Artigo Destaque dos editores

Incapacidade social e laudo médico pericial em juízo nas ações previdenciárias

22/09/2014 às 13:40
Leia nesta página:

Qual o papel da prova pericial para a concessão de benefícios previdenciários por incapacidade laborativa em juízo?

Em ações previdenciárias requerendo benefícios por incapacidade, sempre há a determinação de elaboração de laudo médico pericial. Isto porque, concluir pela incapacidade somente com base em laudos particulares trazidos pelo autor junto com a sua inicial equivale à procedência do pedido unilateral, com base exclusivamente nas alegações da parte autora. Tratava-se de dado essencial à prova dos fatos alegados na inicial, cuja produção competia ao requerente (CPC, art. 333, inciso I).

O julgador monocrático não pode, na tentativa de suprir a precariedade do conjunto probatório coligido, designar audiência de instrução a fim de averiguar a existência de incapacidade laboral por meio de testemunhos. Ocorre que a prova testemunhal não pode suplantar a necessária prova pericial, mesmo porque as testemunhas não possuem condições técnicas para aferir se a existência de incapacidade nos termos exigidos por lei para a concessão de tais benefícios previdenciários.

Nesse sentido é o artigo 400, inciso II, do Código de Processo Civil:

“Art. 400. A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos:

 (…)

II – que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados” (destacamos). 

 NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, em sua obra “Código de Processo Civil Comentado”, 7ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, a fls. 753 apontam:

“II: 5. Prova pericial. Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito (CPC 145) e não poderá se valer de prova testemunhal” (destacamos).

Acerca da inviabilidade de substituir a prova técnica pelo mero depoimento de testemunhas, quando o deslinde da causa exige conhecimentos científicos específicos de que estas não dispõem, confiram-se os seguintes julgados:

Acordão Origem: TRF - PRIMEIRA REGIÃO

Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 9101092618

 Processo: 9101092618 UF: MG Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA

 Data da decisão: 24/05/1994 Documento: TRF10022947

 Fonte DJ DATA:20/06/1994 PAGINA:32303

 Decisão POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO A APELAÇÃO.

 Ementa PREVIDENCIARIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL DESFAVORAVEL. IMPOSSIBILIDADE DE SUA SUBSTITUIÇÃO POR PROVA  TESTEMUNHAL. BENEFICIO NEGADO. PROVENDO-SE A APELAÇÃO.

1 - A invalidez, para efeito de aposentadoria previdenciária, deve ser comprovada por perícia médica, que não pode ser substituída por prova testemunhal.

 2 – Não constatando a prova pericial a incapacidade laborativa permanente do segurado, não tem ele direito à aposentadoria por invalidez.

 3 – Apelação à que se dá provimento. 

 Acordão Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIAO

 Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 153897

 Processo: 9702388520 UF: RJ Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA

 Data da decisão: 13/10/1999 Documento: TRF200073417

 Fonte DJU - Data::25/11/1999 - Página::70/94

 Relator(a) Desembargadora Federal JULIETA LIDIA LUNZ

 Ementa PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA QUE SE DEPENDE DE PROVA TÉCNICA, NECESSITA DE PERÍCIA.

- Tratando-se de matéria técnica, cuja prova somente pode ser produzida através de perícia especializada, o juiz não pode decidir o mérito com base em provas exclusivamente documental e testemunhal.

- Recurso provido para anular a sentença, a fim de que, realizada a prova pericial, outra decisão seja proferida. 

 Acordão Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO

 Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL

 Processo: 95030072417 UF: SP Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA

 Data da decisão: 18/02/1997 Documento: TRF300039475

 Fonte DJ DATA:27/05/1997 PÁGINA: 37927

 Relator(a) JUIZ GILBERTO JORDAN

 Ementa PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ SEM A REALIZAÇÃO DE EXAME MÉDICO PERICIAL - IMPOSSIBILIDADE – PROVA TESTEMUNHAL  - AUSÊNCIA DE PROVA DOCUMENTAL.

 1 - É vedada a concessão de benefício previdenciário com base em prova exclusivamente testemunhal, ao teor da Súmula n° 149 do E. Superior Tribunal de Justiça.

 2 - Nos casos de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e renda mensal vitalícia, é imprescindível a realização de exame pericial,  por ser o médico a pessoa indicada a aquilatar enfermidade nos segurados. Inteligência do art. 400 do CPC.

