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Preservação da imagem e identidade da criança e do adolescente infrator como direito fundamental

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6 A PRESERVAÇÃO DA IMAGEM E DA IDENTIDADE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE INFRATOR

Os direitos das crianças e adolescentes, tais como a liberdade, a dignidade e o respeito, são assegurados tanto pela Constituição Federal quanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Estes direitos abrangem a preservação da imagem e da identidade dos infantes e jovens, em especial no Artigo 17 do Estatuto[47], que engloba mais especificamente o direito de imagem.

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Riggio e Castro[48] afirmam que o “Direito ao Respeito abrange a proteção da imagem da criança e do adolescente. Os meios de comunicação social devem verificar os casos em que estarão expondo à crítica, pessoas que ainda estão em formação.”.

É dever de todos não só garantir os direitos de personalidade das crianças e adolescentes, mas zelar para que isto ocorra sem que haja qualquer prejuízo a sua formação pessoal e social. A legislação pátria protege a imagem das pessoas, podendo ocorrer certa disposição desse direito de forma voluntária, quando a pessoa autoriza expor sua figura. Mas existem limitações forçadas, impostas por lei que independem de consentimento.

As crianças e adolescentes são protegidos pelo princípio da maior vulnerabilidade já que, em razão da idade, são mais frágeis e suscetíveis a abusos, incapazes de defenderem seus próprios interesses. Por isso, há de ser exigido um maior cuidado no que diz respeito a órgãos jornalísticos e a veiculação de sua imagem.

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem com um dos princípios que regem a aplicação das medidas de proteção a privacidade, onde especifica que deve haver respeito pela intimidade, pela imagem e vida privada da criança e do adolescente. Este princípio se encontra no Artigo 100, parágrafo único, inciso V do ECA[49]:

Art. 100 – [...]

Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas:

V – privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva de sua vida privada.

É de conhecimento geral que muitas crianças e adolescentes vivem à margem das políticas públicas, não lhes sendo oferecidos educação, saúde ou lazer. Estes e outros fatores, como a desestruturação familiar, dificuldades financeiras, falta de incentivo ou oportunidade, e o contato com a criminalidade, acabam levando os jovens a praticarem atos infracionais, momento este em que a mídia expõe indevidamente a imagem do infrator, ferindo os princípios protetivos da criança e do adolescente.

Importante destacar que, além dos princípios já narrados, um dos mais importantes no aspecto de proteção conferida às crianças e adolescentes é o princípio do direito ao esquecimento – trata-se de pessoas em processo de evolução que se modificam constantemente, tanto na forma física quanto em sua personalidade.

Bucar[50] apresenta sua concepção quanto ao direito ao esquecimento da seguinte maneira:

O direito ao esquecimento encontra-se inserido na disciplina de proteção à privacidade, cuja tutela, em aspectos gerais, é extraída dos artigos 5º, X, XI e XII, da Constituição da República e 21 do Código Civil. O chamado direito ao esquecimento incorpora uma expressão do controle temporal de dados, que preenche com o fator cronológico a atual tríade de ferramentas protetivas da privacidade, complementada pelos controles espacial e contextual.

Esse princípio, que garante que qualquer conduta prejudicial à criança ou adolescente seja restrita ainda que tenham por conteúdo informações passadas e verídicas, faz-se extremamente importante para o desenvolvimento sadio destes, inclusive em relação aos infratores. Muitas vezes, a divulgação nos meios de comunicação da prática de atos infracionais pode impedi-los de reconquistar uma existência normal.

É preciso mantê-los a salvo de qualquer meio evasivo de comunicação que, veicule informações, nomes, atos, documentos, fotografias e ilustrações que possibilitem a identificação dos infantes e dos jovens envolvidos num acontecimento infracional.

Sahm[51] cita um interessante caso, retirado da Revista Time, edição de 22 de janeiro de 2001, página 32:

Duas crianças, com então 10 anos de idade, Jon Verrables e Robert Thompson, torturaram até a morte James Bulger, de apenas dois. Perto de atingirem 18 anos, a juíza Elizabeth Bitler Sloss decidiu que, tendo direito à liberdade, dever-se-lhes-ia ser concedida uma especial proteção de direito à vida (...they needed na unprecedented shield to protect them upon release).  Em decisão sem precedência no Reino Unido, eles adquiriram vitaliciamente o direito ao anonimato. Significa que a mídia em geral está proibida de informar seus paradeiros, as novas identidades, e de publicar fotografias, desenhos ou informação sobre suas imagens.

É preciso ter cuidado com as informações transmitidas relacionadas à criança e ao adolescente infrator, para que não cresçam estereotipados, evitando assim a exclusão social. Aqui ocorre uma restrição legal. Neste caso, o interesse da infância e juventude prevalece sobre o interesse público em geral. Assim entende o Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, Ramidoff[52]:

A “transparência pública” deve ceder lugar à proteção integral da criança e do adolescente que se envolveram num evento infracional, haja vista que a sua vulnerabilidade material decorrente da condição peculiar de desenvolvimento se acentua com o próprio cometimento de condutas conflitantes com a lei [...].

Portanto, a preocupação do legislador não é reger o modo como a imprensa utilizará seu direito de divulgar informações jornalísticas, mas a proteção integral da criança e do adolescente, ligado ao direito de personalidade destes que é, consequentemente, um direito fundamental.

No mesmo sentido determina o Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990 que aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança[53]. Percebe-se que tanto a legislação nacional quanto a internacional se preocuparam com o infrator juvenil.

Art. 40. 1. Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse ou declare culpada de ter infringido as leis penais de ser tratada de modo a promover e estimular seu sentido de dignidade e de valor e a fornecer o respeito da criança pelos direito humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade.

2. Nesse sentido, e de acordo com as disposições pertinentes dos instrumentos internacionais, os Estados Partes assegurarão, em particular:

[...]

VII) ter plenamente respeitada sua vida privada durante todas as fases do processo.

A proteção fica evidente com a leitura do Artigo 143 do ECA[54], sendo que o acesso aos atos referentes a infração somente será possível por meio de autorização judicial.

Art. 143 – É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.

Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome.

Art. 144. A expedição de cópia ou certidão de atos a que se refere o artigo anterior somente será deferida pela autoridade judiciária competente, se demonstrado o interesse e justificada finalidade.

Entende-se por preservação ao direito de imagem a tentativa de evitar que a criança ou adolescente seja atingido em sua integridade moral, bem como proteger o direito de personalidade denominado direito à imagem. A imagem do infrator juvenil não pode ser exposta abusivamente ou publicada sem autorização, através da imprensa escrita, falada ou televisada.

Já preservação da identidade engloba a proteção ao prenome, ao patronímico e seus acessórios, como o pseudônimo, o apelido, o nome artístico, ou a voz, os acontecimentos da vida etc., tudo que distingue um indivíduo das demais pessoas.

A proteção da identidade consiste, em resumo, em assegurar que os dados de identificação da criança e do adolescente não sejam revelados, de maneira a que possam lhes causar um dano à integridade moral. Nas palavras de Adriano de Cupis apud Cury[55]:

O indivíduo, como unidade da vida social e jurídica, tem necessidade de afirmar a própria individualidade, distinguindo-se dos outros indivíduos, e, por consequência, ser conhecido por quem é na realidade. O bem que satisfaz esta necessidade é o da identidade, o qual consiste, precisamente, no distinguir-se das outras pessoas nas relações sociais... pois o homem atribui grande valor não somente ao afirmar-se como pessoa, mas como certa pessoa, evitando a confusão com os outros. Entre os meios através dos quais pode realizar-se o referido bem tem um lugar proeminente o nome, sinal verbal que identifica imediatamente e com clareza a pessoa a quem se refere.

De acordo com Liberati[56], esse artigo decorre da determinação constitucional de que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o exigirem, conforme Artigo 5º da CF. A partir dessa premissa a lei estatutária pretendeu, como foi dito, “evitar que a criança e o adolescente fiquem expostos a publicidade nociva e estigmatizante, que, ao invés de inibir, estimula novas violências”.

