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Os 25 anos da promulgação da Constituição da República e o novo paradigma de proteção e reconhecimento aos direitos dos povos indígenas.

Educação, território e acesso à justiça

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11/04/2014 às 08:44
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6 A DEFESA E TUTELA JUDICIAL DOS DIREITOS E INTERESSES DOS ÍNDIOS: A AMPLIAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

6.1 A legitimidade ativa nos processos judiciais que envolvem os direitos e interesses dos índios

Segundo Maia (1993, p. 270), “quanto à legitimidade processual, esta não está condicionada à iniciativa ou provocação por parte da chefia tribal, ou da representação da comunidade, de modo exclusivo. Com efeito, a Constituição ampliou a relação dos legitimados a realizar a defesa judicial dos direitos dos índios”. Além disso, “com muito acerto se pode afirmar que a Constituição assegurou aos índios, de modo particularizado, o acesso à Justiça, garantido a todos os brasileiros de maneira genérica no art. 5.º, XXXV (A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito)” (MAIA, 1993, p. 271).

Assim, em seu art. 232, a Lei Maior diz que “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”.

Nesse sentido, segundo o Professor José Afonso da Silva (2008, p. 862):

Os direitos e interesses dos índios têm natureza de direito coletivo, direito comunitário. Como tal, concerne à comunidade toda e a cada índio em particular como membro dela. Essa ideia reconduz à comunidade de direito que existia no seio da gentilidade. [...] Por isso é que a Constituição reconhece legitimação para defendê-los em juízo aos próprios índios, às suas comunidades e às organizações antropológicas e pró-índios, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo [...]. Pela mesma razão, ou seja, por se tratar de direitos e interesses coletivos, indisponíveis, de ordem pública, envolvidos, além do mais, com interesses da União, é que a Constituição também deu legitimação ao ministério Público para defendê-los judicialmente (CF/88, Art. 129, V) [...].

O que se percebe é que “a Constituição Federal atendeu ao pleito antigo das comunidades indígenas, no sentido de que elas pudessem defender de forma autônoma seus [próprios] interesses” (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2009, p. 522).

Como consequência desse atendimento, surgiu justamente o art. 232 da Constituição Federal, que acaba garantindo e facilitando o acesso direto ao Poder Judiciário, sem qualquer interferência de órgãos governamentais ou mesmo do Ministério Público. Com relação a este último órgão, como foi visto, cabe a ele intervir no processo, não significando, no entanto, qualquer entrave na legitimação ativa daqueles que são legitimados pelo art. 232 (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2009, p. 523).

É de se ressaltar, ademais, que a representação da comunidade indígena no âmbito processual fica a cargo do cacique ou do líder da comunidade. Nesse ponto, embora haja uma pequena obscuridade textual e hermenêutica quanto aos legitimados, trata-se de presunção de representação, que pode ser desfeita, em caso de ausência de conformidade com a realidade, já que, existe a presunção comum de que o cacique seja o líder da comunidade. Entretanto, em havendo qualquer tipo de divergência, esta deverá ser solucionada por perícia antropológica determinada pelo juízo competente da questão indígena (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2009, p. 523).

Ainda acerca do Ministério Público, vale destacar, esta importante instituição tanto figurará como interveniente e fiscal da lei e dos interesses dos índios como poderá dispor da própria legitimidade ativa no processo que envolve direitos e interesses indígenas. Com efeito, o art. 129, V, da Constituição afirma ser função institucional do Ministério Público “defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas”, podendo, para tanto, atuar tanto o Ministério Público Federal como o Estadual, levando-se em conta a competência do respectivo juízo, federal ou estadual.

6.2 O problema da competência da justiça na defesa dos direitos e interesses dos índios: justiça federal ou estadual?

Ultimamente, muito tem se discutido no âmbito da jurisprudência pertinente, da doutrina e dos debates acadêmicos espalhados pelo Brasil acerca da questão do Juízo competente para apreciar questões que envolvem direitos e interesses da coletividade indígena. Com efeito, nos termos do art. 109, XI, da Constituição, aos juízes federais compete processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas.

A grande preocupação é saber qual é o verdadeiro alcance e o sentido hermenêutico da expressão “disputa sobre direitos indígenas”. O posicionamento do STF é no sentido de que cabe à Justiça Federal processar e julgar os feitos que versem sobre questões ligadas diretamente à cultura indígena, aos direitos sobre as terras tradicionalmente habitadas pelos índios e a interesses constitucionalmente atribuíveis à União Federal, como as infrações praticadas em detrimento de bens e interesse da União ou de suas autarquias e empresas públicas.

Nesse aspecto, conforme o art. 109, IV e XI, da Constituição, para que se configure a competência criminal da Justiça Federal, os crimes devem estar relacionados à disputa sobre direitos indígenas. Em face disso, por exemplo, caso um índio pratique um crime contra outro índio, mesmo que dentro do seu ambiente natural, não tendo tal crime qualquer relação com disputa sobre direitos indígenas, a competência será, de logo, da Justiça Estadual.

É o que se pode extrair de recente julgado encontrado na jurisprudência recente do da Suprema Corte brasileira:

Ementa: Competência criminal. Conflito. Crime praticado por silvícolas, contra outro índio, no interior de reserva indígena. Disputa sobre direitos indígenas como motivação do delito. Inexistência. Feito da competência da Justiça Comum. Recurso improvido. Votos vencidos. Precedentes. Exame. Inteligência do art. 109, IV e XI, da CF/88. A competência penal da Justiça Federal, objeto do alcance do disposto no art. 109, XI, da Constituição da República, só se desata quando a acusação seja de genocídio, ou quando, na ocasião ou motivação de outro delito de que seja índio o agente ou a vítima, tenha havido disputa sobre direitos indígenas, não bastando seja aquele imputado a silvícola, nem que este lhe seja vítima e, tampouco, que haja sido praticado dentro de reserva indígena (STF, Pleno, RE 419.528, Rel. Min. Cézar Peluso, julgado em 03/08/2006, DJ, 09/03/2007).

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Por fim, de fato, há muito a se comemorar neste vigésimo quinto aniversário da Constituição da República. Como foi visto, inegáveis avanços ocorreram em diversos aspectos na proteção e na defesa dos direitos humanos fundamentais, sobretudo, no âmbito dos direitos dos índios (acesso à educação, proteção às terras, acesso à justiça, etc.).

Com efeito, “Os índios receberam tratamento diferenciado pelo constituinte de 1988. Houve o reconhecimento implícito do descuido com esse grupo de brasileiros. A extensão da proteção revela que o constituinte brasileiro resolveu, em nome da igualdade, protegê-los de forma ampla” (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2009, p. 520).

Ademais, a Constituição Federal de 1988 demonstra um enorme esforço do legislador constituinte no sentido de estabelecer um sistema de normas jurídicas que pudesse efetivamente proteger os direitos e interesses dos índios. E o conseguiu dentro de um limite bem razoável. Não alcançou, todavia, um nível de proteção inteiramente satisfatório. É o que afirma o Professor José Afonso da Silva (2008, p. 853).

Todavia, não obstante os inegáveis avanços já analisados antes, existe ainda muito a ser realizado. Muitas lutas devem ser travadas para que somente então haja uma verdadeira concretização e efetivação do Texto Constitucional, diploma máximo e garantidor dos direitos humanos fundamentais e da dignidade da pessoa humana.

Aliás, talvez seja esse um dos maiores desafios dos Estados modernos que primam pelo respeito e promoção da dignidade da pessoa humana e por seus consequentes direitos, qual seja, o de concretizar o texto normativo, quer dizer, tornar real e efetivo o conteúdo da norma constitucional, fazendo com que todos respeitem as disposições presentes nas Constituições, sob pena de tais configurarem-se apenas como listas de expectativas de direitos, culminado, desse modo, em normas programáticas sem qualquer eficácia jurídica e social.


8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Luís Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 13. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional: conforme ec 53/2006. 2. ed. São Paulo: Juspodivm, 2009.

LOBO, Luiz Felipe Bruno. Direito indigenista brasileiro: subsídios à sua doutrina. 1. ed. São Paulo: LTr, 1996.

MAIA, Luciano Mariz. Comunidades e organizações indígenas: natureza jurídica, legitimidade processual e outros aspectos jurídicos. In: Os direitos indígenas e a constituição. NDI. Núcleo de Direitos indígenas e Sergio Antônio Fabris Editor. Coord. Juliana Santilli. Porto Alegre, 1993, pp. 251-293.

POPULAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL. Povos indígenas no brasil. In: Instituto Socioambiental. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/populacao-indigena-no-brasil>. Acesso em: 11 set. 2013.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008.

STAVENHAGEN, Rodolfo. Direitos indígenas: alguns problemas conceituais. In: HERSHBERG, Eric; JELIN, Elizabeth. Construindo a democracia: direitos humanos, cidadania e sociedade na américa latina. 1. ed. São Paulo: EDUSP, 2006. Cap. VIII, pp. 207-232. Título original em inglês: Constructing democracy: human rights, citizenship and society in latin america. Tradução para o português: Ana Luiza Pinheiro.


ABSTRACT: The present study has as its main goal to trace a brief overview about the current phase of constitutional protection directed to indigenous rights. This small sketch brings brief reflections on this new constitutional moment lived by the declaration, the recognition and protection of indigenous peoples rights. It should be noted that in the last 25 years since the promulgation of the 1988 Constitution, there were many advances in these aspects to promote, ensure and protect the rights of Indians. Fundamental rights such as the right to education, land, and to judicial protection, for example, are part of the new role that the Constitution of 1988 and lists intended for indigenous community. Proved, therefore, that this new feature or vocation constitutional inclined to protect indigenous only a part of a new paradigm of basic human rights in the Brazilian scenario.

KEYWORDS: Constitution. Dignity. Education. Indian. Indigenous. Protection.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, José Joércio. Os 25 anos da promulgação da Constituição da República e o novo paradigma de proteção e reconhecimento aos direitos dos povos indígenas.: Educação, território e acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3936, 11 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27616. Acesso em: 19 mai. 2024.

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