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Os 25 anos da promulgação da Constituição da República e o novo paradigma de proteção e reconhecimento aos direitos dos povos indígenas.

Educação, território e acesso à justiça

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11/04/2014 às 08:44
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5 O DIREITO FUNDAMENTAL DOS ÍNDIOS À TERRA: A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL SOBRE OS TERRITÓRIOS INDÍGENAS

Seguramente, a terra é um elemento essencial para que toda e qualquer sociedade possa sobreviver e vir a se desenvolver; espaço físico vital para a satisfação de suas diferentes necessidades e manifestações socioeconômicas. O desaparecimento de milhares de índios e inúmeras comunidades está diretamente relacionado não só com a violência imediata contra eles praticada, mas também com a violência direta na subtração de seus territórios originais (LOBO, 1996, p. 44).

A Constituição de 1988 alargou consideravelmente os direitos sobre as terras indígenas a serem exercidos pelos índios, em comparação com as Constituições passadas. No texto constitucional, em seu art. 231, estão ali elencados diversos direitos, sendo titular a coletividade indígena, sobretudo, a respeito das terras indígenas.

Para José Afonso da Silva (2008, p. 856), essa questão da terra passa a ser o ponto crucial dos direitos constitucionais dos índios, porque, para eles, ela tem um valor de sobrevivência física, mas igualmente cultural. Além disso, seus direitos não serão amparados se não lhes for assegurada a posse permanente e a riqueza das terras por eles tradicionalmente ocupadas, pois, a disputa dessas terras e de suas riquezas constitui o núcleo da questão indígena hoje no Brasil. Por isso mesmo, essa foi, sem dúvida, uma das matérias mais complexas e controvertidas na formação da Constituição de 1988, que buscou fornecer todas as garantias possíveis sobre esse direito fundamental dos índios — o direito à terra.

Nesse sentido, seguindo essa linha de análise, é de se notar nitidamente que a maior preocupação do constituinte com esse segmento social indígena concentrou-se mesmo na preservação do seu hábitat (ambiente) natural, isto é, das terras por eles tradicionalmente ocupadas, como condição necessária, embora não suficiente, para o reconhecimento, constitucionalmente assegurado da sua organização social, costumes línguas, crenças e tradições (BRANCO; COELHO; MENDES, 2009, p. 1427).

Desse modo, conforme dispõe o art. 231, § 1.º:

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Aqui, nesse ponto, o próprio constituinte se preocupou em explicar, desde logo, qual deveria ser o sentido hermenêutico empregado sobre a expressão “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”. Trata-se de uma norma jurídica para cuja compreensão e concretização faz-se necessário o auxílio de outros ramos do saber — antropólogos, etnólogos, sociólogos, historiadores e indigenistas, bem como os integrantes das próprias comunidades indígenas como destinatários da proteção constitucional — configurando verdadeira abertura hermenêutica da interpretação constitucional, nos moldes daquilo que quer o alemão Peter Häberle (BRANCO; COELHO; MENDES, 2009, p. 1428).

Desse modo, entende-se, com base no pensamento de José Afonso da Silva (2008, p. 857), que, o alicerce conceitual da expressão “terras tradicionalmente ocupadas” compõe-se de algumas condições, quais sejam: (I) serem as terras habitadas pelos índios em caráter permanente; (II) serem por eles utilizadas para suas atividades produtivas; (III) serem imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e; (IV) serem necessárias a sua reprodução física e cultural.

A referida expressão não denota, por outro lado, uma relação ou circunstância temporal, mas refere-se tão somente ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção próprio. Quer dizer, refere-se, na verdade, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, elemento essencial de uma comunidade indígena (SILVA, 2008, p. 858).

Consoante a jurisprudência firmada no STF:

Terra indígena, no imaginário coletivo aborígene, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade, toda coetaneidade e toda posteridade de uma etnia. Donde a proibição constitucional de se remover os índios das terras por eles tradicionalmente ocupadas, assim como o reconhecimento do direito a uma posse permanente e usufruto exclusivo, de parelha com a regra de que todas essas terras “são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis” (Pet 3.388, Rel. Min. Ayres Britto).

No art. 231, § 2.º, da Constituição Federal, está estabelecido que “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.

Segundo Pontes de Miranda, citado por José Afonso da Silva (2008, p. 861), esse usufruto é intransferível, é pleno, compreende o uso e a fruição, quer se trate de minerais, de vegetais ou de animais.

