Capa da publicação Direito ao fornecimento da fosfoetanolamina para pacientes com câncer
Capa: Marcos Santos/USP
Artigo Destaque dos editores

Considerações sobre o fornecimento da fosfoetanolamina para pacientes com câncer

Leia nesta página:

Centenas de pacientes tem recorrido à Justiça para garantir acesso à substância fosfoetalonamina no combate ao câncer.

Nas últimas semanas, a imprensa tem noticiado freneticamente a discussão em torno da fosfoetanolamina e muitas pessoas tem nos consultado manifestado dúvidas sobre o assunto.

A fim de procurar colaborar com a discussão, tecemos as seguintes considerações.

A fosfoetanolamina (ou fosfoamina) é uma substância estudada há mais de 20 anos por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos e que seria eficaz no tratamento contra o câncer.

Até 2014, a substância era produzida pela USP e distribuída gratuitamente aos interessados. Posteriormente, foi publicada uma Portaria pela universidade determinando que substâncias experimentais devem ter registro junto aos órgãos competentes antes de serem fornecidas à população.

Diante disso, inúmeros pacientes tem recorrido à Justiça como forma de buscar garantir o acesso à substância.

Recentemente, após uma decisão do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de Justiça de São Paulo reviu seu posicionamento, mantendo em vigor inúmeras liminares que determinaram à USP o fornecimento do produto.

Antes de mais nada, é importante destacar que a fosfoetanolamina não é um medicamento, não contando sequer com registro na Anvisa. Desta forma, não necessita de receita ou prescrição médica como condição para o seu fornecimento.

Por outro lado, há inúmeros relatos de pacientes que fazem uso da substância e apresentam melhora significativa em seus quadros, reportando alívio de dores, retardamento do avanço da doença, redução de tumores e há, até mesmo, casos relatados de curas.

Numa situação como esta, é natural que pacientes e familiares se apeguem à substância como uma esperança e que a classe médica, por sua vez, se mostre dividida.

O fato é que não se pode desconsiderar os relatos positivos de mais 800 pacientes ao longo dos últimos 20 anos.

Do ponto de vista jurídico, o Judiciário tem se mostrado favorável ao fornecimento da substância.

Neste sentido:

DIREITO CONSTITUCIONAL – SAÚDE – SUPLEMENTO – UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – FORNECIMENTO – OBRIGATORIEDADE – O suplemento “fosfoetanolamina”, fruto de pesquisa desenvolvida pela USP há 20 anos envolvendo mais de 800 pessoas, possui comprovada eficiência no tratamento do câncer – Desse modo, deve ser restabelecido o fornecimento ao autor, enquanto necessitar – Sentença de procedência mantida. Reexame necessário e recurso voluntário não providos“. (TJ-SP – APL: 10105839020148260566 SP 1010583-90.2014.8.26.0566, Relator: Oscild de Lima Júnior, Data de Julgamento: 08/09/2015, 11ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 10/09/2015)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE SUBSTÂNCIA NÃO REGISTRADO NA ANVISA. EXCEPCIONALIDADE. Alegação da Universidade de São Paulo – USP no sentido da impossibilidade de fornecer substância denominada “fosfoetanolamina sintética” para tratamento da enfermidade que acomete o agravado. Excepcionalidade da situação, que recomenda a superação desta exigência, sobretudo em face da gravidade da doença – decisão mantida. Recurso desprovido“. (TJ-SP – AI: 21308119220158260000 SP 2130811-92.2015.8.26.0000, Relator: Nogueira Diefenthaler, Data de Julgamento: 06/08/2015, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 08/08/2015)

Conforme o próprio Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador Renato Nalini reconheceu em recente decisão: “Pondo-se de parte a questão médica, que se refere à avaliação da melhora, do ponto de vista jurídico há uma real contraposição de princípios fundamentais. De um lado, está a necessidade de resguardo da legalidade e da segurança dos procedimentos que tornam possível a comercialização no Brasil de medicamentos seguros. Por outro, há necessidade de proteção do direito à saúde. Por uma lógica de ponderação de princípios em que se sabe que nenhum valor prepondera de forma absoluta sobre os demais, tem-se que é a verificação do caso concreto a pedra de toque para que um princípio se imponha. Conquanto legalidade e saúde sejam ambos princípios igualmente fundamentais, na atual circunstância, o maior risco de perecimento é mesmo o da garantia à saúde. Por essa linha de raciocínio, que deve ter sido também a que conduziu a decisão do STF, é possível a liberação da entrega da substância”.

De fato, evidentemente cabe às esferas legislativas e órgãos competentes levarem a efeito as providências necessárias ao estudo concreto e definitivo da substância, permitindo, se o caso, o seu registro formal.

Enquanto isto não ocorre, há que se ter em mente que o direito à vida e à saúde é constitucionalmente garantido e deve preponderar sobre aspectos formais e burocráticos.

Há inúmeras decisões judiciais em que se assentou que a ausência do registro na Anvisa não é, necessariamente um óbice ao acesso do produto indicado para determinado tratamento.

Por ocasião do julgamento do Recurso de Apelação nº 884.834-5/1-00, o Tribunal Bandeirante assentou: “Quanto à ausência de registro do medicamento junto à ANVISA, ou à falta de autorização de uso pelo Ministério da Saúde, não equivale, “data vênia”, a proibição de seu consumo. A jurisprudência deste E. Tribunal vem se consolidando no sentido de que, no fornecimento de remédios, o interesse público sempre deve prevalecer sobre o particular. Mas, entre os argumentos da Fazenda do Estado, fortes e que devem ser considerados na consecução da norma constitucional garantidora do direito assegurado no art. 196, da Constituição Federal, e o direito à dignidade da pessoa (art. 5º), especialmente o da pessoa portadora de doença grave, como é o caso dos autos, o julgador, por razões de ordem ética e jurídica, só tem uma opção: o respeito indeclinável à vida.”

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

De fato, e como já mencionado, o fato de não ser se considerada um medicamento, o fornecimento da fosfoetanolamina prescinde de receita ou prescrição médica.

Assim, entendemos que os pacientes, desde que devidamente esclarecidos e inequivocamente conscientes dos riscos inerentes ao uso de uma substância experimental, devem ter acesso garantido ao produto, sendo em muitos casos, uma última esperança de melhor qualidade de vida e, quiçá, de cura.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luciano Correia Bueno Brandão

Advogado com atuação exclusiva na área de Saúde. Especialista em Direito da Medicina pela Universidade de Coimbra/Portugal (UC). Especialista em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito (EPD). Extensão em “Responsabilidade Civil na Área de Saúde” pela Fundação Getúlio Vargas (GVlaw) . Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Membro efetivo da ”Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e Assistência Médica” da OAB/SP. Membro efetivo da "Comissão Especial de Direito Médico" da OAB/SP. Membro da World Association for Medical Law (WAML).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Luciano Correia Bueno. Considerações sobre o fornecimento da fosfoetanolamina para pacientes com câncer. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4490, 17 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43703. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Este artigo representa a opinião jurídica de seu autor e não implica endosso de seu conteúdo pelo Jus Navigandi.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos