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A antecipação da tutela em face da Fazenda Pública

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10/07/2014 às 16:16
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As limitações à tutela antecipada em face da Fazenda Pública, quando a ponderação entre um interesse individual e fundamental e o interesse público resultar na preponderância daquele, devem ter sua incidência afastada no caso concreto.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar as restrições legais e doutrinárias à concessão da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, bem como sua adequabilidade ao Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal de 1988, que consagra a razoabilidade e proporcionalidade como princípios constitucionais.  Para tanto, o presente trabalho analisa os conceitos da tutela de urgência e das prerrogativas da Fazenda Pública, além de fornecer uma visão atual do posicionamento dos Tribunais Superiores. Avança-se ao estudo das teorias acerca da prevalência do interesse público e individual, culminando na análise da possibilidade, ou não, de determinação prévia e objetiva da predominância do interesse público no ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, conclui-se pela necessidade de ponderação dos bens em conflito em cada caso concreto, delegando-se ao controle difuso a possibilidade de inaplicação das restrições legais já referidas.

Palavras-chave: Antecipação de Tutela. Fazenda Pública. Estado Democrático de Direito.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA..1.1 Breves considerações sobre a tutela provisória..1.1 Características da tutela antecipada.1.1.2 Distinção entre a tutela cautelar e a tutela antecipada..1.2 Pressupostos autorizadores da Antecipação de tutela.1.2.1 Obrigatórios..1.2.2 Alternativos.1.2.3 A reversibilidade da medida.2 A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM FACE DA FAZENDA PUBLICA.2.1 Prerrogativas da Fazenda.2.2 Principais óbices à antecipação contra a Fazenda.2.2.1 Óbices infraconstitucionais.2.2.1.1 As limitações da Lei 8437/92 ou 9494/97.2.2.1.2 Reexame necessário como condição de eficácia da decisão contra a Fazenda. 2.2.1.3 Inexistência de dano irreparável ou de difícil reparação contra a Fazenda ou de Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da fazenda.2.2.2 Óbice Constitucional. 2.2.2.1 Necessidade de cumprimento de condenação de pagar quantia certa através do instituto do Precatório..3 O CONFLITO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O INTERESSE PÚBLICO. 3.1 Teorias sobre a posição do indivíduo em relação ao poder público.3.1.1 Organicismo.3.1.2 Utilitarismo.3.1.3 Individualismo.3.1.4 Personalismo e a ordem Constitucional Brasileira.3.2 Ponderação entre os interesses em conflito: O princípio da proporcionalidade. 3.2.1 A proteção de direitos fundamentais e a antecipação contra a Fazenda:CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

A tutela no direito brasileiro pode ser dividida em tutela definitiva, obtida após cognição exauriente, caracterizada pela observância dos princípios do contraditório e ampla defesa e formação de coisa julgada, e tutela cautelar, não satisfativa e destinada a conservar ou assegurar a eficácia daquele provimento final.

Carecia o ordenamento jurídico de uma tutela destinada àquelas peculiares situações em que o interessado, pelas características do interesse pretendido ou dele próprio não poderia aguardar o tempo que a tutela definitiva exige: não haveria, após sua decorrência, meios de obter-se aquele direito que se intentou, seja pelo seu próprio exaurimento, seja por males da vida que não permitirão ao autor usufruí-lo mais. Ainda, restava a tutela destinada a preservar o direito daquele que estava sendo prejudicado por abusividade da parte ré, através da prática de atos protelatórios.

Defende-se a idéia de que, caso o direito material da parte contenha alguma peculiaridade, ou seja revestido de especialidade, a lei deve conferir-lhe um procedimento especial. Todavia, há casos em que não há nenhuma peculiaridade, mas ainda assim há a necessidade de uma tutela diferenciada, em face de sua urgência. Para esses casos, a legislação prevê a existência de provimentos de urgência postos à disposição da parte que não pode aguardar o desfecho da demanda.

Com a reforma do Código de Processo Civil, introduziu-se a tutela antecipada no art. 273[1], em que se garantiu, através de cognição sumária, a concessão do próprio direito pretendido, se presente prova inequívoca do direito e que essa fosse hábil ao convencimento do Magistrado, bem como um dos seguintes pressupostos: os requisitos de dano irreparável ou de difícil reparação; ou da ocorrência de abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Essa tutela frequentemente foi confundida com a tutela cautelar, que apesar de essencialmente distinta daquela, possui natureza de tutela de urgência. A tutela cautelar garante a futura eficácia da tutela definitiva, enquanto que a antecipada confere eficácia imediata à mesma. Ainda, divergem quanto à estabilidade. Enquanto a tutela antecipada é provisória, uma vez que permite o gozo do direito e posteriormente é substituída pela tutela definitiva, a cautelar é propriamente definitiva, conferida após cognição exauriente e garantindo os futuros efeitos da tutela satisfativa.

Todavia, ao se analisar as peculiaridades da presença da Fazenda Pública em Juízo, percebe-se que esse instituto, tão essencial à garantia da segurança jurídica e da efetividade das decisões, não é de simples aplicação quando em face do Poder Público.