Não significa, no entanto, que por possuírem o usufruto exclusivo, os índios podem desobedecer as regras ambientais impostas pela lei. O que ocorre é que, os direitos devem sempre ser entendidos de forma a se organizar harmonizando-se com outros direitos igualmente previstos na Constituição. Desse modo, a exploração das riquezas naturais das terras da União, com posse permanente dos índios, deve obedecer às regras gerais de proteção ambiental, sob pena de proteger-se o meio ambiente de um lado, podendo existir, potencialmente, lesão ambiental de outro (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2009, p. 522).

Conforme o § 3.º do mesmo dispositivo constitucional, “O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.

Com isso, resta claro que a participação das comunidades indígenas estará presente no aproveitamento dos recursos naturais das terras indígenas sob a supervisão do Congresso Nacional, cabendo-lhes participação nos resultados da lavra, segunda o que dispuser a lei. Nesse sentido, “Ao Congresso Nacional se imputou o julgamento de cada situação concreta, para sopesar os direitos e interesses dos índios e a necessidade da pratica daquelas atividades, reconhecido que o princípio é o da prevalência dos interesses indígenas [...]” (SILVA, 2008, p. 862).

A dicção do § 4.º desse dispositivo (Art. 231) afirma que “As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”.

A consequência desse dispositivo constitucional é a posse permanente, dos índios, sobre as terras que tradicionalmente habitam. Nesse aspecto, a posse das terras que são habitualmente ocupadas pelos índios não é a simples posse regulada pelo direito civil comum; não é a posse como simples poder de fato sobre a coisa, com ou sem ânimo de tê-la como própria. Ao contrário, quando a Constituição declara que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se destinam à sua posse permanente, isso não significa um pressuposto do passado como ocupação efetiva, mas uma garantia para o futuro, no sentido de que essas terras, inalienáveis e indisponíveis, e seus direitos imprescritíveis, são destinadas, para sempre, ao seu habitat (SILVA, 2008, p. 860).

O mesmo art. 231, em seu § 5.º, dita que:

É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

Trata-se do princípio da irremovabilidade dos indígenas de suas terras tradicionalmente ocupadas. Com efeito, Em virtude de disporem, os índios, da posse permanente das terras ocupadas, tais, por via de consequência, não poderão ser removidos de seu ambiente natural, salvo nas hipóteses excetuadas no mesmo § 5.º, do art. 231.

E, por último, o § 6.º, do referido art., estabelece:

São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

Pode-se concluir, portanto, do enunciado do art. 231 e de seus respectivos parágrafos, que:

[...] há determinação clara do bem definido no art. 20, XI. A verificação de que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios constituem uma proteção absoluta, verificada pelo § 6.º, fulmina de nulidade qualquer ato de posse ou propriedade. Logo, não é possível a oposição de título de propriedade, independentemente de boa-fé ou origem histórica, contra terra ocupada tradicionalmente por índios, conforme o art. 231, § 1.º, da CF/88 (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2009, p. 521).

Nesse ponto, vale ressaltar, o STF tem reconhecido a nulidade de títulos imobiliários, em atenção ao disposto no art. 231, § 6.º, da Constituição:

Ementa: Ação cível originária. Títulos de propriedade incidentes sobre área indígena. Nulidade. Ação declaratória de nulidade de títulos de propriedade de imóveis rurais, concedidos pelo Governo do Estado de Minas Gerais e incidentes sobre área indígena imemorialmente ocupada pelos índios Krenak e outros grupos. Procedência do pedido (STF, Pleno, ACOr 323-MG, Rel. Min. Francisco Rezek, julgado em 14/10/1993, DJ, 08/04/1994).

Araújo e Nunes Júnior (2009, p. 522), ao discorrerem sobre a matéria, afirmam que fica ressalvada a benfeitoria de boa-fé. Não há que se alegar, portanto, direito adquirido diante de tal providência, já que este não existe diante da Constituição 1988. Assim, o constituinte originário brasileiro instituiu uma forma de perda da propriedade e da posse, ou seja, ao reconhecer o bem da União Federal, indiretamente anulou todos os títulos de propriedade e atos de posse contrários ao bem em proteção.

