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A possibilidade de realização de acordos judiciais e extrajudiciais por advogado público, sem prévia lei autorizativa

Métodos operacionais à luz do Neoconstitucionalismo

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14/10/2014 às 14:18
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2 PRINCÍPIOS A SEREM OBSERVADOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA À LUZ DO DIREITO ADMINISTRATIVO CONTEMPORÂNEO.

A realização das atividades administrativas com vistas a garantir o suprimento das necessidades da sociedade, ou mesmo, a executar uma atividade ordenadora, rege-se por normas e preceitos gerais que delimitam o campo de atuação estatal: são os princípios do direito administrativo que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico-administrativo (MEDAUAR, 2002, p.146).

A doutrina pátria não apresenta um rol idêntico dos princípios de direito administrativo. Embora a Constituição de 1988 relacione explicitamente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, esse último acrescido por emenda constitucional, alguns autores extraem outros princípios implícitos do texto constitucional, ou da própria legislação infraconstitucional, ou ainda da construção jurisprudencial e doutrinária. Ainda assim, a par dessa diversidade é possível observar a existência de consenso entre os administrativistas brasileiros (MEDAUAR, 2002, p. 148) acerca da permeabilidade dos princípios constitucionais no âmbito do regime jurídico administrativo.

Romeu Felipe BACELLAR FILHO (2008, p. 38) afirma que toda a atividade estatal, exercida por meio da Administração Pública é irradiada pelo que denomina de “princípio geral do Bem Comum”. Segundo o autor, justamente por visar o bem comum e estar sempre delimitada pela legalidade é que a Administração submete-se a um regime jurídico próprio:

o regime jurídico administrativo se concretiza sob a égide, principalmente, de dois princípios próprios do direito administrativo, a supremacia do interesse público sobre o privado e indisponibilidade dos interesses públicos.

Celso Antônio Bandeira de MELLO (2004, p. 60-65) elege os mesmos dois princípios como sendo determinantes para a caracterização do regime jurídico-administrativo. Todavia, o autor registra seu posicionamento de que a doutrina especializada ainda não arrolou e organizou os princípios básicos do regime administrativo.

Marçal JUSTEN FILHO (2005. p. 63) igualmente adverte a inviabilidade de se indicar todos os princípios que influenciam o Direito Administrativo, uma vez que cada situação concreta demandará a aplicação de princípios diversos, inclusive, com variação do seu peso específico e enfatiza: “tudo será avaliado e ponderado em face da situação concreta a ser considerada”[12].

Por seu turno, Maria Sylvia Zanella DI PIETRO (2001, p. 66-86) elenca uma composição que integra, além dos princípios da legalidade e da supremacia do interesse público sobre o particular, que considera como sendo os dois princípios fundamentais e que decorem da bipolaridade do Direito Administrativo –  liberdade do indivíduo e autoridade da Administração –, outros princípios determinantes do regime jurídico administrativo. Integram o rol de princípios da Administração Pública proposto por DI PIETRO alguns princípios constitucionais expressos e outros integrantes de legislação infraconstitucional que, segundo a autora, igualmente informam o direito administrativo. Assim, seria o seguinte rol de princípios a regular a atuação administrativa: legalidade; supremacia do interesse público; impessoalidade; presunção de legitimidade ou de veracidade; especialidade; controle ou tutela; autotutela; hierarquia; continuidade do serviço público; publicidade; moralidade administrativa; razoabilidade e proporcionalidade; motivação; eficiência; e segurança jurídica.

Com pequena variação à classificação proposta por DI PIETRO, Odete MEDAUAR (2002, p. 148-159) considera como rol de princípios da Administração Pública uma combinação a partir dos cinco princípios expressos no art. 37, caput, da Constituição – legalidade; impessoalidade; moralidade; publicidade e eficiência –, com outros princípios decorrentes da elaboração doutrinária e jurisprudencial ou ainda, com os demais princípios implícitos na Constituição. Dessa forma, a autora classifica como sendo princípios da Administração os seguintes: princípio da preponderância do interesse público sobre o interesse particular; da indisponibilidade do interesse público; da proporcionalidade; da continuidade; da presunção da legalidade e veracidade; da autoexecutoriedade; e da autotutela administrativa.

Com efeito, embora a doutrina pátria apresente algumas variações no tocante à classificação da principiologia do Direito Administrativo, é possível observar a existência de quase consenso entre os administrativistas pátrios acerca da permeabilidade dos princípios constitucionais no âmbito do regime jurídico administrativo. A supremacia da Constituição deve constituir o núcleo concreto e real da atividade administrativa. Nesse contexto, a interpretação jurídica das instituições do Direito Administrativo passa a ser submetida a uma compreensão concreta e pragmática dos valores constitucionais (JUSTEN FILHO, 2005, p. 14).

Assim é que o texto constitucional, ao dispor de forma expressa no caput do art. 37, os princípios a serem observados por toda a Administração Pública no exercício da função administrativa, modifica a perspectiva de um direito administrativo respaldado na lei e amplia o alcance e o sentido da legalidade, bem como a consciência da inserção do Direito Administrativo no sistema constitucional (BACELLAR FILHO, 2003, p. 29).

Alguns princípios se mostram desvendáveis somente por inferência ou por desenvolvimento interpretativo (FREITAS, 2004, p. 24). Estejam eles expressos ou implícitos, devem ser reconhecidos como os máximos vetores teleológicos para aplicação adequada de todas as normas, aqui entendida como o conjunto de regras e princípios.

Feito esse breve intróito, o professor Juarez FREITAS (2004, p. 32-33) apresenta o seguinte catálogo de princípios administrativos fundamentais, a partir da Constituição Federal de 1988:

a) princípio do interesse público e da correlata subordinação das ações estatais ao princípio da dignidade humana;

b) princípio da proporcionalidade ou da adequação sociológica e da simultânea vedação de excesso e de inoperância, ou omissões causadoras de sacrifícios desnecessários e inadequados;

c) princípio da legalidade ou do acatamento da Administração Pública ao Direito;

d) princípio da imparcialidade (ou da impessoalidade), derivado do princípio geral da igualdade;

e) princípio da moralidade e seu descendente princípio da probidade administrativa;

f) princípio da publicidade ou da máxima transparência;

g) princípio da confiança ou da boa-fé recíproca nas relações de administração;

h) princípio da segurança jurídica associado ao princípio da motivação;

i) princípio da ampla sindicabilidade dos atos, contratos e procedimentos administrativos, associados ao princípio da participação;

j) princípio da unicidade da jurisdição ampla e conseqüente não-cerceamento do acesso ao Poder Judiciário nos casos de lesão ou ameaça de lesão a direitos do cidadão ou da Administração Pública;

k) princípio da eficiência ou da economicidade e da otimização da ação estatal;

l) princípio da legitimidade;

m) princípio da responsabilidade objetiva da Administração Pública e dos entes prestadores de serviços públicos, associados ao princípio da precaução, válido não apenas na esfera ambiental;

n) princípio da intervenção essencial que determina o dever do Estado de promover, de imediato, a tutela do núcleo dos direitos fundamentais.

Diante da apertada síntese dos posicionamentos dos doutrinadores pátrios apresentados, fica evidenciado que, embora existam várias classificações para os princípios do Direito Administrativo, é possível denotar que muitos deles são derivados entre si e respectivamente complementares. O que se tem pacificado é que nenhum deles pode possuir a pretensão de exclusividade sendo que, não raro, colidem entre si e carecem de ponderação por parte do intérprete (FREITAS, 2002, p. 246).

Para os fins deste trabalho, apesar de o posicionamento dos demais juristas colacionados se encontrar revestido de valor histórico e hermenêutico inestimável, adota-se a classificação principiológica proposta por Juarez FREITAS e Odete MEDAUAR, em razão da pertinência com o tema desenvolvido e sua respectiva contemporaneidade. Não se pode negar a coragem desses autores em sinalizar a necessidade de mudanças de paradigmas clássicos do Direito Administrativo com vistas a torná-lo simétrico com o texto constitucional.