A Fazenda Pública, composta pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e as fundações públicas, quando em Juízo, reveste-se das seguintes prerrogativas: juízo privativo, prazos mais dilatados, dispensa do pagamento de despesas judiciais, procedimento próprio para execução das condenações da Fazenda Pública em pagamento de quantia certa, conforme art. 100 da Constituição, o duplo grau de jurisdição obrigatório ou remessa oficial das sentenças proferidas contra a Fazenda, art. 475, II, do CPC e o regime próprio quanto às decisões proferidas contra si em caráter provisório.

[...] Neste ponto, saliente-se que é justificável o tratamento processual diferenciado estabelecido pela lei em favor do Poder Público, desde que guardada a consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Deve-se admitir, é verdade, que nem todas as prerrogativas conferidas por lei à Fazenda Pública constituem privilégios contrários ao princípio da isonomia, uma vez que a isonomia não é sinônimo de igualdade em termos absolutos.

Esse tratamento processual diferenciado encontra respaldo no interesse publico, haja vista o ente estatal representar o interesse de toda a coletividade. Baseia-se, outrossim, na alegação de que a burocracia da máquina administrativa dificulta a defesa do Poder Público de maneira equitativa em relação à outra parte, decorrendo disso a necessidade de se contemplar a igualdade material, anteriormente citada.[2]

Dentre as prerrogativas da Fazenda, principalmente a necessidade de remessa oficial e de inscrição no regime de precatório, passaram a ser levantadas pelos doutrinadores como óbices à concessão da tutela antecipada contra a Fazenda.

Passou-se a questionar a possibilidade de determinar à Fazenda que cumprisse as condenações proferidas em sede de antecipação de tutela antes  do trânsito em julgado da sentença, como exige o art. 475 do CPC.[3] Ainda, no que tange às obrigações de pagar quantia certa, como poderiam ser adimplidas sem a inscrição no regime de precatório, meio hábil para pagamento nas execuções contra a Fazenda, uma vez que seus bens são impenhoráveis, não havendo garantias ao exeqüente?

Enquanto o regime de precatório é classificado, nesse trabalho, como limitação constitucional à antecipação de tutela contra a Fazenda[4], a remessa oficial é como limitação infraconstitucional. Além dessa, outras previsões legislativas passaram a suscitar esse conflito: a Lei 9.497/97, na qual foram estendidas as limitações à concessão de liminares contra o Poder Público em mandado de segurança previstas na Lei 8.437/92, levantou muitas controvérsias, pois de antemão restringiu o poder do Magistrado quando examinasse questões que envolvessem aquelas citadas situações contra o Poder Público; alegou-se ofensa ao poder cautelar geral, o poder cautelar genérico e o poder cautelar de forma ampla.

Renomados doutrinadores alegaram, ainda, a impossibilidade de verificação dos pressupostos alternativos previstos no art. 273, incisos I e II nas relações jurídicas com a Fazenda Pública, quais sejam, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.[5] Isso porque se afirma ser impossível a existência de dano irreparável ou atos eivados de má-fé, como abuso de direito.  Se é o próprio Estado que se encontra na relação, não haveria o que se preocupar acerca do seu adimplemento.

Essas restrições, sejam infraconstitucionais, ou previstas na Constituição, que em tese impossibilitariam a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda, originaram o conflito entre os direitos fundamentais e o interesse público: de um lado, a inafastabilidade da proteção adequada e efetiva do direito, o que pode ocorrer somente se a tutela for antecipada em regime de urgência, e, de outro, o risco de graves danos ao interesse público.

A posição do interesse público em face do particular foi socialmente analisada e originou as teorias organicistas, utilitaristas, individualistas e personalistas. Variando conforme cada uma, o interesse público possui determinada posição que, em algumas sobrepõe-se ao interesse individual, presente no Antigo Regime, em outras é relevada, como na Era burguesa, e, ainda, pode interferir na promoção do interesse individual, como preconiza a Constituição Federal de 1988.

Assim, no Estado de Direito Brasileiro, em que os direitos fundamentais são elevados a cláusula pétrea, não é possível que a Lei de antemão exclua sua eficácia, garantindo-se a preservação do interesse público. Para a solução do conflito, quando, por exemplo, uma pessoa que, em risco de vida, necessita de valores a serem pagos pela Fazenda, utiliza-se o princípio da proporcionalidade. Segundo esse, devem ser consideradas a adequação entre o meio e o fim, a necessidade de que a escolha feita tenha sido a melhor e única possível, ou seja, que a medida restritiva seja indispensável e a mais eficaz à defesa de um direito fundamental, e a proporcionalidade em sentido estrito, preservar o mínimo de sacrifício ou restrição possível.

Se a negativa da tutela não tiver respaldo no confronto com os principios da razoabilidade e proporcionalidade, estaremos diante da inobservância do princípio da isonomia, uma vez que se estará privilegiando interesses secundários em nome da supremacia do interesse público.


