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Os direitos humanos garantidos aos portadores de transtornos mentais e a contrastante condição a que são submetidos

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03/08/2014 às 08:44

Resumo:


  • A Lei Nº 10.216/01 promoveu a Reforma Psiquiátrica e a proteção dos direitos dos portadores de transtornos mentais, visando tratamentos humanitários e a reinserção social desses indivíduos, em contraste com as violações históricas em hospícios.

  • A Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal de 1988 fundamentam a igualdade e inviolabilidade de direitos, incluindo o direito à saúde, liberdade e dignidade, que devem ser assegurados também aos portadores de transtornos mentais.

  • Medidas de Segurança no Código Penal Brasileiro, como a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou tratamento ambulatorial, são previstas para infratores com transtornos mentais, mas a prática revela desafios quanto ao respeito aos direitos humanos desses indivíduos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os hospícios estão sendo substituídos por alternativas que asseguram tratamentos mais humanitários, como centros de atenção psicossocial, serviços residenciais terapêuticos e centros de convivência, entre outros.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo informar e promover esclarecimentos sobre os direitos humanos pertencentes a uma parcela da sociedade que ainda é vista com preconceito: os portadores de transtornos mentais. Tomando como base a Lei Nº 10.216 que trata da Reforma Psiquiátrica e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o texto mostra tratamentos mais humanitários, totalmente diversos dos propostos pelos hospícios do país que constantemente violam os Direitos Humanos. Além de esclarecer maneiras de garantir à pessoa portadora de transtornos mentais a sua reinserção na sociedade e o acesso pleno aos seus direitos, o trabalho também questiona as “Medidas de Segurança” em vigor no país.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Lei Nº 10.216; Portadores de transtorno mental;

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. PERCEPÇÕES ACERCA DOS DIREITOS HUMANOS; 3. QUEM É CONSIDERADO PORTADOR DE TRANSTORNOS MENTAIS; 4. MEDIDAS DE SEGURANÇA; 4.1. Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico; 4.2. Tratamento ambulatorial; 5. BREVES RELATOS DE CASOS DE DOENTES MENTAIS QUE TIVERAM SEUS DIREITOS VIOLADOS; 5.1. Damião Ximenes; 5.2. Sandro Costa Fragoso; 5.3 Rute Helena; 6. LEI DA REFORMA PSIQUIÁTRICA; 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 8. REFERÊNCIAS.


1. INTRODUÇÃO

Com o surgimento dos primeiros hospícios no Brasil, a partir de 1852, os portadores de transtornos mentais até então considerados criminosos em potencial, agressivos por natureza ou até mesmo figuras demoníacas, passaram a ser enclausurados nestas verdadeiras prisões, limitando quase que integralmente os seus direitos à liberdade, à voz, à saúde, à cidadania, inclusive perdendo, por vezes, o seu direito à vida. Nesse diapasão, “o que se viu e se vê, na prática, é o agravamento da condição psicótica e a perda da possibilidade de retorno social ao louco que penetra nesse sistema.”. (JACOBINA, 2003, p. 59)[1]

No decorrer dos anos, com uma maior valorização e, consequentemente, maior conhecimento acerca dos direitos humanos, constatou-se que essa parcela da sociedade deveria ser tratada de maneira ímpar. No entanto, o que se nota na grande maioria das vezes é um abandono desta, que é impiedosamente esquecida em hospícios, sem o tratamento adequado, aliado à falta de higiene, fome, profissionais despreparados e lugares inóspitos, sendo este o cenário comum do sistema de saúde voltado às pessoas portadoras de transtornos mentais e também aos chamados loucos infratores.

Para tentar contornar essa situação que se arrasta por séculos e tentar garantir a estas pessoas os seus direitos fundamentais, o Ministério da Saúde e alguns setores da sociedade deram partida à chamada Luta Antimanicomial - que possui como data comemorativa o dia 18 de maio e completa 25 anos no corrente ano. A partir de então, houve uma série de ações que culminaram na Reforma Psiquiátrica, como as Conferências Nacionais de Saúde Mental e o Congresso Nacional do Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental.

Hoje, a luta é também voltada para garantir os direitos obtidos nesta Reforma e reinserir o portador de transtorno mental na sociedade como um cidadão de fato, com direitos e deveres.


2. PERCEPÇÕES ACERCA DOS DIREITOS HUMANOS

Direitos Humanos fundamentais são, sobretudo, os direitos pertencentes a qualquer cidadão. A partir do início da vida até o seu término, os cidadãos possuem direitos invioláveis. Segundo o art. 5º da Constituição Federal de 1988, que possui a seguinte redação:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]

Este dispositivo trata dos direitos inalienáveis dos seres humanos independentemente de cor, religião, sexo ou idade. Em suma, são os direitos à vida, à liberdade, à saúde, à integridade física, à educação, à segurança, à moradia, ao voto entre tantos outros. Configuram-se como atentados a esses direitos: a pena de morte, a tortura, a discriminação e o preconceito.

Ademais, há outro texto normativo que abrange também essa temática, no entanto, de maneira global: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Proposta pela Organização das Nações Unidas, ela iniciou a chamada “Concepção Contemporânea de Direitos Humanos” (POIVESAN, 2006, p. 6) que arrola o seguinte:

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Isto posto, entende-se que, conforme dispõe o primeiro artigo da Declaração, “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Portanto, devem-se excluir todas as formas de preconceito e discriminação, ainda que a História demonstre que o que tem ocorrido é exatamente o contrário.

A partir da Declaração, é possível perceber a relevância da temática dos direitos humanos, perpassando inclusive pelo âmbito internacional. Desde então proclamada – e até mesmo antes dela - uma série de tratados e pactos internacionais foram firmados a fim de garanti-los em todo o planeta, como por exemplo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a convecção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação e a Convenção Europeia de Direitos do Homem. Nesse sentido, um importante conceito foi discutido na Conferência dos Direitos Humanos em Viena no ano de 1993: a indivisibilidade dos Direitos Humanos. No dizer de Piovesan (2006, p.8):

[...] a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. (...) Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais. [grifos nossos]

Deste modo, é de clara conclusão de que, além do caráter indivisível, os direitos humanos são interdependentes e universais, o que os torna mais unos e, ao mesmo tempo, indispensáveis.

Ingressando no ordenamento pátrio, há diversas leis específicas - obtidas geralmente pela luta de grupos sociais - que garantem o que está disposto no art. 5º da Constituição Federal de 1988 e na Declaração dos Direitos Humanos, a saber: Lei Maria da Penha, Estatuto do Índio, Lei de Crimes Ambientais, inclusive a que será destacada neste trabalho: a Lei da Reforma Psiquiátrica. Afunilando ainda mais, apenas a caráter informativo, o sistema normativo brasileiro possui leis mais específicas, que tratam exatamente desta Reforma, como o Programa Nacional de Direitos Humanos e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.


3. QUEM É CONSIDERADO PORTADOR DE TRANSTORNOS MENTAIS

De Machado de Assis[2] a Foucault[3], a loucura sempre instigou a compreensão humana. Antes tida como misteriosas e indecifráveis, as doenças mentais, aos poucos, foram sendo estudadas e respostas, até então improváveis, obtidas. Hoje, a doença mental pode ser definida como uma “variação mórbida do normal, variação esta capaz de produzir prejuízo na performance global da pessoa (social, ocupacional, familiar e pessoal) e/ou das pessoas com quem convive” (BALLONI, 2008), sendo, assim, na concepção do autor, resultantes da interação de alguns fatores: o biológico, o psicológico, o social.

Sassaki (2005, apud TORRES, 2007, p. 27) ressalta que hoje, ainda que haja controvérsias, há uma tendência de mudar o termo “deficiência mental” para o “deficiente intelectual”, restringindo, então, ao intelecto e não a todo o funcionamento da mente. No entanto, acredita-se que a mudança de termos, ainda que pertinente, não é o mais relevante a ser feito. Olhado sob qualquer ângulo, o deficiente deve ter seus direitos garantidos, afastando-o de qualquer preconceito, inclusive de nomenclatura, se assim pode-se dizer.

Partindo para a listagem de alguns dos transtornos mentais, a International Classification of Diseases (ICD) 10, em seu capítulo V, trata dos transtornos mentais e comportamentais, quais sejam: Demência na doença de Alzheimer, demência vascular, esquizofrenia, transtornos causados dependência química, transtorno de personalidade paranoide, os portadores da doença de Huntington, retardo mental, transtornos  esquizoafetivos, fobia social, autismo, psicopatia, transtorno de personalidade paranoide, entre tantos outros.

 Nesse sentido, alguns sintomas são típicos para diagnosticar os transtornos. Entre eles: delírio, alucinações, depressão, atitudes maníacas, convulsões, dupla personalidade, mudança repentina de humor, retardo mental, perda de memória, palavras desconexas e a irritabilidade

A partir do diagnóstico do transtorno mental específico - que inclui entrevista e exames clínicos -, o portador deve ser encaminhado aos centros de atenção psicossocial, às unidades psiquiátricas em hospitais gerais e para diversos outros centros que ainda serão abordados no trabalho. Vale sublinhar que o mais importante é evitar os hospícios, posto que a maioria não possui estrutura para receber humanitariamente os doentes mentais.