Com efeito, a principiologia do direito administrativo representa, hodiernamente, a opção da expressão de valores materiais irradiados pelo texto constitucional que deve condicionar a atuação de todos os poderes do Estado em busca da melhor satisfação do interesse público.

A análise desses princípios com foco especificamente no acordo será desenvolvido no capítulo quarto.


3 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DE INTERESSE PÚBLICO, DOS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E SUA IMPORTÂNCIA PARA O DIREITO PÚBLICO.

3.1 CONCEITUAÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO.

No Estado Democrático de Direito, a noção de interesse público configura medida e finalidade da função administrativa, apresentando-se como princípio legitimador dos atos no âmbito da Administração Pública (MEDAUAR, 2003, p. 186). Tal interesse a ser perseguido pela Administração não é simplesmente um somatório de interesses individuais, tampouco é um interesse próprio do Estado, muito menos se identifica com o interesse de eventuais governantes (MOREIRA NETO, 2007, p. 246).

O interesse público é o interesse de cada um dos membros da sociedade enquanto partícipe dessa sociedade. Tem para o Direito um sentido próprio e especial, embora não exista um conteúdo próprio para a expressão (JUSTEN FILHO, 2005, p. 41). Muitas vezes, a expressão é utilizada como equivalente ao bem comum, interesse geral, interesse social, interesse da lei. Não raro, costuma ser caracterizada em oposição ao interesse individual, sendo considerado como o que pertence à generalidade das pessoas (LEMES, 2007, p. 125-126).

Celso Antônio Bandeira de MELLO (2004, p. 50) registra que se trata de conceito amplo de difícil conceituação e que ao se buscar definir interesse público, normalmente se pensa em uma categoria de interesse contraposta à de interesse individual, isto é, ao interesse privado de cada pessoa; entretanto, dizer isso é muito pouco para a compreensão de seu sentido.

Alice Maria Gonzales BORGES (2004, p. 248) define:

O interesse público, segundo a melhor doutrina, é um somatório de interesses individuais coincidentes em torno de um bem da vida que lhes significa um valor, proveito ou utilidade de ordem moral ou material, que cada pessoa deseja adquirir, conservar ou manter em sua própria esfera de valores. Esse interesse passa a ser público, quando dele participam e compartilham um tal número de pessoas, componentes de uma comunidade determinada, que o mesmo passa a ser também identificado como interesse de todo o grupo, ou, pelo menos, como um querer valorativo predominante na comunidade. [...] Pois há um interesse público contido e delimitado pela Constituição e pela lei, que já corresponde à expressão positiva do bem comum. [...] Mas há também um interesse público possivelmente conflitante, que legitima a atuação da Administração Pública, somente na medida em que corresponda à expressão da vontade geral da sociedade, democraticamente expressa, positiva ou não, relativa a determinado momento.

Sinalizando para a atualidade e pertinência dessa temática, Marçal JUSTEN FILHO (2005, p. 42) aduz que “uma crítica insuperável reside em que a teoria do interesse público pressupõe a existência de um interesse público único, o que representa a desnaturação da realidade social e jurídica”.

Insta assinalar que para o Direito Administrativo a expressão possui importância vital, uma vez que será o interesse público o principal critério balizador da atividade administrativa, já que de sua definição depende a validade e legitimidade dos atos administrativos (LEMES, 2007, p. 126). Essa característica levou Celso Antônio Bandeira de MELLO (2004, p. 50) a afirmar que o ato administrativo que não se encontre legitimado pelo interesse público, será necessariamente inválido. Nessa linha, destaca:

Embora seja claro que pode haver um interesse público contraposto a um dado interesse individual, sem embargo, a toda evidência, não pode existir um interesse público que se choque com os interesses de cada um dos membros da sociedade. Esta simples e intuitiva percepção basta para exibir a existência de uma relação íntima, indissolúvel, entre o chamado interesse público e os interesses ditos individuais. É que, na verdade, o interesse público, o interesse do todo, do conjunto social, nada mais é que a dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da Sociedade (entificada juridicamente no Estado), nisto se abrigando também o depósito intertemporal destes mesmos interesses, vale dizer, já agora, encarados eles em sua continuidade histórica, tendo em vista a sucessividade das gerações de seus nacionais (MELLO, 2004, p. 51-52).

Nesse aspecto, o administrativista ainda acresce que “põe-se a nu a circunstância de que não existe coincidência necessária entre interesse público e interesse do Estado e demais pessoas de Direito Público” (MELLO, 2004, p. 56), conforme se verificará da divisão entre interesse público primário e interesse público secundário, na sequência.

Contextualmente, o Estado, independentemente de ser encarregado dos interesses públicos, somente poderá defender seus próprios ´interesses privados' quando não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, ou quando coincidam com a realização desses, que também podem ser denominados de interesses primários (MELLO, 2004, p. 57).

Com efeito, foi a partir da necessidade de satisfação do interesse público pelo Poder Público que a doutrina administrativista construiu, dentre outros, o denominado princípio da supremacia do interesse sobre o interesse privado, que, ao longo do tempo, serviu de fator e fundamento de legitimidade para o conjunto de privilégios de natureza material e processual que permeia o regime jurídico-administrativo, bem como irradiou todas as consequências de sua incidência suprema no regime jurídico-administrativo (BINENBOJM, 2005, p. 117-170). Ora, a par dessa leitura, seria possível extrair que interesse privado e interesse público são de naturezas distintas e antagônicas, de forma perene retratando uma concepção dogmática que reconhece a existência de um só juízo sobre o interesse público e, consequentemente, a posição do administrado como súdito, servil e submisso, à preponderância absoluta da autotutela (MEDAUAR, 2008, p. 103).

Notadamente, em face das transformações por que passa o Estado, diante da emergência do Estado Democrático de Direito, torna-se necessário investigar a compatibilidade da prevalência  a priori do princípio da supremacia do interesse público com a ordem constitucional que reconhece a centralidade do sistema de direitos fundamentais.

Selma LEMES (2007, p. 126) registra que no Direito Administrativo Contemporâneo se alterou o modo de enfocar o tema, especialmente na relação com os administrados:

O princípio da supremacia do interesse público não é disposto de cima para baixo, mas em mão inversa, objetivando proteger os interesses dos administrados, conforme estabelecem os novos paradigmas do Direito Administrativo Contemporâneo.

A Administração Pública, no cumprimento de suas atribuições, deve perseguir a proteção dos interesses dos cidadãos e ao melhor cumprimento dos fins da Administração significa afirmar que o interesse público é melhor atendido quando também se consideram os interesses dos particulares.

Para Sabino CASSESE (1994, p. 44) “os interesses públicos representam um fim, indicado pela norma, que deve ser necessariamente perseguido”.

Nesse sentido, em vista da amplitude das conceituações possíveis para a expressão interesse público, seria possível concluir que elas representam a exigência da satisfação das necessidades coletivas e que determinam que a Administração na prossecução do interesse público, dos fins de interesses gerais, adote em cada caso concreto a melhor solução possível do ponto de vista administrativo em consonância com o princípio constitucional da eficiência.

Conforme aduz Gustavo Justino de OLIVEIRA (2006, p. 307-330), o dever de conter os conflitos retrata, por isso mesmo, o dever do Estado de repensar o seu papel e seus objetivos em relação à sociedade, assim como no dever de repensar a sua presença e a sua ação, buscando a salvaguarda dos direitos dos cidadãos e da sociedade na persecução das necessidades coletivas.

Desponta nítido, pois, o dever da boa Administração Pública, nos moldes preconizados por Juarez FREITAS (2007), cuja temática, à luz dos ditames constitucionais, desafia reflexões e está a propor significativas alterações na tratativa costumeira entre Administração e cidadão.