O legislador tratou o assunto de forma ampla, pois este artigo tem estreita ligação com a doutrina da “proteção integral”, fazendo referência a atos judiciais, policiais e administrativos. Atos judiciais são os praticados em juízo por sujeitos do processo, tais como as partes, o juiz, os advogados e o Ministério Público. Os atos policiais emanam da autoridade policial, e os atos administrativos emanam das autoridades da Administração Pública.

Com base na proteção integral garantida às crianças e adolescentes, a proteção da imagem acaba sendo mais severa do que a conferida pela Constituição Federal, gerando sanções administrativas, cíveis e até penais. O desrespeito ao disposto no Artigo 143 leva a infração administrativa prevista no Artigo 247 do ECA:

Art. 247 – Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional:

Pena: multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

§1º. Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente.

§2º. Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicação do periódico até por dois números. [57]

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Não se trata de uma proibição completa de reportagens ou veiculação de informações, que poderão ser permitidas quando a autoridade judiciária autorizar, se entender ser conveniente a divulgação de atos processuais. O que a Lei pretende é proteger a imagem e a identidade da criança ou adolescente infrator, em respeito à dignidade da pessoa em desenvolvimento, independente da comprovação da culpa, da exposição a vexame ou constrangimento.

Desta forma fica clara a condição peculiar de desenvolvimento da criança e do adolescente, onde a proteção de seus interesses devem se sobrepor a qualquer outro interesse, em respeito ao seu perfeito desenvolvimento. Os infantes tem o direito de resguardar sua imagem e identidade, sendo vedado aos meios de comunicação narrar sua participação em ato infracional.

Ou seja, apesar da Constituição Federal garantir a liberdade de informações jornalísticas, essa liberdade não é absoluta – o interesse coletivo, neste caso, não pode ultrapassar o interesse das crianças e adolescentes, por conta da doutrina da proteção integral.

Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça[58] (STJ) neste sentido:

ADMINISTRATIVO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) – PICHAÇÃO – NOTÍCIA EM JORNAL ENVOLVENDO MENORES COMO AGENTES DE CONDUTAS ILÍCITAS – AUTORIZAÇÃO DO JUIZ DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – INEXISTÊNCIA – SANÇÃO ADMINISTRATIVA – LEI 8.069/90, ART. 247 – PRECEDENTES STJ. - É vedado aos órgãos de comunicação social a divulgação total, ou parcial, de atos ou fatos denominados infracionais atribuídos a criança ou adolescente, sem a devida autorização do MM. Juiz da Infância e da Juventude. - Sendo de conhecimento da imprensa a existência de representação da Curadora contra os menores, por danos ao patrimônio público, descabe a alegação de inocorrência de ato infracional a justificar a conduta do recorrente. - “A criança e o adolescente têm direito ao resguardo da imagem e intimidade. Vedado, por isso, aos órgãos de comunicação social narrar fatos, denominados infracionais, de modo a identificá-los.” (REsp. 55.168/RJ, DJ de 9.10.1995). - Recurso especial não conhecido.

A vedação tampouco se encerra com a morte do infrator juvenil. Esse foi o entendimento do STJ[59] na seguinte decisão:

RESP – CRIANÇA E ADOLESCENTE – ECA – SANÇÃO ADMINISTRATIVA – ADOLESCENTE – FALECIMENTO – A CRIANÇA E O ADOLESCENTE TÊM DIREITO AO RESGUARDO DA IMAGEM E INTIMIDADE. VEDADO, POR ISSO, OS ORGÃOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL NARRAR FATOS, DENOMINADOS INFRACIONAIS, DE MODO A IDENTIFICÁ-LOS. O FENOMENO GANHA GRANDEZA SINGULAR QUANDO A CRIANÇA E O ADOLESCENTE INTEGRAM CLASSE SOCIAL MENOS FAVORECIDA. ADJETIVOS DESAIROSOS, ENTÃO, PASSAM A ESTIGMATIZAR A PESSOA. AINDA QUE AGENTES DE CONDUTA ILÍCITA, NÃO PODEM SER VILIPENDIADOS, EXPOSTOS A EXECRAÇÃO PUBLICA. O FALECIMENTO NÃO MODIFICA O RACIOCÍNIO. TAMBÉM QUANDO MORTOS SÃO DIGNOS DE PROTEÇÃO EM HOMENAGEM A HONRA. (STJ - REsp: 55168 RJ 1994/0030516-8, Relator: Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Data de Julgamento: 28/08/1995, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 09/10/1995 p. 33620).

A criança e o adolescente envolvidos em atos infracionais precisam do apoio de sua família e da comunidade a fim de que possam responder pelos seus atos e mudar seu comportamento, garantindo-lhes a oportunidade de seguir seu desenvolvimento sem que leve tais acontecimentos para a vida adulta.

A liberdade de expressão e de informações jornalísticas, portanto, não constitui direito absoluto, mas relativizados por outras garantias previstas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Na verdade, o Estatuto acabou por criar uma exceção ao princípio da publicidade, pois todos os procedimentos oriundos da Vara da Infância e Juventude correm em segredo de justiça, sendo que sua divulgação implica nas sanções do citado artigo 247.

Além de sanção administrativa, na hipótese de divulgação indevida da imagem de crianças ou adolescentes envolvidos na prática de ato infracional, o Estado-juiz confere tutela jurisdicional, que é a proteção conferida para realizar concretamente o direito que foi objeto de lesão, exigindo que sejam retirados os dados do infrator, ou seja condenado ao pagamento de indenização por danos morais, com fulcro no Artigo 5º, X da CF/88[60], e no Artigo 12 do Código Civil[61] de 2002, quando declara:

Art. 5° CF/88 – [...]

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

Art. 12 CC – Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

O doutrinador Washington de Barros Monteiro[62] entende que:

Destinam-se os direitos da personalidade a proteger a dignidade humana, e essa proteção é garantida através de ações que devem ser iniciadas pelo ofendido, por de medida cautelar que suspenda os atos que ameaçam o desrespeito à integridade física, intelectual ou moral, movendo-se, em seguida, uma ação que irá declarar ou negar a existência da lesão, que poderá ser cumulada com ação ordinária de perdas e danos a fim de ressarcir danos morais e patrimoniais.

Os meios de comunicação devem fazer uso de sua liberdade de forma correta e responsável, uma vez que a imprensa constitui poderoso instrumento de formação de opinião pública. Certamente, a criança e o adolescente exposto pela mídia sofrerão danos por conta do constrangimento sofrido ao serem objeto da curiosidade da sociedade. Em sua tese de doutorado, Cury Júnior[63] considera que:

Nestes casos, o interesse público na notícia cede passo às exigências da preservação do direito ao respeito e à dignidade de crianças e adolescentes, assegurados não somente nos artigos 1o, inciso III, e 227 da Constituição Federal, mas também pela Lei n. 8.069/90, cujos preceitos – pode-se afirmar seguramente – compõem um direito da personalidade especial, peculiar às pessoas em desenvolvimento, arrimado nos princípios da proteção integral e da maior vulnerabilidade destes seres em formação.

Resta esperar que esse direito fundamental conferido às crianças e adolescentes infratores seja respeitado.

6.1 A PROTEÇÃO DA IMAGEM E DA IDENTIDADE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Os direitos fundamentais não se limitam ao rol previsto no título II da Constituição Federal. A doutrina, em especial, José Afonso da Silva[64] e Flavia Piovesan[65], entende que existem três vertentes dos direitos fundamentais, sendo eles os direitos expressos, considerados expressamente declarados; os expressos em Tratados Internacionais de que o Brasil seja parte; e os implícitos, que se encontram subtendidos nas garantias ou decorrentes do regime e princípios adotados pela Constituição Federal de 1988.

Esse posicionamento pode ser observado no Artigo 5º, §2º da CF[66]:

Art. 5º. [...]

§2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Na realidade, os direitos fundamentais reconhecidos não estão elencados somente no Título II da Constituição Federal, mas espalhados por todo seu texto, como por exemplo, a limitação ao poder de tributar, prevista na Seção II, Título VI da CF. Estes direitos fundamentais são considerados básicos para as pessoas, essenciais, mesmo que implícitos. Portanto, os direitos e garantias expressos não excluem outros decorrentes destes. Assim se posiciona Alexandre de Moraes[67]:

Os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional, mesmo que difusamente.

Para que seja possível reconhecer um direito fundamental é preciso analisar se ele possui alguma ligação com a dignidade da pessoa humana. O ordenamento jurídico brasileiro é baseado neste princípio-matriz, como denomina Prediger[68], que incide de forma direta nos demais princípios e disposições constitucionais, dentre eles os direitos fundamentais.

Existem duas espécies de direitos fundamentais: os formais e os materiais. Os primeiros são os encontrados no Artigo 5º da CF, enquanto os últimos podem ser encontrados por todo o corpo Constitucional. Manoel Gonçalves Ferreira Filho[69] cita o exemplo do direito à vida (Art. 5º, caput da CF) como direito materialmente fundamental, e o direito a certidões (Art. 5º, XXXIV, “b” da CF), como direito formalmente fundamental que, “embora importante, não se liga à dignidade da pessoa humana”.

Pode ocorrer ainda uma divisão entre direitos fundamentais enumerados, que estão expressamente previstos pela Constituição Federal, e os não enumerados que “são aqueles direitos que resultam do conteúdo normativo inesgotável do esquema de direitos inevitavelmente assumidos pela prática constituinte, ainda que inicialmente não tenham sido expressamente formulados na constituição escrita[70]”.

Os direitos não enumerados não estão expressamente enumerados, portanto, reconhece-los é uma questão interpretativa. Isso não quer dizer que qualquer direito poderá ser considerado fundamental. Eles são considerados fundamentais não pelo simples fato de se encontrarem no rol destinado a isto, mas em razão da importância de seu conteúdo.

A doutrina enfrenta dificuldades em apontar precisamente quais seriam os direitos implícitos. Ferreira Filho[71] formulou em seu estudo “Direitos fundamentais no estado Democrático” algumas características necessárias para reconhecer um direito como fundamental:

O primeiro deles é ser um direito universal. Isto significa ab initio que o direito dever concernir a todo e qualquer ser humano (...). O segundo é ser um direito moral. Ou seja, que à sua base esteja uma norma que “valha moralmente”. Outro consiste em fazer jus à sua “proteção pelo direito positivo estatal” – ser, na sua terminologia, um direito preferencial. (...). Igualmente, o direito deve ser fundamental. Quer dizer, preencha duas condições: 1) “deve tratar-se... de interesses e carências que, em geral, podem e devem ser protegidos e fomentados pelo direito”; e a segunda: “é que o interesse ou carência seja tão fundamental que a necessidade de seu respeito, sua proteção ou seu fomento se deixe fundamentar pelo direito”, vale dizer, “quando sua violação ou não satisfação significa ou a morte ou sofrimento grave ou toca no núcleo essencial da autonomia”. Alude ainda Alexy a um quinto traço característico dos direitos do homem: ser o direito abstrato, sendo, por isto, suscetível de restrição.

Para que um direito não enumerado como direito fundamental adquira fundamentalidade é preciso, principalmente, relacionar-se com o princípio da dignidade. Pensando nisso, o sistema constitucional brasileiro pode apontador como direito fundamental o direito da criança e do adolescente à dignidade, ao respeito e à convivência familiar.