4. MEDIDAS DE SEGURANÇA.

O Código Penal Brasileiro prevê como sanção – que não pode ser confundido com pena –, ao louco infrator, o que está empregado em seu artigo 41: “O condenado a quem sobrevém doença mental deve ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento adequado”. Dessa forma, uma maneira sui generis de punir os infratores que não possuem o total discernimento de seus atos - tanto os inimputáveis como os semi imputáveis - é aplicar as chamadas Medidas de Segurança. Elas apenas são direcionadas àqueles que passaram previamente por um exame que possui como tópicos o preâmbulo, identificação, histórico criminal, razões da perícia, anamnese e o exame psíquico, determinando a insanidade mental.

Prima facie, parece de razoável senso definir qual a finalidade das medidas de segurança. No intelecto de Rogério Greco (2011, p. 219):

As medidas de segurança têm uma finalidade diversa da pena, pois se destinam à cura ou, pelo menos, ao tratamento daquele que praticou um fato típico e ilícito. Assim sendo, aquele que for reconhecidamente declarado inimputável, deverá ser absolvido.

 Em redação clara do código penal brasileiro, em seu artigo 96, há duas divisões das Medidas de Segurança, a saber: Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e tratamento ambulatorial. A seguir, estas alternativas serão expostas separadamente.

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4.1. Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.

No artigo do CP retro exposto, em face da imputabilidade, o agente do ato delituoso deverá receber um acompanhamento psiquiátrico. Caso não haja um hospital disponível, o tratamento deve ser feito em um estabelecimento adequado. Nesse sentido, o deficiente mental deveria, na teoria, receber um tratamento psiquiátrico apropriado a fim de reinseri-lo na sociedade. No entanto, o que se nota na prática são lugares inóspitos, sem um mínimo de higiene, “profissionais” inaptos e o mais repulsivo: o abandono dos deficientes mentais, o que acontece principalmente pelo fato destes estabelecimentos serem pouco inspecionados pelos agentes competentes.

4.2. Tratamento ambulatorial.

Primeiramente, o art. 97 do Código Penal prevê como prazo a esse tratamento:

§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. [grifos nossos]

Neste caso, conclui-se que, no caso do internado não apresentar a cessação de periculosidade, poderá haver um prolongamento de prazo, sem limite algum, uma vez que o artigo em epígrafe não explicita um prazo máximo. Analisando sob esse ângulo, a internação funcionaria como uma espécie de prisão perpétua - o que a Constituição Federal repudia no art. 5º, XLVII, alínea b[4] -, onde os “excluídos socialmente” são deixados.

Conforme o art. 99 do Código Penal que trata sobre os Direitos do Internado, dispõe o seguinte: “O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento.”. Na prática, o que se nota é que “ironicamente, por apresentarem ‘características hospitalares’, os manicômios judiciários têm sido considerados ‘estabelecimentos adequados’”. (LORENZO, 2006)

Por fim, as chamadas Medidas de Segurança possuem um caráter duplo: é absolutória, uma vez que não aplica a pena no seu sentido literal; e condenatória, que por sua vez exige características semelhantes à condenação (infração punível) (QUEIROZ, 2006), além de corroborar o tratamento indigno dispensado aos portadores de transtornos mentais.


5. BREVES RELATOS DE CASOS DE DOENTES MENTAIS QUE TIVERAM SEUS DIREITOS VIOLADOS.

5.1. Damião Ximenes.

O caso de Damião Ximenes expõe exatamente como um portador de transtornos mentais era tratado no final do século 20. Segundo o relato de Irene Ximenes Lopes Miranda[5], irmã de Damião:

Damião Ximenes Lopes tinha 30 anos, era meigo, compreensivo, de caráter introvertido, de olhar pensativo. Teve vida normal até seus 17 anos de idade. Em 1982 depois de sofrer uma pancada na cabeça, notamos que algo de errado acontecia com Damião. Vez por outra ele falava coisa sem nexo.

Após esse acontecimento, o estado de Damião foi agravando aos poucos. Em certo momento, após sucessivas crises, ele foi internado no Hospital Guararapes, onde sofria constantes agressões físicas e psicológicas até culminar em sua morte em 4 de outubro de 1999. Dado o descaso e a morosidade no julgamento dos culpados, os familiares de Damião Ximenes apresentaram uma petição inédita contra o Estado brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Como condenação, o governo Brasileiro se viu obrigado a indenizar a família e, o mais importante passo, melhorar o serviço de saúde destinado aos que sofrem de doenças mentais.

