário de benefício ou do salário de contribuição vigente no dia do acidente, o que for mais vantajoso (art. 75, alínea b)

Quadro #2: evolução legislativa. Valor da renda mensal dos benefícios devidos aos dependentes do segurado

 

Em resumo: desde 1995 os benefícios acidentários e os não acidentários são idênticos quanto ao valor, embora – quase duas décadas depois de a legislação ter sido alterada – ainda paira na consciência popular o credo de que os acidentários são economicamente mais vantajosos, tanto que ainda existe grande número de ações judiciais cujo objeto é obter benefício com renda mensal equivalente à remuneração paga ao trabalhador no dia do acidente, conforme se pode verificar neste recentíssimo julgado do TJMS:

 

Agravo regimental em reexame necessário – Ação de concessão de benefício previdenciário – Alegação de falta de interesse superveniente afastada – Valor do benefício – Lei vigente na data do fato.

[...]

Na concessão do benefício previdenciário, a lei a ser observada é a vigente ao tempo do fato que lhe determinou a incidência, de modo que o valor do benefício de aposentadoria por invalidez em virtude de acidente de trabalho ocorrido depois de 1995, deve obedecer a regra contida na Lei n. 9.032, ou seja, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício[5].

 

Se não há distinção quanto ao valor da renda mensal, o que difere um benefício previdenciário de um acidentário? É o que se aborda nos itens seguintes.

 


II. As consequências do reconhecimento de acidente de trabalho

 

2.1 Reflexo no âmbito previdenciário: isenção de carência

 

Para fins previdenciários, existe uma – e apenas uma – diferença entre um benefício acidentário de um não acidentário: a carência.

Em razão das origens bismarckianas do sistema previdenciário adotado pelo Brasil, o interessado precisa recolher um número mínimo de contribuições para fazer jus a qualquer prestação, e a essa quantidade de contribuições se denomina carência, conforme definição legal prevista no artigo 24 da Lei 8.213/91.

Para Mozart Victor Russomano, o conceito de carência está atrelado ao equilíbrio atuarial do sistema e advém do

 

[...] resultado de uma necessidade prática, que obriga o legislador a vincular a concessão do benefício ou a prestação do serviço a determinado número de contribuições pagas pelo segurado e pelo empregador, pois destas contribuições advêm os recursos econômicos para a manutenção do sistema em pleno funcionamento[6].

 

Durante o transcurso do período de carência, portanto, o filiado paga contribuições, mas ainda não faz jus a qualquer prestação[7]. Cada benefício tem um período de carência especificamente definido pelo artigo 25 da Lei 8.213/91, cujas exceções estão taxativamente definidas no artigo 26.

No que se refere às situações que isentam o cumprimento do período de carência, um dos critérios adotados pelo legislador é o da imprevisibilidade. Nessa esteira, todos benefícios acidentários são isentos de carência, assim como o é a pensão por morte, pois os eventos acidente e óbito são absolutamente imprevisíveis.

Destarte, enquanto a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez exige o recolhimento de pelo menos 12 contribuições[8] a título de carência (artigo 25, inciso I, da Lei 8.213/91), esses mesmos benefícios se tornam isentos do período carencial quando se originarem de acidente (artigo 26, inciso II, parte inicial).

Acabaram-se aqui as diferenças entre benefícios acidentários e não acidentários no âmbito previdenciário. Acrescente-se que existe distinção apenas no que se refere à carência exigida para os benefícios de auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez. E no que diz respeito aos outros dois benefícios acidentários existentes?

Quanto ao auxílio-acidente, não há como compará-lo com qualquer outro benefício pois, como o próprio nome menciona, trata-se de prestação de natureza exclusivamente acidentária, de maneira que sempre foi isento de carência (artigo 26, inciso I, parte final).

Igualmente ocorre com a pensão por morte, que também é isenta de carência em razão de o evento óbito sempre ser imprevisível, independentemente se tratar de morte acidentária ou não (artigo 26, inciso I, parte inicial).

 

2.2 Reflexos extraprevidenciários

 

Distinguir um benefício entre previdenciário e acidentário é muito mais relevante fora da Previdência, já que no âmbito desta existe apenas uma diferença (período carencial), e isso quando existe carência a ser cumprida.

Em outras áreas, todavia, essa diferenciação se reveste de extrema importância. Não é interesse abordar todos os temas, tampouco exauri-los, mas apenas abordá-los resumidamente para que se tenha pelo menos uma concepção de tamanhas as consequências do reconhecimento de um acidente de trabalho.

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Os primeiros reflexos extraprevidenciários são vistos no âmbito trabalhista e o que mais comumente se aborda é a estabilidade provisória a que o trabalhador acidentado tem direito, sendo-lhe vedada a dispensa sem justa causa pelo prazo mínimo de 12 meses depois da cessação do auxílio-doença acidentário (artigo 118 da Lei 8.213/91). Essa garantia não existe  quando se trata de auxílio-doença previdenciário – entendido este como o benefício não oriundo de acidente de trabalho.

Conforme decidiu o STF na ADI nº 639, a norma que garante estabilidade provisória ao trabalhador acidentado não guarda pertinência com o sistema geral de proteção do trabalhador contra a dispensa arbitrária a que se refere o artigo 7º, inciso I, da Constituição, daí não ser inconstitucional a atribuição de garantia apenas àquele que foi vítima de acidente.

Por fim, são importantes os apontamentos da Súmula nº 378 do TST[9], na qual estão resumidos os principais aspectos que envolvem o artigo 118:

 

Estabilidade provisória. Acidente de trabalho. Art. 118 da Lei nº 8.213/01.

I – É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado.

II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.

III –  O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no  no art. 118 da Lei nº 8.213/91.

 

Outro reflexo de extrema relevância ao trabalhador é a garantia da continuidade de depósitos do FGTS durante o período de gozo do benefício acidentário (artigo 15, § 5º, parte final, da Lei 8.036/90, c/c artigo 28, inciso III, do Decreto 99.684/90). Aqui, outra diferença quanto aos benefícios não acidentários, pois nestes não subsiste tal obrigação. Neste sentido:

 

Período de auxílio-doença. Recolhimento do FGTS.

O período em que o reclamante esteve afastado, por estar em gozo de auxílio doença, gera tão somente a suspensão do contrato de trabalho, ainda que por motivo alheio à vontade do trabalhador. Sendo assim, não se pode obrigar o empregador ao recolhimento dos depósitos do FGTS, durante o período de afastamento por enfermidade não decorrente de acidente de trabalho, impondo-se a reforma da decisão de origem[10].

 

Além das consequências trabalhistas que beneficiam o trabalhador acidentado, o empregador suporta outros reflexos de natureza tributária, os quais seguem a seguinte lógica: quanto maior o índice de acidentes (ou de riscos), maior a tributação incidente sobre a folha de salários. A intenção é fazer com que o empregador invista em medidas preventivas com o objetivo de reduzir a ocorrência de sinistros.

Essas obrigações tributárias são calculadas em duas vertentes. Primeiro, há incidência de tributação coletiva referente ao Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) calculado em razão dos riscos ambientais do trabalho (RAT). O cálculo do SAT/RAT tem fundamento no artigo 22, inciso II, da Lei 8.212/91, e implica aumento de 1%, 2% ou 3% na contribuição sobre a folha de salários em caso de a atividade empresarial proporcionar risco infortúnios laborais em grau baixo, médio ou alto, respectivamente.

Após isso vem a tributação individual prevista no artigo 10 da Lei 10.666/03, denominada Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que flexibiliza as alíquotas do SAT/RAT para mais ou para menos, a depender da ação concretamente realizada pelo empregador[11]. No cálculo do FAP leva-se em consideração a frequência[12], a gravidade e o custo dos sinistros para a Previdência Social. Assim, havendo diminuição in concreto dos riscos, a alíquota de 1%, 2% ou 3% passa a ser diminuída até pela metade (fator de multiplicação = 0,5000); caso haja majoração, a alíquota é aumentada até o dobro (FAP = 2,0000).

Embora tenha finalidade propedêutica, a possibilidade de majoração da carga tributária por meio do FAP também assume caráter punitivo na medida em que são penalizadas as empresas com maior incidência de acidentes laborais.

Outra consequência é a responsabilidade civil. O empregador pode ser demandado duas vezes: tanto em ação regressiva proposta pela Previdência Social quanto diretamente pelo lesado (artigos 120 e 121 da Lei 8.213/91).

Não bastasse isso, ainda existem os efeitos sociais causados pelo acidente, como abatimento moral, dores, necessidade de replanejamento familiar em razão da diminuição da renda etc.

Como se vê, o reconhecimento de acidente de trabalho gera efeitos relevantes e que se estendem para além dos reflexos exclusivamente previdenciários.

 

2.3 A natureza não acidentária da pensão por morte, independentemente de ter se originado de acidente de trabalho ou não. O entendimento pacificado atualmente

 

No ano de 2004, ainda quando acadêmico da graduação em Direito, tive a oportunidade de me manifestar sobre a competência para a revisão de benefícios acidentários. À época, a jurisprudência do STJ titubeava e parte entendia que a mera revisão desses benefícios não se encaixava no conceito de ação acidentária típica; outra parte entendia que, de fato, tratava-se de ação acidentária e, portanto, a competência jurisdicional era do Poder Judiciário dos Estados (artigo 109, inciso I, parte final, da Constituição).

A mesma lógica da revisão de benefícios acidentários era aplicável à concessão das pensões por morte decorrentes de acidente de trabalho. Destarte, a priori, a competência para processar tais ações seria do foro estadual, conforme defendido naquele texto[13].

