Atualmente os Procons, Fóruns e Juizados Especiais do país se encontram abarrotados de reclamações contra excessos praticados pelas operadoras de plano de saúde, que, na verdade, sofre fiscalização da ANS, uma agência governamental que resta submetida a um Conselho Interministerial, o CONSU, sendo certo que os gestores destas operadoras devem cumprir as resoluções da ANS sob pena de sofrerem uma série de restrições administrativas, civis (indenizações) e penais (crimes).
Já existem centenas de resoluções da ANS em vigor, que acabaram levando à proibição de cheques-caução (deixar-se um cheque em garantia para o pagamento ao paciente dar entrada nos hospitais – conduta que, posteriormente à sua vedação administrativa foi corroborada pelo legislador como crime), à garantia de cobertura de tratamentos psiquiátricos, disciplinou-se tratamentos de visão (oftalmologia), proibição de discriminação de idosos nos reajustes etc...
E vale lembrar, tal rol de resoluções não é de interpretação restrita (sistema interpretativo em numerus clausus), mas, ao revés, implica em sistema de interpretação aberta (numerus apertus), ou seja, tais resoluções acabam por implicar em um rol meramente exemplificativo, um conteúdo mínimo, a ser observado em contratos desta natureza (regidos pela Lei dos Planos de Saúde).
Sobre a questão, inclusive, de se observar aresto, deste ano, oriundo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no sentido de que:
TJ-MG - Agravo de Instrumento-Cv AI 10056140249576001 MG (TJ-MG) Data de publicação: 03/07/2015 Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - TUTELA ANTECIPADA - PLANO DE SÁUDE - REALIZAÇÃO PROCEDIMENTO CIRURGICO - FORNECIMENTO MATERIAIS - RESOLUÇÃO NORMATIVA ANS - MULTA POR DESCUMPRIMENTO. I - O rol de procedimentos lançados pela ANS não é taxativo, devendo ser acolhido, apenas, como um panorama de cobertura mínima a ser observada pelos planos privados de assistência à saúde. II - As cominações impostas pelo descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, denominadas de astreintes, são dotadas de coercibilidade e tem por finalidade o cumprimento da obrigação imposta.
Com o mesmo teor, oriundo do mesmo Tribunal:
TJ-MG - Apelação Cível AC 10223120209869001 MG (TJ-MG) Data de publicação: 22/08/2014 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. APLICAÇÃO DO CDC . EXAME. RESOLUÇÃO DA ANS. AUSÊNCIA DE EXCLUSÃO TAXATIVA. COBERTURA DO PROCEDIMENTO. 1. Ao contrato de prestação de serviços de atendimento médico são aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor , em especial os princípios da boa-fé e da transparência contratual. 2. Revela-se abusiva e injusta a negativa de cobertura de procedimento quando não há cláusula restritiva clara e precisa no contrato. 3. O rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde não é taxativo, não possuindo função limitadora, mas apenas garantidora de cobertura mínima a ser observada pelas operadoras de plano de saúde.
Tal interpretação extensiva, não é entendimento isolado do Tribunal mineiro, eis que outros Tribunais do país igualmente o adotam. À guisa de mera exemplificação, entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
TJ-DF - Apelação Cível APC 20140111346783 (TJ-DF) Data de publicação: 19/05/2015 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA PARA TRATAMENTO DE HÉRNIA DE DISCO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA RESOLUÇÃO DA ANS. IRRELEVÂNCIA. ROL EXEMPLIFICATIVO. EXORBITÂNCIA DA MULTA. ALEGAÇÃO PREJUDICADA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. A cláusula do contrato de seguro de saúde que condiciona a cobertura de dado procedimento à previsão na Resolução da ANS é nula de pleno direito, já que coloca o consumidor em situação de extrema desvantagem (artigo 51 , IV do Código de Defesa do Consumidor ). Além disso, o rol pretendido é meramente exemplificativo, não podendo prevalecer quando existirem outros procedimentos mais adequados para o tratamento do paciente. 2. Tendo em vista que já houve a realização da cirurgia perseguida, resta prejudicada a discussão acerca do valor da multa arbitrada para o caso de descumprimento. 3. Apelação não provida.
Outro exemplo importante foi o da resolução nº 186 de 15 de janeiro de 2.009 – que dispõe sobre portabilidade de carências - como existia um prazo de noventa dias para as operadoras de plano de saúde se adaptarem às novas regras, isso pode ser invocado pelos consumidores a partir de abril de 2.009.
Tal portabilidade veio a ser admitida até mesmo nos chamados planos empresariais, em que se verificou o falecimento do titular levando seus sucessores a contratar novo plano com ajuste individual. Nesse sentido, precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que se pede vênia para transcrever:
TJ-SP - Apelação APL 00052203820118260666 SP 0005220-38.2011.8.26.0666 (TJ-SP) Data de publicação: 28/05/2014 Ementa: PLANO DE SAÚDE. AUTORA BENEFICIÁRIA DE PLANO DE SAÚDE EMPRESARIAL. FALECIMENTO DO TITULAR. CONTRATAÇÃO DE AJUSTE INDIVIDUAL. RECONTAGEM DE CARÊNCIAS. IMPOSSIBILDIADE. PORTABILIDADE. RESOLUÇÃO DA ANS. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Plano de saúde. Autora beneficiária de ajuste coletivo. Falecimento do marido, titular. Término da extensão oferecida pela operadora originária. Contratação de ajuste individual. Imposição de novas carências. Impossibilidade. 2. Portabilidade de carências. Resolução da ANS. Recontagem de carências na contratação de plano individual após término de contrato coletivo. Ausência de carências no contrato anterior. Abusividade. Procedência do pedido. Recurso não provido.
Tal desrespeito da portabilidade, inclusive, tem legitimado a propositura de demandas fundadas na caracterização de dano moral, o que tem sido reconhecido pelos Tribunais pátrios. Nesse sentido:
TJ-SP - Apelação APL 40005834420138260071 SP 4000583-44.2013.8.26.0071 (TJ-SP) Data de publicação: 23/07/2014 Ementa: PLANO DE SAÚDE. CONTRATAÇÃO DE PLANO INDIVIDUAL APÓS DESCADASTRAMENTO DE COLETIVO. RECONTAGEM DE CARÊNCIAS. IMPOSSIBILDIADE. PORTABILIDADE. RESOLUÇÃO DA ANS. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. Plano de saúde. Autora beneficiária de ajuste coletivo. Descredenciamento. Contratação de ajuste individual. Imposição de novas carências. Impossibilidade. Irrelevância da declaração de saúde que, ademais, não foi precedida de requerimento de exames pela ré. 2. Portabilidade de carências. Resolução da ANS. Recontagem de carências na contratação de plano individual após término de contrato coletivo. Ausência de carências no contrato anterior. Abusividade. Procedência do pedido. 3. Dano moral. Caracterização in re ipsa. Indenização devida (R$ 15.000,00). Recurso da ré não provido. Apelo da autora provido.
Tais resoluções que procuram garantir benefícios que já se tornaram comuns em outros tipos de contrato (por exemplo, nos contratos de telefonia), como a garantia de não se perder carências em caso de trocas de operadoras (se o consumidor já tem um plano, pelo qual cumpriu carência de exames complementares e tratamentos de alta complexidade, e resolve mudar para um outro plano, não perderá essas carências – como até então vinha ocorrendo), e isso é altamente produtivo num sistema constitucional como o nosso, em que a liberdade de escolhas deve prosperar (com isso, o consumidor poderá escolher planos que lhe sejam mais atrativos, em que a concorrência se fará salutar, com menores preços e maiores benefícios).
No dia 6 de julho de 2015, foi publicada a mais recente resolução da ANS, a de nº 368, que disciplina a nova sistemática de partos em planos de saúde, com a necessidade de se orientar adequadamente a paciente em estado gravídico a respeito das vantagens do parto normal, com menos riscos para a gestante e para o bebê, exigindo-se, ainda, novo documento, o “partograma”, com todas as informações clínicas da paciente que estiver prestes a dar a luz, além disso estabelece a necessidade de um termo de consentimento expresso da gestante que optar pela cirurgia de cesariana, além de criar um ranking entre os médicos obstetras de acordo com a proporção de partos normais e por cirurgia cesariana que praticarem.
Esse sistema que cria um modelo de orientação da paciente, acerca de vantagens e desvantagens melhor assegura a hipossuficiente técnica, qual seja, a pessoa gestante, muitas vezes mal assessorada no momento de optar por um procedimento médico, de modo que parece muito positiva a preocupação da agência reguladora, a respeito de tal questão. E, ainda mais, busca orientar melhor a consumidora acerca dos riscos dos procedimentos envolvidos, inclusive, risco de vida, melhor cumprindo algo que já deveria estar sendo observado, desde há muito, que seria o direito à informação adequada (artigo 6º, inciso III da Lei nº 8.078/90, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor).
Lamentavelmente, algumas empresas pretendem apostar (e isso se dá em todos os setores da economia) na morosidade do Poder Judiciário como forma de aplicação financeira, e, nessa lógica, confiam que devam negar benefícios para que se discuta no Poder Judiciário, por anos, se existe, ou não o direito (com isso, o dinheiro que a operadora gastaria no tratamento, ficaria em uma aplicação financeira, rendendo juros, em detrimento dos consumidores).
No entanto, tal mentalidade que poderia fazer sentido nas décadas de 1.980 e 1.990, hoje não mais pode ser aceita, eis que existem mecanismos sempre utilizados pelos juízes do país, como cautelares e antecipações de tutela, com multas diárias, muitas vezes em valores altos, que garantem soluções rápidas deste tipo de problema e que, diariamente, são aplicadas em ações judiciais (o correto mesmo é o consumidor buscar consultar um advogado com experiência na área para saber se pode obter êxito em uma demanda deste gênero). Aguarda-se, ansiosamente, que o Superior Tribunal de Justiça analise logo a questão referente acerca da possibilidade de se impor a taxa Selic como juros moratórios, o que, certamente, será fator de desestímulo àqueles que pretendam ver em demandas judiciais morosas, chances de lucros financeiros (a odiosa teoria dos grandes números).
Os prazos de carência estão expressamente previstos na Lei nº 9.656/98 (ao menos no que se refere à chamada carência mínima, ou seja, a operadora não pode exigir além disso, embora possa oferecer carências menores do que essas em benefício dos consumidores), no artigo 12, sendo certo que se referem, basicamente, aos prazos de vinte e quatro horas para urgência e emergência, no chamado tratamento ambulatorial, trezentos dias para partos e cento e oitenta dias nos demais casos não previstos em lei (cumulativamente aproveitados se houver contrato anterior, nos termos da atual regulamentação da ANS) e, se o plano de saúde se recusar, sem justo motivo, a cumprir qualquer dessas resoluções, além da possível prática de ilícito a ser comunicada ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, pode ser comunicada à ANS (no site da instituição – ans.gov.br - existe um nº de telefone para contato – que, na data de hoje é informado como 0800 701 9656) para que tome providências administrativas em face dos administradores destas empresas (nos limites do artigo 35 da Lei nº 9656/98 – a Lei dos Planos de Saúde), nunca se podendo esquecer, como é cediço, que contratos de plano de saúde e de seguro-saúde implicam, expressamente, em relações de consumo, como consta de modo expresso da lei e restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 469/STJ).