1 INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

1.1 Breves considerações sobre a tutela provisória

Ao ajuizar uma ação, a parte busca a consagração do direito pretendido, ou seja, a tutela definitiva. Essa é adquirida após amplo debate acerca do tema, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa, e atribuindo-se, de maneira segura, o objeto da demanda. “É predisposta a produzir resultados imutáveis, cristalizados pela coisa julgada material.”[6]  Essa tutela definitiva será sempre exauriente, com o ônus da demora que esse longo exame exige.

O que ainda faltava no nosso direito era a expressa possibilidade da concessão da tutela antecipatória no processo de cognição exauriente. Conforme as notas de Barbosa Moreira, se o Estado proibiu a Justiça de mãos próprias, está obrigado a prestar a tutela jurisdicional adequadamente a cada conflito de interesses. Pode-se concluir disso, portanto, que a inexistência de tutela adequada a determinada situação conflitiva significa a própria negação da tutela a que o Estado obrigou-se no momento em que chamou a si o monopólio da jurisdição: o processo nada mais é do que  a contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos diante da proibição da autotutela.

Note-se que a “ação cautelar” que substituía o mandado de segurança que não mais podia ser impetrado em razão da decadência, nada mais era do que uma ação de cognição exauriente onde se postulava uma tutela sumária. Tal ação, embora na prática rotulada de cautelar, afastava-se da cautelaridade na mesma proporção em que o direito líquido e certo afasta-se da fumaça do bom direito. Nesses casos, o desconhecimento da técnica da cognição fez pensar que a ação era cautelar satisfativa, dispensando a propositura de uma ação principal, ou mesmo, que era necessária uma absolutamente inócua ação principal. Ora, a ação não era cautelar porque o juiz não se limitava a um juízo de verossimilhança, assim como dispensava a ação principal porque nada mais precisava ser conhecido.[7]

Assim, o legislador deparou-se com a necessidade de haver tratamentos distintos àqueles direitos evidentes e aos que correm riscos de serem lesionados. Aos direitos que são evidentes e cujas defesas são exercidas abusivamente é conferida uma tutela imediata, bem como àqueles que o juiz entende significativamente prováveis de existirem e que sofrem riscos de lesão. A essa concessão prévia do direito pretendido, em situação peculiares, foi conferida a referência de tutela antecipada.  Ela permite, assim, que se dê tratamento diferenciado aos direitos evidentes e àqueles que correm risco de lesão, permitindo que sejam realizadas antecipadamente as conseqüências concretas da sentença de mérito. Elas podem ser consideradas como os efeitos externos da sentença, ou seja, os efeitos que operam fora do processo e no âmbito das relações de direito material.

Foi o momento da Reforma do Código de Processo Civil, em que se buscou o aperfeiçoamento do sistema processual, tendo por paradigma a instrumentalidade e a efetividade do processo, como resposta à evolução da sociedade.

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A tutela antecipada, vale a ênfase, é assim chamada porque precipita a produção dos efeitos práticos de uma sentença, os quais, de outro modo, não seriam perceptíveis, pois não seriam sentidos na realidade concreta, no plano exterior ao processo, no plano material, portanto até um evento futuro: proferimento de sentença, processamento de recursos de apelação com efeito suspensivo e, eventualmente, seu trânsito em julgado. É por isso que é fácil responder à questão “até quando é possível pleitear a tutela antecipada?”. A tutela é “antecipável até o instante em que ela, “naturalmente” (ex lege, isto é, por imposição do sistema jurídico), passa a surtir seus efeitos concretos.[8]

1.1.1 Características da tutela antecipada

A antecipação, total ou parcial, dos efeitos práticos materiais pretendidos na inicial, prevista no art. 273 e 461, par. 3, do CPC, não é um instituto desconhecido no nosso ordenamento, uma vez que já era previsto nas liminares proferidas em mandado de segurança, em ações cautelares, ações civil públicas, ações possessórias, em determinadas medidas constitucionais e em algumas outras medidas de natureza semelhante, como nos alimentos provisionais nas ações de família, nas relativas à locação, etc.

Todavia, aquelas são hipóteses referentes a determinadas e específicas situações. A inovação do referido artigo 273 foi sua generalização, pois, em qualquer processo de conhecimento, desde que presentes os requisitos, é possível sua aplicação.

A antecipação pode ser conferida antes mesmo da produção de todas as provas tendentes à demonstração dos fatos constitutivos do direito, o que não ocorre no mandado de segurança. É fundada na probabilidade de que o direito afirmado será demonstrado e declarado.

A tutela provisória, também chamada de sumária ou precária, é um instituto de direito processual destinado a conferir, antecipadamente, o gozo imediato dos efeitos da tutela definitiva. É possível atribuir-lhe duas características básicas: a sumariedade da cognição e a precariedade do direito conferido. Quanto à primeira, ela significa que o juiz, ao deferi-la, realizará um exame superficial do objeto da causa a fim de considerar-se convencido da verossimilhança das alegações. Já a precariedade está relacionada à possibilidade de, a qualquer tempo e fase do processo, a antecipação da tutela ser revogada ou modificada.[9]

Pode-se afirmar que as tutelas de cognição sumarizadas no sentido vertical objetivam: assegurar a viabilidade da realização de um direito, no caso da tutela cautelar; realizar, em vista de uma situação de perigo, antecipadamente um direito, tutela antecipatória; realizar, em face das peculiaridades de um determinado direito e em face da demora do procedimento ordinário, antecipadamente um direito, como nas liminares de determinados procedimentos especiais e, por fim, realizar, quando o direito surge como evidente e a defesa é exercida de modo abusivo, antecipadamente um direito, mas aqui, conforme o art. 273, II, do CPC.

