Responsabilidade civil estatal: morte de detento nas dependências de estabelecimento prisional

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23/02/2015 às 11:59

Resumo:


  • A responsabilidade do Estado por morte de detento é objetiva, baseada na teoria do risco administrativo, pois assume o dever de vigilância e incolumidade do preso.

  • Em casos de suicídio de detentos, a responsabilidade estatal é subjetiva, exigindo prova de falha específica do Estado na proteção do interno.

  • A indenização por danos morais em decorrência da morte de detento é presumida, e os valores são fixados com base na razoabilidade e proporcionalidade, considerando a capacidade econômica do Estado e a extensão do sofrimento da vítima.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

[...] Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, não se exige a prova do valor efetivamente desembolsado com despesas de funeral, se o montante arbitrado em juízo não se afigura excessivo. Precedentes.A jurisprudência desta Corte Superior há muito converge no sentido de que, nas famílias de baixa renda, há presunção relativa de dependência econômica entre seus membros.  Ademais, não se pode esquecer a dependência econômica do descendente em relação ao ascendente e do dever deste de prover a subsistência daquele, sendo, consequentemente, devida reparação por danos materiais ao filho menor, pela morte do pai em acidente. Precedentes. (EDcl no Ag 1407780/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/09/2012, DJe 01/10/2012) (grifo nosso)

Esse é o mosaico fático da jurisprudência do STJ aplicável, mesmo por analogia, aos danos materiais acarretados a encarcerados.  Não se olvide, por derradeiro, a plena possibilidade de cumulação dos danos materiais epigrafados com os danos morais, visto que estes possuem escopo diverso, buscando recompensar prejuízo distinto, consoante se verá a seguir.

1.4 Danos morais

Primeiramente, é de ter-se sempre em mira a finalidade da indenização por danos morais adotada no ordenamento jurídico brasileiro.

Emergem, nesse passo, duas vertentes principais a justificar a responsabilidade civil do ofensor de direitos alheiros: sob o prisma individual da vítima, a esta interessa o retorno ao status quo abalado pela agressão, ou, em caso de impossibilidade prática, como na hipótese de danos morais, a compensação da dor sofrida com a experimentação de alguma benesse, ainda que de natureza diversa da do bem lesado; por outro lado, a partir da ótica da coletividade e da posição do agressor, tem-se como escopo da responsabilidade civil a sanção ao causador do dano e a exemplaridade da condenação, devendo esta se servir à dissuasão de recalcitrância futura.

Com efeito, verifica-se o duplo escopo da condenação civil: a recomposição ou compensação do dano e a sanção do causador do dano, em razão da reprovabilidade de sua conduta.

Nessa linha, confira-se o magistério de Carlos Alberto Bittar:

Engendram-se, na teoria em debate, para os fins expostos, diferentes mecanismos de reparação, mas, basicamente, repousa ela na exigência de pagamento de certa soma de dinheiro pelo lesante ao lesado, de modo espontâneo, ou sob ordem judicial em processo próprio. Cuida-se, primordialmente, de fazer incidir sobre o patrimônio do lesante – garantia comum dos credores - a responsabilidade pelos efeitos danosos experimentados pelo lesado, repondo-se as partes no estado anterior. Vale dizer: objetiva-se restabelecer o equilíbrio no mundo fático rompido pelas consequências da ação lesiva, porque interessa à sociedade a preservação da ordem existente e a defesa dos valores que reconhece como fundamentais na convivência humana. Mas interessa também ao lesado a reconstituição de sua situação pessoal, ou, pelo menos, a minoração dos sacrifícios suportados por força de danos ocorridos. Importa, por fim, atribuir-se ao lesante os reflexos negativos resultantes de sua atuação, diante da subordinação necessária à manutenção da tranqüilidade social. Nessa linha de raciocínio, preenche a teoria em estudo os fins de chamar à reparação o lesante e sancioná-lo pelos danos produzidos a outrem, realçando-se, em sua base, a forte influência da Moral.

[...]

A estruturação dessa teoria está, realmente, marcada pelas notas básicas expostas, na medida em que desempenha, no plano civil, funções de defesa da pessoa humana em suas interações sociais, sem, contudo, desligar-se de seu espectro geral de instrumento de proteção de interesses da coletividade[20]. (grifo nosso)

A concessão dos danos morais tem por escopo proporcionar ao lesado meios para aliviar sua angústia e sentimentos feridos. Demonstrado o dano moral, como a perda do familiar presidiário ou uma lesão corporal capaz de desferir a esse mesmo familiar tamanha dor que interfira no seu plano moral, impõe-se a obrigação de indenizar.

A indenização do dano moral tem o caráter não só de compensar a dor, mas também de penalização e de prevenção para evitar a reincidência. Tal indenização deve ser fixada levando-se em conta a situação econômica das partes e a culpa do ofensor, bem como a repercussão do dano na vida do ofendido.

Para se fixar o valor indenizatório ajustável à hipótese fática concreta, deve-se sempre ponderar o ideal da reparação integral e da devolução das partes ao status quo ante. Esse princípio encontra amparo legal no artigo 947 do Código Civil.

No entanto, não sendo possível a restitutio in integrum em razão da impossibilidade material desta reposição, transforma-se a obrigação de reparar em uma obrigação de compensar, tendo vista que a finalidade da indenização consiste, justamente, em ressarcir a parte lesada.

Firmadas essas premissas, discutiremos nos próximos tópicos a legitimidade ativa para postular reparação por dano moral em juízo, os critérios usualmente empregados pela jurisprudência para fixar o valor da indenização, a presunção do dano moral em determinadas hipóteses e, por fim, abordaremos a postura crítica que se deve adotar quando um familiar busca a reparação por dano moral advinda de morte de pessoa vinculada por laço sanguíneo, mas sem proximidade fática.

1.4.1 Legitimados para ação de indenização

Na esfera da responsabilidade civil, não se questiona a legitimidade ativa concedida a qualquer pessoa que tenha sofrido um dano.

No entanto, questão delicada se posta quando a reparação é por dano moral. Qualquer terceiro, que alegadamente trouxer a juízo relação íntimo-amorosa com a vítima, pode ver a falta do ente requerido reparada patrimonialmente em juízo?

A resposta, se provada a convivência próxima e constante, é positiva. Muito embora, por analogia, seja de praxe admitir como legitimados apenas aqueles previstos no parágrafo único dos artigos 12 e 20 do Código Civil, o qual prevê a legitimidade, em se tratando de ente morto, ao cônjuge, ascendentes ou os ascendentes.

É possível, ainda, no mesmo exercício de analogia, conferir como legitimados à reparação por dano moral os legitimados à compensação por dano material do art. 948, II, do mesmo código, ampliando a legitimidade àqueles que estavam em estreita relação com a vítima, como o cônjuge, companheira, filhos, pais e irmãos menores que vivam sob o mesmo teto.

Nesse diapasão, ainda que a pessoa interessada não seja nenhuma das arroladas nos parágrafos anteriores, poderá ser considerada legitimada a postular reparação civil se demonstrar forte vínculo social com o falecido.

O Superior de Tribunal colaciona diversos julgados em que admite a legitimidade ativa ad causam de irmãos, por exemplo, a despeito de qualquer dependência econômica. Vejamos:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE DETENTO EM PRESÍDIO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. IRMÃ DA VÍTIMA. LEGITIMIDADE ATIVA. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932.

1. Irmãos são partes legítimas ad causam para pleitear indenização por danos morais em razão do falecimento de outro irmão. Precedentes do STJ. (grifo nosso)

2. O prazo prescricional de Ação de Indenização contra a Fazenda Pública é de cinco anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/1932, norma que regula a prescrição de "todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza".

3. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no REsp 1197876/RR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 02/03/2011)


RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. MORTE DE PRESIDIÁRIO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. LEGITIMIDADE ATIVA. IRMÃOS DA VÍTIMA. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 20.910/32.

1 e 2. [...]

3. Os irmãos da vítima ostentam legitimidade ativa ad causam para pleitear indenização por danos morais e em razão do falecimento de outro irmão. Precedentes do STJ: Resp 1054443/MT, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 31/08/2009; AgRg no Ag 833.554/RJ, QUARTA TURMA, DJe 02/02/2009; REsp 254.318/RJ, QUARTA TURMA, DJ 07/05/2001.

3. [...]

4. Agravo Regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1184880/RR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, DJe 01/07/2010).

Nesses moldes, se um infortúnio aflorar-se num presídio, com o ceifamento da vida de um interno, pode cogitar-se a postulação em juízo, por dano moral, segundo pensamos, frise-se, até de seu companheiro de cela, bastando a prova de união duradoura e visceral com a vítima e que a morte lhe acarretou imensa dor psicológica.

1.4.2 Dano presumido: dano in re ipsa

Para a demonstração do dano moral àqueles que perdem um ente querido nas dependências de um estabelecimento prisional, basta a realização da prova do nexo causal entre a conduta (indevida ou ilícita), o resultado danoso e o fato. Não se trata de uma presunção legal, pois é perfeitamente admissível a produção de contraprova, se demonstrado que não consiste numa presunção natural.

Trata-se de dano moral in re ipsa, que dispensa a comprovação da extensão dos danos, sendo esses evidenciados pelas circunstâncias do fato. Nesse sentido, destaca-se a lição do Des. Sérgio Cavalieri Filho:

Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.

Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum[21].(grifo nosso)

Afigura-se, portanto, despicienda qualquer prova de angústia moral pelos interessados na reparação extrapatrimonial. Provou-se o dano, exsurge o dever de indenizar, provado fictamente pelas balizas de experiência ordinária do homem médio.

1.4.3 Parâmetros de fixação

No concernente ao valor dos danos morais, há de se considerar uma série de circunstâncias. Em regra, a jurisprudência dispõe que o valor da indenização deve atentar-se para a pessoa do ofendido e do ofensor; a medida do padrão sociocultural da vítima; a extensão da lesão ao direito; a intensidade do sofrimento e sua duração; e as condições econômicas do ofendido e as do ofensor. Deve-se relevar, ainda, o caráter pedagógico-preventivo da medida.

Todavia, a real dimensão externa da ingerência do ato lesivo no âmbito psicológico da vítima é que deflagrará o quantum indenizatório devido. Para tanto, é necessário sopesar, nesta esfera eminentemente subjetiva, se há interferência direta do meio social dos sujeitos, das especificidades do objeto, e, finalmente, os efeitos jurídico-econômicos.

Aliado a esses critérios de julgamento, deve-se buscar sempre o bom senso e a razoabilidade, esteios para o arbitramento desta medida. Não se pode desconsiderar, noutra senda, a exequibilidade do encargo pelo agente responsável.

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Cumpre mencionar a lição de Sílvio Sálvio Venosa:

Qualquer indenização não pode ser tão mínima a ponto de nada reparar, nem tão grande a ponto de levar à penúria o ofensor, criando para o estado mais um problema social. Isso é mais perfeitamente válido no dano moral. Não pode igualmente a indenização ser um instrumento de enriquecimento sem causa para a vítima; nem ser de tal forma insignificante ao ponto de ser irrelevante ao ofensor, como meio punitivo e educativo, uma vez que a indenização desse já tem também essa finalidade [22].

À vista da inexistência de parâmetros legais para fixação do valor do dano extrapatrimonial, o julgador deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade[23]. Outrossim, deve atentar para a natureza jurídica da indenização[24], que deve constituir uma pena ao causador do dano e, concomitantemente, compensação ao lesado, além de cumprir seu cunho pedagógico sem caracterizar enriquecimento ilícito.

Nesse sentido é a lição de Caio Mário da Silva Pereira, nos seguintes termos:

A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva[25].

Sérgio Cavalieri Filho, ao tratar do arbitramento do dano moral, assim se manifestou:

Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e consequências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes[26].

No ponto específico tratado neste trabalho – a responsabilidade estatal pela incolumidade dos presidiários -, é preciso estabelecer que a capacidade econômica do ofensor (Estado) é exponencialmente considerável e deve balizar a fixação do quantum indenizatório. Por outro lado, não se pode permitir o enriquecimento sem causa do ofendido.

Os tribunais estaduais, de modo geral, na ocorrência de morte de detento, costumam fixar a indenização no patamar de R$ 30.000,00 a R$ 70.000,00[27], montante este que ganha reforma na instância superior (STJ) apenas se considerado ínfimo ou exagerado[28], quer seja, se verificada ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade já entabulados.

1.4.4 Releitura da presunção: o afastamento afetivo entre vítima e familiar

A seara relativa à indenização por dano moral é a que talvez revele hoje a exigência maior dos juízes no apego àquele traço que, desde nossos antepassados romanos, lhes deve ser inerente: a prudência. Nessa linha - como bem denunciou Sergio Cavalieri Filho -, para que, “depois de ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da inacumulatividade com dano material, não nos enveredemos pela fase de sua industrialização[29]”.

Outra questão interessante nesse campo é a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da legitimidade ativa para pleitear o ressarcimento do dano moral, na medida em que, se todos aqueles que sofressem abalo moral pudessem buscar sua compensação, ter-se-ia a esdrúxula situação de, por exemplo, fãs de hipotético astro da música morto[30] requererem judicialmente a verba compensatória. Ao reverso, não se mostra razoável que a cadeia de legitimados para pedir a compensação de uma dor moral se estenda ad infinitum, a agasalhar todos os parentes, amigos ou, até mesmo, admiradores da vítima.

À míngua de qualquer previsão de rol de legitimados ao dano moral no ordenamento jurídico brasileiro, incumbe à doutrina e à jurisprudência a tarefa de estabelecer os limites da razoabilidade.

Como pontuado no item 3.3.3.1 (Legitimados para ação de indenização), mostra-se necessária a prova de estreita relação afetiva entre vítima e interessado para deflagrar a responsabilidade civil.

Com efeito, muito embora a legitimidade para pleitear-se indenização por danos morais, decorrentes de morte, tenha tido como pressuposto o grau de parentesco entre a vítima e o requerente, tal solução não é destituída de causa. Em realidade, a depender do grau de parentesco, presume-se a existência de laços afetivos sólidos, cujo rompimento em razão da morte do querido ente gera sofrimento indenizável.

Destarte, mostra-se relevante à determinação da legitimidade para receber indenização por dano moral, em última análise, e sobretudo, os laços afetivos entre a vítima, em vida, e o autor da ação, cuja existência é presumida em parentes próximos, porquanto nesses casos os fatos tidos por danosos, de regra, conseguem ingressar na esfera da dignidade da pessoa, causando-lhe abalo moral.

Daí porque a lição de Carlos Alberto Bittar Filho, para quem:

As pessoas legitimadas são, exatamente, aquelas que mantêm vínculos firmes de amor, de amizade ou de afeição, como os parentes mais próximos; os cônjuges que vivem em comum; os unidos estavelmente, desde que exista a afetiva aproximação e nos limites da lei, quando, por expresso, definidos (como na sucessão, em que se opera até o quarto grau, pois a lei presume que não mais prospera, daí, em diante, a afeição natural, C. Civ., art. 1.612)[31].

No mesmo sentido, trazemos a lume o magistério de Arnaldo Rizzardo:

Nem se toma por empréstimo a ordem erigida para a sucessão hereditária, pois distintos os pressupostos para admitir o dano moral, sendo eles o vínculo do amor, da afeição, da amizade, do entrelaçamento de sentimentos, da vida em comum, de modo a cada um sentir na própria carne aquilo que acontece com outro[32].

Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

(...) o entendimento jurisprudencial desta Corte é no sentido de que a prova do dano moral se satisfaz, em determinados casos, com a demonstração do fato externo que o originou e pela experiência comum. No caso específico, em que houve morte, a dor da família é presumida, sendo desnecessária fundamentação extensiva a respeito. (REsp 204.825/RR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEGUNDA TURMA, julgado em 17.09.2002, DJ de 15.12.2003, p. 245)

Nessa esteira, não fica difícil concluir que, muito embora a proximidade do grau de parentesco possa, de regra, conduzir à legitimidade para o pedido de indenização em razão de morte, tal não se verifica sempre, porquanto, como bem lembrado por Cavalieri, a presunção é iuris tantum de que há abalo moral na perda de parentes de grau próximo, havendo possibilidade, com efeito, de demonstração em contrário.

Tal constatação coaduna-se com a mais moderna doutrina acerca dessa realidade social metamórfica chamada "família[33]".

Nesses lindes, entendemos que não deve o direito fechar os olhos para casos em que o contexto fático revela afastamento entre o familiar falecido e o interessado, pois pensar de modo diverso é valorar positivamente um falso abalo psicológico e estimular ainda mais a indústria do dano moral que vige neste país.

Admitimos que pensar deste modo é entabular tese sem grande adesão, contudo, a fim de subsidiá-la, é preciso observar a práxis de, na fixação do quantum indenizatório, pretender-se à valoração da proximidade entre os familiares, em caso de falecimento. Assim, se referido raciocínio é aplicado na quantificação da extensão do dano, pela lógica, chegará a um ponto em que o afastamento dos familiares será de tal modo que sequer existirá valor a reparar e, portanto, inexistirá dano moral. Como demonstração, confiram-se os arestos a seguir:

AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ACIDENTE AÉREO ENVOLVENDO O AVIÃO BOEING 737-800, DA GOL LINHAS AÉREAS, E O JATO EMBRAER/LEGACY 600, DA EXCEL AIR SERVICE. DANO MORAL. IRMÃ DA VÍTIMA FALECIDA. CABIMENTO. PRECEDENTES.

1. Os irmãos possuem legitimidade ativa ad causam para pleitear indenização por danos morais em razão do falecimento de outro irmão.  Precedentes.

2. Restou comprovado, no caso ora em análise, conforme esclarecido pelo Tribunal local, que a vítima e a autora (sua irmã) eram ligados por fortes laços afetivos. (grifo nosso)

3 e 4. (omissis)

(AgRg no Ag 1316179/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 01/02/2011)

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Sobre o autor
André Bernardes Dias

Especialista em Direito Público pela PUC-MG. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UNESA. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB. Assessor no TJDFT.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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