Não restam dúvidas de que a tutela das crianças e adolescentes, prevista no Artigo 227, caput da CF/88[72] também constitui direito fundamental, específico para as pessoas em desenvolvimento, pois a leitura do Artigo deixa clara a intenção do legislador em resguardar a dignidade da pessoa humana, de forma que a ofensa aos direitos previstos geraria enorme prejuízo às crianças e adolescentes. Novamente o princípio da proteção integral da criança e do adolescente surge, agora com o objetivo de tornar cada um destes direitos descritos em especialmente fundamentais, amparados na questão da prioridade absoluta das pessoas em especial condição de desenvolvimento. Essa proteção, criada com intuito de limitar e controlar possíveis abusos, determina que:

Art. 227 CF/88. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A tutela decorrente do referido Artigo representa o metaprincípio da prioridade absoluta dos direitos da infância e juventude, que faz parte do princípio da proteção integral, adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Rossato, Lépore e Cunha[73] ainda afirmam que o Artigo 227 da CF conferiu à criança e ao adolescente a titularidade de direitos fundamentais, tanto que o Artigo 4º do Estatuto da Criança de do Adolescente praticamente reproduziu de forma integral o disposto pela Constituição Federal.

O princípio da proteção integral, extraído dos dispositivos da Constituição Federal, assegura às crianças e adolescentes os mesmos direitos fundamentais garantidos aos adultos. É o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente[74]:

Art. 3º ECA. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Não se pode negar que estes direitos conferidos as pessoas em desenvolvimento são direito fundamentais outorgados por normas diretamente extraídas de outras partes do texto constitucional, que não o Título II. São direitos fundamentais implícitos, identificados a partir de direitos já previstos na Constituição Federal, e que possuem a mesma força que os explícitos.

Importante, portanto, se mostram os direitos fundamentais implícitos, não enumerados em rol próprio, pois um direito não pode deixar de ser resguardado apenas pelo fato de não ser denominado como fundamental.

Assim entende Pardo[75]:

Certamente o texto jurídico é relevante para determinar qual direito o indivíduo tem em um caso, mas não é a fonte exaustiva de todos os direitos que os indivíduos podem ter.

Sabendo que o direito à dignidade, assim como os direitos de personalidade, constituem direitos fundamentais, passamos a entender que a proteção da imagem e da identidade das crianças e adolescentes infratores também é direito fundamental, inerente as pessoas em desenvolvimento. Afinal, “para a proteção da integridade moral das pessoas é que servem os direitos fundamentais[76]”.

Destarte, estes sujeitos de direitos especiais, quando envolvidos na prática de atos infracionais, são resguardados não só pelo direito à dignidade, à imagem e à identidade, mas também à restrição da publicidade dos atos processuais (Artigo 5º, LX da CF).

É certo que, pela técnica de ponderação de princípios para solucionar aparentes conflitos, não se pode atribuir caráter absoluto a qualquer deles. No entanto, ainda que a liberdade de informações jornalísticas também tenha status de direito fundamental, a proteção da imagem e da identidade da criança e do adolescente infrator é tamanha que, mesmo permitida a veiculação de reportagens, é vedada a identificação do infante nas condições do Artigo 143 do Estatuto da Criança de do Adolescente.

Estes direitos implícitos são anexados aos direitos fundamentais já descritos no texto constitucional. Eles não são imediatamente normas do nosso ordenamento jurídico, mas encontram-se subentendidos nas normas definidoras de direitos fundamentais, passíveis de interpretação.

Todas as pessoas têm seus direitos fundamentais resguardados, mas em relação aos infantes, essa proteção é reforçada, tanto no aspecto social quanto em sua privacidade. Diante disso, a divulgação da imagem ou identidade de crianças e adolescentes infratores sofre limitação forçada, por conta da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.

Se os direitos fundamentais decorrem do princípio da dignidade da pessoa humana, nada mais justo do que proteger as crianças e adolescentes de todas as maneiras possíveis, já que está em jogo não só a dignidade da pessoa em desenvolvimento, mas de um futuro adulto.

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Sobre a autora
Fernanda dos S. Oliveira Sousa

Advogada Pós-graduanda em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio de Jesus. Bacharela em Direito pela Faculdade de Ensino Superior da Amazônia Reunida.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Fernanda S. Oliveira. Preservação da imagem e identidade da criança e do adolescente infrator como direito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4356, 5 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32974. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso - TCC apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ensino Superior da Amazônia Reunida, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharela em Direito.

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