Se a realidade da sociedade contemporânea muitas vezes não comporta a espera do tempo despendido para a cognição exauriente da lide, em muitos casos o direito ao devido processo legal somente poderá se realizar através de uma tutela de cognição sumária. Quem tem direito à adequada tutela tem direito à tutela antecipatória, seja a tutela antecipatória fundada nos arts. 273 e 461 do CPC e 84 do CDC, seja a tutela antecipatória fundada no art. 273, II, do Código de Processo Civil. É necessário observar que o legislador infraconstitucional, para atender ao princípio constitucional da efetividade, deve desenhar procedimentos racionais, ou seja, procedimentos que não permitam que o autor seja prejudicado pela demora do processo.[10]

Sobre a cognição sumária, a restrição no plano vertical conduz ao chamado juízo de verossimilhança ou às decisões derivadas de uma convicção de verossimilhança. Na antecipação da tutela ela destina-se a dois objetivos: a) antecipar um direito, tendo em conta uma situação de perigo, correspondendo ao previsto no art. 273, I, do CPC b) antecipar um direito quando a pretensão do autor é inequívoca e a defesa é realizada de modo abusivo, correspondendo, então, ao art. 273, II, do CPC.

Ao conceder a tutela sumária, o juiz restringe-se a afirmar a probabilidade do direito pretendido, e é por isso que, ao aprofundar-se no exame cognitivo durante a litispendência do processo, pode deparar-se com a inexistência daquele direito.

Quanto à natureza do instituto, a doutrina harmoniza-se no sentido de que se trata de natureza satisfativa, no sentido de antecipação do resultado final do processo, afastando caracterizá-la como tutela cautelar.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco, “a medida antecipatória conceder-lhe-á o exercício do próprio direito afirmado pelo autor. Na prática, a decisão com que o juiz concede a tutela antecipada terá, no máximo, o mesmo conteúdo do dispositivo da sentença que concede a definitiva e a sua concessão equivale, mutatis mutandis, à procedência da demanda incial- com a diferença fundamental representada pela provisoriedade”.[11]

1.1.2 Distinção entre a tutela cautelar e a tutela antecipada

A insistência com que temos tratado da distinção entre as ‘medidas antecipatórias’ que poderão, eventualmente, ser também assegurativas, mas que, antes de tudo, são formas de tutela satisfativa e, por isso mesmo, ultrapassam o campo da cautelaridade, justifica-se a cada dia, tendo em vista a tendência geral da jurisprudência para o contínuo alargamento do campo da tutela jurisdicional de urgência. A expansão exagerada das medidas liminares, com a previsível reação contrária posterior, caracterizada pelo que se passou a denominar, na Itália, de “fenômeno suspensivo”, é uma conseqüência inevitável da confusão conceitual entre as variadas formas de execução provisória )satisfativa) e tutela cautelar.[12]

A possibilidade de antecipar, no processo de conhecimento, os efeitos da tutela de mérito, tem profundas repercussões no processo cautelar. Até sua introdução, a cautelar era utilizada indiscriminadamente tanto para alcançar-se as medida cautelar propriamente dita – medida para assegurar o direito, sem satisfazê-lo – como também para obter-se a medida de antecipação satisfativa. A partir da introdução do art. 273, a ação cautelar destina-se à obtenção de medidas cautelares típicas: as antecipações satisfativas só poderão ser deduzidas na própria ação de conhecimento.

A distinção entre elas passa a ser, como se vê, de fundamental importância e não apenas por motivos burocráticos (na prática, até agora a antecipação satisfativa era requerida em ação autônoma – cautelar – mas os autos, geralmente, eram apensos aos da ação principal, onde se fazia instrução e julgamento conjunto). Sob este aspecto, a antecipacao satisfativa da tutela pelo regime do art. 273 do CPC restou facilitada (já que independe de ação própria, podendo ser requerida por simples petição). Porém, a profundidade da mudança foi em outro aspeco: mudaram os pressupostos para a concessão da medida, que passaram a ser mais severos que os do processo cautelar.[13]

Para eliminar esse uso anômalo das ações cautelares e atender ao interesse de urgência, criou-se a tutela antecipada do art. 273, com requisitos um pouco mais exigentes que os da ação cautelar. Objetivamente pode-se distingui-las da seguinte forma: ao invés do fumus boni iuiris, passou-se a exigir a verossimilhança das alegações fundadas em prova inequívoca, devendo ainda haver ou um risco de lesão ou manifesto propósito protelatório do réu. Ainda, deve estar ausente a irreversibilidade do provimento. [14]

Ovídio Baptista, com clareza, confirma essa distinção, assevereando que “quando se antecipa execução, satisfaz-se por antecipação, atendendo-se desde logo a pretensão, o que significa mais do que dar-lhe simples proteção cautelar”.[15]

Como já foi dito, a par da tutela definitiva foi necessária a criação de tutela jurisdicional diferenciada, a fim de que se resguardasse o direito pretendido ou se conferisse sua própria fruição.