3.2 A CLASSIFICAÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO EM PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO E A (IN)DISPONIBILIDADE DESSE INTERESSE.

A doutrina administrativista brasileira costuma classificar os interesses públicos em “primários” (originários) e “secundários” (instrumentais ou derivados). Os primeiros seriam o interesse social, a vontade da coletividade; já os segundos seria o interesse do Estado, comumente os de cunho patrimonial. O Estado, como pessoa jurídica pode ter interesses que lhe são particulares, individuais, similares aos interesses de qualquer outro sujeito.

Para Diogo Figueiredo MOREIRA NETO (2007, p. 115-116) as funções desempenhadas pelo Estado podem ser classificadas de “atividades-fim” e “atividades-meio”, sendo que as primeiras se referem às funções desempenhadas pelo Estado com vistas à satisfação dos interesses públicos primários e que dizem respeito às próprias necessidades da sociedade. Já as “atividades-meio”,  para o autor,  servem para operacionalizar os interesses institucionais do Estado, referentes aos seus atos, pessoas, serviços, entre outros, destinando-se, portanto, à satisfação dos interesses públicos secundários ou instrumentais e conformam-se ao que denomina de Administração Pública Interna.

Não há ligação exclusiva entre interesse público e interesse da Administração. Em eventual conflito, o interesse público primário deve prevalecer sobre o interesse público secundário. Exemplo disso, é a situação em que um determinado tributo só deve ser pago na forma prevista na lei (interesse primário), mesmo que o Estado necessite de uma rápida arrecadação (interesse secundário).

De acordo com essa classificação, costuma-se dizer que os interesses públicos primários são indisponíveis e os interesses públicos secundários possuem natureza instrumental, existindo para operacionalizar aqueles, com características patrimoniais e que, por esse motivo são disponíveis (MOREIRA NETO, 2007, p. 225-226).

O Estado, para atingir as suas atividades-fim, tutela interesses extremamente relevantes para a sociedade, uma vez que estão relacionados ao bem-estar, saúde, segurança e que o ordenamento jurídico os classifica de integrantes ao interesse público e, por esse motivo, são considerados supremos e indisponíveis (MOREIRA NETO, 2007, p.226). Para o autor, a indisponibilidade pressupõe a inegociabilidade, todavia, apesar de ser regra, comporta relativização que somente pode ocorrer por vias políticas e na forma legal (MOREIRA NETO, 2007, p.226).

Na mesma linha da necessidade de lei para realizar acordo judicial decidiu o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, por meio da Informação n? 57/2000, a qual contém a seguinte recomendação[13]:

g) em atendimento ao princípio constitucional da legalidade, a efetivação do acordo judicial deveria estar respaldada em lei, a qual estabeleceria, de forma genérica, os casos, limites, condições, requisitos e critérios objetivos, considerando a necessária observância aos princípios da igualdade, da economicidade, finalidade, razoabilidade, dentre outros (art. 37, “caput”, da CF), afastando, assim, por via de conseqüência, o duplo grau de jurisdição (reexame necessário). Isto equivaleria dizer que, em todas as situações que se amoldassem aos exatos ditames da lei, seria possível a transação judicial (...).

Por outro lado, para executar as atividades-meio, a indisponibilidade, em regra, é relativa, admitindo negociação e recaindo sobre os “interesses públicos derivados” (MOREIRA NETO, 1997). Para atuar nessa esfera, de acordo com o entendimento do autor, a Administração demanda autorização constitucional genérica, inserida no art. 18 e art. 37, caput da Constituição Federal e, às vezes, autorização legal como é o caso, por exemplo, do art. 49, incisos I, XVI e XVII da Constituição Federal[14]:

[...] são disponíveis, nesta linha, todos os interesse se direitos deles derivados que tenham expressão patrimonial, ou seja, que possam ser quantificados monetariamente, e estejam no comércio, e que são, por esse motivo e normalmente, objeto de contratação que vise dotar a Administração ou os seus delegados, dos meios instrumentais de modo a que estejam em condições de satisfazer os interesses finalísticos que justificam o próprio Estado (MOREIRA NETO, 1997).

Sobre a temática pode-se ainda invocar a distinção entre atos de império (aqueles que a Administração impõe coercitivamente aos administrados), que são indisponíveis e os atos de gestão (de mera administração ou de direito privado praticados pela Administração), em que se encontra ampla margem para negociação.

O Superior Tribunal de Justiça vem sedimentando jurisprudência para a distinção quanto aos interesses públicos primários (indisponíveis) e os interesses públicos secundários (patrimoniais e, portanto, disponíveis)[15], inclusive aplicando os efeitos da revelia quando a Fazenda Pública deixa de contestar ação que trata de obrigações contratuais disponíveis, como é o caso que é locatária de bem particular (STJ, RESP 1.084.745-MG).

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Sob o tema, conferir a análise de Selma LEMES (2007, p. 133):

Após essas considerações, pode-se aferir que disponibilidade de direitos patrimoniais não se confunde com indisponibilidade de interesse público. Destarte, como verificado, indisponível é o interesse público primário, não o interesse da Administração. [...] A disponibilidade ou indisponibilidade de direitos patrimoniais não encontra correlação com a disponibilidade ou indisponibilidade do interesse público [...].

Portanto, como primeira premissa se tem que podem ser objeto de acordo todas as questões que versem sobre interesses disponíveis, ou seja, os eminentemente patrimoniais (por exemplo, cujo objeto tenha cunho econômico ou cujo inadimplemento possa ser reparado, compensando ou combatido por medidas com conteúdo econômico), em que o  conflito poderia ser resolvido diretamente pelas partes, independentemente de ingresso em juízo. Nesse caso, há autores que entendem da necessidade de lei para transação e há autores que entendem que esse direito já deriva da própria Constituição Federal.

Como segunda premissa do que foi exposto, o interesse público primário seria indisponível (logo, irrenunciável, inegociável e inalienável) e, face a isso, intransacionável.

Mas essa acepção é apenas correta como regra geral e não como uma verdade imutável, conforme se verificará no transcorrer do presente trabalho. Nem toda indisponibilidade será intransacionável e poderá prescindir ou não de lei prévia autorizativa, temas esses dedicados no próximo capítulo do presente estudo.

É preciso destacar que hodiernamente tanto a definição do interesse público (e sua respectiva indisponibilidade) quanto a eventual supremacia sobre quaisquer outros interesses – igualmente tutelados pelo ordenamento jurídico constitucionalizado, tais como as liberdades, os direitos e garantias fundamentais – passam a depender de análise fundamentada e ponderada em cada caso concreto, afirmando-se, desde logo, a impossibilidade jurídica de qualquer ação estatal desvinculada do fundamento constitucional e legal que possa lhe dar sustentação.

3.3 NÃO HÁ HIERARQUIA ENTRE O INTERESSE PÚBLICO E O INTERESSE PARTICULAR.

A compreensão da Constituição como sistema leva ao entendimento de que os interesses públicos e privados equiparam-se, sendo ambos reconhecidos em condição de igualdade. Ou seja, no mesmo patamar de hierarquia. Todavia, em determinadas situações, como resultado de ponderação de princípios e direitos em abstrato, a Constituição reconhece a prevalência (jamais supremacia) de alguns interesses públicos, sem, contudo, autorizar a extração de um princípio geral de supremacia do interesse público sobre o privado[16]. Ora, tal entendimento não poderia justificar a prevalência de direitos, liberdades e garantias individuais perante o Estado, como parece ser a regra. “Desse modo, a ponderação constitucional prévia em favor dos interesses públicos é antes uma exceção a um princípio geral implícito de Direito Público.” (SCHIER, 2005, p. 217-246).

