De acordo com o texto constitucional, a saúde é direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos. O Estado deve providenciar, ainda, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 196, CR).
Trata-se a saúde de um direito individual indisponível, decorrendo diretamente do direito à vida e do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Ainda em conformidade com os ditames do texto constitucional, incumbe ao Ministério Público a defesa dos direitos individuais indisponíveis (art. 127). Desse modo, resta patente a legitimidade do Ministério Público para a defesa do direito individual indisponível à saúde.
Ademais, considerando que as ações e os serviços de saúde são prestações de relevância pública (art. 197, CR), compete ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia (art. 129,II, CR)
O Supremo Tribunal Federal já se posicionou nesse sentido, confirmando a legitimidade do Parquet:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. DEFESA DE DIREITOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. PRECEDENTES. A Constituição do Brasil, em seu artigo 127, confere expressamente ao Ministério Público poderes para agir em defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis, como no caso de garantir o fornecimento de medicamentos a hipossuficiente. (Ag. Reg. no Rext. 554.088-0/SC)
O Superior Tribunal de Justiça também ostenta o mesmo entendimento:
O direito à saúde, como elemento essencial à dignidade da pessoa humana, insere-se no rol daqueles direitos cuja tutela pelo Ministério Público interessa à sociedade, ainda que em favor de pessoa determinada. (Resp n.º 695.396/RS)
Os últimos julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais acerca da matéria ora em estudo também seguem o mesmo entendimento:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ILEGITIMIDADE ATIVA E FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL - PRELIMINARES AFASTADAS - PLANO DE SAÚDE - PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO IMPLEMENTADO - SITUAÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - COBERTURA DEVIDA - DANO MORAL COLETIVO - NÃO CONFIGURAÇÃO. - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consagrou entendimento segundo o qual o Ministério Público possui legitimidade para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada, devendo ser afastadas as preliminares relativas à ilegitimidade ativa e falta de interesse processual. (Ap. Cível n.º 0290908-67.2010.8.13.0702. 14ª Câmara Cível).
O Plano Nacional de Atuação Ministerial em Saúde Pública, elaborado pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público, dispõe, entre outros, que deve o Órgão Ministerial deve “imprimir precedência na área de atenção coletiva à saúde e, nela, destacar a atenção básica e os cuidados necessários específicos às populações mais vulneráveis”.
Conforme se depreende, de fato, o Parquet deve dar prioridade à atuação no âmbito coletivo. Entretanto, o direito individual indisponível à saúde não é excluído da atuação ministerial.
A Câmara de Procuradores de Justiça da Rede-Saúde do Ministério Público mineiro aprovou algumas diretrizes nesse sentido, tais como:
1.A ação institucional deve priorizar a tutela coletiva do direito à saúde, na forma estabelecida no Plano Nacional do Ministério Público em Saúde.
2.O Promotor de Justiça deve atender a todos, inclusive em caso de interesse individual, adotando as medidas administrativas adequadas
É de se ressaltar que, conforme salientado pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde), no Parecer Técnico Jurídico n.º 029/2009, “dificilmente serão encontradas “demandas individuais” que não tragam em sua essência, pelo menos, uma carga individual homogênea com repercussão social”.
O CAO-Saúde, no citado parecer, concluiu pela induvidosa legitimidade do Órgão Ministerial, devendo ser priorizada a abordagem coletiva do direito à saúde, não deixando de atender aos casos individuais.
O centro de apoio supramencionado emitiu o Parecer Técnico Jurídico n.º 17/2010, no qual reafirma a legitimidade do Parquet para a defesa do direito individual à saúde.
O CAO-Saúde elaborou dois formulários. Um deles é denominado Pedido de Providência, e o outro, Pedido Judicial. O primeiro deve ser encaminhado à Secretaria de Saúde, requerendo providências administrativas quanto ao fornecimento de medicamentos. Já o segundo deve ser endereçado ao Juizado Especial da Fazenda Pública, após a constatação da negativa ou da omissão do Estado. No entanto, insta salientar que a negativa do ente público em fornecer o medicamento não é condição para a atuação ministerial.
A elaboração dos citados formulários foi realizada a fim de viabilizar a atuação dos órgãos de execução do Ministério Público, oferecendo uma alternativa às Promotorias de Justiça, especialmente aquelas com excesso de atribuições.
Tal orientação não exime o Parquet de atuar na defesa do direito individual indisponível à saúde, visando, apenas, a imprimir maior celeridade na atuação ministerial e não deixar o cidadão desamparado.
Em vista do acima exposto, é incontestável a legitimidade do Ministério Público para a defesa do direito à saúde, mesmo que de pessoa determinada, sendo inconcebível que o Parquet se exima de tal mister.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
-De Jure – Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, n. 9 (jul./dez. 2007). Belo Horizonte: Ministério Público do Estado de Minas Gerais, 2007. p. 465/474.
-Parecer Técnico Jurídico CAO-Saúde n.º 29/2009
-Parecer Técnico Jurídico CAO-Saúde n.º 17/2010
-Plano Nacional de Atuação Ministerial em Saúde Pública (Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público)