Por fim, há de se discutir recente questão no sentido de que seria o direito à terra, para os índios, também, verdadeiro direito à moradia. Isso porque, no contexto cultural indígena, a terra é a própria habitação dos índios, quer dizer, o elemento territorial configura-se como legítimo lar de habitação e vivência comunitária e permanente dos índios. Assim, quando se nega o direito à terra a uma comunidade indígena, na verdade, não se está negando apenas referido direito, mas igualmente o direito à moradia, sendo a terra o verdadeiro lar da maioria dos povos indígenas.

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5.1 O processo de demarcação de terras indígenas

Acerca do processo de demarcação de terras indígenas, por outro lado, trata-se, na verdade, de uma verdadeira luta dos índios pelo reconhecimento de seus direitos originários às terras que foram histórica e tradicionalmente habitadas por eles. Essa luta, por sinal, está na base do reconhecimento de outros direitos igualmente fundamentais como o direito à vida, à liberdade, à subsistência, à cultura, à dignidade humana, etc. Isso porque os índios dificilmente sobrevivem em ambientes distintos do seu ambiente natural devido à necessidade de uma violenta (re)adaptação ao novo ambiente.

Com efeito, o processo de demarcação de terras indígenas é um longo processo sistemático de cunho administrativo sendo composto por várias etapas ou fases. Além disso, o objetivo precípuo de demarcação das terras indígenas é garantir e tutelar os direitos fundamentais dos índios às terras ocupadas por eles historicamente. A demarcação estabelece a extensão da área de usufruto dos índios e deve assegurar a proteção dos limites, impedindo sua ocupação futura ou iminente por não-índios.

O fato é que o simples reconhecimento de uma terra indígena, por si só, já aciona a aplicação de todos os direitos fundamentais elencados no art. 231, da Constituição Federal. Nesse sentido, segundo o art. 231, caput, compete “à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Assim, o processo de caráter administrativo destinado à demarcação de terras indígenas se desenvolve sob a direção e a orientação exclusivas da FUNAI (Fundação Nacional do Índio). A Lei vocaciona a competência a este órgão da União Federal de assistência ao índio para realizar as diligências devidas e necessárias por meio do poder de polícia para o procedimento demarcatório (Lei n.º 6.001, de 19 de dezembro de 1973 — Dispõe sobre o Estatuto do Índio; Decreto n.º 1.775, de 8 de janeiro de 1996).

Por conseguinte, compete exclusivamente à União Federal a tarefa de demarcar as terras indígenas em razão de serem elas bens públicos federais (CF/88, Art. 20, XI; Art. 231, caput). Com efeito, conforme estabelece o art. 20, XI, da Constituição Federal, justamente por serem as terras indígenas bens públicos da União Federal, por via lógica, apenas a própria União é possibilitada a proceder com qualquer ato processual que envolva a questão das terras indígenas.

Essa afirmação se confirma naquilo que dispõe o art. 231 da Constituição Federal na medida em que tal estabelece que compete à União demarcar e proteger as terras que tradicionalmente os índios ocupam e também fazer respeitar todos os demais direitos declarados e reconhecidos neste art. 231.

Portanto, o processo ou procedimento demarcatório das terras indígenas se realiza pela Administração Pública Federal no âmbito da União em razão de serem as terras indígenas bens públicos da União.

Acerca desse tema a jurisprudência do STF é nítida:

Cabe à União demarcar as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (caput, do art. 231, da Constituição Federal). Donde competir ao Presidente da República homologar tal demarcação administrativa. A manifestação do Conselho de Defesa Nacional não é requisito de validade da demarcação de terras indígenas, mesmo daquelas situadas em região de fronteira. Não há que se falar em supressão das garantias do contraditório e da ampla defesa se aos impetrantes foi dada a oportunidade de que trata o art. 9.º do Decreto n.º 1.775, de 1996 (MS 24.045, Rel. Min. Joaquim Barbosa). Na ausência de ordem judicial a impedir a realização ou execução de atos, a Administração Pública segue no seu dinâmico existir, baseada nas determinações constitucionais e legais. O procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas Raposa Serra do Sol não é mais do que o proceder conforme a natureza jurídica da Administração Pública, timbrada pelo autoimpulso e pela autoexecutoriedade (MS 25.483, Rel. Min. Ayres Britto).

Por fim, como bem ressalta o Professor José Afonso da Silva (2008, p. 862):

[...] não é da demarcação [das terras] que decorre qualquer dos direitos indígenas. A demarcação não é título de posse nem de ocupação de terras. Como mencionamos há pouco, os direitos dos índios sobre essas terras independem da demarcação. Esta é constitucionalmente exigida no interesse dos índios. É uma atividade da União, não em prejuízo dos índios, mas para proteger os seus direitos e interesses.

