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Revisitando o princípio da autonomia das instâncias administrativa, cível e penal em matéria de responsabilidade de servidor público

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13/05/2014 às 12:41
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5 CONCLUSÕES

Permanece atual, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da autonomia das instâncias administrativa, cível e penal de responsabilização do servidor público por danos causados a terceiros ou à Administração Pública, em razão de ação ou omissão, culposas ou dolosas.

Há doutrina que defende a superação do princípio da independência das instâncias em nome de valores constitucionais, como a justiça, a segurança jurídica e a paz social.

Também há quem defenda a impossibilidade de se discutir questões residuais na esfera administrativa inclusive quando o servidor público for absolvido em ação criminal por falta de provas.

Outros defendem a impossibilidade da responsabilização administrativas por faltas residuais se forem consideradas somente as provas produzidas na ação criminal.

Regra geral, não é possível falar-se em prescrição intercorrente em processo administrativo disciplinar, por falta de previsão legal.

Mas a jurisprudência a tem admitido excepcionalmente quando o processo administrativo disciplinar ficar paralisado, sem prática de atos preparatórios, de instrução ou de decisão, ausente qualquer obstáculo característico de caso fortuito ou força maior, com o argumento de que a interrupção da prescrição, determinada no art. 142, § 3º. da Lei no. 8.112/90, não pode ser eterna, sob pena de insegurança jurídica e duração irrazoável do processo.

Aplicando-se à risca o Parecer GQ nº. 135/97 e o Enunciado nº. 06, de 30.08.2012, da Corregedoria-Geral da União, o servidor público que agiu com dolo ou culpa grave e que, portanto, deverá responder em ação de improbidade administrativa inclusive para o fim de ressarcimento ao erário público, acabará por ficar em situação jurídica mais favorável do que agiu sem culpa grave e nem dolo, já que a sindicância e o processo administrativo disciplinar contra o primeiro não poderão ser instaurados senão depois de transitada em julgado ação judicial condenatória e, ao menos por dois anos, nem mesmo a cobrança administrativa ou judicial do ressarcimento poderá ser pedida.

O Parecer AGU MF 01/97, anexo ao Parecer GQ nº. 124/97, e o Parecer GQ 135/97 são contraditórios, na medida em que o primeiro condiciona a responsabilização administrativa do servidor à prévia condenação criminal, e o segundo autoriza a abertura de procedimento administrativo disciplinar independentemente de prévia ação penal.

Os órgãos de controle e jurídicos da Administração Pública federal, diferenciam a “sindicância”, a “auditoria” e o “processo administrativo disciplinar”, a primeira correspondendo a uma fase ou etapa preliminar a um processo administrativo disciplinar, instituída com a finalidade de identificar a autoria e a materialidade de possíveis ilícitos administrativos, a segunda correspondendo a um procedimento autônomo, ou a atividades desenvolvidas em um procedimento autônomo, para o fim de Tomada de Contas, e o último, à aplicação de sanções em razão de ilícitos administrativos.

Em todas as figuras, contudo, é possível a adoção de medidas de investigação sobre fluxos patrimoniais não justificados, o que, na prática, atenua as suas diferenças e favorece a confusão entre elas.

O Parecer GQ nº. 135/97, a Orientação Interna PGF/CGCOB nº. 01/2010 e a Instrução Normativa INSS/PRES nº. 49/2010 são inconstitucionais, já que instituíram procedimentos voltados à responsabilização patrimonial do servidor público por danos causados a terceiros ou à Administração Pública independentemente de culpa ou dolo, e mesmo de processo administrativo disciplinar instaurado.


REFERÊNCIAS

ALVES, L. S. Sindicância investigatória. O confuso modelo das investigações dentro da Administração Pública. Jus Navigandi, Teresina, v. 11, n. 1150, ago. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8795>. Acesso em: 23 ago. 2013.

FERNANDES, J. U. J. Tomada de Contas Especial – processo e procedimento nos Tribunais de Contas e na Administração Pública. Brasília, DF: Brasília Jurídica, 2ª. ed., 1998.

MADEIRA, J. m. p. Do servidor público na atualidade. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

MATTOS, M. R. G. Lei no. 8.112/90: interpretada e comentada. 8. ed. Niterói: Impetus, 2012.

MEDAUAR, O. Direito administrativo moderno. 16. ed. São Paulo: RT, 2012.

MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: RT, 1991.

RANGEL, P. A coisa julgada no processo penal brasileiro como instrumento de garantia. São Paulo: Atlas, 2012.


Notas

1 Veja-se, e.g., AG 2009.04.000194296, TRF-4ª. Região, 4ª. Turma, Rel. Des. Fed. Sérgio Renato Tejada Garcia, dec. un. pub. DJE 21.09.2009: “ADMINISTRATIVO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SERVIDOR PÚBLICO. PENA DE DEMISSÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA RESERVA DA JURISDIÇÃO. O enquadramento da conduta do servidor como ato de improbidade administrativa, para fins de perda da função pública, submete-se à apreciação judicial, ante a incidência do princípio da reserva da jurisdição, nos termos do art. 20 da Lei nº. 8.492/92. [...]”; AR nº. 2008.04.000361550, TRF-4ª. Região, 2ª. Seção, Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, dec. un. pub. DJE 26.08.2009: “AÇÃO RESCISÓRIA. ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DOCUMENTO NOVO. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. [...]. 2. O art. 126 da Lei nº. 8.112/90 somente se aplica quando verificadas simultaneamente as seguintes condições: a) haja o oferecimento de denúncia criminal; b) ocorra a absolvição do réu tendo por base a negativa do fato ou sua autoria; c) a demissão do servidor tenha ocorrido com base no mesmo fato apurado no processo criminal. 4. Há precedente do Supremo Tribunal Federal entendendo que, verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, e não aplicação imediata da pena de demissão no processo administrativo disciplinar (STF, RMS 24699, Rel. Min. Eros Grau, 1ª. Turma, julgado em 30.11.2004, DJ 01.07.2005). Seria hipótese de reserva de jurisdição, com fundamento no art. 20 da Lei nº. 8.429/93, que condiciona a perda da função pública ao trânsito em julgado da sentença condenatória de ação civil de improbidade. [...]”. Sem embargo, a jurisprudência no âmbito do Eg. STJ firmou-se em sentido diametralmente oposto, como exemplificado pelo voto proferido pelo Exmo. Sr. Relator do AGRMS nº. 2012.01.672320, em parte a seguir transcrito: “[...] É possível a imposição da pena de demissão em âmbito administrativo, independentemente de condenação em ação de improbidade administrativa quando, em processo administrativo disciplinar – PAD -, é apurada prática de ato de improbidade por servidor público tendo em vista a jurisprudência firmada no STJ no sentido de que a Lei nº. 8.429/1992 não revogou a previsão da Lei nº. 8.112/1990 da penalidade de demissão de servidor pela prática de atos de improbidade. [...]”. (AGRMS 2012.01.672320, STJ, 1ª. Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, dec. un. pub. DJE 08.10.2012).

2 EDAC nº. 2009.8201000663201, TRF-5ª. Região, 2ª. Turma, Rel. Des. Fed. Rubens de Mendonça Canuto, dec. un. pub. DJE 08.11.2012, p. 340.

3 Assim, por exemplo, veja-se: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. OFENSA REFLEXA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 636 DO STF. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. OFENSA REFLEXA. ARGUIÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PARA REAFIRMAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE RECURSOS INTERPOSTOS NO BOJO DE AÇÕES JUDICIAIS CONTRA ATOS DISCIPLINARES MILITARES. A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL DEVE SER FIXADA NO ÂMBITO DOS ESTADOS. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. FALTA RESIDUAL. SÚMULA 18 DO STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 7. É admissível a punição administrativa do servidor público pela falta residual não compreendida na absolvição do juízo criminal. Inteligência da Súmula 18 do STF. 8. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: “Direito constitucional, administrativo e processual civil. Policial Militar. Demissão. Anulação de Ato Administrativo. Apelação Cível. Recurso improvido. A absolvição na esfera criminal, não traz consequências ao âmbito administrativo, porque o fato que não constitui infração penal, pode perfeitamente constituir infração administrativo-disciplinar. Atendidos os pressupostos de competência, finalidade, forma, motivo e objeto, tem-se por garantia a validade e eficácia do ato administrativo.” 9. Agravo regimental desprovido.” (ARE 664930 AgR / SP, STF, 1ª. Turma, Rel. Min. Luiz Fux, dec. un. pub. Dje 09.11.2012); “Crime de desobediência: caracterização: descumprimento de ordem judicial que determinou apreensão e entrega de veículo, sob expressa cominação das penas da desobediência. Caso diverso daquele em que há cominação legal exclusiva de sanção civil ou administrativa para um fato específico, quando, para a doutrina majoritária e a jurisprudência do Supremo Tribunal (v.g. RHC 59.610, 1ª T., 13.4.82, Néri da Silveira, RTJ 104/599; RHC 64.142, 2ª T., 2.9.86, Célio Borja, RTJ 613/413), deve ser excluída a sanção penal se a mesma lei dela não faz ressalva expressa. Por isso, incide na espécie o princípio da independência das instâncias civil, administrativa e penal.” (HC 86047 / SP, STF, 1ª. Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, dec. un. pub. DJU 18.11.2005, p. 10) “Mandado de segurança. - É tranquila a jurisprudência desta Corte no sentido da independência das instâncias administrativa, civil e penal, independência essa que não fere a presunção de inocência, nem os artigos 126 da Lei 8.112/90 e 20 da Lei 8.429/92. Precedentes do S.T.F [...]”. (MS 22899 AgR / SP, STF, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, dec. un. pub. DJU 16.05.2003, p. 92) ; “O Plenário do Supremo Tribunal Federal tem reiterado a independência das instâncias penal e administrativa afirmando que aquela só repercute nesta quando conclui pela inexistência do fato ou pela negativa de sua autoria. (MMSS 21.708, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 18.05.01, 22.438, rel. Min . Moreira Alves, DJ 06.02.98, 22.477, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 14.11.97, 21 .293, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 28.11.97). Segurança denegada.” (MS 23188 / RJ, STF, Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, dec. un. pub. DJU 19.12.2002, p. 71) Vejam-se, ainda, as seguintes Formulações do DASP – “nº. 30 – A absolvição judicial só repercute na esfera administrativa se negar a existência do fato ou afastar do acusado a respectiva autoria”; “nº. 71 – A Administração pode demitir funcionário por corrupção passiva com base, apenas, no inquérito administrativo”; “nº. 278 – A absolvição do réu – funcionário, por não provada a autoria, não importa em impossibilidade de aplicação da pena disciplinar”. Também é decorrência do princípio a não comunicabilidade de nulidades porventura ocorridas em um procedimento para os demais, quando da utilização, por empréstimo, de elementos de prova. Assim, veja-se, como exemplo: HC 00013084120134050000, TRF-5ª. Região, 1ª. Turma, 1ª. Turma, Rel. Des. Fed. José Maria Lucena, dec. un. pub. DJE 07.03.2013, p. 102: “CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. JUSTA CAUSA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANULADO. IRREGULARIDADE FORMAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E CRIMINAL. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOSINFORMATIVOS PRODUZIDOS EM INQUÉRITO POLICIAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. A anulação de procedimento administrativo instaurado em desfavor de servidor público federal, por irregularidade de natureza formal, não afasta a justa causa para a deflagração de uma ação penal, seja pela independência das instâncias cível, criminal e administrativa, à exceção das hipóteses de negativa do fato ou de sua autoria, seja pela suficiência dos elementos informativos colhidos no inquérito policial. 2. Ademais, a existência ou, ainda, a validade de procedimento administrativo disciplinar não é condição de procedibilidade da persecução criminal, sendo certo, por outro lado, que as irregularidades perpetradas no âmbito administrativo não repercutirão no processo penal, notadamente em face da convalidação, na fase instrutória, dos elementos informativos carreados aos autos, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 3. Finalmente, importa registrar não apenas que os fatos imputados ao réu, em tese, constituem ilícitos penais, mas também que a peça acusatória expõe com clareza os eventos investigados em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, cumprindo, portanto, os ditames do art. 41 do CPP. Ordem denegada.”

4 A punição administrativa ou disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeita também o servidor pela mesma falta, nem obriga a Administração a aguardar o desfecho dos demais processos. Apurada a falta funcional, pelos meios adequados (processo administrativo, sindicância ou meio sumário), o servidor fica sujeito, desde logo, à penalidade administrativa correspondente [...]”. “A punição interna, autônoma que é, pode ser aplicada ao servidor antes do julgamento judicial do mesmo fato. E assim é porque, como já vimos, o ilícito administrativo independe do ilícito penal [...]”. “A responsabilidade civil é a obrigação que se impõe ao servidor de reparar o dano causado à Administração, por culpa ou dolo no desempenho de suas funções. Não há, para o servidor, responsabilidade objetiva ou sem culpa. A sua responsabilidade nasce com o ato culposo e lesivo, e se exaure com a indenização. Essa responsabilidade (civil) é independente das demais (administrativa e criminal) e se apura na forma do direito privado, perante a Justiça comum”; por fim, à “A absolvição criminal só afasta a responsabilidade administrativa e civil quando ficar decidida a inexistência do fato ou a não autoria imputada ao servidor, dada a independência das três jurisdições. A absolvição na ação penal, por falta de provas ou ausência de dolo, não exclui a culpa administrativa e civil do servidor público, que podem, assim, ser punido administrativamente e responsabilizado civilmente.”.

5 “Caso a absolvição na ação penal se fundamente na ausência de prova do fato, ausência de prova da autoria, ausência de prova suficiente para a condenação, não constituir o fato infração penal, não trará consequências no âmbito administrativo. Isso porque a falta ou insuficiência de provas para fins penais não implica necessariamente falta ou insuficiência de provas para caracterizar a conduta como infração administrativa, e o fato que não constitui infração penal pode constituir infração administrativa disciplinar. Nessas hipóteses, ao servidor poderá ser imposta pena disciplinar, se ficar caracterizada sua autoria na prática de infração administrativa, no devido processo disciplinar. Trata-se da chamada AC 200985000053565esidual ou resíduo, a que se referem a doutrina e a jurisprudência; a respeito, a Súmula 18 do STF assim se expressa: “Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público”.

6 “Insta salientar, contudo, que no atual estágio evolutivo em que se encontra o Direito Público, mesmo que as instâncias de apuração de responsabilidades sejam independentes entre si, cada qual gozando de sua autonomia, não mais se admite o total isolamento entre elas, que podem se comunicar “com o fim de exteriorizarem os plasmados de justiça, segurança jurídica e paz social”, sem que isso signifique invasão de competência. [...] Note-se, assim, que só no final do processo administrativo, quando verificado o elemento subjetivo do tipo para a persecução penal, é que poderá o feito prosseguir seu curso. Contudo, para trancar a ação penal, basta que a decisão da Comissão processante afirme a falta de tipicidade do ilícito punível como crime, pela inexistência da materialidade do delito, com a demonstração de ausência total de indícios comprobatórios de dolo na conduta do servidor [...]”.

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7 “fine”/749 e 751: “As instâncias são independentes entre si e gozam de autonomia, podendo ser instauradas, desde que existam justos e relevantes motivos. Todavia, na atual fase do Direito não existe a independência total das instâncias, pois em determinadas situações jurídicas, para a sua própria validade, uma é dependente da outra. [...] Comprovando a comunicabilidade das instâncias (esferas) o processo administrativo disciplinar não poderá demitir o servidor público por ato de improbidade administrativa, tendo em vista a expressa determinação do art. 20 da Lei nº. 8.429/92, que estipula a demissão somente após o trânsito em julgado da decisão, como decidido pela 1ª.Turma do STF: [...] A atipicidade da conduta do servidor público verificada no final de um processo administrativo, causando a extinção do feito ou ainda demonstrando a total ausência de indícios comprobatórios de autoria, ou a inexistência da materialidade do delito, são capazes de impedir o prosseguimento do feito ou a instauração de outra instância. Corroborando o que foi dito, basta verificar que a decisão administrativa afirmativa da inexistência de dolo na conduta, que é o elemento subjetivo do tipo para a persecução penal, possui o condão de trancar a ação penal [...]. No mesmo sentido, a instância penal quando conclui pela inexistência do fato ou pela negativa da autoria influencia a instância administrativa. [...]”.

8 AC 00084045919974036100, TRF-3ª. Região, Turma Y, Rel. Juiz Federal Convocado Wilson Zauhy, dec. un. pub. e-DJF3 15.07.2011, p. 131: “ADMINISTRAÇÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. BACEN. FRAGILIDADE DAS ACUSAÇÕES. RESPONSABILIDADE DO AUTOR NÃO CARACTERIZADA. 1. Além de não terem as Comissões de Sindicância e de Inquérito conseguido produzir provas que levassem ao reconhecimento de autoria de qualquer irregularidade, in concreto, pelo autor, o mesmo se deu na esfera penal. 2. Não se desconhece que a absolvição calcada no artigo 386, IV, em sua redação antiga, não leva, necessariamente, ao afastamento da responsabilidade administrativa em razão de eventual "falta residual", certo é que no caso concreto a prova utilizada pela Administração e pela Justiça Penal foi exatamente a mesma, ou seja, indiciária, tendente a demonstrar "estranheza" no comportamento do autor. 3. A interpretação da Súmula 18 do Egrégio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL permite essa conclusão, que assevera que "pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo Juízo Criminal,é admissível a punição administrativa do servidor público". 4. Ora, no caso em análise, não há de se falar em resíduo tendo-se em conta, repita-se, que tanto a conduta como as provas foram precisamente as mesmas, não havendo, no âmbito administrativo, nenhum elemento adicional, quer de conduta, quer de prova, que autorize o reconhecimento de responsabilidade do servidor. 5. Temerárias,

9 AC 200851010237327, TRF-2ª. Região, 5ª. Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Fernando Marques, dec. um. pub. e-DJF2R 22.12.2010: “ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E VERACIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PRESCRIÇÃO. Não corre prazo de prescrição intercorrente no período durante o qual um procedimento administrativo disciplinar permaneça paralisado por decisão judicial, já que não há que se falar, na espécie, em inércia da Administração.” (TRF-1ª Região; Apelação Cível nº 200434000194737/DF; Relatora: Juíza Federal Simone dos Santos Lemos Fernandes (Conv.); e-DJF1, 16/09/2008, pg. 66)[...]”.

10 Assim, por exemplo, veja-se MS 23299, Relator  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2002, DJ 12-04-2002 p. 55: “Cassação de aposentadoria pela prática, na atividade, de falta disciplinar punível com demissão (L. 8.112/90, art. 134): constitucionalidade, sendo irrelevante que não a preveja a Constituição e improcedente a alegação de ofensa do ato jurídico perfeito. II. Presidente da República: competência para a demissão de servidor de autarquia federal ou a cassação de sua aposentadoria. III. Punição disciplinar: prescrição: a instauração do processo disciplinar interrompe o fluxo da prescrição, que volta a correr por inteiro se não decidido no prazo legal de 140 dias, a partir do termo final desse último. IV. Processo administrativo-disciplinar: congruência entre a indiciação e o fundamento da punição aplicada, que se verifica a partir dos fatos imputados e não de sua capitulação legal.”; APEELREX 23113 PR 2008.70.00.023113-8, TRF-4ª. Região, 4ª. Turma, Rel. Des. Fed. Sérgio Renato Tejada Garcia, dec. un. pub. DE 31.08.2009: “ADMINISTRATIVO. ABERTURA DE SINDICÂNCIA. PAD ARQUIVADO POR FALTA DE PROVAS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. Extrai-se do artigo 142, I da Lei no. 8.112/90 que o prazo prescricional da ação disciplinar é de cinco anos. O parágrafo terceiro do referido dispositivo prevê que a abertura de sindicância ou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente. De um fato ocorrido em 1996, a Administração constituiu Sindicância Administrativa Disciplinar, concluída em 02.04.1997, e instaurou Processo Administrativo Disciplinar somente em 2008, operando-se a prescrição intercorrente, não sendo possível dar continuidade à ação disciplinar”.

11 Como exemplo, veja-se: “ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. POLICIAL MILITAR. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. DELITO ADMINISTRATIVO TAMBÉM CAPITULADO COMO CRIME. PRAZO PRESCRICIONAL. LEI PENAL. BALIZA TEMPORAL PARA O PRAZO PRESCRICIONAL: PENA EM CONCRETO. APLICAÇÃO DOS ARTS. 109, INCISO V, E 110 DO CÓDIGO PENAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR ALÉM DESSE INTERREGNO. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que, em sendo o delito administrativo também capitulado como crime, o prazo prescricional a ser adotado é o previsto na legislação penal. Portanto, nas hipóteses em que o ilícito administrativo praticado por servidor, nessa condição, também é capitulado como crime, a prescrição da pretensão punitiva da Administração tem como baliza temporal a pena em concreto, conforme o disposto nos arts. 109 e 110 do Código Penal. 2. Sendo a pena aplicada de 02 (dois) anos de reclusão em regime aberto, além do pagamento de dez dias-multa, na forma dos arts. 29 e 316 do Código Penal, o prazo prescricional é de 04 (quatro) anos, conforme o disposto no art. 109, inciso V, do Código Penal. 3. Assim, transcorridos mais de 4 anos entre a instauração do processo administrativo - dezembro de 1995 -, e aquele em que se deu a renovação do processo administrativo disciplinar que culminou com a cassação da aposentadoria do recorrente - 24 de maio de 2007 (fl. 189), imperioso o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva para a Administração. 4. Recurso conhecido e provido.” (ROMS 201001027140, STJ, 2ª. Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, dec. un. pub. DJE 17.11.2011).

12 “fine”/471: “Para a Administração responsabilizar civilmente o servidor público, é essencial, portanto, que fique bem caracterizado o elemento subjetivo, ou seja, a conduta culposa ou dolosa do servidor e que ela tenha sido determinante do dano causado ao erário ou a terceiro, pressuposto sem o qual não há que se falar em responsabilidade. [...]”. Na jurisprudência, veja-se, como exemplo: AC 200985000053565, TRF-5ª. Região, 3ª. Turma, Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano, dec. un. pub. DJE 23.05.2013, p. 318: “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO. ACIDENTE DE TRÂNSITO QUE VITIMOU FALTAMENTE MENOR DE IDADE. DEFESA DA UNIÃO FEDERAL, NA AÇÃO INDENIZATÓRIA, FUNDAMENTADA, EM PRIMEIRO PLANO, NA AUSÊNCIA DE CULPA DO PREPOSTO. CONDENAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO AOS GENITORES DA VÍTIMA, COM BASE EMRESPONSABILIDADE OBJETIVA. AÇÃO REGRESSIVA DA UNIÃO EM FACE DO SEU PREPOSTO CONDUTOR DO VEÍCULO NO EVENTO FATÍDICO. RESPONSABILIDADE DO SERVIDOR BASEADA NA CULPA, QUE NÃO RESTOU COMPROVADA NOS AUTOS. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO DA UNIÃO FEDERAL. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. INCOERÊNCIA ENTRE O COMPORTAMENTO ATUAL E O ANTERIOR, DO PRÓPRIO AGENTE. IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO AUTORAL. MANUTENÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. 1-Constituição Federal que garante aos administrados, ressarcimento por danos a eles causados por ato do Poder Público ou suas concessionárias e permissionárias, assegurando, ainda, ao ente público direito de regresso contra o servidor causador do dano-art. 37, parágrafo 6. 2-Não se pode confundir a forma de responsabilizar cada um desses personagens: a responsabilidade do ente público é objetiva, prescindindo de dolo ou culpa para se configurar; já a do servidor público, subjetiva, sendo necessário um desses elementos para o seu reconhecimento. 3 - Provimento condenatório contra o Poder Público que não confere direito a este, de forma automática, de acionar o servidor ao qual se atribui o ato danoso, para fins de condenar este, em ação regressiva, a restituí-lo dos prejuízos suportados. Deve o ente público que sofreu a condenação provar o dolo ou a culpa do seu agente na prática do ato que redundou em prejuízo a terceiro. [...].8-Condenação da Autora na ação indenizatória que não se baseou em culpa, mas em responsabilidade objetiva, a qual prescinde de tal elemento subjetivo. Aceitação do Requerido quanto à proposta de transação penal feita pelo Ministério Público Estadual, em ação criminal intentada para responsabilizá-lo pelo delito de homicídio culposo que não significa assunção de culpa sobre o evento, mas apenas uma maneira de não ver-se processado e, com isso, afastar os efeitos nefastos acarretados pela condição de Réu, em ação penal [...]”.

13 Os órgãos de controle e jurídicos da Administração Pública federal, diferenciam a “sindicância”, a “auditoria” e o “processo administrativo disciplinar”, a primeira correspondendo a uma fase ou etapa preliminar a um processo administrativo disciplinar, instituída com a finalidade de identificar a autoria e a materialidade de possíveis ilícitos administrativos, a segunda correspondendo a um procedimento autônomo, ou a atividades desenvolvidas em um procedimento autônomo, para o fim de Tomada de Contas, e o último, à aplicação de sanções em razão de ilícitos administrativos. Em todas as figuras, contudo, é possível a adoção de medidas de investigação sobre fluxos patrimoniais não justificados, o que, na prática, atenua as suas diferenças e favorece a confusão entre elas. Assim, por exemplo, FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tomada de Contas Especial – processo e procedimento nos Tribunais de Contas e na Administração Pública. Brasília, DF: Brasília Jurídica, 2ª. ed., 1998, p. 43/45: “A Tomada de Contas Especial tem objetivo bastante distinto do processo administrativo disciplinar e da sindicância. Nada obstante, guardam pontos de contato entre si: pode existir apenas um, dois deles ou até os três, em decorrência de um mesmo fato; pode haver troca de elementos – documentos – entre os processos; podem ser conduzidos pelos mesmos servidores ou não; e, em tese, relação à observância dos procedimentos legais, todos podem ser revistos pelo Judiciário, mas o mérito da TCE e a gradação da penalidade do processo administrativo disciplinar ou sindicância, não. A Tomada de Contas Especial, porém, dirige-se ao resguardo da integridade dos recursos públicos; o processo administrativo disciplinar e a sindicância, ao fiel acatamento da disciplina, isto é, das normas administrativas de condutas dos servidores públicos. (...) Como a possibilidade de coexistência entre os três processos administrativos pode ter por substrato um mesmo e único fato, deve-se examinar a possibilidade de decisões contraditórias entre a autoridade administrativa e a Corte de Contas. (...) Sucedendo à Consultoria – Geral da República, a Advocacia – Geral da União foi instada a se pronunciar sobre o mesmo tema, oportunidade em que, reafirmando as considerações do parecer supratranscrito, sustentou outros que merecem ser acolhidas com cautela. Destacam-se, a seguir, dois excertos, irrepreensíveis sob o aspecto jurídico: A função atribuída ao Tribunal se adstringe ao julgamento das contas dos administradores e outros responsáveis por bens e valores públicos e às contas dos que causarem danos ao Tesouro Nacional, sob o aspecto técnico, sem estender-se à tipificação de infrações administrativas. A decisão, adotada em vista de sua função institucional, repercute na ação disciplinar dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública na hipótese em que venha a negar especialmente a existência do fato ou da autoria”. O parecer do qual se fez esses escertos, de inegável valor, peca por restringir o exame dos Tribunais de Contas ao fechamento de contas e regularidade contábil, talvez porque amparado em doutrina ultrapassada. O equívoco, contra o qual nos insurgimos, está na seguinte passagem: “A colenda Corte de Contas se atém aos aspectos da precisão das contas e contábil, mas não adentra na verificação de que a conduta do servidor viria a configurar, exemplificativamente, lesão aos cofres públicos ou dilapidação do patrimônio nacional, cuja apuração é ínsita na área de competência de cada órgão ou entidade a que pertence o valor ou bem, danificado pela ação do servidor”. No exame dos processos, notadamente de TCE, as Cortes de Contas contrastam, com rigor, o nexo de causalidade entre o dano experimentado pelo erário e o comportamento do agente. É, assim, um verdadeiro julgamento em que se delimita o elemento da culpa na sua extensão mais ampla. Não fosse desse modo, como justificar a mudança jurisprudencial que deixou de condenar o agente que só formalmente assume a “carga” ou responsabilidade patrimonial para condenar o verdadeiro culpado pela ação danosa, quando ao gente formalmente responsável demonstra ter agido com o dever de cautela exigível? Se as Cortes de Contas ainda estivessem restritas ao exame contábil, como explicar condenações por compra superfaturada, que numa escrituração contábil se mostra perfeita? Como justificar a recomendação de algumas Cortes de Contas, no sentido de que a autoridade administrativa deve instaurar o processo administrativo disciplinar e a sindicância? A exemplificação, nessa esteira de pensamento, tomaria enciclopédias.” Ainda, e chamando-se a atenção para o sugestivo título, veja-se ALVES, L. S. Sindicância investigatória. O confuso modelo das investigações dentro da Administração Pública. Jus Navigandi, Teresina, v. 11, n. 1150, ago. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8795>. Acesso em: 23 ago. 2013: “Sindicância patrimonial - Trata-se de uma das metas da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Encla), definida durante encontro realizado em Pirenópolis, por iniciativa do Ministério da Justiça. Alguns setores da mídia informaram equivocadamente que a medida implica em monitoramento diário de contas bancárias. Não se trata disso. O governo não vai quebrar o sigilo bancário de ninguém, segundo o ministro Waldir Pires. A sindicância patrimonial, que ainda está em fase de estudos, é um procedimento administrativo, de caráter investigativo e sigiloso, que pode redundar na instauração de processo administrativo disciplinar. Um dos métodos de investigação da sindicância patrimonial poderá ser o pedido, ao Judiciário, de quebra do sigilo bancário do investigado. A sindicância pode ser iniciada a partir de sinais exteriores de riqueza, incompatíveis com a renda do servidor. SINDICÂNCIA E AUDITORIA - Não se pode confundir sindicância com as apurações feitas por auditoria. A auditoria é um trabalho de verificação técnica, sem caráter processual. A sindicância, por sua vez, é um expediente, em regra, preparatório de processo, como são os inquéritos. Todos os inquéritos – CPI, inquérito civil público e inquérito policial – buscam coletar elementos que, na maior parte das vezes, servem para dar sustentação a medidas judiciais. A sindicância exige o mesmo raciocínio. Tal qual o inquérito policial, por exemplo, a sindicância obedece as regras do Código de Processo Penal. Os procedimentos de investigação seguem o formato do CPP. Já uma auditoria não tem esse compromisso formal. As suas regras são próprias, traçadas nos modelos de contabilidade pública ou nos manuais de controle interno. A auditoria pode anteceder ou subsidiar uma sindicância, mas não a substitui”. No âmbito do Tribunal de Contas da União, vejam-se a Portaria TCU no. 168, de 30.06.2011, instituindo as Normas de Auditoria do TCU – revisão de junho de 2011 e, regulamentando a Tomada de Contas Especial, a IN TCU no. 71, de 28.11.2012.

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Sobre o autor
Alberto Nogueira Júnior

juiz federal no Rio de Janeiro (RJ), mestre e doutor em Direito pela Universidade Gama Filho, professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), autor dos livros: "Medidas Cautelares Inominadas Satisfativas ou Justiça Cautelar" (LTr, São Paulo, 1998), "Cidadania e Direito de Acesso aos Documentos Administrativos" (Renovar, Rio de Janeiro, 2003) e "Segurança - Nacional, Pública e Nuclear - e o direito à informação" (UniverCidade/Citibooks, 2006); "Tutelas de Urgência em Matéria Tributária" (Forum/2011, em coautoria); "Dignidade da Pessoa Humana e Processo" (Biblioteca 24horas, 2014); "Comentários à Lei da Segurança Jurídica e Eficiência" (Lumen Juris, 2019).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA JÚNIOR, Alberto. Revisitando o princípio da autonomia das instâncias administrativa, cível e penal em matéria de responsabilidade de servidor público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3968, 13 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28392. Acesso em: 18 abr. 2024.

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