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A postura de Barbosa e o perigo do julgamento pela “consciência”

28/05/2014 às 11:42
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Joaquim Barbosa expõe mais uma vez sua ira contra José Dirceu e desafia até mesmo o STJ, com decisão absolutamente contestável, perigosa e com consequências imprevisíveis.

O ministro Joaquim Barbosa, mais uma vez, expõe seu talento de Torquemada inquisidor e desafia, por puro capricho e indisfarçável deleite pessoal, toda uma jurisprudência já consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, apenas para reforçar seu “cuidado” com o cumprimento da pena do ex-ministro José Dirceu. Barbosa suspendeu qualquer direito do citado de exercer trabalho externo.

O magistrado já é chamado por alguns de carcereiro de Dirceu, já que atua com tamanha diligência e, por que não, entusiasmo no acompanhamento de seu cárcere. A ânsia de Barbosa e seu “apetite” na causa o faz passar como um trator não só por colegas, mas agora por um tribunal superior e também por diversos princípios jurídicos dos mais variados alcances.

A lamentável conduta revela ainda o perigo de se alargar ao extremo o poder de convencimento e, por conseguinte decisório do julgador. Permite-se, muitas vezes sem o devido fundamento, que o magistrado se valha de ideias, conceitos etc. nem sempre em conformidade com norma em vigor. Ou ainda, a contrario sensu, reverter modificações em normas já esvaziadas, como no caso em apreço em que ele desvirtua, inclusive, um dos objetivos da pena, qual seja o da ressocialização do apenado. Tudo com base em um hipotético imperativo de consciência.

O ilustre ministro talvez não saiba, por exemplo, que com seu ato injusto acaba por atingir indiretamente mais de vinte mil apenados beneficiados com a permissão laboral externa com decisões baseadas nos sedimentados precedentes do STJ.

Dentre as definições do Dicionário Aurélio para consciência temos que se trata do “atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade”; bem como “faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos realizados”; ou ainda “senso de responsabilidade”. Entretanto, para o Direito, não se demonstra pertinente o julgamento conforme a exclusiva consciência do julgador.

É comum vermos juízes, a exemplo de Joaquim Barbosa, que, ao se depararem com questões intricadas ou sobre as quais não há normas ou se forma um conflito em que se exige do intérprete uma construção de sentido, bradam que “julgaram conforme sua consciência”.

Ora, seria louvável tal afirmação se se tratasse de decisão que envolvesse sua própria vida, como criação de filhos, opções sociais, casamento, religião etc. No entanto, não nos parece ser a “consciência” do juiz o terreno ideal para se alicerçar a construção do Direito. Talvez até mesmo vítimas do “eudeusamento” que recebem de parte da sociedade, se sintam com a consciência acima da razão e do próprio Direito.

Para Peter Haberle “a interpretação é um processo aberto. Não é pois, um processo de passiva submissão, nem se confunde com a recepção de uma ordem. A interpretação conhece possibilidades e alternativas diversas.”[1]

Deve-se, no entanto, haver um respeito não só à hierarquia das fontes, já que a proteção à dignidade humana tem assento constitucional, mas também à hierarquia dos valores, por se posicionar como valor fundamental em nosso ordenamento.

O respeito hierárquico à Constituição, como norma maior, não se encontra apenas no respeito às técnicas de produção normativa, mas na necessidade de que o conteúdo da norma esteja de acordo com os valores presentes na própria constituição.[2]A decisão judicial no caso concreto também se submete a essa análise.

Marcelo Borges de Mattos Medina consigna que

“há, com efeito, limites à criatividade judicial. A exigência de que as determinações dos representantes do povo prevaleçam na disciplina da vida em sociedade não se coaduna com a possibilidade de os juízes decidirem com total liberdade. É que as sentenças não se legitimam quando não apresentam argumentos hábeis a demonstrar que o seu comando apóia-se em uma interpretação – mesmo que controvertida – do direito vigente.”[3]

O juiz, portanto, não deve julgar conforme sua consciência e sim conforme o ordenamento jurídico, sobretudo a Constituição Federal. É essa, em síntese a crítica que faz o Procurador do Estado do Rio Grande do Sul e notável jurista Lênio Streck. Ele afirma que as decisões judiciais não devem ser tomadas a partir de critérios pessoais e que, na democracia, não cabe mais dizer que entre a lei e minha consciência, opto pelo meu sentimento do justo.[4]

A consciência do sujeito não contempla apenas valores positivos. É nela também que se encontram seus preconceitos, traumas, crenças etc. Caso se julgue a seu talante, poderemos nos deparar com decisões preconceituosas envolvendo direitos homoafetivos, por exemplo. Ou ainda decisões baseadas em supostos “benefícios” para certas categorias, como a proibição de festas para a juventude. Fatores como a religião do intérprete também poderão servir de base para julgar pessoas que talvez nem mesmo a ela sejam caras.

Nessa linha, firmes em Manuel Atienza, temos:

“dizer que o juiz tomou a decisão devido às suas fortes crenças religiosas significa enunciar uma razão explicativa; dizer que a decisão do juiz se baseou numa determinada interpretação de um dispositivo normativo significa enunciar uma razão justificadora. De modo geral os órgãos jurisdicionados ou administrativos não precisam explicar suas decisões; o que devem fazer é justificá-las.”[5]

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O alargamento do poder do juiz visando a construção do Direito e a justiça substancial, desiderato do pós-positivismo, é salutar, porém deve ser atingido sempre com a devida parcimônia e com sólida estrutura argumentativa. Não basta se bater no peito e dizer que se decidiu conforme a consciência, mesmo com amparo legal de norma já solidamente afastada por pacífica jurisprudência de tribunal superior, ressalte-se.

Com a inteligência de sempre, Maria Celina Bodin de Moraes ressalta que “a aceitação racional das decisões judiciais deve ser guiada pela qualidade dos argumentos levantados e que a chamada ‘constitucionalização’ não pode funcionar como um pretexto a conferir ao magistrado carta branca para decidir conforme suas convicções pessoais."[6]

Diante disso, temos que, por mais que o magistrado tenha firmeza em seus preceitos de consciência e até os considere absolutamente justos, ele não pode traduzi-los em preceitos jurídicos, devendo sempre se guiar pelos valores constantes de nosso ordenamento.

Joaquim Barbosa parece nutrir um ódio atávico por políticos – ou por alguns deles – talvez por culpá-los pelas dificuldades que enfrentou na vida. Até aí pode-se até conceber. O que não se pode admitir é que ele se valha da atual toga para, como ministro do STF, tentar vingar seus pares.

Insuflado muitas vezes pela imprensa por sua conduta “destemida” durante o julgamento do ‘mensalão’, Joaquim está passando dos limites, tanto como julgador absolutamente parcial, quando de veria ser imparcial por natureza e exigência legal, quanto como chefe de um dos poderes da república. Sua evidente atração pelos holofotes não se mostra salutar, sobretudo pela pouca diplomacia, pra não dizer a pouca educação, com que muitas vezes se manifesta.


[1] HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Safe, 1997, p. 80.

[2] PERLINGIERI, op cit, p. 324.

[3] MEDINA, Marcelo Borges de Mattos. Constituição e Realidade – A Influência das transformações sociais na jurisdição constitucional. Renovar, 2011, p. 76-77.

[4] STRECK, Lênio Luis. O que é isto – Decido conforme minha consciência?. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

[5] ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito – Teorias da Argumentação jurídica. 3.ed. Landy, 2003, p. 20.

[6] MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.

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Sobre o autor
Bernardo Schmidt Penna

Advogado, Doutor em Direito, professor de Direito Civil na Unesc de Cacoal/RO.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENNA, Bernardo Schmidt. A postura de Barbosa e o perigo do julgamento pela “consciência”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3983, 28 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28948. Acesso em: 15 nov. 2024.

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