Assim, além da tutela antecipada, há no ordenamento vigente a tutela cautelar, destinada à preservação dos efeitos da tutela definitiva satisfativa; ela, em verdade, garante a futura eficácia da tutela definitiva, enquanto que a antecipada confere eficácia imediata à mesma. Divergem, portanto, quanto à função exercida.

Muitos confundem a tutela antecipada (provisória) com a tutela cautelar (definitiva). Possuem pontos em comum, é verdade, mas não deixam de ser substancialmente distintas. Rigorosamente, possuem naturezas jurídicas distintas: uma, a tutela antecipada, é uma técnica processual; a outra, a tutela cautelar, é uma espécie de tutela jurisdicional, resultado prática que se pode alcançar pelo processo. A dificuldade na distinção das figuras certamente decorre disso: possuindo diferentes naturezas, não deveriam ser confrontadas. [16]

Apesar de as duas possuírem o mesmo objetivo, que é atenuar os males do tempo, elas divergem quanto à estabilidade. Enquanto a tutela antecipada é provisória, uma vez que permite o gozo do direito e posteriormente é substituída pela tutela definitiva, a cautelar é propriamente definitiva, conferida após cognição exauriente e garantindo os futuros efeitos da tutela satisfativa. Ainda, quanto a sua natureza: a tutela antecipada pode antecipar os próprios efeitos pretendidos, ou seja, ser satisfativa, conforme art. 273 do CPC, ou não satisfativa, ou seja, atributiva ou conservativa do bem da vida, que seria a cautelar, conforme art. 804 do CPC. Já a cautelar é sempre não satisfativa e assecuratória ou conservativa.[17]

Ovídio Baptista diferencia periculum in mora e ‘receio de dano irreparável ‘ como conceitos que, segundo ele, são de criação medieval e dizem respeito não `a morosidade natural da prestação jurisdicional comum, mas ao perigo efetivo demonstrado no caso concreto que, por si s’o, possa colocar em perigo a efetividade do direito ou o interesse protegido cuja existência e’ alegada apenas pela parte.[18]

Foi a necessidade de uma tutela jurisdicional efetiva que levou à utilização da tutela cautelar como instrumento destinado à satisfação tempestiva da pretensão que só poderia ser pleiteada através da ação principal.

A tutela cautelar não se destina a antecipar a tutela de conhecimento. Como leciona renomado processualista, “uma das formas de distorção do uso da tutela cautelar verifica-se sempre que se dá ao resultado de uma prestação de tutela jurisdicional cautelar uma satisfatividade que não pode ter.”[19]

Não é possível afirmar que a cautelar pode realizar o próprio direito, como por exemplo a pretensão aos alimentos; se assim o fizermos, haverá contradição, pois uma vez realizado o direito material nada mais resta para ser assegurado. Ou seja, quando o direito é satisfeito, nada é assegurado e nenhuma função cautelar é cumprida.

Cabe ainda examinar os diferentes pressupostos exigidos para cada uma, apesar de haver exceções quanto ao mesmo. A tutela cautelar exige simples verossimilhança do direito alegado, fumus boni iuris, enquanto que a antecipada atributiva exige a verossimilhança fundada em prova inequívoca do direito. Imprescinde, portanto, de cognição mais profunda. Todavia, é ainda possível que se conceda tutela antecipada satisfativa após o preenchimento de pressupostos simples, como no caso da possessória, que dispensa comprovação de perigo. Não se trata de critério teórico. Quanto à urgência, cabe ressaltar que a cautelar sempre a exige, enquanto a antecipada pode, ou não, fazê-lo.

Portanto, pode-se esquematizar o alegado da seguinte forma. Há a tutela definitiva, exauriente e apta a formar coisa julgada. A mesma pode ser satisfativa, certificando ou efetivando um direito, ou não satisfativa, que é a cautelar. De outro lado, existe a tutela antecipada, que, como técnica processual, antecipa esses efeitos já citados: pode ser, portanto, antecipada satisfativa ou cautelar. A cautelar é, junto com a tutela de execução e certificação, uma das três modalidades de tutela definitiva.