5.2 A natureza jurídica do ato administrativo que reconhece e declara uma terra como indígena

O STF, através de suas decisões reiteradas acerca do tema, vem revelando e confirmando a força e a autoridade que tem o processo administrativo demarcatório de terras indígenas. Para o guardião da Constituição Federal o procedimento administrativo dispõe de presunção de legitimidade e de veracidade e autoexecutoriedade, ou seja, são reconhecidos os atributos jurídicos típicos dos atos da Administração Pública.

Para tanto, veja-se a jurisprudência firmada na Corte Suprema:

A demarcação administrativa, homologada pelo Presidente da República, é “ato estatal que se reveste da presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade” (RE 183.188, Rel. Min. Celso de Mello), além de se revestir de natureza declaratória e força autoexecutória (Pet 3.388, Rel. Min. Ayres Britto).

Como se percebe, o STF destina a mais absoluta seriedade ao processo administrativo de demarcação atribuindo a tal, elevado respeito no âmbito da ordem jurídica.

No mesmo sentido, prossegue o entendimento do STF:

A importância jurídica da demarcação administrativa homologada pelo Presidente da República — ato estatal que se reveste de presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade — reside na circunstância de que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, embora pertencentes ao patrimônio da União (CF/88, art. 20, XI), acham-se afetadas, por efeito de destinação constitucional, a fins específicos voltados, unicamente, à proteção jurídica, social, antropológica, econômica e cultural dos índios, dos grupos indígenas e das comunidades tribais (RE 183.188, Rel. Min. Celso de Mello).

Continuando a análise jurisprudencial da Suprema Corte Constitucional, tem-se o seguinte Mandado de Segurança:

Ausente provimento jurisdicional definitivo ou cautelar que impedisse o prosseguimento do processo administrativo de demarcação de terras indígenas, cujo início se deu em momento anterior à propositura da demanda na primeira instância. Observância dos princípios da presunção de legitimidade e autoexecutoriedade dos atos administrativos. Mandado de segurança denegado (MS 21.896, Rel. Min. Carlos Velloso).

Em sentido semelhante ao que aqui foi exposto, o STF reconhece também o caráter declaratório do processo administrativo que demarca as terras indígenas. Com efeito, estabeleceu-se um entendimento consolidado e pacífico na Corte Suprema.

No âmbito do STJ (Superior Tribunal de Justiça), da mesma forma, tem-se o seguinte entendimento:

O reconhecimento da ocupação de terras por índios pela União é mera declaração e não cria ou constitui nenhum direito, trata-se somente do reconhecimento de uma situação pré-existente, que independe do próprio reconhecimento do Estado (MS 10.225, Rel. Min. João Otávio de Noronha).

5.3 Direito dos índios à terra × direito à propriedade privada: qual o impacto do reconhecimento de uma terra indígena, quanto aos títulos imobiliários dos particulares?

Como se sabe, os direitos indígenas que são elencados na Constituição Federal em seus arts. 231 e 232 possuem caráter declaratório e de reconhecimento, ou seja, a Constituição apenas declara a pré-existência de tais direitos devido a uma situação juridicamente relevante que é o fato de serem os índios habitantes históricos e tradicionais de tais terras.

Só então com o reconhecimento e a declaração de tais direitos é que se pode partir para a tutela ou proteção de tais direitos indígenas. Quer dizer, a Constituição primeiramente reconhece e declara esses direitos étnicos para então, a partir daí, buscar protegê-los e garanti-los.

Com efeito, a título de demonstração, o art. 231, caput, declara o seguinte teor: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Em virtude de serem os índios legítimos titulares originários das terras tradicionalmente habitadas por eles, a Constituição se preocupou em proteger esse status jurídico por meio do art. 231, §§ 4.º e 6.º. Conforme o art. 231, § 4.º, as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. O § 6.º do mesmo dispositivo constitucional, por seu turno, prevê o seguinte:

São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

Como se vê, a regra geral é que os direitos dos não-índios sobre as terras indígenas são destituídos de validade e eficácia, pois são nulos e não produzem efeitos na ordem jurídica e constitucional. Precisamente por estar no cerne do problema indígena a luta pela demarcação de uma terra indígena, a declaração de reconhecimento de uma terra como indígena gera impactos previsíveis sobre atividades praticadas por não-índios.

O STF, no exercício de suas atribuições constitucionais destaca o seguinte:

Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente “reconhecidos”, e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de “originários”, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como “nulos e extintos” (CF/88, art. 231, § 6.º) (Pet 3.388, Rel. Min. Ayres Britto).

Na mesma linha de entendimento, coloca-se o STJ nos seguintes termos:

A demarcação das terras pertencentes tradicionalmente aos índios não representa violação de direitos fundamentais dos atuais proprietários particulares dos imóveis. Pelo contrário, significa o devido cumprimento de disposições constitucionais e legais em favor dos antigos ocupantes das terras (CF/88, art. 231 e seguintes; Lei n.º 6.001/1973 e Decreto n.º 1.775/1996). Conforme parecer apresentado pela FUNAI, “o fato da cadeia dominial do imóvel não apresentar vícios significa apenas que seus atuais titulares não agiram de má-fé. Isto, porém, não elimina o fato de que os índios foram crescentemente usurpados das terras de ocupação tradicional, sendo forçados a recorrer ao emprego nas fazendas para não deixar romper o vínculo social, histórico e afetivo com os lugares que tinham como referência de sua vida e de sua unidade como grupo diferenciado”. Segurança denegada (MS 10.994, Rel. Min. Denise Arruda).

Com efeito, como se vê, segundo o entendimento das Cortes Superiores do nosso país, a demarcação de terras indígenas não viola os direitos fundamentais dos proprietários particulares dos imóveis, porém significa verdadeiro cumprimento daquilo que dispõe a Lei e a Constituição Federal em benefício dos indígenas.

Na jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1.ª região, tem-se a seguinte abordagem:

Procedida a demarcação e comprovado que os imóveis dos autores situam-se em terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, não têm os registros imobiliários nenhum efeito jurídico, nos termos do art. 231, § 6.º, da Constituição Federal. Apelação a que se nega provimento (AC 2000.01.00.117470-8, Rel. Des. Fed. Maria Isabel Gallotti Rodrigues).

De fato, os títulos imobiliários dos produtores rurais, por conseguinte, são considerados nulos e extintos em razão do reconhecimento declaratório dos direitos indígenas às terras de ocupação tradicional e histórica. Quer dizer, em virtude da originalidade e pré-existências de tais direitos, com a demarcação territorial, os títulos de bens imóveis sucessores são tidos como nulos e extintos.

Mais uma vez, nesse sentido:

Nos termos do art. 231, § 6.º, da Constituição, “são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas de ocupação de boa fé”. No STF, já se decidiu que “não há direito de retenção nessas ações, porque a Constituição prevê a desocupação imediata. Sendo a terra pública, a sentença que declara a nulidade implica o cancelamento do respectivo registro e a desocupação, não havendo como se manter no imóvel o ocupante ilegítimo, mesmo porque não há posse em terra pública, mas, sim, mera ocupação de terra pública, que não dá direito à retenção”. Verifica-se, pois, que o STF, em relação às terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, rechaçou a possibilidade de retenção, mas não afastou, naquele julgamento direito a indenização pelo valor das benfeitorias realizadas, na ocupação de boa fé (AC 1999.42.00.001269-1, Rel. Des. Fed. João Batista Moreira).

Portanto, em face do reconhecimento declaratório de uma terra indígena, caso algum particular esteja em estado de ocupação, há a necessidade de desocupação imediata em benefício da reintegração dos índios às terras que originariamente ocuparam.

Para que reste claro este ponto específico, chega-se às seguintes conclusões: os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas são juridicamente nulos e extintos, não produzindo quaisquer efeitos na ordem jurídica. Além disso, também os atos que tenham por finalidade a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos existentes nessas terras indígenas, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, são também nulos de pleno direito. Com efeito, a nulidade e a extinção de tais atos não geram nenhum direito a indenização em favor de particulares, salvo no caso de haver benfeitorias oriundas da ocupação de boa fé.

Em resumo, portanto, a jurisprudência compreende que não existe direito de retenção pelo particular ocupante de terra indígena.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, José Joércio. Os 25 anos da promulgação da Constituição da República e o novo paradigma de proteção e reconhecimento aos direitos dos povos indígenas.: Educação, território e acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3936, 11 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27616. Acesso em: 22 dez. 2024.

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