4 DIREITO AO (NÃO) ESQUECIMENTO
O Direito ao Esquecimento, como já mencionado, foi incluído como um direito de personalidade (artigo 11 do Código Civil) através da edição do Enunciado 531, existindo, atualmente, apenas essa orientação doutrinária que trata sobre o direito de esquecer.
Desse enunciado surgem diversos questionamentos acerca da abrangência do direito de esquecer. O autor Pedro Canário em seu texto menciona a preocupação no que concerne ao texto genérico do enunciado, pois se for interpretado de modo excessivo, “em breve serão retirados dos repertórios os dramas do mundo, como guerras e holocaustos, simplesmente porque vitimam a consciência de pessoas e das nações” [67].
Quanto à abrangência do enunciado, há quem defenda que a ditadura é uma época que deve ser esquecida, sem a divulgação de documentos desse período, e com o consequente esquecimento das atrocidades cometidas e dos responsáveis por essas violações. Sobre o assunto, a Revista Época considera que:
A ditadura brasileira não foi branda, mas matou e torturou menos que as de países vizinhos. Nas estimativas mais pessimistas, incluindo denúncias por investigar, chega-se a 500 mortos e 20 mil torturados. O Chile torturou cerca de 40 mil. Na Argentina, os militares admitiram o assassinato de 7 mil pessoas e há cálculos de até 30 mil mortos. Ter matado e torturado menos não torna a ditadura brasileira menos cruel. “Tortura é um crise de lesa-humanidade. Uma única pessoa torturada é uma ofensa a todas as outras”, diz Rose Nogueira, presidente do grupo Tortura Nunca Mais/SP. O alcance menor da tortura, com menos famílias atingidas, permitiu que ela fosse esquecida por mais gente, mais rápido. Não é à toa que o Brasil demorou mais que a Argentina a criar uma Comissão da Verdade e que, aqui, os responsáveis pela tortura não foram punidos. [68]
Com relação à Comissão da Verdade no Brasil, à época de sua criação oficial em 2009, houve protesto de alguns setores militares para a inauguração dessa Comissão, uma vez que seriam esclarecidos casos que estavam “cobertos pela penumbra do esquecimento, confrontando a idéia de que a anistia penal poderia, igualmente, implicar uma amnésia social” [69].
Logo, a Lei da Anistia de 1979, tratada no capítulo anterior, teve duas consequências, uma positiva e outra negativa. A positiva é que permitiu a volta de exilados, e a negativa diz respeito à imposição de obstáculos em investigações do passado [70].
Assim, a sociedade, sem o conhecimento da história do país, da verdade, não consegue exercer, com ampla liberdade e consciência, seu direito à formação de opinião, à autodeterminação [71]. Dessa forma, “A falta de acesso às informações e arquivos públicos impede, pois, a plena cidadania” [72].
Essa transparência de fatos da história, não é essencial apenas para exercício da cidadania com conhecimento da história, mas é relevante também para prevenção de eventuais futuras violações [73].
Além do Estado, a mídia também tem grande responsabilidade em levar a verdade à população e, diante do fortalecimento do papel da mídia, Anderson Schreiber afirma que o direito ao esquecimento foi trazido para as páginas de jornais e revistas para evitar que fatos antigos sejam divulgados de modo aleatório, com consequências negativas para os envolvidos [74]. Acrescenta ainda que:
[...] o direito ao esquecimento não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou de reescrever a História (ainda que se trate tão somente da sua própria história). O que o direito ao esquecimento assegura é a possibilidade de se discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados. [75]
Então, a questão do direito ao esquecimento decorre do conflito entre liberdade de imprensa e direito à intimidade, pois enquanto a Constituição garante que a “imprensa é incensurável e goza de total liberdade, encontra barreiras em princípios como a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas” [76].
Portanto, para verificar se o direito ao esquecimento deve ser aplicado ou não, é necessário que seja feito um exame de cada caso, observando suas peculiaridades, “sopesando-se a utilidade informativa na continuada divulgação da notícia com os riscos trazidos pela recordação do fato à pessoa envolvida” [77].
Assim, a seguir, será relatado o julgamento de dois recursos especiais oriundos de ações interpostas contra reportagens da TV Globo, apontando a forma pioneira de analisar o direito ao esquecimento no âmbito de cortes superiores no Brasil.
4.1 ANÁLISE DOS RECURSOS ESPECIAIS
Conforme foi referido, a ausência de regulamentação acerca do direito ao esquecimento, apesar da extrema relevância do tema, proibindo-a ou autorizando-a, nem jurisprudência firmada sobre o assunto, provoca incerteza de como proceder nesses casos.
No entanto, a atual discussão acerca do presente trabalho tomou grandes proporções ao ser ponderado através de dois recursos especiais, no ano de 2013, tendo em vista ter sido a primeira vez que uma corte superior discutiu esse tema no Brasil. Apresentaremos, assim, como essa discussão foi solucionada nesses dois casos.
4.1.2 Caso Aída Curi
O fato aconteceu 14/07/1958, quando Aída Curi de dezoito anos caminhava no bairro Copacabana no Rio de Janeiro, momento em que foi levada por dois rapazes (Ronaldo Castro e Cássio Murilo) ao terraço do Edifício Rio Nobre, onde, com a ajuda do porteiro (Antônio Souza), abusaram sexualmente da jovem [78].
Ela foi submetida, no mínimo, a trinta minutos de tortura e luta intensa com os três agressores, até desmaiar. A fim de ocultar o crime, os agressores jogaram a jovem do terraço do décimo segundo andar do Edifício. Eles tinham como objetivo simular um suicídio. Após, pela perícia, foi constatado que a jovem faleceu em decorrência da queda [79].
Ocorreram, então, três julgamentos. Um dos rapazes e o porteiro foram condenados por atentado violento ao pudor e tentativa de estupro, sendo que o porteiro desapareceu. O terceiro agressor, Cássio Murilo, que era menor de idade na época do crime, foi condenado pelo homicídio da jovem, tendo sido encaminhado ao Sistema de Assistência ao Menor (SAM), local de onde saiu para prestar serviço militar [80].
Passados 50 anos desse crime, a emissora TV Globo Ltda. (Globo Comunicações e Participações S.A.) veiculou, sem o consentimento dos familiares, a vida e morte de Aída Curi, através da transmissão do programa Linha Direta- Justiça. Diante disso, os irmãos da vítima, ajuizaram uma ação de reparação de danos morais, materiais e à imagem em face da emissora [81].
A ação foi julgada improcedente no primeiro grau e, interposta apelação, foi negado provimento. Os autores interpuseram, então, recursos especial e extraordinário, os quais inicialmente não foram admitidos na origem. Após a interposição de Agravo no recurso especial, foi dado provimento a este para apreciação da questão. Quanto ao recurso extraordinário, também foi interposto Agravo, porém este ainda está pendente de apreciação pelo STF.
A tese dos autores era de que o crime já tinha sido esquecido pelo passar do tempo, mas com a exploração do caso pela emissora, as antigas feridas daqueles foram reabertas. Sustentam, ainda, ter havido enriquecimento ilícito da emissora com a exploração da sua tragédia, captando lucros, através da audiência e publicidade. Postulam, portanto, a declaração do direito ao esquecimento, de não reviver, sem sua autorização, a dor vivenciada por ocasião da morte de sua irmã [82].
Do outro lado, a divulgação pela emissora de fatos está inserida em sua liberdade de expressão, ora materializada na liberdade de imprensa, não devendo ser aplicado o direito ao esquecimento.
Há, portanto, um conflito entre a liberdade de imprensa e os direitos de personalidade, como intimidade, privacidade e honra. Nesse aspecto, o Relator menciona que essa liberdade não é absoluta, e que a veracidade da notícia é uma limitação à liberdade de informar, porém isso não quer dizer que se a informação for verdadeira, pode ser livremente divulgada, pois a verossimilhança do relato é apenas um dos requisitos do exercício da liberdade de imprensa [83].