Paulo Ricardo SCHIER (2005, p, 217-218) afirma que na produção teórica do Direito Administrativo nacional tem ocorrido a prevalência de certas ideias fundantes do regime jurídico-administrativo tendenciosas a justificar a emergência de manipulações discursivas negadoras dos direitos fundamentais e do seu regime jurídico-constitucional. Refere-se, em concreto, à supremacia do interesse público sobre o privado, questionando se tal princípio representa um verdadeiro princípio geral de Direito Público.

Entretanto, a atual concepção de Constituição possui um fundamento humanista, razão pela qual qualquer forma de regulação estatal não comprometida com a proteção de um núcleo de direitos fundamentais, em que se inclui o ser humano e o cidadão, não pode ser reconhecida como Constituição. Ora, é a partir dos direitos fundamentais que se deve compreender uma Constituição, pois são esses direitos que justificam a criação e desenvolvimento de mecanismos de legitimação, limitação, controle e racionalização do poder (SCHIER, 2005, p. 221-222).

Nesse contexto, SCHIER (2005, p. 221-222) afirma que para a análise da restrição de direitos fundamentais imposta pelo princípio da supremacia do interesse público sobre o particular importa compreender o topos da inexistência de uma cláusula geral de restrição de direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Em consonância com os valores irradiados pela Carta, é indubitável que os direitos fundamentais privados devem integrar a própria noção de interesse público.

Quando a Lei Fundamental opta pela predominância do público sobre o privado – art. 5º, XXV[17] –, ou do privado sobre o público – art. 5º, XI ou XII[18] –, toma essa atitude como técnica de solução prévia de colisão de direitos fundamentais. Por outro lado, quando a solução não é dada previamente pelo texto constitucional, a concepção de unidade impede que exista uma resposta pronta em favor desse ou daquele, repudiando a solução dada por alguns por uma absoluta hierarquia do interesse público sobre o privado (SCHIER, 2005, p. 228).

No universo de relações sociais em que atua o Direito constitucionalizado a regra deve ser sempre da unidade de interesses públicos e privados, sem contradição, negação ou exclusão. Porém, antes de tudo, de harmonização. Desse modo, quando a Constituição não fornece resposta de qual interesse deva prevalecer no caso concreto, deverá ser feita uma análise dos programas e âmbitos normativos de cada preceito em conflito, reportando-se à ponderação, sem qualquer prevalência prévia ou critério predeterminado[19]. Nesse cenário, o que deve se reconhecer previamente é a prevalência, jamais supremacia, de alguns interesses públicos sobre o privado.

Cuida-se, em suma, da aplicação da técnica da ponderação como forma de controle da discricionariedade administrativa visando à aferição do interesse público prevalente no caso concreto, bem como as consequências que ele produzirá sobre os interesses dos membros da sociedade.

A Constituição brasileira retrata claramente que, muito mais do que qualquer outra, é uma Constituição cidadã. Nesse sentido, Humberto ÁVILA (2005, p. 187) coloca que sob iguais condições ou no caso de dúvida, deve ser dada prioridade aos interesses privados, tendo em vista o caráter fundamental que eles assumem no Direito Constitucional, criando um ônus de argumentação em favor dos interesses privados e em prejuízo dos bens coletivos.

Referida interpretação calha justamente com a função do Estado, visto no capítulo primeiro, que é permitir a realização da pessoa humana como sujeito de direitos e como cidadão.

Registra que não se está a negar a importância jurídica do interesse público, sendo que o que deve estar esclarecido é que, mesmo nos casos em que ele legitima uma atuação estatal restritiva no caso concreto, deve existir uma ponderação que justifique a medida de restrição dos interesses privados. Essa ponderação será destinada a atribuir a máxima realização aos interesses envolvidos e será o critério decisivo para a atuação do Poder Público. Segundo o autor, sem a delimitação desse critério não há que se referir acerca da supremacia do interesse público sobre o particular (ÁVILA, 2005, p. 215).

Sobre a temática, imperioso observar a advertência de Alexandre Santos de ARAGÃO (2007, p. 5):

Não que o Poder Judiciário ou a Administração Pública devam desconsiderar em seu mister o “interesse público”. Mas uma coisa é “considerar” para efeito de ponderação os interesses públicos, estatais e/ou sociais, outra é partir para o pressuposto de que sempre deva prevalecer sobre quaisquer interesses privados, mesmo quando já haja regra constitucional específica dirimindo o conflito entre eles.

Marçal JUSTEN FILHO (2005, p. 35-36) registra que, frequentemente, os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público são utilizados, para justificar atos incompatíveis com a ordem constitucional democrática, o que dá margem a arbitrariedades ofensivas à democracia e aos valores fundamentais. Destaca que a desvinculação do interesse público de qualquer interesse individual concreto revela o germe do autoritarismo, que decorre da dificuldade de se identificar o que denomina de “interesse da sociedade” (JUSTEN FILHO, 2005, p. 41). “Trata-se da supremacia e indisponibilidade dos direitos fundamentais” (JUSTEN FILHO, 2005, p. 45).

Gustavo BINENBOJM (2006, p. 141) defende a tese de que há a necessidade de se estabelecer efetiva proteção aos interesses dos indivíduos quando ameaçados pelos interesses gerais promovidos pelo Estado.

Com efeito, observa Gustavo BINENBOJM (2006, p. 86) que a partir de parâmetros substantivos erigidos pela Constituição, a identificação do interesse que haverá de prevalecer deverá ser feita mediante uma “ponderação proporcional” dos interesses em conflito, elegíveis no caso concreto. E enfatiza:

Daí se dizer que o Estado democrático de direito é um Estado de ponderação, que se legitima pelo reconhecimento da necessidade de proteger e promover, ponderada e razoavelmente, tanto os interesses particulares dos indivíduos como os interesses gerais da coletividade. O que se chamará interesse público é o resultado final desse jogo de ponderações que, conforme as circunstâncias normativas e fáticas, ora apontará para a preponderância relativa do interesse geral, ora determinará a prevalência parcial de interesses individuais (BINENBOJM, 2006, p. 86).

Adotada a premissa, tem-se que a atuação do Poder Público não pode ser explicada a partir de um postulado de supremacia, mas de proporcionalidade que exige, em primeiro lugar, que a medida adotada se constitua em meio adequado ou idôneo à finalidade almejada (BINENBOJM, 2006, p. 129). Em outras palavras, significa dizer que o administrador público deverá interpretar o “sistema de ponderações” estabelecido na Constituição e na lei, realizando juízo ponderativo e guiando-se pelo dever de proporcionalidade.

Conforme aduz Gustavo BINENBOJM (2006, p. 106), “como resultado de tal raciocínio de ponderação, tem-se aquilo que se poderia chamar de melhor interesse público, ou seja, o fim legítimo que orienta a atuação da Administração Pública”.

Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO (2007, p. 125) ratifica os posicionamentos dos doutrinadores colacionados, de que a nova concepção estatal não se coaduna com a arbitrariedade e imposições unilaterais de interesses ditos como públicos. A Constituição de 1988 dispõe ainda que a execução da administração dos interesses públicos não é mais monopólio do Estado, embora permaneça sob sua competência a definição e regulação de seu regime.

É indubitável que qualquer juízo de prevalência que envolva o conceito de interesse público deva ser reconduzido ao sistema constitucional, uma vez que os interesses não podem mais ser justificados à luz de uma regra absoluta de prevalência a priori dos interesses da coletividade sobre os interesses individuais, sob a luz da Carta.

Conforme assevera Juarez FREITAS (2004, p. 36), “o princípio do interesse público exige a simultânea subordinação das ações administrativas à dignidade da pessoa humana e o fiel respeito aos direitos fundamentais”.

Assim, alude-se que é necessário alavancar a revisão de pressupostos e formas de abordagem do Direito Administrativo a reivindicar o respeito às fronteiras de atuação do Estado e seus órgãos que não podem invocar em vão o interesse público, sob pena de violação expressa ao texto constitucional.

3.4 BREVE INTRÓITO: DIFERENÇA CONCEITUAL ENTRE ACORDO, TRANSAÇÃO, CONCILIAÇÃO, MEDIAÇÃO, NEGOCIAÇÃO E ARBITRAGEM.

O termo acordo é aquele que faz referência a um conjunto em comum (concordância) de ideias, entendimentos ou objetivos por parte de duas ou mais pessoas. É a denominação de consentimento, harmonia, aliança ou compromisso. O acordo sempre envolve a decisão em comum destas partes, pois não significa a imposição de uma à outra, a não ser o contrário, o encontro do que reúne a ambas.

A palavra transação, do latim transactio, de transigere (verbo transigir), era aplicada pelos romanos de duas formas: em sentido amplo e definição vaga, compreendia toda a operação comercial, bancária, convenção, contrato ou qualquer espécie de combinação mercantil. Em sentido estrito, na esfera de ação do Direito, o termo transação referia-se a um ato jurídico onde as partes, mediante concessões recíprocas, extinguiam a obrigação ajustando certas condições, com a finalidade de prevenir ou terminar o litígio (SILVA, 2005, p. 1421). Ainda persiste nos dias de hoje esse sentido dúbio de significado do vocábulo transação.

A previsão da transação está expressa no art. 840 e seguintes do Código Civil[20], trazendo a mesma definição do diploma revogado de 1916. Na teoria civilista, o Código Civil de 2002 inseriu a transação como uma espécie de contrato[21], deslocando-a dos efeitos da extinção das obrigações, onde se localizava no Código anterior.

No conceito do Direito Civil, transação é a convenção em que, mediante concessões recíprocas, duas ou mais pessoas ajustam certas cláusulas e condições para que previnam litígio, que se possa suscitar entre elas, ou ponham fim a litígio já suscitado (SILVA, 2005, p. 1421).

Verificar-se-á no transcorrer do presente estudo, que no âmbito do Direito Público, apesar de comumente ser utilizado o mesmo termo transação, não haverá uma concessão de um direito por parte do Estado (requisito exigido para o instituto, conforme a doutrina civilista – concessão mútua ou recíproca), mas sim uma forma de solução mais célere e eficaz de um processo ou de um litígio ainda não judicializado. É a não criação de óbices por parte do Estado (com recursos protelatórios ou infundados) em satisfazer um direito inequívoco do cidadão.

No Código Civil, a transação somente é admitida quanto a direitos patrimoniais de caráter privado (art. 841)[22] e o art. 843 estabelece que a transação não cria, declara ou reconhece direitos preexistentes, razão pela qual a existência de relação jurídica controvertida é pressuposto de validade para a realização da transação.

Essa restrição legal deve ser atenuada para o direito público, conforme se verificará no corpo do presente trabalho cabendo, por ora, a transcrição do ensinamento de Onofre Alves BATISTA JÚNIOR (2007, p. 521) que introduz a seguinte ideia sobre o instituto:

Em síntese, embora a doutrina civilista, usualmente marque que só se pode transacionar aquilo que se pode dispor, na realidade, a idéia de indisponibilidade não se confunde integralmente com a impossibilidade de se transacionar. Mesmo no que diz respeito a direitos absolutamente indisponíveis, é possível que destes decorram efeitos patrimoniais negociáveis. Da mesma forma, do fato de um direito ser absolutamente indisponível não implica que nenhum dos aspectos da questão possa ser objeto de transação, desde que a tutela àquele bem ou direito, holisticamente verificada, seja, de forma mais eficiente, garantida.

A aplicação do instituto da transação no direito público sofre outras limitações, se comparada com a sua utilização no direito civil, em face das regras e princípios que compõem o sistema publicista. Como pressuposto ao presente estudo, tem-se que a vinculação aos princípios, garantias e direitos fundamentais é irrenunciável por parte da Administração Pública, mas isso não impede que se utilize do instituto; muito pelo contrário, verificar-se-á que dos princípios constitucionais a transação deve ser incentivada e aplicada costumeiramente pelo Estado.

A transação, enquanto negócio jurídico contratual, não se confunde com a mediação ou a conciliação, que são meios procedimentais ou técnicas judiciais e extrajudiciais para a solução de um conflito.

A mediação é uma autocomposição com a participação de um terceiro, assistente. São os próprios envolvidos que discutirão e comporão o conflito, mas com a presença de um terceiro imparcial, que não deve influenciar ou persuadir que as pessoas entrem em um acordo. O mediador apenas facilita a comunicação, sem induzir as partes ao acordo.

A conciliação também é uma autocomposição com a participação de um terceiro, mas que o conciliador busca orientar, convencer, sugerir ou mesmo persuadir as partes envolvidas num conflito a resolvê-lo sozinhas, mediante a celebração do respectivo instrumento ou termo de transação. Geralmente é utilizada em juízo, na presença do juiz ou de um conciliador, ou mesmo quando as partes levam o acordo para homologação judicial. Está prevista nos arts. 447 a 449, do Código de Processo Civil[23].

A negociação, por sua vez, é uma forma de solução de conflitos por conversa direta entre os envolvidos, sem qualquer participação de terceiros. Pode haver ou não a participação de representantes, como advogado, por exemplo.

Por fim, na arbitragem as pessoas em conflito elegem um árbitro ou um Tribunal Arbitral para decidir suas divergências, utilizando critérios específicos. Não possuem, portanto, o poder de decisão e se submetem à decisão posteriormente conferida, à semelhança do que ocorre no Poder Judiciário (art. 31, da Lei n°. 9.307/96[24]).

Portanto, a negociação, a mediação e a conciliação buscam, em princípio, a transação; a primeira é forma de autocomposição sem a participação de terceiros e as duas últimas são formas de autocomposição com a participação de terceiro. A arbitragem escapa ao conceito ordinário de transação, embora também tenha por finalidade por fim a um determinado litígio. Na arbitragem, ao contrário das demais técnicas de transação, o terceiro escolhido livremente pelas partes (juiz arbitral ou tribunal arbitral) adentra ao mérito da questão, resolvendo o litígio e impondo o seu cumprimento. Não há autocomposição entre os envolvidos, salvo para a escolha do árbitro ou tribunal arbitral.

A negociação, mediação, conciliação e arbitragem, ainda que sejam formas de solução de conflitos, possuem várias diferenças entre si, cabendo às partes envolvidas decidirem qual o método mais adequado ao seu caso.

Por isso, para fins do presente estudo, como metodologia, os institutos da negociação, mediação, conciliação, transação e acordo designarão e serão entendidos tão somente em sua finalidade e efeito[25], qual seja, como solução pacífica de um determinado litígio, no sentido de se evitar uma demanda ou a duração prolongada da lide. Nesse caso, a Administração Pública não renuncia qualquer direito material eventualmente existente.

Assim, os termos acima serão tratados como sinônimos – como conceito de acordo –, na visão antagônica de que o Estado deve contestar e recorrer de tudo, sempre. Isso porque o foco do presente trabalho é demonstrar que por meio de acordos (em qualquer de suas modalidades antes conceituada) é possível e um dever da Administração Pública dar solução pacífica e célere aos conflitos entre ela e o cidadão, respeitando, sempre, os princípios constitucionais. A realização de acordos por parte da Administração Pública se apresenta como uma resposta alternativa ao excessivo prolongamento dos tradicionais processos unilaterais administrativos e judiciais de solução de litígios. Além do que, seu aspecto não conflitual representa um fator de melhor aceitação pelas partes, possibilitando mais aceitação do que imposição, visto que participam efetivamente da solução alcançada.

3.5 O CONCEITO DE TRANSAÇÃO E DE INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO NO ÂMBITO DO DIREITO PÚBLICO.

Administração e administrados – agora cidadãos – por vezes portam interesses antagônicos, passíveis de gerar controvérsias, notadamente em face da possibilidade de imposição unilateral; entretanto, muitas vezes os interesses públicos e privados podem ser harmonizados.

Cabe nesses casos, ao administrador público, à luz do mandamento constitucional da eficiência, verificar qual a melhor alternativa de atuação para a resolução de conflitos, buscando o consenso ou impondo autoritariamente a decisão administrativa, de tal forma que o interesse público seja realizado da melhor forma possível, no caso concreto.

A doutrina administrativa pátria tem discutido a implementação das técnicas consensuais de solução de conflitos, em especial a transação e a arbitragem[26], institutos plenamente aplicáveis no âmbito do Direito Privado e que, com algumas ressalvas, iniciam sua incursão no campo do regime jurídico de Direito Público.

A função precípua da transação não é a extinção de deveres e obrigações, mas a de prevenir ou terminar controvérsias sejam elas efetivas ou potenciais, tanto quanto aos fatos, quanto em relação ao Direito que a Administração aplicou ou pretende aplicar ao caso concreto. Desse modo, transação se mostra adequada, principalmente, nas situações em que a atuação administrativa imperativa não é capaz de propiciar a paz jurídica (BATISTA JÚNIOR, 2007, p. 364).

Contudo, é a situação concreta que é determinante para avaliar a necessidade e a possibilidade, ou não, da realização da transação. Por meio dela, a Administração e os cidadãos resolvem determinada situação fática ou jurídica controvertida.

Todavia, poderão existir situações em que os malefícios decorrentes da permanência do litígio, comparados com os benefícios de seu afastamento é que podem justificar a realização da transação e não, propriamente, a mera existência de incerteza ou controvérsias na relação jurídica.

No âmbito do Direito Público a aplicação da transação não se dá da mesma forma que no Direito Privado. Justamente por essa confusão é que por muito tempo prevaleceu o falso pensamento de que a Administração não poderia transacionar por esta representar uma liberdade em relação a um direito ou interesse.

A transação, para a Administração Pública, não se baseia no exercício de uma liberdade, mas no cumprimento da vontade da lei. Por isso que ela tem o dever de buscar a solução do conflito de forma célere, pois do contrário estaria ferindo o princípio da legalidade (no sentido de juridicidade) previsto no art. 37, da Constituição Federal, ao não observar a prescrição legal em que o direito pleiteado se sustenta.

Nesse contexto Fábio Henrique Rodrigues de Moraes FIORENZA (2010) exemplifica:

Um particular que estiver sendo demandado judicialmente pode transigir, oferecendo uma soma de dinheiro ao autor, apenas para ver-se livre do inconveniente moral de responder a uma ação judicial, embora não reconheça a procedência do pedido e até considere que a ação tem pouca chance de êxito. Estará, então, exercendo o direito de dispor livremente de seu patrimônio. A Administração não pode fazer o mesmo, isso é claro. Ela pode, contudo, admitir a pretensão do autor se o direito alegado tiver fundamento legal, o que é substancialmente diferente da atitude tomada pelo particular no exemplo dado, pois a transação, para a Administração, não se baseará no exercício de uma liberalidade, mas no cumprimento da vontade da lei.

O ponto ora em destaque diz respeito ao fato de que a transação representa um instrumento de ação colocado à disposição da Administração Pública para resolução de controvérsias administrativas. Traça, por fim, linhas para consolidação de uma Administração Pública consensual, mais democrática. Nesse contexto, deve-se entender a adequabilidade da transação como método consensual alternativo de resolução de controvérsias, de tal forma a permitir que o cidadão participe das decisões que lhe digam respeito, no próprio plano da constituição da relação jurídica constituída.

O que vale sublinhar é que o ordenamento jurídico brasileiro disponibiliza instrumentos para que se possa estabelecer uma disciplina mínima do instituto da transação no âmbito do Direito Administrativo. Basta destacar que o próprio Direito Administrativo brasileiro abre margens de discricionariedade para que a Administração possa valorar e ponderar os interesses em conflitos e buscar a melhor solução diante da controvérsia seja ela efetiva ou potencial.

Conforme a disposição contida no art. 841, do Código Civil, entendia-se que os interesses tutelados pela Administração Pública (em decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público) não se coadunariam com o sistema amigável de solução de controvérsias.

A referida interpretação, todavia, se mostra incorreta. Na lição de Carlos Ari SUNDFELD e Jacintho Arruda CÂMARA (2010, p. 4-5), o Legislador não estava preocupado em disciplinar especialmente a atuação de entidades estatais, afastando da esfera pública o instituto da transação. A regra é de caráter geral, e atinge igualmente entes públicos e particulares. O que a lei pretendeu foi afastar a transação dos chamados direitos de ordem pública (em contraposição aos de caráter privado). Assim, não são transacionáveis, por exemplo, direitos relacionados ao reconhecimento de paternidade (por se tratar de direito subjetivo de caráter público), enquanto uma reparação por dano pode ser objeto de acordo (direito de caráter privado e patrimonial). Com os entes estatais, o mesmo pode ser dito.

A Administração pode acordar, fixando deveres ou contraprestações recíprocas com vistas à solução da controvérsia instalada, desde que propicie uma solução otimizada para o atendimento do feixe de interesses públicos intervenientes (BATISTA JÚNIOR, 2007, p. 371).

Destaque-se que a transação não substitui o Judiciário na função de decidir sobre a validade, a interpretação e a aplicação do direito positivo nos casos concretos. A possibilidade jurídica de utilização da transação visando à resolução de controvérsias, tem o condão de evitar sua discussão em intermináveis lides administrativas ou judiciais, desviando-se do objetivo primeiro da atividade administrativa que é a persecução otimizada do interesse público.

Entende-se que o interesse público, na grande maioria das vezes, tem condições de ser realizado com maior eficiência em um contexto de harmonia e, simultaneamente, com a satisfação dos interesses privados. Finalmente, na medida em que se permite a superação dos conflitos com ampla participação dos interessados, assegura-se, como consequência, maior estabilidades nas relações administrativas, aumentando o grau de segurança das partes envolvidas (BAPTISTA, 2003, p. 266-267).

Quanto ao interesse público, diz-se que há quatro indisponibilidades: (i) da finalidade legal (o que a lei protege é indisponível), (ii) do dever de agir (salvo conflito de interesses públicos), (iii) de bens e serviços públicos (Capítulo III, do Título único, do Livro II, do Código Civil) e (iv) das competências administrativas (art. 2º, da Lei nº. 9.784/99[27]).

Mas a indisponibilidade do interesse público não implica que o Poder Público não possa ou não deva, em certas condições, submeter-se a pretensões alheias ou mesmo abdicar de determinadas pretensões. Há uma série de nuances e matizes a considerar.

Ao optar pela solução amigável, a Administração Pública não está necessariamente transigindo com o interesse público, nem abrindo mão de instrumento de defesa de interesses públicos. Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita ou um meio mais hábil para a defesa do interesse público (SUNDFELD; CÂMARA, 2010, p. 4).

Sob o prisma do direito material, a indisponibilidade do interesse público é decorrência direta do princípio constitucional republicano: se os bens públicos pertencem a todos e a cada um dos cidadãos, a nenhum agente público é dado desfazer-se deles a seu bel-prazer, como se estivesse dispondo de um bem seu particular (TALAMINI, 2004, p. 02).

Mas essa afirmação comporta gradações, sendo inverídica a afirmação de que o interesse público seria sempre indisponível, conforme se verá mais adiante.

3.6 A UTILIZAÇÃO DE ACORDOS COMO FATOR DE REDUÇÃO DE LITÍGIOS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Em breve apanhado, interessante ressaltar do clássico debate entre Ferdinand LASSALE e Konrad HESSE, citados por Emmerson GAZDA (2006) a contribuição do primeiro ao dar primazia aos “fatores reais de poder”, à primazia da realidade sobre a Constituição enquanto “folha de papel”, e a contribuição de HESSE em definir que tais fatores de poder uma vez jurisdicizados pelo constituinte assumem uma força normativa própria decorrente de uma “vontade de Constituição”.

Desse clássico debate pode-se extrair que a Constituição está assentada em valores próprios da sociedade, mas com força normativa que lhe é peculiar, decorrente de uma “decisão política fundamental”, observada com propriedade por Carl SCHMITT, citado por Emmerson GAZDA (2006).

A partir disso pode-se sair do plano do “dever ser” e passar para a compreensão do plano do “ser”, dentro da Teoria Pura do Direito, de Hans KELSEN, citado por Emmerson GAZDA (2006), com sua clássica pirâmide em que a Constituição encontra-se como “norma jurídica fundamental”.

O que se extrai dessas rápidas pinceladas sobre a Teoria da Constituição é que se está diante de um diploma legislativo diferenciado, com importantes substratos de cunho sociológico e político e com uma força normativa diferenciada em relação às demais normas jurídicas.

Dessa forma, qualquer análise do sistema jurídico de uma sociedade estabelecida com base em uma Constituição deve ser feita a partir de suas diretrizes, mesmo que o sistema jurídico não tenha Constituição escrita e rígida, que lhe garante maior eficácia. Essa conclusão parece óbvia, mas a verdade é que na prática é muito comum que a interpretação da Constituição seja feita com base nas normas jurídicas que lhe são subjacentes (GAZDA, 2006).

A Constituição Federal, pois, (i) traça o arcabouço da organização estatal e, após a Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, (ii) agregou a função de garantir direitos, estabelecendo um catálogo de direitos fundamentais que da Revolução Francesa até os dias atuais foi sendo cada vez mais aprimorado, com o surgimento de novas esferas de proteção ao ser humano.

O presente capítulo trata da estruturação do Estado-Administração brasileiro estabelecida na Constituição Federal e suas implicações no que se refere à atividade de conciliação em Juízo.

Em se tratando de conciliação, verifica-se que a Constituição Federal de 1988 é daquelas classificadas como analíticas, dispondo sobre a organização do Estado de forma mais específica nos Títulos III e IV, sendo os Capítulos VII (Da administração pública), do Título III (Do Poder Judiciário) e IV (Das funções essenciais à Justiça) do Título IV que interessam mais de perto.

A Constituição Federal é um sistema que, como bem delimitou J. J. Gomes CANOTILHO (2003, p. 1159) é “um sistema normativo aberto de regras e princípios” e não há hierarquia de normas dentro da Constituição.

Entre os fundamentos da República Federativa do Brasil estabelecidos no art. 1º, da Constituição Federal estão a cidadania (inciso II) e a dignidade da pessoa humana (inciso III), como forma de indicar logo de início os alicerces de atuação e de interpretação do Estado Constitucional brasileiro. No mesmo sentido, o art. 2º estabelece que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Por fim, do art. 3º, extrai-se uma diretriz importante no sentido de que entre os objetivos fundamentais do Brasil está o da construção de uma sociedade justa, impondo desde logo ao Estado que sua atuação seja voltada a tanto.

Além disso, é interessante quanto à questão uma leitura do preâmbulo da Constituição Federal de 1988, que, após explicitar a vontade de instituir um Estado Democrático e destinado a assegurar uma série de direitos fundamentais e da realização da justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, expressa o compromisso, “na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.

Ora, é certo que o preâmbulo não é considerado como parte da Constituição em termos de vinculação normativa, expressando apenas fórmula de promulgação da Carta Constitucional. Contudo, em termos de elemento indicativo de interpretação, reflete o momento histórico e a visão do constituinte originário sobre a Constituição. E nesse ponto verifica-se que a solução pacífica das controvérsias foi um dos objetivos do constituinte de 1988, o que deve ser considerado também no que se refere aos litígios internos entre particulares e/ou particulares e o Estado.

A orientação constitucional que se extrai, portanto, da análise dos princípios fundamentais contidos no Título I e da leitura do preâmbulo, é no sentido de que a sociedade brasileira pretende reduzir os litígios, alcançando uma situação de pacificação social que permita a construção de uma sociedade plural, harmônica, livre, justa, solidária, em que seja possível o desenvolvimento nacional e a realização do bem de todos. E a redução de litígios por certo envolve os litígios entre os integrantes do Estado e destes contra o Estado, na medida em que dizem respeito diretamente à vida das pessoas.

Assim, pode-se concluir que a litigiosidade é antagônica à finalidade e aos princípios da República do Brasil, na medida em que não contribui para uma sociedade fraterna e fundada na harmonia social.

3.7 IMPORTÂNCIA DA REALIZAÇÃO DE ACORDOS PARA O DIREITO PÚBLICO.

Um dos pilares do Estado de Direito é a fixação de um regime jurídico administrativo. Assim, é possível afirmar que com a Constituição de 1988 restou identificada a presença de um regime jurídico constitucional-administrativo fundado em princípios constitucionais expressos, outros de modo explícito e muitos outros que se extraem implicitamente, tais como da prescritibilidade, da lealdade e da boa-fé, da segurança das relações jurídicas, da razoabilidade e da proporcionalidade, entre outros, conforme já visto no capítulo segundo.

Para a resolução de controvérsias, a Administração Pública democrática é conduzida a adotar formas mais dinâmicas em sua relação com o cidadão, com vistas a conciliar e equilibrar os interesses do particular e da Administração, relativos à boa, correta e justa governança dos contratos submetidos à égide do Direito Administrativo, para a consecução das atividades fins do Estado.

Almeja-se uma nova interação entre o cidadão e a Administração, por meio do aperfeiçoamento do canal de diálogo e transações múltiplas das partes, de tal forma a propiciar maior estabilidade nas relações entre Estado e Sociedade e pôr fim a litígios que, em regra, arrastam-se por anos até o pronunciamento do Poder Judiciário ou até mesmo nessa seara. Daí a importância da conciliação à luz desse novo paradigma.

Baptista MACHADO (1982, p. 46-108) elucida que o consenso entre os representantes do Estado – Administração – e seus parceiros sociais – cidadãos –, vem a representar uma segunda via de legitimação para a atuação estatal, traduzindo-se numa espécie de interpenetração do Estado com a sociedade.

Odete MEDAUAR (2003, p. 211) destaca a importância do consensualismo no âmbito da Administração contemporânea:

A atividade de consenso-negociação entre Poder Público e particulares, mesmo informal, passa a assumir papel importante no processo de identificação de interesses públicos e privados, tutelados pela Administração. Esta não mais detém exclusividade no estabelecimento do interesse público; a discricionariedade se reduz, atenua-se a prática de imposição unilateral e autoritária de decisões. A Administração volta-se para a coletividade, passando a conhecer melhor os problemas e aspirações da sociedade. A Administração passa a ter atividade de mediação para dirimir e compor conflitos de interesses entre várias partes ou entre estas e a Administração. Daí decorre um novo modo de agir, não mais centrado sobre o ato como instrumento exclusivo de definição e atendimento do interesse público, mas como atividade aberta à colaboração dos indivíduos. Passa a ter relevo o momento do consenso e da participação.

No mesmo sentido, Almiro do COUTO E SILVA (1997, p. 64-65):

Fenômeno relativamente recente nas relações entre o Estado e os indivíduos na realização de fins de interesse público tem sido a busca de decisões administrativas por meios consensuais. Administração concertada, administração consensual, soft administration são expressões que refletem formas de democracia participativa, em que o Poder Público, ao invés de decidir unilateralmente, utilizando-se desde logo do ato administrativo, procura ou atrai os indivíduos para o debate de questões de interesse comum, as quais deverão ser solvidas mediante acordo. Por vezes esse acordo é estabelecido informalmente, antes de o Poder Público exarar ato administrativo. Então, o que aparece, juridicamente, é apenas o ato administrativo e não a solução consensual que ficou atrás dele e escondida por ele.

Em monografia dedicada ao tema, Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO (2007b, p. 37-48) assevera:

Pela consensualidade, o Poder Público vai além de estimular a prática de condutas privadas de interesse público, passando a estimular a criação de soluções privadas de interesse público, concorrendo para enriquecer seus modos e formas de atendimento. [...] a consensualidade é um enriquecimento do Direito Administrativo que a ele incorpora-se permanentemente.

A busca pelo consenso representa um novo método de governar ou administrar que fomenta uma maior integração das forças sociais com vistas à estabilidade social e política, eliminando a má vontade e resistência que costumam acompanhar as intervenções agressivas da Administração.

Além disso, a escolha da via judicial para pleitear direitos em face da Administração Pública não inviabiliza, por si, a solução amigável do conflito. A Administração não é obrigada, pela simples existência do litígio, a deixar de reconhecer direitos que sejam, em sua análise mais atual, realmente devidos (SUNDFELD; CÂMARA, 2010, p. 2).

Não existe regra jurídica expressa que proiba a adoção do acordo (judicial ou extrajudicial) por parte da Administração Pública. Ao contrário, é possível identificar exemplos marcantes de previsão legislativa aceitando a solução consensual nos processos envolvendo o Poder Público (SUNDFELD; CÂMARA, 2010, p. 2-3), conforme se verificará na sequência, além da Constitucional já vista no capítulo anterior.

Fundados em um antigo preconceito, no sentido da necessária oposição entre o interesse público e o particular, entendem alguns que a Administração Pública em juízo não pode transigir, não pode desistir e está obrigada a prosseguir em qualquer feito, indefinidamente, enquanto houver algum recurso abstratamente possível (SUNDFELD; CÂMARA, 2010, p. 4).

Também instila esse quadro a compreensão, tantas vezes externada, segundo a qual se imagina competir aos advogados públicos, enquanto profissionais de atividade jurídica vinculada, sustentar o insustentável, ou contestar o incontestável, pois não lhes caberia dispor sobre os interesses deduzidos em juízo peto Poder Público (MADUREIRA, 2011, p. 3).

O Superior Tribunal de Justiça já entendeu não ser possível o Poder Público firmar acordo, conforme se extrai do RESP 1.198.424/PR:

TRANSAÇÃO. DIREITO INDISPONÍVEL. IMPOSSIBILIDADE.

3. Discute-se nos autos a legalidade de acordo firmado entre o recorrente e o Município de Goioerê/PR, no qual se transacionou a compensação dos débitos existentes na Ação Civil Pública de n. 97/2001 com os créditos que seriam apurados na Ação Ordinária de Cobrança n. 300/2004, decorrentes de subsídios a que o autor teria direito pelo exercício do cargo de Vereador e Presidente da Câmara Municipal na gestão 1993/1996, além do pagamento de crédito remanescente a ser pago pelo Município no valor de R$ 15.000,00. [...].

6.  Outro aspecto relevante a ser apreciado diz respeito à impossibilidade de  Municipalidade firmar acordo semelhante ao que fora celebrado nos autos, em que reconheceu a existência de uma dívida e compensou-a com créditos discutidos em ação civil pública, vez que se tratam de direitos patrimoniais de caráter indisponível.

7. Segundo o disposto nos arts. 840 e 841 do novo Código Civil, a transação que previne ou põe fim ao litígio tem como características  (i) a existência de concessões recíprocas entre as partes, o que pressupõe se tratar de direito disponível e alienável; (ii) ter por objeto direitos patrimoniais de caráter privado, e não público. Assim, in casu, por se tratar de direito indisponível, referente a dinheiro público, é manifestamente ilegítima a transação pecuniária homologada em primeiro grau.

8. Há, ainda, aspecto de suma importância atinente ao fato de que o acordo teve como finalidade compensar créditos provenientes de condenação sofrida pelo ex-edil em ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público, que tem como objeto a aplicação das demais penalidades previstas no art. 12, II, da Lei 8.429/92, inclusive o pagamento de multa civil de até duas vezes o valor desviado. Considerando esse dado, o acordo firmado entre as partes é expressamente vedado pelo art. 17, § 1º, da Lei 8.429/92. Portanto, a sentença que homologou transação realizada entre a Fazenda Pública Municipal e o recorrente, reconhecendo débito para com este último, mostra-se totalmente eivada de nulidade insanável.

9. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta parte, não provido. (REsp 1198424/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe 18/04/2012)

Mas os tempos são outros. Atualmente, com base no princípio participativo, afirmado pela Constituição Federal, já se desenvolvem várias ações calcadas na colaboração, no entendimento e na soma de esforços de agentes privados e governamentais (SUNDFELD; CÂMARA, 2010, p. 4).

A decisão administrativa que possua o respaldo da participação popular terá maior eficácia e efetividade, obtendo-se, por consequência, maior eficiência na gestão administrativa e maior justiça na decisão. O fenômeno da administração participativa ou concertada é uma técnica essência de eficiência que visa substituir a tradicional Administração autoritária (OLIVEIRA, 2006, p. 401-427).

Gustavo Justino de OLIVEIRA (2005a, p. 569) afirma que a conformação da Administração Pública consensual não resulta na superação da administração imperativa, mas seguramente diminui seu campo de incidência. Segundo o autor, a expansão do consensualismo para considerável parcela das atividades perpetradas pela Administração provoca uma mudança de eixo do Direito Administrativo, que passa a ser orientado pela lógica da autoridade continuamente permeada e temperada pela lógica do consenso.

Almiro do COUTO E SILVA (2014) enfatiza a necessidade de compreender o princípio da confiança legítima como sendo um princípio de conteúdo autônomo. As ponderações do autor evidenciam o reconhecimento da existência do interesse público em se proteger a boa-fé e a confiança dos administrados, tema amplamente já debatido e reconhecido pelo direito alemão (COUTO E SILVA, 1987, p. 55).

A prevalência do princípio da confiança, em casos pontuais, mesmo quando ponderado em relação ao princípio da legalidade, não significa o fim do Estado vinculado à lei.

Nesse cenário de transição, conforme demonstra Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO (2002b), há sinais inequívocos, de que:

[...] esse novo Direito Administrativo, que surge enriquecido e expandido, não é mais o do Estado de Direito, em que lhe bastava a legalidade e a eficácia, e reinava soberano o princípio da supremacia do interesse público. Esse, é o Direito Administrativo do Estado Democrático de Direito, em que, além da legalidade, se demanda legitimidade, além da eficácia se exige eficiência e nele se afirma indisputável, sobre qualquer outras prelazias, o princípio da supremacia da ordem jurídica.

Assim, a teoria clássica do Direito Administrativo no Estado Democrático de Direito contemporâneo, na busca de soluções consensuais, de acordos, de cooperação, de parcerias entre a Administração e os particulares, ou entre órgãos e entidades públicas, sofre o influxo de nova dogmática, acendendo a discussão desses novos modos de atuação administrativa. A evolução talvez não seja linear, nem unânime, porém se constitui uma tendência contínua, que só verá o seu termo, com um novo cuidado com o direito dos administrados (SCHWANKA, 2009, p. 94).

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Sobre o autor
Rafael Schreiber

Procurador do Município de Joinville (SC), MBA em Direito da Economia e da Empresa, Especialista em Direito Público pela LFG, formado em Direito pela FURB com habilitação em Direito Internacional. Presidente da Associação dos Procuradores do Município de Joinville - APROJOI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHREIBER, Rafael. A possibilidade de realização de acordos judiciais e extrajudiciais por advogado público, sem prévia lei autorizativa: Métodos operacionais à luz do Neoconstitucionalismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4122, 14 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29917. Acesso em: 27 dez. 2024.

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