 3 - A prova exclusivamente testemunhal não se presta, em nenhuma hipótese, para suprir a prova pericial  , sendo certo, isto sim, que o magistrado não fica adstrito a qualquer laudo médico.

 4 – Sentença de 1° grau que se anula.

Assim, o médico de confiança do juízo, especialista na área em que a parte reporta apresentar incapacidade para o trabalho, analisa toda a documentação, laudos e exames acostados aos autos, faz uma consulta e avaliação pessoal do autor e, ao final, elabora seu laudo médico pericial, informando ao juízo se a parte está ou não incapaz, e se está, qual o tipo de incapacidade que apresenta. Não deveria o juiz, que não possui conhecimento técnico de medicina, atestar o oposto com base nestes mesmos documentos.

Além disso, conforme orientação dos Tribunais Superiores, a data de início de incapacidade não pode ser fixada com base exclusiva nas alegações do autor. Isto porque segundo firme jurisprudencia do Superior Tribunal de Justiça:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

“o termo inicial da aposentadoria por invalidez, toda vez que não houver reconhecimento da incapacidade na esfera administrativa, deve ser a data da juntada do laudo pericial aos autos”.

Da mesma forma, a data de início do benefício de auxílio-doença ou aposentadoria ou invalidez deveria remontar à data de apresentação do laudo em juízo, diante do não reconhecimento da incapacidade laborativa quando da sua cessação pela perícia médica da autarquia. Ressalte-se que o perito do INSS é servidor público e goza, portanto, de presunção de legitimidade em seus atos administrativos.

Além disso, no que toca ao período compreendido entre a cessação do benefício e a sua concessão judicial na data do laudo, deve-se analisar a questão quanto à fixação do termo a quo para a produção dos efeitos financeiros de uma decisão que, em vagueza, vá determinar o “restabelecimento” do auxílio-doença.

Em singela aparência, determinar-se-ia o pagamento desde a cessação. Mas o que se sabe é que a incapacidade laborativa não pode ser presumida, senão evidenciada por prova técnica, de modo que a avaliação médica, que se faz sobre o momento atual do periciado – desconhece-se perícia hábil “para o dia de ontem”, como se o médico pudesse dizer que “ontem” alguém não podia trabalhar – ou bem é categórica em trazer os elementos médico-técnicos os quais infirmem remontar a incapacidade ao período mais longínquo, desde a cessação, ou não será suficiente dizer-se “contínua” sem elementos para tanto, ou surgida desde o deferimento do “primeiro benefício”, tal que verbas públicas sejam pagas desde a cessação.

Afinal, se o médico perito tivesse elementos técnicos para dizer por que razão a incapacidade remonta ao período de cessação, deveria revelar tal conclusão técnica precisa, e não apenas dizer que a incapacidade é contínua ou que remonta a período longínquo. Isso porque o auxílio-doença é benefício ontologicamente provisório, e não contínuo, de modo que a fixação dos efeitos financeiros desde a cessação dependem da prova do não-retorno ao trabalho e incapacidade decorreria da mesma doença ou lesão que justificou a concessão do benefício que se eventualmente pretende restabelecer em juízo. Não o fazendo, o benefício será restabelecido ou concedido, conforme for, desde a data da realização da perícia, quando foi verificada a incapacidade parcial e temporária.

Foi o que assentou, na mais recente jurisprudência, a Turma Nacional de Uniformização:

“PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO. AUXÍLIO-DOENÇA. PERÍCIA JUDICIAL QUE NÃO CONSEGUIU ESPECIFICAR A DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE (DII). PRESUNÇÃO DE CONTINUIDADE DO ESTADO INCAPACITANTE INOCORRENTE. NÃO RETORNO AO TRABALHO. IDENTIDADE ENTRE A DOENÇA OU LESÃO QUE JUSTIFICOU A CONCESSÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA ANTERIOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. FIXAÇÃO DO TERMO INICIAL DA CONDENAÇÃO OU DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO (DIB). PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O enunciado da Súmula nº 22 da Turma Nacional se aplica aos casos em que a perícia judicial conseguiu especificar a data de início da incapacidade (DII), servindo de parâmetro inclusive em relação aos benefícios por incapacidade.