Calmon de Passos também diferencia os dois institutos, lecionando que:

Na cautelar, o juiz analisa o risco de ineficácia da futura tutela provável, e, na antecipação, o juiz analisa a necessidade de ser executada, de logo, provisoriamente, a decisão de mérito, que proferiu ou vai proferir, em condições normais sem aptidão para constituir-se titulo legitimador de execução provisória do julgado. Por isso mesmo, a cautelar requer existe ato da parte e dele derive o risco de dano, ao passo que na antecipação isso ‘e de todo irrelevante, devendo o magistrado considerar apenas a necessidade de antecipação da eficácia do julgado porque, senão deferida, haverá risco de ocorrerem, para o autor, danos que serão eliminados, se antecipação houver.[20]

Uma questão importante: qual seria a razão de haver tanta confusão entre a tutela cautelar e a antecipada? É que sempre houve a previsão, no artigo 804 do CPC, da tutela antecipada cautelar. Em 1994, criou-se a possibilidade, no art. 273 e no par. 3 do art. 461, da tutela antecipada satisfativa, e acabou-se utilizando tão somente essa, criando-se a crença de que a tutela antecipada seria sempre satisfativa e a cautelar, assecuratória. Além disso, o perigo da demora, pressuposto da cautelar, é utilizado por vezes como pressuposto da tutela antecipada, o que acabou confundindo, porque as duas foram definidas como tutelas de urgência sem diferenciação.

1.2 Pressupostos autorizadores da Antecipação de tutela

A fim de que fosse deferida a antecipação de tutela, previu o legislador a necessidade de ocorrência de três determinados pressupostos obrigatórios, a saber: a prova inequívoca, a verossimilhança e a possibilidade de reversão da medida. Essa última será examinada em tópico à parte.

A lei exige a prova inequívoca do fato, a verossimilhança da alegação e a reversibilidade da medida para concessão da tutela antecipada, tanto nas hipóteses de risco de dano, abuso de direito de defesa e manifesto propósito protelatório, bem como incontrovérsia do pedido.

São sempre necessárias, assim, para a concessão da tutela antecipada, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, conforme o art. 273 do CPC. Já os cumulativo-alternativos seriam o receio de dano irreparável ou de difícil reparação e o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, conforme os incisos I e II do citado artigo.

Cabe ressaltar que não há, segundo alguns autores, contradição entre os termos ‘prova inequívoca’ e ‘verossimilhança’, na forma tratada pelo art. 273 do CPC. Ao tratar da prova inequívoca, refere-se aos fatos; já ao tratar da verossimilhança refere-se às alegações, ao fundamento de direito, ou aos efeitos jurídicos que se pretende absorver dos fatos.

1.2.1 Obrigatórios

O termo prova inequívoca é de difícil definição priorísitica, pois esta qualidade a se atribuir a alguma prova depende do quanto for capaz de convencer o magistrado de sua veracidade. O art. 131 do CPC, inclusive, permite uma livre valoração da prova, desde que indicados, na sentença,os motivos da decisão.[21] Assim, o que é inequívoco para um juiz pode não ser para outro. A prova tem a oportunidade de tornar a ocorrência de um fato mais ou menos provável, mas não produzirá uma certeza absoluta. Na verdade, nem quando encerrada a instrução com cognição plena o juiz terá a certeza absoluta. Mais ainda será a dispensabilidade da certeza absoluta em sede de cognição sumária.

O único juízo de certeza passível de se obter é o jurídico, que é possibilitada através de regras processuais, quais sejam, as regras de produção de provas e as que distribuem o ônus da prova e as presunções. O magistrado deve, com base nas regras processuais vigentes, fundamentas sua decisão.

O melhor entendimento para prova inequívoca é aquele que afirma tratar-se de prova robusta, contundente, que dê, por si só, a maior margem de segurança possível para o magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato. Embora ninguém duvide da maior credibilidade que se pode dar a documentos para essa finalidade, a expressão não se deve limitar a eles. Até porque mesmo um documento público pode ter sido falsificado e ser, por isso mesmo, nada inequívoco no sentido da regra em exame.[22]

Assim, conclui-se que qualquer meio de prova, que não ilícito, pode ser hábil para convencer o magistrado da verossimilhança. Até a prova testemunhal, uma vez que o art. 461, par. 3, admitiu, para fins de antecipação de tutela na obrigação de fazer, não fazer e de entregar coisa, que se realizasse justificação prévia. Esse é, na verdade, um instrumento processual em que o Juiz colhe testemunhos, para convencer-se de fato independentemente de prova documental. A expressão inequívoca indica, não o tipo de prova, mas sua capacidade de invocar segurança ao magistrado para que esse decida acerca dos fatos alegados.

Segundo as célebres palavras de Zavascki, a prova inequívoca deveria ser interpretada  “[...] no contexto do relativismo próprio do sistema de provas”.[23]

Não se pode olvidar que a inequivocidade da prova é aquela que pode ser produzida inirio litis, ou seja, antes do contraditório e da produção das provas dos fatos extintivos, modificativos e impeditivos do direito do autor, ou seja, antes do fim da instrução do processo.