Por outro lado, o Relator ressalta os motivos de não se esquecer desses crimes, in verbis:
[...] a recordação de crimes passados pode significar uma análise de como a sociedade – e o próprio ser humano - evolui ou regride, especialmente no que concerne ao respeito por valores éticos e humanos, assim também qual foi a resposta dos aparelhos judiciais ao fato, revelando, de certo modo, para onde está caminhando a humanidade e a criminologia. [84]
Desse modo, a historicidade do crime pode ser ponderada caso a caso, analisando-se o interesse público, o qual, no entendimento do Relator, sempre está presente em crimes, principalmente, de ação penal pública, ou seja, há interesse legítimo de que seja dada publicidade da resposta estatal ao delito [85].
Nesse aspecto, o Relator cita uma das frases de Martin Luther King, qual seja, “a injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos. A injustiça que se comete em um lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares” [86].
Todavia, a jurisprudência do STJ e a doutrina, no confronto entre o direito de informação e o direito ao esquecimento, dão prevalência, em regra, para o direito ao esquecimento para condenados e absolvidos de crimes [87]. Os doutrinadores ressaltam, por outro lado, que essa preponderância pelo segundo direito não ocorre nos casos de crimes genuinamente históricos, nos quais a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável [88].
Assim, o Relator menciona que:
[...] também com relação ao crime, que acaba perdendo, com o tempo, aquele interesse público que avultava no momento de seu cometimento ou mesmo de seu julgamento.
É claro que essa consideração não se aplica àqueles crimes históricos, que passam enfim para a história, aos grandes genocídios, como é o exemplo nazista, citado por Costa Andrade. Aliás, pelo contrário, esses são casos que não devem mesmo ser esquecidos [89]
Então, esse mesmo direito reconhecido para condenados e absolvidos, salvo em crimes históricos, seria igualmente admitido para as vítimas de crime?
No entendimento do Relator, as vítimas e seus familiares, se essa for sua vontade, têm direito ao esquecimento, a não se submeterem a desnecessárias lembranças tristes de fatos passados [90].
Contudo, refere que tal direito deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato e conclui que quando o crime é de repercussão nacional, infelizmente, a vítima “frequentemente se torna elemento indissociável do delito, circunstância que, na generalidade das vezes, inviabiliza a narrativa do crime caso se pretenda omitir a figura do ofendido” [91].
Assim, o Relator entendeu que não ficou demonstrada a exploração midiática ou o abuso na cobertura do delito, sendo, portanto, classificada como uma das exceções decorrentes da ampla publicidade de certos crimes [92].
Afirma, então, que:
[...] o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Aida Curi. [93]
Sendo assim, o Relator entendeu que a divulgação da reportagem 50 anos depois da morte da jovem não gerou abalo moral, uma vez que:
No caso de familiares de vítimas de crimes passados, que só querem esquecer a dor pela qual passaram em determinado momento da vida, há uma infeliz constatação: na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um “direito ao esquecimento”, na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes. [94]
Quanto à indenização por danos materiais pelo uso da imagem da jovem para fins econômicos, o Relator acompanhou o entendimento das instâncias ordinárias para reconhecer que a imagem da vítima não foi utilizada de forma degradante ou desrespeitosa, sendo a imagem real da falecida exposta uma única vez, não se vislumbrando, portanto, o uso comercial indevido da imagem da jovem [95]. Concluiu, ainda, que o objetivo do programa não era a vítima ou sua imagem, mas sim o crime em si [96].
Assim, decidiu a turma (Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça), por maioria, em negar provimento ao recurso especial interposto pelos familiares da vítima.
Outro caso levado a julgamento, em que o Superior Tribunal de Justiça apreciou a aplicação do direito ao esquecimento, foi o caso da Chacina da Candelária, o que será analisado a seguir.
4.1.3 Caso Chacina da Candelária
Esse fato ocorreu na noite do dia 23 de julho de 1993, quando mais de 50 crianças e jovens, entre 11 e 19 anos, dormiam na escadaria da igreja da Candelária no Rio de Janeiro e foram surpreendidos por disparos de policiais militares, onde oito jovens morreram [97].