5.2. Sandro Costa Fragoso.

Neste caso, um portador de transtorno mental também perdeu o seu maior direito: à vida. Após terminar um namoro, o mecânico Sandro Costa Fragoso passou a ser vítima de alguns tormentos mentais. Com o agravamento dos mesmos, alguns remédios foram receitados. No entanto, ele foi se tornando cada vez mais agressivo até ser internado no Hospital Psiquiátrico Mílton Marinho, em Caicó – RN.

Apenas oito dias depois da internação, no dia 17 de julho de 2002, Sandro foi encontrado morto, preso a ataduras na cama. No quarto, destruição causada por um incêndio criminoso. O curioso é que um dos médicos do Hospital ainda tentou defender a hipótese de suicídio, totalmente descartada em função de Sandro estar com pés e mãos presos. [6]

5.3. Rute Helena.

No dia 6 de setembro de 2011, a moradora de rua identificada como Rute Helena, acometida por doença mental, foi agredida com socos e pontapés por seguranças particulares no Mercado Ver-o-Peso em Belém-PA. Como é demonstrado em um vídeo divulgado pela imprensa local, além de estar despida, ela não conseguiu defender-se dos golpes.

O Ministério Público do Pará garantiu que irá investigar o caso, punir os agressores e destinar um tratamento adequado à moradora de rua. [7]


6. LEI DA REFORMA PSIQUIÁTRICA.

Na década de 70, inicialmente influenciada pela Itália, surge uma perspectiva de mudança: a Luta Antimanicomial. Esse movimento, que atingiu seu auge na década de 80, possuía como objetivo a extinção dos manicômios do país, símbolo de desrespeito aos Direitos Humanos dos doentes mentais. Seu lema era “por uma sociedade sem manicômios” e desde então, para tentar interromper a cultura de maus tratos dispensados aos portadores de transtornos mentais, a Luta possui como vértices principais: o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental, a Proposta de Reforma Sanitária Brasileira, o Projeto de Lei Paulo Delgado e diversos encontros e conferências promovidos pelos idealistas do Movimento de Luta Antimanicomial. Ressalta-se, portanto, que o movimento foi subsídio para o ápice do reconhecimento legal dos Direitos Humanos dos portadores de transtornos mentais.

Nesse sentido, para buscar um aperfeiçoamento nas garantias individuais e evitar casos semelhantes ao de Damião Ximenes e de tantos outros, o Estado Brasileiro editou a Lei Nº 10.216, de 9 de Abril de 2001 que estatuiu legalmente a Lei da Reforma Psiquiátrica[8]. Dispõe o seguinte:

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;

VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

Um ponto de extrema importância foi formidavelmente tratado nesta Lei: os direitos da pessoa portadora de transtorno mental. Em nenhum outro momento histórico estas pessoas tiveram a oportunidade de ter um estatuto próprio, que enumera claramente o que elas têm direito.

Os incisos I e II tratam de um assunto primordial: o direito à saúde. Como foi abordado neste trabalho, este foi um dos direitos mais violados no decorrer dos séculos. Tratados como os excluídos, “lixo social”, os loucos, como são vulgarmente chamados, puderam sair dos hospícios do país e começaram a receber “auxílio-reabilitação psicossocial para assistência, acompanhamento e integração social”, como garante o art. 1º da Lei Nº 10.708, o que culminou na criação do programa intitulado “De Volta Pra Casa”.

Já os incisos V e VIII, puderam ser garantidos a partir dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais (UPHG), objetivos da Política Nacional da Saúde Mental. Em 2007, já totalizavam 1123 CAPS e 860 Ambulatórios de Saúde Mental[9] no país.

Ademais, uma das diretrizes da PNSM é garantir aos agentes infratores loucos, um tratamento alternativo aos manicômios judiciários. Nesse sentido, um dos pontos abordado pela Lei Nº 10.216 é a internação:

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

Na voluntária, o agente deve se comprometer e assinar uma declaração que atesta que ela optou pela internação. Na involuntária, a internação deverá ser comunicada ao Ministério Público Estadual no prazo de 72 (setenta e duas) horas. O mesmo deverá ser feito no momento da alta. Já na internação compulsória, o juiz deverá levar em conta as condições do estabelecimento, garantindo ao internado a sua segurança e o total respeito aos direitos humanos. No entanto, como trata o art. 4º, a internação só deverá ser feita em casos extremos, quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. Deve ainda garantir o § 2º do art. 4º do mesmo texto normativo, que aduz:

O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

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Sobre a autora
Josilene Barbosa Aboim

Discente do curso de Direito na Universidade Federal do Pará e estagiária da Defensoria Pública da União no Estado do Pará, atuando no 1º Ofício Criminal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABOIM, Josilene Barbosa. Os direitos humanos garantidos aos portadores de transtornos mentais e a contrastante condição a que são submetidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4050, 3 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30616. Acesso em: 22 dez. 2024.

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