Segundo Carlos Augusto de Assis, “prova inequívoca é pura e simplesmente prova com boa dose de credibilidade, que forneça ao juiz elementos robustos para formar sua convicção (provisória)”.[24]

Para Kazuo Watanabe, a prova inequívoca de verossimilhança e o fumus boni iuris possuem significados distintos, sustentando quer o juízo de verossimilhança possui diversos graus, enquanto que o juízo fundado em prova inequívoca seria mais intenso que aquele fundado em mera “fumaça”.[25]

Ainda, Teori Albino Zavascki sustenta que a lei não exige prova de verdade absoluta, mas apenas uma prova segura que, em cognição sumária, aproxime o juízo da verdade.[26]

A prova inequívoca deve conduzir o magistrado a um juízo de verossimilhança em relação aos fatos indicados. Portanto, a verossimilhança é um juízo que possibilita alcançar-se uma verdade provável sobre os fatos. Segundo Athos Gusmão Carneiro, um dado não pode ser esquecido: prova inequívoca não conduz necessariamente a juízo de verossimilhança e ao acolhimento do pedido; e o juízo de verossimilhança não decorre necessariamente de prova inequívoca.[27]

O conceito de prova inequívoca deve ser somente o processual, já que, na cognição plena, não se pode exigir outra certeza que não seja a jurídica; a inequivocidade não pode ser outra que não a permitida pelas regras processuais que disciplinam a prova e as técnicas de julgamento, devendo o juiz, no entanto, demonstrar os elementos de sua conclusão, como expressamente exigido no par. 1 do art. 273 do CPC brasileiro de 1973, ao demonstrar que o juiz deverá indicar “de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento”, fundamentação esta também exigida para a revogação da medida.[28]

Essa prova inequívoca de verossimilhança do direito alegado é mais rigorosa que a fumaça do bom direito, pressuposto da tutela cautelar. Tal decorre do exame cognitivo mais profundo que se exige à tutela antecipada: ao passo que a tutela antecipada exige verossimilhança fundada em prova, a cautelar somente necessita de plausibilidade ou probabilidade, independente de prova.

Cabe ressalvar que, caso não ocorra qualquer controvérsia fática, quando, por exemplo, a controvérsia versar somente em torno de questões de direito, não há que se falar em antecipação de tutela, mas sim em julgamento antecipado da lide.

O que se espera, portanto, é que, ao conceder a antecipação de tutela, o juiz entenda que o fato esteja relativamente provado conforme as regras de direito processual. Assim, se uma lei exige prova formal de determinada situação, como no caso da escritura pública, o fato estará provado com a apresentação da mesma. Não estará, todavia, com o depoimento de testemunhas.

Ovídio Baptista defende que não é exigível que o direito se mostre ao magistrado como evidente e indiscutível, pois, se tal ocorrer, outra espécie de tutela, definitiva e satisfativa, é que deve ser prestada.[29]

1.2.2 Alternativos

Verificada a presença dos pressupostos obrigatórios, cabe ao magistrado examinar a presença de pelo menos um dos pressupostos alternativos: receio de dano irreparável ou de difícil reparação, conforme art. 273, I, ou abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, consoante art. 273, II.

Quanto ao receio de dano irreparável, esse diz respeito ao dano concreto, atual e grave. A antecipação de tutela, nesse caso, não pode ser concedida se tratar-se somente de um dano remoto e provável de ocorrer. É majoritário o entendimento doutrinário de que não é um simples inconveniente da demora processual que justiçaria a antecipação, mas sim um dano que não seja representado somente pelo transcurso do tempo.

A antecipação de tutela em face de perigo da demora é conferida apenas se a parte comprovar que o ônus do tempo pode acarretar um dano de difícil reparação ou ainda irreparável. Seu direito, nesse caso, é impossível de ser provido pelo juiz com a sentença de mérito: tardia, não terá mais utilidade ao beneficiário.

A urgência é o verdadeiro legitimador da jurisdição cautelar e um dos fatores que justificam a tutela antecipada, sendo que ela não permite um exame aprofundado capaz de conduzir a um juízo de certeza. Sendo assim, permite ao juiz prover a medida fundada em uma cognição sumária e superficial.

Conforme leciona Luiz Guilherme Marinoni, o dano de difícil reparação trata-se daquele que muito possivelmente não será revertido, ou porque as condições financeiras do réu permitem concluir-se que não será compensado ou restabelecido, ou porque, por sua própria natureza, é complexa sua individualização ou quantificação precisa.[30]

Para a valoração da irreparabilidade é impossível a não consideração da pessoa que se diz titular do direito que pode ser irreparavelmente prejudicado. Isso não significa uma personalização do prejuízo, mas apenas a necessidade da irreparabilidade do prejuízo ser considerada em relação à pessoa que se diz titular do direito.[31]

Já quanto à hipótese de antecipação de tutela punitiva, ou seja, em face de atos protelatórios e abusivos da parte, teço os seguintes comentários.

Nesses casos, está ausente o risco de dano. O magistrado deve, diferentemente, interpretar tais conceitos em face de cada caso concreto, a fim de concluir-se pela sua presença ou não.