Todavia, a partir do julgamento do Conflito de Competência nº 62.531, em 2007, o STJ começou a se firmar no sentido de que o fato de existir acidente de trabalho é totalmente irrelevante para se conceder ou rever pensão por morte, pois o acidente, em si, não é o fato ensejador do benefício, daí a competência jurisdicional ser dos foros federais. Em julgamento posterior, o STJ arrematou o posicionamento e consolidou sua jurisprudência:

 

Conflito negativo de competência entre Juízo Estadual e Juízo Federal – Revisão de pensão por morte decorrente de acidente do trabalho – Natureza previdenciária do benefício – Não-incidência das Súmulas 15/STJ e 501/STF – Competência do Juízo Federal.

I. Na esteira dos precedentes desta Corte, a pensão por morte é benefício eminentemente previdenciário, independentemente das circunstâncias que cercaram o falecimento do segurado.

II. Portanto, ainda que a morte decorra de acidente do trabalho, a pensão possui origem unicamente na condição que o cônjuge tinha de dependente do de cujus, mas não no motivo do falecimento, constituindo-se, portanto, em benefício previdenciário, e não acidentário. Precedentes.

III. Competência da Justiça Federal[14].

 

Vale dizer: segundo o entendimento atual do STJ, quaisquer que sejam as circunstâncias, a natureza jurídica da pensão por morte é exclusivamente previdenciária. Não se fala, portanto, em pensão por morte acidentária. Tornou-se irrelevante a separação como se existissem duas espécies de benefício.

Em termos pragmáticos, a solução engenhada pelo Superior Tribunal tem razoável fundamento, a propósito, por que diferenciar pensão acidentária e não acidentária se, na prática, não existe qualquer diferença entre elas? Ambas possuem o mesmo valor e, igualmente, não precisam de carência para ensejar seu deferimento[15].

A orientação do STJ, no entanto, deve ser aplicada apenas no âmbito do direito processual para fixar a competência do juízo em caso de ação em face do INSS. No que se refere ao direito material, contudo, a atual jurisprudência, ao afirmar que a existência de acidente de trabalho é irrelevante, acabou por ignorar completamente as consequências alheias aos aspectos previdenciários, as quais são tão importantes ao pensionista quanto o próprio deferimento do benefício.

Sob esse ângulo, há – sim – que se diferenciar a pensão por morte oriunda de acidente de trabalho da “comum”, por assim dizer. Ainda que tais pensões sejam idênticas, o reconhecimento do sinistro implica vários outros reflexos extraprevidenciários já mencionados neste trabalho, e é certo que o simples fato de o órgão previdenciário atestar a existência de um acidente laboral já facilita o exercício de outros direitos fora da Previdência como, por exemplo, o recebimento de seguros de acidente de trabalho e a concessão de indenizações trabalhistas, inclusive as pensões civis deferidas pela Justiça do Trabalho e pagas pelo empregador (artigos 950 e 951 do Código Civil).

É bem verdade que a falta da concessão de benefício em espécie acidentária não impedirá o interessado de usufruir seus direitos, porém, estes certamente serão exercidos com maior facilidade quando houver um documento que reconhece de forma oficial a existência do sinistro, pois já se tem uma prova pré-constituída em favor do dependente do falecido. Ressalte-se, ainda, que o reconhecimento do acidente de trabalho pela Previdência é, na verdade, um ato administrativo e, como tal, goza de presunção de veracidade e legitimidade, tornando mais difícil ao empregador fazer prova em sentido contrário.

Da mesma forma, a concessão de benefício em espécie acidentária facilita o trabalho da própria Previdência, pois permite o correto cálculo do FAP e o ajuizamento das respectivas ações regressivas (ora, com que fundamento se intentaria uma ação regressiva para recompor dano causado por acidente se nem mesmo o órgão previdenciário o reconheceu?).

Por derradeiro, deve se mencionar que é dever da Administração Pública conceder o benefício mais vantajoso ao interessado, e a vantagem deve ser interpretada como qualquer espécie de proveito ao cidadão, não necessariamente econômico[16]. Por essas razões, se houver elementos necessários para a concessão de pensão por morte decorrente de acidente de trabalho, a Administração deverá fazê-lo, por ser mais vantajoso ao interessado fora da Previdência, mesmo que no âmbito desta não haja qualquer distinção.

 

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Sobre o autor
Jonas Patrezzy Camargos Pereira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Especialista em Direito & Processo do Trabalho e em Direito Público, ambos pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Servidor do Instituto Nacional do Seguro Social, onde exerce a função de Gerente de Agência da Previdência Social. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jonas Patrezzy Camargos. Mitos previdenciários – a tênue linha entre o legal e o imaginário popular.: Parte 1: o mito do valor dos benefícios acidentários ser maior que o dos demais benefícios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3779, 5 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25657. Acesso em: 22 dez. 2024.

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