Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que:
“o direito à aposentadoria por invalidez, com proventos integrais, pressupõe que a doença esteja especificada em lei. O entendimento foi firmado no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 656860, de relatoria do ministro Teori Zavascki”[1].
Todavia, o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) de há muito estabelece o rol de doenças incapacitantes por força do art. 154 da Lei 8.213/1991. Logo, se o regime público é silente quanto à exaustão do rol de doenças aptas a gerarem aposentação por invalidez com proventos integrais, haveria de buscar o contido, também, no art. 40 da Constituição Federal, especificamente em seu parágrafo 12.
Isso ocorre exatamente porque o processo legislativo tem tramitação demorada, conquanto os decretos resolvem, de imediato, situações que demandam contemporaneidade.
Sabidamente, a medicina tem avançado muito no campo dos diagnósticos, o que recomenda atenção imediata com a saúde, que aliás é direito de todos e dever do Estado (art. 196, CF).
Inexplicavelmente, o STF na decisão supra cometeu imensurável retrocesso, porque a aposentadoria é um direito social (art. 6º, CF). Ante seu posicionamento, o indivíduo que fora acometido de moléstia gravíssima, tendo a infelicidade de ser servidor público, aposentar-se-á com proventos proporcionais, se a doença não estiver listada em lei. Outro ser humano, agora na iniciativa privada, será aposentado com proventos integrais se portador da mesma doença – não indicada em norma estatutária –, quando a morbidez constar no Decreto Previdenciário.
Indaga-se: diante do princípio da isonomia – garantia igualmente constitucional (art. 5º, caput, CF) –, tem-se, ainda que portadores da mesma patologia e dotado de idêntica gravidade, duas castas de inválidos?[2]
Ao se ler o art. 1º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, percebe-se a chamada isonomia material, bem distinta do que foi proclamado pelo STF, que enveredou-se por empoeirado positivismo. Além disso, a citada legislação estrangeira foi ratificada em solo brasileiro (cf. Decreto Legislativo 226/1991), ou seja, integrando as normas constitucionais (art. 5º, § 2º, CF)[3], razão pela qual surge outra inquirição: é constitucional a decisão do Supremo no trato da matéria aqui em foco?
Dizia o jurisconsulto Ruy Barbosa que o Supremo tem um privilégio inigualável: o luxo de errar por último. No caso em questão, porém – com todo respeito – acredito ir além do equívoco. Antevejo um desejo de poupar dinheiro público com os sujeitos absolutamente inválidos[4]. Talvez uma inquisição moderna, contemporânea, onde a fogueira se torna caneta.
Todo problema, no entanto, contém um germe de solução. Aqui, em meu modesto juízo, os entes associativos protetores dos servidores públicos haverão de socorrer-se da Corte Internacional de Direito Humanos[5], imitando, vez outra, diante da inércia do Estado brasileiro, um gesto vitorioso da senhora Maria da Penha.
Notas
[1] Aposentadoria por invalidez com proventos integrais exige especificação da doença em lei. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=273414. Acesso em: 02 de setembro de 2014.
[2] A desigualação evidenciada contraria a possiblidade de amplo desfrute de direitos, como registrado no art. 2 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, em conformidade com o § 3º do art. 5º da Constituição, ou seja, com equivalência normativa a Emenda Constitucional.
[3] “Antes, e ao cabo, é importante frisar que, a obrigação “positivada” do Estado, hoje, mínimo, vê-se revigorada no sentido de impulsionar a superação das diferenças sociais e as práticas excludentes do atual modelo positivista, o que faz com que se clame por um novo modelo, estruturado, partindo do humano” (CAVALHEIRO, R. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH/1948), e sua inclusão no rol dos Direitos Fundamentais da Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://jpauloadv1990.jusbrasil.com.br/artigos/136711171/a-declaracao-universal-dos-direitos-humanos-dudh-1948-e-sua-inclusao-no-rol-dos-direitos-fundamentais-da-constituicao-federal-de-1988?utm_campaign=newsletter-daily_20140902_51&utm_medium=email&utm_source=newsletter. Acesso em: 03 de setembro de 2014.
[4] Essa situação malévola acompanha também o regime geral da previdência social (RGPS), visto que ao longo do tempo os benefícios percebidos vão se esvanecendo com a inflação, sem qualquer consideração com o art. 201, § 4º, CF.
[5] “[…] Dentro da sistemática internacional de garantia adicional de proteção, se institui mecanismos de responsabilização e controle, devendo ser acionados quando alguma Nação se mostra falha ou omissa na tarefa de implementar direitos e liberdades fundamentais. Ao fazer parte do sistema global de proteção, bem como as obrigações internacionais dele decorrentes, o Estado passa a aceitar o monitoramento internacional no que se refere ao modo pelo qual os direitos fundamentais são respeitados em seu território. O Estado ao anuir passa a admitir o controle e fiscalização da comunidade internacional quando, em casos de violação a direito fundamentais, a resposta das instituições nacionais se mostra insuficiente e falha, ou inexistente. Ressalta-se que a ação internacional é sempre uma ação suplementar, constituindo uma garantia adicional de proteção dos direitos humanos.” (PIOVESAN. 1999, p. 195). In: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Globalização. In: Carlos Ari Sundfeld; Oscar Vilhena Vieira. (Org.). Direito Global. São Paulo: Max Limonad, 1999.