Quatro jovens morreram na hora; um foi assassinado quando tentava fugir; outro não resistiu aos ferimentos e dois foram executados nas proximidades da Igreja. Essa tragédia ficou conhecida como “Chacina da Candelária”. Após julgamento, três Policiais Militares foram condenados e seis foram absolvidos. Os que foram condenados já cumpriram suas penas e estão em liberdade [98].
Depois de alguns anos, a empresa ré (Globo Comunicações e Participações S.A.) procurou Jurandir Gomes de França, que foi indiciado como coautor/partícipe do crime acima relatado e, ao ser submetido a Júri, foi absolvido por negativa de autoria por unanimidade, a fim de entrevistá-lo no programa Linha Direta- Justiça [99].
O autor afirma ter recusado participar do programa, inclusive mencionando sua objeção em ter sua imagem em rede nacional. Mesmo assim, a TV Globo Ltda. veiculou o autor como um dos envolvidos na chacina, ressalvando que este fora absolvido [100].
Diante disso, Jurandir ajuizou ação de reparação de danos morais em face da emissora. Essa ação foi julgada improcedente no primeiro grau e, interposta apelação, foi reformada a sentença, dando provimento ao recurso para condenar a ré ao pagamento de R$ 50.000,00 a título de indenização [101].
Após, a emissora interpôs recursos especial e extraordinário, os quais não foram admitidos na origem. Foram então interpostos Agravos e, quanto ao Agravo em recurso especial, foi dado provimento a este para apreciação da questão[102].
A recorrente (Globo Comunicações e Participações S.A.) sustenta que não houve ilicitude em sua conduta, nem mesmo invasão à privacidade, intimidade do autor, uma vez que os fatos eram de amplo conhecimento pelo público, constituindo parte do acervo histórico do povo [103].
Ademais, assevera a impossibilidade de retratar a trágica história sem mencionar o autor, em virtude da conturbada e incompetente investigação constante no inquérito policial [104]. Assim, sendo lícita a divulgação de seu nome e de sua imagem, independentemente de autorização, postula o reconhecimento de inexistência de dano moral ou a redução da indenização [105].
Por outro lado, a tese do autor é no sentido de que foi levada ao público situação que já havia sido superada, “reacendendo na comunidade onde reside a imagem de chacinador e o ódio social, ferindo, assim, seu direito à paz, anonimato e privacidade pessoal, com prejuízos diretos também a seus familiares” [106].
Portanto, o tema central da discussão é a ausência de contemporaneidade da divulgação de fatos pretéritos, a qual, no entendimento do acusado, “reabriu antigas feridas já superadas e reacendeu a desconfiança da sociedade quanto à sua índole, circunstância que lhe teria causado abalo” [107]. O autor busca, assim, a declaração de seu direito ao esquecimento.
Da mesma forma que no caso anterior, o Relator menciona que ao se deparar com um aparente conflito entre direitos, há, via de regra, uma predileção para soluções protetivas da pessoa humana, em especial, da dignidade da pessoa humana [108].
Deve ser analisado, porém, o caso concreto, para que não haja um comprometimento da historicidade de um tempo ou uma desconsideração do interesse público ao aplicar-se o direito ao esquecimento [109].
O Ministro Relator entendeu que o caso merece ser recontado, pois é um fato histórico que demonstrou a precária proteção do Estado dispensada aos direitos humanos das crianças e adolescentes em circunstâncias de risco, porém não prejudicaria a veracidade da notícia se a imagem e o nome do autor fossem ocultados [110].
Assim, uma nova exposição dos fatos com clara identificação do autor, seria uma segunda ofensa à sua dignidade, inclusive com lembrança da péssima atuação policial na condução do inquérito policial [111].
Sendo assim, no entendimento do Relator, mesmo o caso sendo considerado histórico, a narrativa desvinculada do envolvido, que foi absolvido, não se tornaria impraticável [112].
Portanto, diferentemente do decidido no caso anterior, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso especial interposto pela ré (Globo Comunicações e Participações S.A.), reconhecendo o direito ao esquecimento e mantendo o quantum da condenação.
Como é possível notar, nos dois acórdãos, o Relator mencionou a atualidade e relevância [113] do debate acerca do chamado direito ao esquecimento no Brasil e no exterior.
Será visto no próximo capítulo, então, como é aplicado o direito ao esquecimento em alguns países.
4.2 DIREITO AO (NÃO) ESQUECIMENTO EM OUTROS PAÍSES
O Brasil, atualmente, vive um período de vazio legislativo, quanto ao assunto do direito ao esquecimento. Para tentar regular a referida questão, em face da insuficiência de normas sobre o assunto, verificam-se quais as interpretações que outros países atribuem ao direito ao esquecimento.
No Tribunal Europeu de Justiça, sediado em Bruxelas- Bélgica, em 13 de maio de 2014 foi reconhecido, em uma decisão, o direito ao esquecimento na internet, dizendo que o cidadão tem direito de solicitar que o Google e outras ferramentas de busca retirem informações pessoais da rede [114].
Por conta dessa decisão, o Google criou em 30 de maio de 2014 um formulário on-line para que as pessoas possam solicitar a retirada de dados pessoais da internet. Os solicitantes devem demonstrar sua identidade com foto, apresentar links da informação que querem que desapareça e uma razão para seu pedido, enquanto a companhia efetuará controles para verificar se não existe um interesse geral em manter os dados em seus arquivos, como no caso de políticos envolvidos em escândalos ou casos de corrupção [115].
Ainda, nos acórdãos, foram citados casos internacionais em que foi analisada a aplicação do direito ao esquecimento. Em 1931, o Tribunal de Apelação da Califórnia recebeu o caso Melvin vs. Reid para ser analisado. O caso dizia respeito à vida de Gabrielle Darley, prostituta, que tinha sido acusada de homicídio em 1918 e posteriormente inocentada. O fato é que muito tempo depois, tendo inclusive Gabrielle abandonado sua vida passada e constituído família com Bernard Melvin, foi exibido o filme Red Kimono, produzido por Doroty Davenport Reid, em que era relatado com detalhes a vida promíscua de Gabrielle. A Corte reconheceu a procedência do pedido do marido de Gabrielle de reparação pela violação à vida privada da esposa e da família, pois entendeu que a pessoa tem direito à felicidade e de não sofrer com desnecessários ataques a sua reputação [116].
Ademais, o Relator trouxe o caso Lebach, julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão, o qual cassou as decisões das instâncias inferiores. Trata-se de um vilarejo (Lebach), situado na Alemanha, onde, em 1969, ocorreu uma chacina de quatro soldados, os quais guardavam um depósito de armas e munições. Foram três pessoas processadas, duas delas foram condenadas à prisão perpétua e o terceiro a seis anos de reclusão. Dois dias antes do término do cumprimento da pena pelo terceiro condenado, uma TV alemã (ZDF) ia apresentar um documentário que iria retratar o crime com dramatizações e apresentação de fotografias reais e nomes dos condenados [117].
Diante desse fato, o terceiro condenado buscou, por meio de uma tutela liminar, que o programa não fosse exibido. A Corte então decidiu que se o documentário veiculasse a foto ou nome do condenado, a rede de televisão não poderia transmitir o programa [118].
Esse caso trazido pelo Relator ficou conhecido como Caso Lebach, no entanto, há o Caso Lebach II, de 1999, que teve resultados diferentes do primeiro caso. O assassinato dos militares em Lebach foi novamente retratado por uma televisão alemã (SAT 1), em 1996, ao produzir uma série sobre crimes que entraram para a História. Contudo, houve a mudança dos nomes de pessoas envolvidas e suas imagens não foram exibidas [119].
O caso foi para o Tribunal Constitucional Federal, que decidiu por rejeitar a tese de ofensa ao direito fundamental dos autores, baseando-se, principalmente, no seguinte argumento: “Passaram-se 30 anos da ocorrência do crime (de 1969; o acórdão é de 1999) e os riscos para a ressocialização foram bastante minorados”[120].
Diante da explanação dos casos acima, verifica-se que a decisão leva em conta as particularidades de cada caso a fim de averiguar a possibilidade de aplicação do direito ao esquecimento ou não.