2. Porém, quando a perícia judicial não conseguiu especificar a data de início da incapacidade (DII), e em se tratando de restabelecimento de auxílio-doença, descortinam-se duas possibilidades em relação à fixação do termo inicial da condenação ou data de início do benefício (DIB).

3. Quando não houve retorno ao trabalho após a data do cancelamento do benefício (DCB) e em sendo a incapacidade atual decorrente da mesma doença ou lesão que justificou a concessão do benefício que se pretende restabelecer, presume-se a continuidade do estado incapacitante desde a data do cancelamento, que, sendo reputado indevido, corresponde ao termo inicial da condenação ou data de (re)início do benefício.

4. Entretanto, quando, como no caso, não foi comprovado o não retorno ao trabalho e/ou não foi comprovado que a incapacidade decorreria da mesma doença ou lesão que justificou a concessão do benefício que se pretende restabelecer, não se pode presumir a continuidade do estado incapacitante, motivo pelo qual o termo inicial da condenação ou data de início do novo benefício deve corresponder à data da realização da perícia judicial, e não à data do ajuizamento da ação (mera formalidade), ainda que a incapacidade decorra da mesma doença ou lesão invocada como causa de pedir na inicial, tendo em vista que a parte autora não demonstrou propriamente a existência da incapacidade na data do ajuizamento da ação.

5. A demonstração da existência de incapacidade, e não meramente de doença, na data do ajuizamento da ação, incumbia à parte autora, que, com sua inércia, acarretou a impossibilidade de fixação da data de início da incapacidade (DII) na perícia, a qual, baseando-se na documentação constante dos autos e na avaliação da parte periciada, não teve segurança para esta especificação.

6. Pedido de Uniformização conhecido e parcialmente provido para que o termo inicial da condenação ou data de início do benefício (DIB) corresponda à data da realização da perícia (23.06.2006).

(Origem: JEF – TNU, Classe: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL, Processo: 200763060051693 UF: null Órgão Julgador: Turma Nacional de Uniformização, Data da decisão: 29/10/2008 Documento:  Fonte DJ 21/11/2008, Relator(a)  JUÍZA FEDERAL JACQUELINE MICHELS BILHALVA).”

*     *     *

“PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. DIVERGÊNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DA DATA EM QUE A PARTE SE TORNOU INCAPAZ. IMPOSSIBILIDADE DE EMPRESTAR À IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO EFEITOS RETROATIVOS À DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.

1. É possível admitir o pedido de uniformização, por divergência do entendimento adotado no SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, com base em um único precedente, caso o mesmo traduza a jurisprudência dominante, como ocorre no caso concreto, onde, na decisão paradigma, houve referência a diversos julgados daquela Corte.

2. Quando o laudo pericial não atesta que a incapacidade remonta a data anterior a sua elaboração, não é possível emprestar efeitos retroativos à data do requerimento administrativo, quanto à implantação do benefício de auxílio-doença.

3. Diante da ausência de elementos técnicos precisos a respeito do início da incapacidade, deve prevalecer, como termo inicial, a data da elaboração do laudo pericial.

4. Pedido de uniformização conhecido e provido.

(Origem: JEF – TNU, Classe: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL, Processo: 200584005014931 UF: null Órgão Julgador: Turma Nacional de Uniformização, Data da decisão: 29/10/2008 Documento:    Fonte DJ 07/11/2008, Relator(a)  JUIZ FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO)”

O in dubio pro misero, assim como todos os demais princípios do direito, deve ser utilizado como forma de interpretação das provas, e não de produção probatória. Assim, não havendo suporte material probatório para a sua aplicação, não pode ser este utilizado para fixação aleatória de data de início de incapacidades laborativas. A incapacidade social, informando que as partes não podem se inserir no mercado do trabalho, vem sendo bastante utilizada pelas cortes para a fixação tanto da incapacidade, quanto do seu grau. Todavia, deve ela ser manejada com cuidado, não podendo cair no erro de concessão em massa de benefícios previdenciários como forma de amparo social e distribuição de renda sem embasamento probatório.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANGIA, Cinthya Campos. Incapacidade social e laudo médico pericial em juízo nas ações previdenciárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4100, 22 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29682. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos