Responsabilidade civil estatal: morte de detento nas dependências de estabelecimento prisional

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23/02/2015 às 11:59

Resumo:


  • A responsabilidade do Estado por morte de detento é objetiva, baseada na teoria do risco administrativo, pois assume o dever de vigilância e incolumidade do preso.

  • Em casos de suicídio de detentos, a responsabilidade estatal é subjetiva, exigindo prova de falha específica do Estado na proteção do interno.

  • A indenização por danos morais em decorrência da morte de detento é presumida, e os valores são fixados com base na razoabilidade e proporcionalidade, considerando a capacidade econômica do Estado e a extensão do sofrimento da vítima.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FALECIMENTO DE MILITAR NO CUMPRIMENTO DO SERVIÇO. DANOS MORAIS. CABIMENTO. COMPROVAÇÃO DE CULPA OU DOLO. PRESCINDIBILIDADE. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. JUROS MORATÓRIOS. 12% AO ANO A PARTIR DO CC/2002. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO.

(...)

9. No dano moral por morte, a dor dos pais e filhos é presumida, sendo desnecessária fundamentação extensiva a respeito, cabendo ao réu fazer prova em sentido contrário, como na hipótese de distanciamento afetivo ou inimizade entre o falecido e aquele que postula indenização. (grifo nosso)

 (REsp 963.353/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2009, DJe 27/08/2009)

Forçoso concluir, portanto, que não se pode olvidar de avaliar a pertinência fática daquele ente querido que, por infortúnio, sucumbiu-se, em face do pedido do familiar pretendente, mesmo que impere, na hipótese, presunção de afetividade. Tolerar o contrário é distorcer regras basilares de responsabilidade civil.

NOTAS DE REFERÊNCIA E NOTAS EXPLICATIVAS

[1] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 1319-1321.

[2] Vide p. 110 deste trabalho, na qual há citações de ementas de julgados do TJMG e do TJRS com adoção da responsabilidade subjetiva.

[3]  (ARE 638467 RG, Relator (a): Min. LUIZ FUX, julgado em 20/09/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 03-10-2012 PUBLIC 04-10-2012). Nota: o recurso, até o presente momento, não foi julgado.

[4] Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de um milhão de pessoas morrem, todos os anos, no mundo, vitimadas pelo suicídio, o que resulta em taxa global de 16 casos por 100 mil habitantes. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade por suicídios é de 4,5 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. Ou seja, cerca de 8 mil suicídios são praticados todos os anos em nosso país, sem contar os casos de tentativa, sendo o suicídio hoje uma das três causas mais frequentes de morte entre homens e mulheres entre 15 e 44 anos. Nessa contextura, não há surpresa para as recorrentes mortes por suicídio dentro das penitenciárias, lugares que, normalmente, desfazem a vontade de viver de seus habitantes. Disponível em: < http://noticias.terra.com.br/mundo/oms-n-de-mortos-por-suicidio-chega-a-1-milhao-por-ano,ba68ca96d81ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>. Acesso em: 21 fev. 2013.

[5] A respeito do princípio da reserva do possível como óbice à efetivação dos direitos de 2ª geração, o sempre brilhante Ministro Celso de Mello discorre, no julgamento do RE 436996: “Não se ignora a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política”.

[6] SANTIAGO, Leonardo Ayres. A responsabilidade extracontratual do Estado na hipótese de suicídio de presos sob sua custódia. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1751, [17]abr. [2008]. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11168>. Acesso em: 20 fev. 2013.

[7] “As desordens mentais (particularmente depressão e abuso de substâncias químicas, especialmente álcool e drogas) estão associadas a mais de 90% de todos os casos de suicídio. Normalmente, os suicídios ocorrem durante períodos de crise da família ou diante de uma decepção ou frustração decorrente, por exemplo, do fim de um relacionalmente conjugal, fim ou crise do namoro, perda do emprego, endividamento pessoal, ou até mesmo dificuldade nos estudos”. BELINATI, Roberval Casemiro. Responsabilidade Civil de Shopping Center em caso de suicídio. Disponível em: < http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2009/responsabilidade-civil-de-shopping-center-em-caso-de-suicidio-desembargador-roberval-belinati>. Acesso em: 19 fev. 2012.

Nota do autor: na esfera dos suicídios dentro das penitenciárias, acreditamos que a principal causa seja a completa ausência de ânimo do indivíduo de sujeitar-se a condições humanas tão degradantes.

[8] SANTIAGO, op. Cit., artigo da internet.

[9] BANDEIRA DE MELLO, op. Cit., p. 628-629.

[10] CAHALI, op. cit., p. 508-510.

[11] Como apontado alhures, a fim de trazer segurança a julgados dessa estirpe, foi reconhecida a repercussão geral da matéria, veiculada no Informativo STF nº 682:

Repercussão geral em ARE n.638.467-RS

Relator: Min. Luiz Fux

Recurso Extraordinário com Agravo. Responsabilidade civil objetiva do estado por morte de detento. Relevância da matéria e transcendência de interesses. Manifestação pela existência de repercussão geral da questão constitucional.

[12] (ARE 700927 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 2808/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 14-09-2012 PUBLIC 17-09-2012).

[13] (REsp 847.687/GO, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 25/06/2007, p. 221).

[14] “Se o Poder Público despoja os internos em certo presídio de quaisquer recursos que lhes permitam atentar contra a própria vida, não pode eximir-se de responsabilidade em relação ao suicídio de algum ou alguns detentos a respeito dos quais se omitiu na adoção de igual cautela”. (BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 978).

[15] “[...] coisas corpóreas como casa, automóvel, livro, enfim, o direito de propriedade. As incorpóreas, por sua vez, podem ser um título de crédito, por exemplo.” (CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 73).

[16] Art. 948 do Código Civil: “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.

[17] CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 104.

[18] (REsp 402874/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 06/06/2002, DJ 01/07/2002 p. 351). No mesmo sentido:  “Não é devida a indenização por danos materiais prevista no art. 1537, inc. II, do CC quando não ficar provada ou presumível for a contribuição da vítima para o sustento econômico do lar de seus genitores. Precedentes”. (REsp 348072/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2001, DJ 18/02/2002 p. 425). (grifo nosso)

[19] Súmula 229/STF: “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”.

[20] BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 25-27.

[21] CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 100-101.

[22] VENOSA, Sílvio Sálvio. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 2004, p. 320.

[23] (REsp 797.836/MG, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, j. 02.05.2006).

[24] “A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e satisfação compensatória. [...] Penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor. [...] Satisfatória ou compensatória [...] a reparação pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 94).

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"Segundo nosso entendimento a indenização da dor moral, sem descurar desses critérios e circunstâncias que o caso concreto exigir, há de buscar, como regra, duplo objetivo: caráter compensatório e função punitiva da sanção (prevenção e repressão), ou seja: a) condenar o agente causador do dano ao pagamento de certa importância em dinheiro, de modo a puni-lo e desestimulá-lo da prática futura de atos semelhantes; b) compensar a vítima com uma importância mais ou menos aleatória, em valor fixo e pago de uma só vez, pela perda que se mostrar irreparável, ou pela dor e humilhação impostas." (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 1709).

[25] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 60.

[26] CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 93.

[27] (Apelação Cível Nº 70051922995, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 13/12/2012); (Acórdão n.642588, 20080110109032APO, Relator: CRUZ MACEDO, Revisor: FERNANDO HABIBE, 4ª Turma Civel, TJDFT, Publicado no DJE: 07/01/2013. Pág.: 185); (Ap Cível/Reex Necessário 1.0194.11.008412-7/001, Rel. Des.(a) Albergaria Costa, 3ª CÂMARA CÍVEL, TJMG, julgamento em 31/01/2013, publicação da súmula em 08/02/2013).

[28]Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na instância ordinária, atendendo às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade”. (EDcl no AREsp 63.608/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 01/02/2013) (grifo nosso)

[29] CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 80.

[30] Ibidem, p. 91.

[31] BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 156.

[32] RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 274.

[33] No julgamento do REsp 945.283/RN, o Ministro Luis Felipe Salomão conceituou a alcunha família nos verbetes: “o que deve balizar o conceito de “família” é, sobretudo, o princípio da afetividade, que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico”. (REsp 945.283/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe 28/09/2009).

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Sobre o autor
André Bernardes Dias

Especialista em Direito Público pela PUC-MG. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UNESA. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB. Assessor no TJDFT.

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