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A padronização nas entidades dos serviços sociais autônomos

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08/10/2015 às 15:56
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V – Da Inexigibilidade em decorrência da padronização.

Em casos específicos, a padronização de marca acaba por gerar uma inexigibilidade de licitação, em razão da impossibilidade de outras empresas fornecerem o produto nas especificações padronizadas. Não existe ilegalidade na contratação realizada dessa forma, desde que exista motivação ou justificativa técnica para a ocorrência de padronização, mediante procedimento prévio, conforme já destacado anteriormente.

Neste sentido comenta José Cretella Júnior: “o problema da exclusividade da marca se circunscreve em saber se o bem de que necessita a Administração pode ou não ser adquirido de vários fornecedores. Em caso positivo, a Administração deverá sujeitar-se à licitação. Em caso negativo devidamente comprovado, poderá ser feita a dispensa de licitação”[6].

Outro não é o entendimento em destaque pelo Tribunal de Contas da União:

Decisão 664/2001 – Plenário -DC-0664-35/01-P

Processo: 001.189/2001-5

Entidade: Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz - Centro de Pesquisa René Rachou

Interessado: Digiprinter Equipamentos para Escritório Ltda.

Ementa: Representação formulada por licitante. Possíveis irregularidades na Fiocruz - Centro de Pesquisa René Rachou. Convite. Injustificada indicação de marca do bem licitado. Determinação. Arquivamento.

Ministro Relator:MARCOS VINICIOS VILAÇA;

Unidade Técnica:SECEX-RJ - Secretaria de Controle Externo - RJ;

(...)

4. Todavia, a justificativa para a indicação de marca deve fundamentar-se em razões de ordem técnica. Alegar o princípio da padronização como argumento para limitar a participação dos ofertantes em procedimento licitatório, ou mesmo para declará-lo inexigível, requer justificação objetiva dos motivos que levam o administrador a essa conclusão (TC 009.319/96-4, Acórdão n.º 300/98-1ª Câmara - Ata n.º 23/98).

No mesmo sentido é o Acórdão 385/2002 do Plenário do TCU:

Decisão 385/2002 – Plenário -DC-0385-12/02-P

Processo: 001.741/2002-2

Ementa: Representação formulada pela Procuradoria Regional do Trabalho da 14ª Região. Possíveis irregularidades no TRT da 14ª Região. Inexigibilidade de licitação para aquisição de mobiliário, sob a alegação de padronização. Conhecimento. Procedência. Determinação. Juntada às contas. - Licitação. Princípio da padronização. Considerações.

(...)

10. A padronização tem suas razões. No dizer de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes verbis ‘a padronização pode ter várias vantagens, como o treinamento dos servidores para o manuseio do equipamento, barateamento do custo de manutenção, pela compra de peças de reposição com economia de escala e facilidade de substituição’ (Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, Contratação Direta sem Licitação, 4ª ed., Brasília Jurídica, 1999, p. 427). Não são, certamente, as razões de preferência pessoal do Administrador, mas as do interesse público. A busca da padronização, especialmente se conduzir à exceção do processo de aquisição, isto é, à dispensa ou à inexigibilidade de licitação, deve representar, efetivamente, um ganho, uma vantagem para a Administração. De acordo com a Diretora da Secretaria Administrativa do TRT/14ª, verbis ‘solicita-se a padronização dos móveis da marca Riccó, pelo fato de que os referidos móveis são garantidos pela fábrica por 02 (dois) anos, possuindo assistência técnica permanente, além de proporcionar ao local de trabalho uniformidade e harmonia’ (fl. 08).

(...)

13. Das justificativas apresentadas restou apenas uma, a saber, aquela referente à ‘uniformidade e harmonia’ do local de trabalho. De fato, pode haver uma questão fundamental de harmonia a ser garantida somente pelos móveis Riccó, mas, pelo menos a princípio, não há qualquer relevância evidente. Se há algum caráter fundamental em relação à harmonia do ambiente de trabalho, esse não ficou demonstrado de maneira satisfatória, a exemplo das alegadas relevâncias da garantia e da manutenção.

‘O enquadramento em situação de inexigibilidade de licitação prevista no Estatuto de Licitações e Contratos - Lei n° 8.666/93, art. 25, caput - exige inviabilidade de competição, sendo que o caso especial previsto no inciso I do mesmo artigo só se configura se comprovado não apenas que determinado material, equipamento ou gênero só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo - vedada a preferência de marca -, mas também que inexistem produtos similares capazes de atender às necessidades do serviço, devendo ambas as assertivas estar devidamente comprovadas nos autos’ (grifo nosso).

Motivação insuficiente

15. Entendemos, diante da análise, que a inexigibilidade de licitação, ratificada pela Exmª Sra. Juíza Maria do Socorro Costa Miranda com fundamento no art. 25, inc. I da Lei de Licitações (fl. 35), padece do vício de insuficiência da motivação. Na verdade, o que se configurou foi a indicação da marca Riccó. Ainda que seja possível definir a aquisição de uma marca específica, esta decisão deve ser respaldada por critérios de ordem técnica, o que não foi verificado no processo administrativo pertinente. A esse respeito, Jacoby ensina que verbis: ‘a justificativa para a indicação de marca deverá (...) amparar-se em motivos de ordem técnica, como tal entendido o alinhamento de fatores impessoais e que tenham um fundamento científico’ (Id., p. 430).

(...)

Inicialmente, ficou demonstrado que não há exclusividade de fornecimento em território brasileiro e nem uniformidade de preços praticados pelos diversos representantes, o que revela um amplo universo de potenciais licitantes. A garantia de dois anos ou a assistência técnica dada pela contratada não é característica diferencial que singularize o objeto, uma vez que outros concorrentes poderiam igualmente oferecê-las, até mesmo em melhores condições, se submetidos a um certame. A uniformidade do mobiliário a ser proporcionada pela compra, além da pouca relevância, traz uma grande carga de subjetividade que a torna insuficiente para justificar uma eventual singularidade.

Segundo jurisprudência deste Tribunal, a padronização pode até fundamentar a inexigibilidade de licitação, mas a “invocação do princípio da padronização como argumento para estreitar o campo de competição licitatória ou mesmo para declará-la inexigível requer justificação consubstanciada e objetiva dos motivos e condições que, no caso concreto, conduzem o administrador à conclusão de que sua preservação não se compatibiliza com a realização da licitação, ou que o certame, se realizado, deva circunscrever-se a equipamentos ou produtos de determinada procedência” (TC 009.319/96-4, Acórdão nº 300/98-1ª Câmara - Ata nº 23/98).

(...)

8.2. determinar ao Tribunal Regional do Trabalho - 14ª Região que:

8.2.1 observe, nos casos de inexigibilidade de licitação, a obrigatoriedade de demonstrar exaustivamente os fatores que levam à inviabilidade de competição, segundo os termos do art. 25 da Lei nº 8.666/93;        

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, ao lecionar sobre o tema, afirma que “a mera indicação de marca pode ou não levar à inexigibilidade de licitação. Haverá inexigibilidade se, na localidade, só houver um fornecedor daquele produto e, do contrário, será a mesma obrigatória.”[7] Necessário observar que quanto à localidade, a análise dependerá do caso concreto, pois nada impede que o fornecedor seja exclusivo numa região e em outro estado existirem outras empresas fornecedoras do mesmo produto.

Em suma, em consonância com a doutrina e jurisprudência destacadas acima, verifica-se que a escolha pela padronização não afasta o dever legal das entidades de realizar o devido processo licitatório, quando o objeto possuir outros potenciais fornecedores, salvo quando se tratar de fornecedor exclusivo, o que torna a licitação inexigível.


VI – Da utilização da Modalidade Convite

Partindo-se da premissa da obrigatoriedade de processo licitatório, discute-se a possibilidade de adoção da modalidade convite no certame. A respeito do tema Diógenes Gasparin assim leciona:

“(...) uma vez institucionalizado o padrão, qualquer aquisição, em tese, dependerá de prévia licitação, tornando-se obrigatório constar do edital ou carta-convite a marca e, se for o caso, o modelo do bem desejado, padronizado nos termos do Decreto, da Portaria ou do ato tal ou qual. Esse esclarecimento é necessário para circunscrever o universo de proponentes e indicar que se trata de aquisição de bens padronizados. A licitação será inexigível se um só for o fornecedor do bem padronizado. Desse modo, a padronização por si só, não libera a Administração Pública de licitar.”[8]

Por mais que a modalidade convite esteja prevista nos Regulamentos de licitação dos Serviços Sociais Autônomos, respeitando os valores máximos ali estipulados, o Tribunal de Contas da União vem emitindo julgados no sentido da preferência pela adoção de outras modalidades, como pregão ou concorrência, dependendo da natureza do objeto. É o que dispõe o Acórdão 5613/2012:      

Colegiado:Primeira Câmara

Relator: JOSÉ MÚCIO MONTEIRO

Processo: 013.780/2007-4

Acórdão: 5613 de 2012 de 18/09/2012

(...)

"1.5. Determinar ao Serviço Social do Comércio/Administração Nacional que:

(...)1.5.6. adote preferencialmente a licitação na modalidade pregão para aquisição de bens e serviços comuns, conforme dispõe a Lei 10.520/2002;"

(...)

(...)"1.6 recomendar ao Serviço Social do Comércio/Administração Nacional que adote, preferencialmente, nas aquisições de bens e serviços comuns, a licitação na modalidade pregão, com vistas a buscar maior transparência, aumento da competitividade no certame e maior celeridade no processo licitatório.

(...)

Acórdão:

(...)

"1.5.6. adote preferencialmente a licitação na modalidade pregão para aquisição de bens e serviços comuns;"

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Assim, em que pese a modalidade convite estar presente nos Regulamentos de licitação dos Serviços Sociais Autônomos, o entendimento do Tribunal de Contas da União volta-se no sentido da adoção preferencial pela modalidade pregão, em razão de sua ampla publicidade, competitividade e celeridade no processo licitatório.  


VII – Conclusões

Em razão do estudo elaborado, verifica-se que a padronização realmente mostra-se uma saída eficiente e vantajosa para a entidade, desde que precedida de um estudo técnico sobre sua viabilidade.

A padronização possui grandes vantagens, pois evita aquisição de objetos diferentes nos seus componentes, na qualidade, durabilidade, não interferindo na rotina administrativa, manutenção, assistência técnica e custos. Por outro lado, a entidade torna-se dependente de um só produtor ou fornecedor, acarretando possíveis prejuízos como elevação de preços em razão de impostos, falta de produtos e peças de reposição, demora na entrega e na assistência técnica.

A padronização exige uma análise técnica, mercadológica e da própria natureza do objeto, pois existem produtos em que a vida útil no mercado é rápida, acarretando grande desvalorização, como, por exemplo, veículos, cuja padronização não traz grandes vantagens ao ente licitante. Em contrapartida, equipamentos como notebooks padronizados facilitam a manutenção pelo departamento técnico competente.

Partindo dessa premissa, a necessidade de abertura de um procedimento prévio, visando ao estudo das vantagens e desvantagens da padronização, de uma maneira técnica, mostra-se o melhor caminho a ser percorrido, inclusive tendo grande amparo e recomendação do Tribunal de Contas da União.

Note-se que a padronização é muito bem aceita pelo TCU e até mesmo pelo Poder Judiciário, e muitas vezes até recomendada. Porém, não é aconselhável sua utilização de forma generalizada, até mesmo por não haver previsão legal nos Regulamentos de licitação dos Serviços Sociais Autônomos.

A padronização não afasta o dever de licitar, muito pelo contrário. Apenas em casos isolados, em que realmente reste comprovada a vantagem técnica da padronização, será inexigível a licitação, se o fornecedor detiver exclusividade sobre o objeto padronizado.

Não é pelo fato de o objeto estar padronizado que se justifica a utilização da modalidade convite no processo licitatório. Obviamente que os Regulamentos de licitação dos Serviços Sociais Autônomos permitem a abertura do certame sob a égide dessa modalidade, contudo, recentes julgados do Tribunal de Contas da União recomendam a preferência pela utilização do pregão como modalidade licitatória, em razão de sua publicidade e maior competitividade.


Notas

[1] Carlos Pinto Coelho Motta – Eficácia nas licitações & contratos. 7ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

[2] Acórdão 62/2007 – Processo 020.516/2006-4 – Ministro Relator Marcos Bemquerer, DOU 02/02/2007***

[3]JUSTEN FILHO, Marçal. COMENTÁRIOS À LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. 11ª ed. São Paulo: Dialética, 2005.

[4]Deverá o órgão demandante constatar que o valor para a padronização não poderá ser superior a contratação de um responsável técnico para justificar a uniformização.

[5] Hely Lopes Meirelles - Curso de Direito Administrativo, São Paulo/SP. 1993, p. 104

[6] José Cretella Junior – Licitações Públicas – 10ª Ed., Forense, 1997, p. 242.

[7] http://jus.com.br/revista/texto/429/a-qualidade-na-lei-de-licitacoes

[8]  Diógenes Gasparin - Direito Administrativo, 7ª ed., São Paulo, 2002, p. 397

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Sobre o autor
Thiago Ducci Toninelo

Advogado, regularmente inscrito na OAB/PR, pertencente ao corpo jurídico do SEBRAE/PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TONINELO, Thiago Ducci. A padronização nas entidades dos serviços sociais autônomos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4481, 8 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33561. Acesso em: 23 abr. 2024.

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