O magistrado deve agir com olhos atentos à finalidade da norma: garantir o prosseguimento do feito de forma célere, sem embaraços ardilosos. Assim, só deve enquadrar como ato abusivo ou protelatório, aquele que consista em um empecilho ao andamento do processo, ou seja, aquele que implicar comprometimento da lisura e da celeridade do processo.[32]

Cabe também esclarecer as diferenças entre ambas as expressões: enquanto o abuso do direito de defesa engloba atos praticados dentro do processo, na fase de defesa, os atos protelatórios dizem respeito a comportamentos do réu realizados fora do processo. O magistrado deve interpretar o termo abuso de direito de forma extensiva, não se limitando a abusos realizados somente na contestação.

Em verdade, a previsão do art. 273, II, tem por objetivo distribuir o ônus do tempo do processo. Uma vez que o autor pretende uma modificação da realidade empírica, é natural que o réu, muitas vezes, protele o resultado do processo. Assim, abusa do direito de defesa. Para que isso não ocorra, a reforma do CPC de 1994 acabou por instituir essa previsão, dispondo que poderá ser concedida a tutela antecipada se caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Devem ser levadas em consideração a evidência do direito do autor e a fragilidade da resistência do réu.

Essa medida tem, portanto, por objetivo, permitir ao magistrado que conceda a antecipação de tutela em favor daquela parte que est’a prestes a sofrer a pratica de atos que podem ser caracterizados como abusivos ou protelatórios.

Há uma interessante questão acerca da possibilidade de verificação de atos protelatórios praticados antes do início do processo. A doutrina mais recente posiciona-se pela possibilidade: uma vez já ocorrida a citação do réu, é possível a antecipação de tutela por atos da parte anteriores à formação do processo.[33]

Nesses casos de tutela antecipatória punitiva, a mesma é concedida tão somente diante da probabilidade do direito alegado. Ela destina-se à manutenção da seriedade processual. Todavia, imperiosa a ressalva de que não são comuns tais hipóteses, uma vez que o juiz possui outros meios para impedir a deslealdade processual.

1.2.3 A reversibilidade da medida

A reversibilidade da decisão é inerente à antecipação de tutela por sua natureza provisória, uma vez sua vocação para existir até que outra decisão a substitua, seja outra decisão interlocutória que a revogue, seja a própria decisão final que poderá mantê-la ou revogá-la, retroagindo, no que possível, seus efeitos.

Conforme o que dita o par. 2 do art. 273 do CPC, a irreversibilidade da medida adotada constitui impedimento genérico e obrigatório para a concessão da medida.[34] Destina-se, portanto, a evitar que a concessão da tutela antecipada crie situação fática definitiva, sem possibilidade de retorno à situação anterior em caso de revogação ou de sentença de mérito contrária.

O dispositivo em exame encerra o denominado princípio da salvaguarda do núcleo essencial, que proíbe a antecipação definitiva liminar dos efeitos da tutela jurisdicional, a qual somente pode se dar após uma cognição plena e exauriente. No exame dessa questão, é fundamental diferenciar a satisfatividade com a irreversibilidade. A primeira pode ter consequências reversíveis ou irreversíveis no plano dos fatos, e sob esse prisma deve ser analisada, já que a decisão judicial, no plano formal, será sempre reversível.[35]

Levando-se em consideração a provisoriedade do provimento que concede a antecipação de tutela, o legislador procurou preservar a parte que sofre os efeitos da mesma, não a concedendo quando não for possível reverter a medida. Essa regra concilia os princípios da efetividade da jurisdição e segurança jurídica: é como se o legislador lembrasse que o princípio da segurança jurídica não pode ser suprimido pelo da efetividade da jurisdição.

A irreversibilidade jurídica do provimento antecipatório tornaria a tutela concedida definitiva e privaria o réu de algum bem jurídico sem que sequer fosse observado o contraditório. Considerando-se que as medidas antecipatórias podem ser concedidas inaudita altera parte, isso violaria os princípios da ampla defesa previstos na Constituição.[36]

Cabe lembrar que a antecipação dos efeitos do provimento final encontra-se no plano fático, e não no jurídico, pois qualquer provimento judicial provisório é reversível no plano jurídico. Portanto, a conclusão a que se chega é a de que tal condição não é estanque: há casos em que a reversibilidade da medida deve sucumbir diante da colisão com outros direitos fundamentais do autor, justificando a concessão de provimento mesmo diante de irreversibilidade fática.[37] Nesses, diante do conflito entre segurança jurídica e efetividade apenas um poderá sobreviver, uma vez que a manutenção de um acarretará inevitavelmente o sacrifício total de outro.

De fato, a lei não poderia impedir a análise das particularidades de cada caso concreto, devendo o juiz ponderar entre os bens em conflito.

O princípio da superação do interesse mais relevante sobre o menos relevante é essencial na atuação da tutela de urgência, devendo o Juiz examinar, dentre os direitos fundamentais em conflito, qual será sacrificado. É a aplicação do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade. Essa proporcionalidade é utilizada somente no caso concreto, uma vez não existir prévia definição de hierarquia entre princípios.

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Sobre a autora
Flávia Faermann

Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul, graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS, especialista em Direito Processual Civil pela PUC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAERMANN, Flávia. A antecipação da tutela em face da Fazenda Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4026, 10 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30154. Acesso em: 22 dez. 2024.

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